quinta-feira, 20 de março de 2014

07 - Teoria do Crime - Fato Típico - Conduta

Análise da Estrutura do Fato Típico

A estrutura do fato típico sempre conta com ao menos dois elementos: conduta e tipicidade (tanto nos crimes materiais, quanto nos formais e nos de mera conduta). Entretanto, os crimes materiais contam com mais dois elementos: resultado e nexo de causalidade.

Portanto, são os seguintes os elementos, isto é, os pilares estruturais do fato típico (sem um desses pilares, a estrutura desmorona, e o fato não será típico):

Este estudo da conduta, portanto, importa àquelas três modalidades de delito (materiais, formais e de mera conduta).


1) Conduta

Gênero de comportamento humano que possui duas espécies para sua realização: ação ou omissão.
  • Os penalistas antigos como Nélson Hungria não usavam a expressão "conduta", mas do contrário usavam a expressão "ação", tanto para indicar condutas ativas como para apontar as omissões. Algumas teorias buscaram explicar essa razão na conduta, dentre elas:

1.1) Teoria Naturalística, ou Clássica, ou Causal, ou Mecanicista (Von Liszt) - SUPERADA

Dolo e culpa integram a culpabilidade, culpabilidade esta que está fora do fato típico, mas dentro do conceito de crime.
  • Para esta teoria, a conduta é o comportamento humano, voluntário, que produz um resultado, isto é, uma modificação no mundo das coisas (ex.: maquinista que opera voluntariamente o trem, obedecendo as regras, quando um suicida se joga na frente da composição. Para esta teoria, o maquinista realizou conduta, pois operava o trem voluntariamente. Apesar disso, ele não será condenado, pois não há culpabilidade - ele nem quis este resultado, como também não agiu violando dever de cuidado);
  • Significa dizer que, para esta teoria, dolo e culpa não integram a conduta, mas a culpabilidade. Para essa teoria, é possível conduta sem dolo ou culpa: basta um movimento voluntário do corpo;
  • Esta teoria recebeu inúmeras críticas, pois afirmava que a conduta era um ato de vontade, mas de outro lado ela retirava da conduta o conteúdo da vontade, dolo e culpa, trazendo aí uma contradição;
  • Para ela, conduta é um comportamento que necessariamente causa um resultado, e ela deixa de explicar os crimes sem resultado, que são os crimes formais, os de mera conduta, os omissivos próprios e a tentativa.

1.2) Teoria Finalística (Hanz Welzel)

Dolo e culpa integram a conduta, um dos pilares da estrutura do fato típico. Se faltar dolo ou culpa, há ausência da conduta tipificada, e não haverá crime.
  • Para essa teoria, conduta é o comportamento humano voluntário e consciente dirigido a um fim (finalista). Nessa teoria, dolo e culpa pertence à conduta, e não à culpabilidade (ex.: no exemplo dado com relação ao maquinista, para a teoria finalista, não houve conduta do mesmo, pois ao atropelar o suicida, o maquinista não agiu com dolo ou com culpa, pois ele operava o trem de maneira correta. Como não houve conduta, o fato será atípico);
  • Para esta teoria, a conduta possui dois aspectos:
  • Externo: que representa o corpo; 
  • Interno: ou psicológico, que representa sua intenção, dolo ou culpa.
No crime culposo, o resultado é involuntário: não faz parte da finalidade do agente. Este é o ponto fraco da Teoria Finalísta, pois essa teoria afirma que toda conduta é dirigida a um fim. Porém, os finalistas afirmam que mesmo num crime culposo, a conduta é dirigida a um fim, mas um fim diverso do resultado involuntário que foi alcançado. O fim do agente é destinado a violar o dever objetivo de cuidado, não o de produzir o resultado.
  • Sobre os efeitos da Teoria Finalista na estrutura do crime (e não na estrutura do fato típico):
  • O primeiro finalista brasileiro foi Heleno Cláudio Fragoso. É incorreta a seguinte afirmação: "segundo o Finalismo, o crime é fato típico e antijurídico". Isto porque os pioneiros do finalismo, Welzel e Fragoso, afirmaram que crime é fato típico + antijurídico + culpável.
  • Sendo assim, há duas categorias de finalistas: os bipartidos, representados por Dotti, Mirabete e Damásio; e os tripartidos, representados por Welzel, Fragoso e Reale Jr.:
  • Teoria Finalista Bipartida: crime = fato típico + antijurídico:
  • Trata-se do conceito analítico do crime, afirmando que o crime possui dois elementos: fato típico e antijuridicidade, considerando a culpabilidade mero pressuposto da pena (aplicação da pena). Esta teoria bipartida é de origem brasileira, tendo sido criada na década de 1970 pelo penalista paranaense René Ariel Dotti;
  • Teoria Finalista Tripartida: crime = fato típico + antijurídico + culpável:
  • Trata-se do conceito analítico do crime, afirmando que o crime possui três elementos: fato típico, antijurídico e culpável, considerando a culpabilidade como integrante conceitual do tipo, e não como mero pressuposto da pena. Criada na Alemanha na década de 1930.
Destaque-se que, em ambos os casos, dolo e culpa estão dentro do fato típico, e não na culpabilidade. Por isso é equivocado falar que na Teoria Finalista o crime é apenas fato típico + antijurídico (essa é na verdade a Teoria Finalista, em sua vertente Bipartida).

A Teoria Finalista Tripartida diz que o crime é fato típico + antijurídico + culpável. 


1.3) Teoria Social da Conduta (Johannes Wessels)

Para essa teoria, não há a introdução de um novo estudo. Significa dizer, ela não é propriamente uma nova teoria, mas um complemento, um desdobramento das duas anteriores, introduzindo um novo elemento. Por isso, a teoria social desdobra-se em duas:
  • Teoria Social Naturalística: para ela, conduta é o comportamento humano, voluntário e socialmente relevante, que produz um resultado;
  • Teoria Social Finalística: para ela, conduta é o comportamento humano, voluntário, consciente e socialmente relevante, dirigido a um fim.
Percebe-se aí que a Teoria Social traz os mesmos elementos das anteriores e portanto é sujeita as mesmas observações. Além disso, consagra o novo elemento "socialmente relevante". Com isso, todo tipo penal se transforma em um tipo aberto, permitindo a intromissão na ciência penal de questões ideológicas e por isso abrindo lacunas que geram absolvições.

A norma penal incriminadora é aquela que descreve uma conduta e prevê uma respectiva sanção. Ela pode ser:
  • Proibitiva: proíbe um comportamento;
  • Preceptiva: determina ao agente que ele realize uma ação, pois a lei incrimina a omissão. É a norma que está presente nos crimes omissivos impróprios, impuros, espúrios ou comissivos por omissão (ex.: mãe que deixa de alimentar o filho, e este vem a óbito, se enquadra em duas normas ao mesmo tempo: CP, art. 121 e 13, §2º, em que se incrimina sua omissão).

1.4) Casos de Ausência de Conduta

Nessas situações, o agente não pratica conduta, ou seja, não está agindo com uma finalidade consciente e voluntariamente. O fato será considerado atípico; logo, o agente será absolvido.

a) Ato reflexo: é aquele em que não há opção de vontade (ex.: piscar os olhos, susto, etc. - não há conduta pois não há vontade);

b) Ato inconsciente: sem consciência, não há expressão da vontade (ex.: hipnose, sonambulismo);

c) Coação física irresistível: quando o coagido (coacto) é um mero instrumento nas mãos do coator. O coagido será um prolongamento dos braços do coator, um instrumento da vontade do coator e, no caso, não será possível exigir um comportamento; não é dele a conduta (ex.: dois homens seguram a mão da jovem, fazendo com que ela puxe o gatilho, matando o rapaz);
  • Coação moral irresistível: o coagido atua com opção, mas existe sobre ele uma grave ameaça, uma situação em que não se pode exigir uma conduta conforme o direito. A exigibilidade de conduta diversa é um dos requisitos da culpabilidade (a ser estudados fora da análise do fato típico), em que o coagido ficará isento de pena;
d) Caso fortuito ou força maior (ex.: sujeito se omite de ajudar porque foi defenestrado).


1.5) Formas da Conduta

a) Ação: movimento do corpo;

b) Omissão: não realização da conduta esperada;
  • A omissão pode ocorrer de duas formas:
  • Por inércia muscular (ficar parado); 
  • Pela prática de uma ação diversa da esperada - tanto se omite quem fica parado sem auxiliar, como aquele que sai correndo do local ao invés de ajudar. Portanto, é possível que haja omissão por meio de ação. 
  • Os crimes omissivos podem ser:
  • Puros ou próprios, quando a lei descreve uma omissão (ex.: omissão de socorro - CP, art. 135); 
  • Impuros, impróprios, espúrios ou comissivos por omissão: a lei descreve uma ação, mas atribui o resultado àquele que tinha o dever jurídico de impedir o resultado (ex.: mãe que deixa de alimentar o filho; se o filho morre, a conduta da mãe é o homicídio). É uma norma penal híbrida. O dever jurídico de agir pode ser: 
  • Genérico: é destinado a todas as pessoas que não se enquadram no rol do CP, art. 13, §2º. O dever genérico protege a vida e a saúde, mas não o patrimônio; 
  • Específico: é aquele direcionado às pessoas do CP, art. 13, §2º. O dever específico tutela a vida, a saúde e o patrimônio de outrem (ex.: o policial que se omite diante do crime de furto, responde pelo furto).
  • Casos do dever jurídico de agir - esse dever decorre de 3 fatores:
  • Lei - CP, art. 13, §2º, a: não importa se a lei é penal ou extrapenal, como o dever dos pais de zelar pelos filhos - CF/88, art. 227; CC; ECA; ou ainda o dever dos agentes de proteger os cidadãos (ex.: a autoridade que deve zelar pelo detento, razão pela qual se faz exame de corpo de delito para constatação de que a autoridade não o agrediu); 
  • Posição de garante - CP, art. 13, §2º, b: ocorre quando o agente assume o compromisso, contratual ou não, oneroso ou gratuito, de zelar por alguém, por sua integridade ou por seu patrimônio (ex.: aluno na escola);
  • Ingerência - CP, art. 13, §2º, c: o agente cria uma situação de perigo onde antes nada havia, a partir de então surge o dever de impedir o resultado, sob pena de responder por esse resultado (ex.: desafio de natação).
Naturalmente, nem toda omissão é uma conduta omissiva punida pelo direito penal. Com efeito, se não houve conduta, não se forma a estrutura do fato típico (ex.: omitiu socorro porque entrou em choque; a mãe não alimentou o filho porque o pai se comprometeu fazê-lo; não zelou do detento porque este fugiu; não cuidou do aluno porque foi rendido; não salvou o desafiado na natação porque foi pego por tubarão).
  • O CP e a legislação extravagante trazem duas situações inusitadas:
  • Se o agente causar lesão corporal em alguém por culpa, e dolosamente se omitir à prestar socorro, responderá por algo menos grave do que a previsão do art. 13, §2º, c;
  • A ausência de socorro dolosa, a princípio, iria fazer com que o agente respondesse por homicídio doloso a teor do art. 13, §2º, c. Entretanto, consoante as previsões do art. 121, §4º, ou no CTB, art. 302, Parágrafo único, III, o agente irá responder por homicídio culposo; 
  • A contradição reside porque nos dois últimos casos houve lesão, e o agente irá responder de maneira menos grave do que no caso do CP, em que não houve qualquer lesão.


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