quarta-feira, 19 de março de 2014

01 - Direito Agrário - Introdução

1) Introdução ao Direito Agrário

1.1) Conceito

Normalmente, os autores se referem a uma certa dificuldade quanto ao conceito de direito agrário, até pela especificidade de seu objeto. A doutrina especializada, nada obstante, traz alguns conceitos esclarecedores. A esse respeito, por exemplo, diz o Professor Arnaldo Rizzardo: "o Direito Agrário é um conjunto de normas de direito público e privado que visam a disciplinar as relações decorrentes da atividade rural, com base na função social da propriedade". Por outro lado, há quem conceitue de modo pouco distinto, como é o caso de Tormim Borges, que assim se coloca: "Direito Agrário é o conjunto sistemático de normas jurídicas que visam a disciplinar as relações do homem com a terra, tendo em vista o progresso econômico do rurícola e o enriquecimento da comunidade". Percebe-se por estes conceitos que o grande fundamento do Direito Agrário diz respeito à necessidade de se organizar juridicamente a posse da terra, de tal modo que o acesso a ela e à atividade agrícola se realize de uma maneira igualitária, em prol do bem estar da sociedade e do bom desenvolvimento econômico do país.


1.2) Objeto do Direito Agrário

No tocante ao objeto do Direito Agrário, a doutrina de uma maneira geral admite que ele se constitua pela "atividade agrária". Em outros termos, o que se quer dizer com isto é que o Direito Agrário tem o propósito de disciplinar todo tipo de atividade que diga respeito ao campo, à posse da terra, a extração de benefícios, etc. Diante disto, é a "atividade agrária", entendida como resultado da ação humana sobre a natureza, em participação funcional, como condicionante do processo produtivo, o grande motivo da existência do Direito Agrário.

Como o conceito de atividade agrária é bastante abrangente, vale a pena salientar que ele compreende a exploração de atividade rurais típicas (agricultura, pecuária, etc.), assim como as atividades agrárias atípicas (agronegócio, agroindustria, etc.) e bem assim outras atividades complementares àquelas vinculadas (transporte, comercialização de produtos agrícolas, etc.).


1.3) Finalidade do Direito Agrário

Quando se investiga a finalidade do Direito Agrário, normalmente se depara com o fato de se tratar de um ramo do direito brasileiro estabelecido recentemente, e em virtude de necessidades sociais objetivas. Registre-se que o Direito Agrário veio a ter lugar em meados dos anos 60, no século passado quando por meio de uma Emenda Constitucional, se atribuiu à União o dever de legislar sobre a matéria. É por isto que logo depois foi editada a Lei nº 4.504/64, que se estabeleceu com um propósito firme e objetivo: regular a atividade agrária com vistas à facilitação e promoção da reforma agrária (art. 1º - Estatuto da Terra).

A  necessidade de uma exploração racional da terra por meio de sua redistribuição tomou vulto nos anos 60, quando veio à tona a questão dos latifúndios, da acumulação da propriedade da terra nas mãos de um percentual pequeníssimo da população, que se defrontava permanentemente com a pobreza e a fome no campo. Dessa maneira, movimentos sociais internos e internacionais realizaram intensos debates, especialmente na América Latina, provocando a reação dos governos sul-americanos, entre eles o do Brasil. Particularmente aqui, a distribuição da terra se fez desde o princípio de modo irracional, o que provém da distribuição pela coroa portuguesa das sesmarias em benefícios de alguns potentados. Desde aquela época, então, o latifúndio passou a ser um dado da realidade rural brasileira.

  • Sesmaria: forma de obtenção da posse de terras, cuja propriedade pertencia à Coroa, sob a condição de cultivá-las, torná-las produtivas;
  • Potentado: pessoa poderosa.
Esclarecidos estes pontos, torna-se possível afirmar que a finalidade do Direito Agrário é a de regular direitos e obrigações concernentes aos imóveis rurais, para viabilizar a reforma agrária e impor uma política agrícola.


1.4) Fontes do Direito Agrário

a) CF/88: o texto constitucional, a partir do art. 184, no Título relativo à Ordem Econômica, vem disciplinar a chamada Política Agrícola Nacional. Logo, as primeiras fontes se encontram entre o art. 184 e 191 da Constituição;

b) Lei: no campo da legislação ordinária, a fonte primordial é o denominado Estatuto da Terra, introduzido pela Lei nº 4.504/64, que traça as diretrizes fundamentais do Direito Agrário para o país. Outras leis ordinárias compõem um feixe legislativo responsável pela matéria, como é o caso da legislação do trabalhador rural, da Lei Complementar nº 88/96 (procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária), assim como da Lei Complementar nº 93/98 (Institui o Fundo de Terras e da Reforma Agrária - Banco da Terra), dentre outras;

c) Princípios do Direito Agrário;

d) Diretivas internacionais destacadas em Convenções ou Tratados firmados pelo Brasil.


1.5) Princípios do Direito Agrário 

A doutrina especializada faz alusão permanente ao conjunto de princípios que regem o direito agrário. O princípio fundamental, sempre referido, é o relativo à função social da propriedade rural. A partir dele, se concebem outros princípios, tais como o da justiça social, o da prevalência do interesse coletivo, o da fixação do homem no campo, o do acesso à propriedade da terra, sem prejuízo do princípio da preservação da biodiversidade, dentre outros.

a) Função Social da Propriedade Rural

Conforme sabido, o princípio da função social da propriedade, admitido constitucionalmente já no art. 5º, XVI, passou a ser um elemento integrante do direito de propriedade, em todas as suas hipóteses. Como se sabe, função social exprime uma ideia de ônus que pesa sobre o titular da situação proprietária, e que se reflete por meio de encargos de interesse social que seu direito lhe impõe. Nessa medida, a função social opera sobre o proprietário de tal maneira a lhe fixar limites positivos e negativos, indicando a necessidade de que ele realize as faculdades que o direito lhe permite de modo obrigatório, e ao mesmo tempo não o faça de modo a transgredir interesses coletivos ou individuais que precisam ser preservados. Na hipótese da função social da propriedade rural, o constituinte agiu de maneira absolutamente clara, dispondo no art. 186 da CF/88 que a propriedade rural só cumpre a função social à medida que, em relação a ela se constate: 

  • Aproveitamento racional e adequada da terra (produtividade);
  • Utilização adequada dos recursos naturais, além da preservação do meio-ambiente;
  • Exploração de maneira a promover o bem estar do proprietário e dos trabalhadores rurais que lhe prestam serviços.
É nessa medida que se vislumbram todos os institutos de direito agrário, uma vez permanentemente dependentes desse preceito geral. 

Melhor expressão de função social: "a propriedade obriga" (Leon Duguit) ao exercício da propriedade. Todo direito está inclinado à satisfação de um interesse social.


b) Justiça Social

Segundo este princípio, o Direito Agrário deve atuar no sentido de promover a eliminação do latifúndio improdutivo e, também, na direção de favorecer o acesso do homem do campo à terra, seja por meio da Reforma Agrária e respectiva redistribuição das áreas rurais em prol de pequenos proprietários, seja por intermédio do favorecimento a direitos de exploração da terra concebidos por meios contratuais, etc.


c) Prevalência do interesse coletivo

Segundo a doutrina, o Direito Agrário tem uma face eminentemente social, definindo-se suas normas pelo objetivo de promover no campo a redistribuição da propriedade da terra e o bem-estar de todos aqueles que a exploram, sejam proprietários ou rurícolas. Por isso, o Direito Agrário é uma matéria em que se persegue um interesse que vai além do privado, destinando-se a permitir a uma coletividade específica de pessoas garantias indispensáveis à dignidade humana. Em resumo, ele se destina ao atendimento de um direito supraindividual, daí porque suas normas são sempre de ordem pública e imperativas em qualquer circunstância.


d) Acesso à Propriedade da Terra e à Permanência Nela

Segundo esse principio, o Direito Agrário deve valer-se de seus instrumentos para permitir ao trabalhador rural o acesso à terra, seja por meio da reforma agrária, que tem prioridade, seja por intermédio de outras fórmulas que garantam ao trabalhador rural comum a exploração econômica da terra para subsistência própria e de sua família. A isto se junta o principio da permanência do homem na terra, preceito que impõe ao sistema o dever de viabilizar por todos os meios a manutenção da população rural junto à terra, seja por meio de facilitação da usucapião, seja por meio de desapropriações para fins de reforma agrária, ou outros aptos a garantia dessa finalidade.


e) Respeito à Biodiversidade e ao Meio-Ambiente

Trata-se de princípio segundo o qual o Direito Agrário deve, ao regular as relações entre o homem e a terra, militar em favor da preservação do meio ambiente, da garantia de preservação da fauna e, enfim, da biodiversidade, como elemento imprescindível da atividade agrária.


1.6) Conceitos Relevantes de Direito Agrário

a) Imóvel rural: a definição de imóvel rural é fornecida pelo Estatuto da Terra, em seu art. 4º. Dessa maneira, se diz que o imóvel rural corresponde "ao prédio rústico, de área contínua, qualquer que seja a sua localização, desde que se destine à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, através de projeto público ou privado;

  • Embora a Lei nº 8.629/1993, que regula o art. 184 da CF/88, seja criticada permanentemente, o fato é que suas disposições consagram o critério da destinação, apesar de leis anteriores se fixarem no critério da localização. Então, tem prevalecido o critério da destinação inapelavelmente;
b) Minifúndio: imóvel rural de possibilidades inferiores à propriedade familiar, de tal modo a se constituir por uma pequena gleba que, mesmo trabalhada por toda a família, não permite uma produção capaz de prover seu sustento;

c) Latifúndio: imóvel rural que tem área igual ou superior ao módulo rural, mantido inexplorado ou com exploração insuficiente de suas potencialidades (abuso do exercício do direito de propriedade pela ausência de função social). O latifúndio pode se apresentar como:

  • Latifúndio por extensão, cuja característica é a grande extensão de terras (600 vezes o módulo rural); 
  • Latifúndio pode também se apresentar latifúndio por exploração, que se caracteriza pela deficiente e irracional exploração econômica da terra. 
d) Propriedade familiar: a propriedade familiar se caracteriza por ser aquela em que há uma exploração direta e pessoal da terra pelo agricultor e sua família, com absorção de toda sua força de trabalho, para garantia de sua subsistência pessoal e familiar, em gleba cuja área máxima deve ser fixada por região. Requisitos da propriedade familiar:

  • Título de domínio;
  • Exploração direta e pessoal;
  • Área ideal para cada tipo de atividade;
  • Possibilidade da prestação de serviços por terceiro.
e) Módulo rural: conceituado pela legislação como área de terra que, trabalhada direta e pessoalmente pelo proprietário, se revela necessária e suficiente para a garantia de seu sustento. Trata-se de mínima unidade parcelar de terra rural, que comporte uma exploração agrícola eficiente.

  • Medida do módulo rural: a sua medida é variável, de acordo com os fins, de tal modo a inexistir um padrão geral de referência. Veja-se que seu conceito trás pontos subjetivos como "área necessária e suficiente para garantir sustento da família";
  • Características: 
  • Área limitada a um espaço mínimo garantidor de exploração agrícola;
  • Padrão cabível apenas para a propriedade rural, especialmente a familiar; 
  • Medidas variáveis de acordo com dois fatores, ou seja, tipo de atividade rural e região do país.
f) Módulo fiscal: trata-se de unidade de medida, expressa em hectares, fixada para cada município, e que considera para esse fim o tipo de atividade predominante, a renda obtida, etc. Sua finalidade é tributária (oferecer base de cálculo para o ITR).


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