quinta-feira, 20 de março de 2014

01 - Crimes contra a Pessoa - Homicídio

A Parte Especial do Código Penal, que prevê os diversos crimes, classifica-os de acordo com o seu bem jurídico (ou objeto jurídico). Objeto jurídico é o bem tutelado pela norma penal. O legislador elabora os tipos penais, objetivando proteger esses bens, como a vida, o patrimônio, a honra, etc. Como o primeiro dos bens é a pessoa humana, o Título I da Parte Especial do Código Penal prevê os crimes contra a pessoa. Seu Capítulo 1º prevê os crimes contra o maior bem da pessoa, a vida.

I - Crimes contra a pessoa.

Capítulo 1º - Crimes contra a vida (CP, art. 121 a 128)

Estes crimes, quando forem dolosos (que é a regra geral), serão da competência do júri (CF/88, art. 5º, XXXVIII, d), seja na forma consumada, seja na forma tentada.

1) Homicídio

É o tipo mais curto do CP, pois consiste em "matar alguém". É a morte de um ser-humano provocada por outro. 

1.1) Objeto jurídico

A vida humana, a partir do início do parto até a morte. Prevalece o entendimento de que o início do parto ocorre com o rompimento do saco amniótico (membrana que envolve o feto). A vida humana anterior ao início do parto é protegida pela tipificação do aborto.

1.2) Sujeito ativo (quem pode ser autor)

Trata-se de crime comum, ou seja, aquele cujo autor pode ser qualquer pessoa, não se exigindo uma condição particular no sujeito ativo.

Homídio praticado por xifópagos (irmãos siameses): se os dois são autores do homicídio, ambos cumprirão a pena. No entanto, se apenas um deles praticou o crime sem a adesão do outro e não for possível a separação cirúrgica, ambos deverão ser absolvidos, pois é melhor deixar de punir um culpado do que punir um inocente.

1.3) Sujeito passivo

Qualquer pessoa humana viva, a partir do início do parto. 

A morte de um animal de estimação não configura homicídio (lógico), mas é crime de dano (CP, art. 163).

Algumas práticas de homicídio, no entanto, configura outro crime, e não o do art. 121. Matar o Presidente da República, o Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado ou do STF é crime contra a segurança nacional (Lei nº 7.170/83, art. 29), da competência do júri federal.

Por outro lado,  a morte praticada com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso não configura este crime de homicídio, mas sim o crime de genocídio (Lei nº 2.889/56, art. 1º), da competência do juiz singular pois o objeto jurídico principal não é a vida, mas o grupo.


1.4) Tipo objetivo

Tipo é a descrição legal de uma conduta. O núcleo do tipo no art. 121 é matar (o verbo), ou seja, provocar a morte de alguém. 

A forma de execução é livre, podendo o crime ser praticado por ação (ex.: dar um tiro, infundir um vírus - homicídio patológico - , etc.) ou por omissão.

Nessa forma comissiva por omissão, é preciso que o agente tenha o dever jurídico de evitar o resultado, nos termos do CP, art. 13, §2º. Ex.: querendo matar o filho, a mãe deixa de alimentá-lo; para matar o doente, o enfermeiro deixa de lhe ministrar a medicação.

1.5) Consumação

Trata-se de crime material (a consumação exige o resultado que o agente pretende), pois a consumação ocorre quando se verifica o resultado morte da vítima.

Discute-se o momento em que ocorre a morte, prevalecendo que isso ocorre com a morte cerebral. Morte cerebral é a paralisação irreversível dos impulsos cerebrais, que pode anteceder a chamada morte clínica que é a paralisação irreversível dos batimentos cardíacos e da respiração. Neste sentido, a Lei 9.434/97, art. 3º (Lei de remoção de órgãos para transplante) autoriza a remoção de órgãos após constatada a morte cerebral, antes da morte clínica. Da mesma forma, o desligamento de aparelhos que mantém os batimentos cardíacos e a respiração de alguém que já teve morte cerebral não configura homicídio. 

A tentativa é possível, verificando-se quando, iniciados os atos executórios, a morte não ocorre por circunstâncias alheias à vontade do agente. A tentativa de homicídio pode ou não deixar lesões da vítima. Aquela que deixa lesões é chamada de tentativa cruenta; aquela que não deixa lesões é chamada de tentativa branca ou incruenta. O dolo do agente distingue a tentativa cruenta de homicídio do crime de lesão corporal consumada. Na tentativa de homicídio, o agente tem dolo de matar mas não o consegue. Na lesão corporal, o agente tem dolo de ferir, e consegue ferir. A verificação de qual era o dolo do agente é feita através das circunstâncias do fato, como local da lesão, número de golpes, arma utilizada, etc.

1.6) Tipo subjetivo

O homicídio é punido tanto na forma dolosa (regra, CP, art. 121, caput, §§1º e 2º) como na forma culposa (exceção, §3º). 

O dolo de matar é o animus necandi (ânimo de matar), podendo ser dolo direto (ele quer o resultado) ou eventual (ele não quer o resultado, mas assume se acontecer).

1.7) Crime hediondo

O homicídio doloso é considerado hediondo apenas nas formas qualificadas do §2º ou, na forma simples, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio (Lei nº 8.072/90, art. 1º, II).

1.8) Homicídio privilegiado (CP, art. 121, §1º - causa de redução de pena)

Privilégios são circunstâncias que abrandam a gravidade da conduta, razão pela qual a lei estabelece diminuição de pena de 1/6 a 1/3. Embora a lei diga que nessas hipóteses o Juiz pode reduzir a pena, é entendimento pacífico que, se os jurados reconhecerem a circunstância, o Juiz, ao fixar a pena, é obrigado a fazer a redução, cabendo-lhe decidir apenas de quanto esta será, dentro dos limites legais.

a) Motivo de relevante valor social: o agente mata com o objetivo de proteger um interesse de uma coletividade. Ex.: matar um tirano ou o bandido que aterroriza um bairro.

b) Motivo de relevante valor moral: o agente mata buscando satisfazer um interesse pessoal, o qual é aprovado pelo comum das pessoas, pela chamada moralidade média. As pessoas não aprovam o homicídio, mas sim o interesse que o agente buscou satisfazer. Ex.: o pai mata o estuprador de sua filha, ou mata o traficante que viciou seu filho.
Obs.:
- Eutanásia (ou "homicídio piedoso", ou "boa morte"): é a morte realizada a pedido ou com o consentimento de vítima que sofre de enfermidade incurável ou muito penosa, com o objetivo exclusivo de abreviar o seu sofrimento. Nossa legislação não exclui a ilicitude da eutanásia, a qual, portanto, configura crime de homicídio. No entanto, aplica-se a ela o privilégio do relevante valor moral, pois o interesse de fazer cessar o sofrimento é aprovado pela moralidade média.
A eutanásia não se confunde com a ortotanásia.
- Ortotanásia (ou eutanásia passiva, ou eutanásia por omissão): o agente simplesmente desliga os aparelhos ou cessa o tratamento que mantinha a vítima viva, e ela vem a morrer. Na eutanásia a morte é provocada artificialmente (ex.: sufocar, injetar uma substância na veia, etc.). Na ortotanásia, a morte é natural.
A rigor, a ortotanásia é um homicídio na forma comissiva por omissão. Ela é reprovada pelo Código de Ética Médica. No entanto, a jurisprudência tem considerado que na ortotanásia incide uma causa supralegal de exclusão da ilicitude, não havendo crime.

c) Homicídio emocional: é aquele praticado sob o domínio de violenta emoção logo depois de injusta provocação da vítima. Para configuração desde privilégio, são necessários 3 requisitos:

- Domínio de violenta emoção: o agente atua tomado por uma emoção arrebatadora que o impulsiona violentamente a praticar o crime de forma irrefletida. Ex.: um cônjuge encontra o outro em pleno adultério e mata. Este domínio da emoção não se confunde com a mera influência da emoção, que configura a atenuante genérica do CP, art. 65, III, c. A influência permite que o agente facilmente se domine, deixando de praticar o crime;

- Provocação injusta da vítima: injusta é qualquer provocação contrária ao direito, não necessariamente criminosa. Assim, por exemplo, o adultério não é crime, mas é uma provocação injusta. Se a provocação for justa, ou seja, não contrariar o direito, o privilégio não se aplica. Ex.: a mulher anuncia o marido que quer o divórcio, e este, dominado por violenta emoção, a mata.

- Reação imediata: entre a provocação e a reação do agente não pode ter decorrido tempo suficiente para fazer desaparecer o domínio da violenta emoção. A reação deve ocorrer logo depois da injusta provocação. Portanto, o homicídio emocional é incompatível com a premeditação.
Obs.: sobre a incomunicabilidade dos privilégios - nos termos do CP, art. 30, não se comunicam entre coautores ou partícipes as circunstâncias subjetivas, ou seja, de caráter pessoal, salvo se estas forem elementares do crime (elementares são circunstâncias sem as quais a conduta se torna atípica ou passa a configurar outro crime). Todas as circunstâncias que configuram os privilégios no homicídios são subjetivas, pois estão no agente; elas não constituem elementares, pois sem elas a conduta continua configurando homicídio. Ex.: pai induz amigo a matar o estuprador da filha, o privilégio só se aplica ao pai, não se comunicando o amigo.

1.9) Homicídio Qualificado (CP, art. 121, §2º)

Qualificadoras são circunstâncias que tornam a conduta mais grave e para as quais a lei prevê pena mais severa com mínimo e máximo próprios, diferentes da forma simples. Elas não se confundem com as causas de aumento de pena, em que se aplica a pena da forma simples com o aumento variável.


a) Homicídio mediante paga, promessa de recompensa ou outro motivo torpe. 

Nesta e em outras qualificadoras, a lei emprega a interpretação analógica, que consiste no emprego de uma fórmula genérica (ex.: "motivo torpe"), de exemplos dela (ex: paga ou promessa de recompensa), com a possibilidade de o intérprete, diante de situações análogas aos exemplos identifica-las como configuradoras da fórmula genérica. Assim, por exemplo, se o filho mata o pai para receber a herança, a hipótese tem analogia com o homicídio mediante paga, que é realizado por dinheiro, e a hipótese também configura motivo torpe. 

O homicídio mediante paga ou promessa de recompensa é chamado de homicídio mercenário. Paga é a remuneração antecipada à execução do crime. Promessa de recompensa é a expectativa de remuneração para depois da execução do crime. Trata-se de crime bilateral ou de concurso necessário, pois exige alguém que paga ou promete e um outro que executa. Não há dúvida de que a qualificadora se aplica ao executor, pois é ele que age movido pela paga ou promessa. Discute-se se esta qualificadora se comunica do executor ao mandante. Prevalece amplamente o entendimento de que a qualificadora não se comunica ao mandante, pois se trata de circunstância pessoal que não constitui elementar do homicídio. O mandante poderá responder por homicídio simples, ou qualificado por outra circunstância, ou mesmo por homicídio privilegiado (ex.: o pai que contrata um matador para executar o estuprador da filha).

"Outro motivo torpe": torpe é o motivo repugnante, abjeto, moralmente reprovável. Ex.: matar o marido para casar com a viúva; matar o chefe para ficar com o cargo; matar o pai para pegar a herança; etc.

A vingança pode ou não configurar motivo torpe, dependendo do que lhe deu causa. Assim, por exemplo, se um traficante mata outro porque este lhe tomou o ponto, o motivo é torpe. Mas se o filho vinga a morte do pai, a qualificadora não incide.


b) Motivo fútil

Motivo leviano, insignificante, que revela uma imensa desproporção entre o homicídio e aquilo que lhe deu causa. Ex.: matar a mulher porque lhe serviu comida fria; matar o motorista porque lhe fechou no trânsito. 

Para que incida a qualificadora, é preciso que o motivo fútil tenha sido apurado. A falta de motivo não se equipara a motivo fútil, pois pode significar apenas que o motivo não foi apurado.

Quando o homicídio é procedido de uma violenta discussão com troca de ofensas, não há motivo fútil, ainda que o motivo da discussão tenha sido fútil. Nessa hipótese o motivo do homicídio é a discussão, e não aquilo que deu causa a ela. Ex.: um motorista fecha outro no trânsito, discutem violentamente, e um mata o outro. Nessa hipótese não só não incide a qualificadora, como o homicídio poderá ser até mesmo privilegiado pelo domínio da violenta emoção.

O ciúme pode ou não ser motivo fútil, dependendo do que o motivou. Assim, e o marido mata a mulher porque ela tem um amante, o motivo não é fútil. No entanto, se ele a mata porque ele cumprimentou um colega na rua, a qualificadora incide.


c) Qualificadoras dos meios empregados

Veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso, cruel ou de que possa resultar perigo comum. Novamente, o legislador usa a interpretação analógica:
- veneno é exemplo de meio insidioso; 
- fogo, asfixia e tortura são exemplos de meio cruel; 
- explosivo é exemplo de meio de que possa resultar perigo comum.

Meio insidioso é aquele aplicado dissimuladamente, sem que a vítima o perceba (escondido, camuflado). Ex.: colocar veneno na bebida, sabotar veículo, etc.
Obs.: o homicídio por meio de veneno é chamado de venefício. Considera-se veneno qualquer substância que possa provocar a morte daquela vítima concreta, ainda que seja inócua em relação a outras pessoas. Ex.: açúcar pode ser veneno se consumido por diabético, certos alimentos podem ser veneno para alérgicos, etc.

Meio cruel é aquele que sujeita a vítima a um sofrimento desnecessário, superior àquele que bastaria para lhe causar a morte. Ex.: pisoteamento, linchamento, fogo, tortura.
Obs.: o homicídio qualificado pelo meio cruel tortura não se confunde com o crime de tortura qualificado pelo resultado morte da Lei nº 9.455/97, art. 1º, §3º (Lei da Tortura). O que distingue estes crimes é o dolo do agente (elemento subjetivo do tipo, o ânimo):
- No homicídio mediante tortura, o agente quer matar e utiliza a tortura como meio para obter este resultado, ou ao menos assume o risco de matar ao empregar a tortura (dolo direto ou eventual). 
- No crime de tortura qualificado pelo resultado morte, o agente não quer nem assume o risco de matar. Seu objetivo é apenas torturar, mas ele se excede na tortura e provoca a morte por culpa (preterdolo: dolo no antecedente, culpa no consequente).
Meio de que possa resultar perigo comum é aquele que, por sua natureza é apto a gerar uma situação de risco para número indeterminado de pessoas. Ex.: explosão, desabamento, incêndio, inundação, etc. Não é preciso que tenha havido perigo concreto para terceiros. Basta que o meio seja apto a gerar esse risco. Assim, por exemplo, se o agente mata a vítima incendiando o prédio onde ela se encontra, a qualificadora incide, ainda que não haja terceiros nas proximidades.


d) Qualificadora dos modos de execução

Traição, emboscada, dissimulação, ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a reação do ofendido. 

Traição é a quebra da confiança que o agente recebia da vítima. Ex.: marido mata a mulher durante a relação sexual; o agente chama a vítima à beira de um precipício e a empurra.

Emboscada é a tocaia, o ato de se esconder para aguardar a aproximação da vítima e ataca-la de repente. 

Dissimulação é o disfarce, a ocultação da intenção criminosa para se aproximar da vítima e matá-la. Ex.: fingir que leva flores a um político; vestir uniforme de encanador para entrar na casa; etc.

Outro recurso que impossibilite ou dificulte a defesa. Ex.: matar vítima que está dormindo, ou em estado de embriaguez; atirar pelas costas; matar em grande número de pessoas; etc.


1.10) Homicídio conexional

É aquele praticado para assegura a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime.

Quando objetiva assegurar a execução de outro crime, a conexão é teleológica; nas outras hipóteses, a conexão é consequencial. Em todas as hipóteses, a conexão é com outro crime, não incidindo esta qualificadora se houver conexão com uma contravenção. Neste caso, poderá incidir a qualificadora do motivo torpe ou fútil. Ex.: matar para ocultar o jogo do bico.

Execução: o homicídio é meio necessário para a prática do outro crime. Ex.: matar o segurança para sequestrar o milionário; matar o marido para estuprar a mulher.

Ocultação: o homicídio é praticado durante a execução do outro crime para evitar a sua descoberta. Ex.: o agente é surpreendido falsificando um documento e mata a testemunha.

Impunidade: o homicídio é praticado após a execução do outro crime com o objetivo de evitar a sua descoberta. Ex.: após ter praticado um crime de incêndio, o agente toma conhecimento de que uma testemunha o viu praticar a conduta, e ele a mata.

Vantagem: o homicídio é praticado para que o agente fique com o produto ou o preço de outro crime. Ex.: após um roubo a banco, um ladrão mata o outro para ficar com todo o produto do crime; após receberem a recompensa por um homicídio, um agente mata o outro para ficar com tudo.
Obs.: sobre todas as qualificadoras: 
- comunicação das qualificadoras: as qualificadoras dos incisos I, II e V (motivo torpe, motivo fútil e homicídio conexional) são de natureza subjetiva, e não constituem elementares do homicídio. Portanto, elas não se comunicam a coautores ou partícipes. Assim, por exemplo, se o filho instiga um amigo a matar o pai para que apenas o filho fique com a herança, a qualificadora do motivo torpe só se aplica ao filho;
- as qualificadoras dos meios empregados e dos modos de execução  (incisos III e IV) são objetivas, e portanto se comunicam entre coautores e partícipes. Assim, por exemplo, se "A" induz "B" a matar alguém, e este emprega meio cruel, a qualificadora se comunica a "A".
- questão do homicídio híbrido: trata-se do homicídio ao mesmo tempo privilegiado e qualificado, no qual a redução de pena do §1º incidiria sobre a pena do homicídio qualificado do §2º.
Uma corrente minoritária não admite o homicídio qualificado-privilegiado com base principalmente numa interpretação topográfica (que leva em conta a ordem de colocação dos dispositivos legais). Para essa corrente, as causas de redução de pena que configuram o homicídio privilegiado só podem reduzir a pena que vem antes delas, ou seja, do homicídio simples do "caput", e não sobre as penas que vem depois, isto é, dos homicídio qualificado do §2º. Para essa corrente, se o legislador quisesse permitir que o privilégio também reduzisse a pena do homicídio qualificado, teria colocado a forma privilegiado depois, e não antes.
A corrente majoritária sustenta a possibilidade do homicídio privilegiado e qualificado apenas para as qualificadoras objetivas dos incisos III e IV do §2º do art. 121 (meios e modos de execução). Assim, por exemplo, nada impede que um homicídio praticado mediante meio cruel seja privilegiado pelo relevante valor social ou moral. Ex.: pai mata o estuprador da filha mediante tortura. Nessa hipótese, a redução de pena do privilégio incide sobre a pena do homicídio qualificado. 
Por outro lado, é unânime o entendimento de que as qualificadoras subjetivas (incisos I, II e V do §2º) são incompatíveis com os privilégios. Por exemplo, não pode haver homicídio por relevante valor social ou moral e também por motivo fútil ou torpe. 
Mesmo nas qualificadoras objetivas, sua compatibilidade com os privilégios nem sempre será possível, sendo necessário analisar o caso concreto. Por exemplo, a qualificadora da emboscada, embora seja objetiva, não é compatível com o homicídio emocional, pois a emboscada não se coaduna com uma reação imediata.

1.11) Causas de aumento de pena nos crime doloso (§4º, parte final)

A pena é aumentada de 1/3 se o crime é praticado contra:
- menor de 14 anos; ou 
- maior de 60. 

É preciso que o agente saiba ou assuma o risco da idade da vítima.

O art. 59 do Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/73) prevê o mesmo aumento quando a vítima é índio não integrado à sociedade. 


1.12) Homicídio Culposo (§3º)

O agente não quer nem assume o risco de matar, mas provoca a morte da vítima por falta de cuidado (imprudência, negligência ou imperícia).

No homicídio culposo de trânsito (praticado na direção de veículo automotor em via pública terrestre) não se aplica o código penal, configurando a conduta o crime do art. 302 do CTB (Lei nº 9.503/97).


1.13) Causas de aumento de pena no homicídio culposo (§4º, primeira parte)

a) Inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício: esta majorante se dirige aos profissionais, que praticam o crime no exercício de sua atividade. Para que haja essa inobservância da regra técnica, é preciso que o agente conheça a regra e a desrespeite. Ex.: objetivando diminuir o tempo de uma cirurgia, o cirurgião não realiza um procedimento obrigatório que ele conhece, e provoca a morte do paciente. Se o profissional não conhece a regra, a majorante não se aplica, havendo mera imperícia. Ex.: cirurgião novato realiza cirurgia complexa e, por imperícia, provoca a morte do paciente, por desconhecer as regras técnicas da cirurgia;

b) Omissão de socorro à vítima: o agente que teve culpa no evento deixa de prestar socorro. Ex.: limpando a arma na presença de um amigo, o agente provoca um disparo, e atinge este. Em lugar de socorre-lo, foge deixando o amigo agonizante. A jurisprudência tem entendido que se há morte instantânea e evidente, ou se a vítima é imediatamente socorrida por terceiro, a majorante não se aplica.
Se quem omite o socorro é terceiro, ou se aquele que provocou a morte não agiu com culpa, a omissão de socorro configura o crime do CP, art. 135 (crime omissivo próprio);

c) O agente, após a conduta culposa, não procura diminuir as consequências de seu ato. Ex.: deixa de indenizar os parentes da vítima, ou de lhe prestar assistência;

d) Fuga para evitar a prisão em flagrante.


1.14) Perdão Judicial no homicídio culposo (§5º)

O perdão judicial é uma causa extintiva da punibilidade (CP, art. 107, IX). Ele pressupõe que tenha havido processo, onde se reconheça a existência do crime, sua autoria e a culpa. Nesse caso, o Juiz pode conceder o perdão, deixando de aplicar a pena, quando constatar que as consequências do fato atingiram o próprio agente de forma tão gravosa que se torne desnecessária a punição. Ex.: o pai que esquece o filho dormindo no carro sob o sol, e este morre sufocado; a mãe adormece durante a amamentação e sufoca a criança.


1.15) Causa de aumento de pena da Lei nº 12.720/2012

A pena do homicídio é aumentada de 1/3 até 1/2 quando o crime é praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestar serviço de segurança, ou por grupo de extermínio.

- Milícia privada é uma organização particular armada, com hierarquia e divisão de funções semelhante a um exército ou a uma polícia militar.


1.16) Crime hediondo

O homicídio qualificado e o homicídio simples praticado em ação típica de grupo de extermínio são crimes hediondos (Lei nº 8.072/90, art. 1º, I).

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