quarta-feira, 11 de novembro de 2015

07 - Estatuto das Cidades

1) Previsão Constitucional

Dando tratamento à ordem econômica e financeira, a Constituição de 1988 previu, nos arts. 182 e 183, capítulo dedicado à política urbana. São as seguintes as previsões:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

2) Regulamentação

Dando regulamentação às previsões, a Lei nº 10.257/01 estabeleceu diretrizes gerais da política urbana. É o chamado Estatuto das Cidades, instrumento pelo qual se estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

Sabe-se que a Constituição determina imperativamente que a propriedade atenderá à função social - art. 5º, XXIII, e que a propriedade imobiliária urbana atende esta função social quando cumpre às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor - art. 182, §2º.

Essa regulamentação (direito urbanístico), conforme previsão do art. 24, I, da CF/88, é da competência concorrente da União, Estados e DF, prevendo o §1º desse dispositivo que, nesta concorrência legislativa, a competência da União se limita a editar normas gerais, aí se enquadrando o Estatuto das Cidades, o qual cuidou de reafirmar, em seu art. 3º, essa competência da União:
Art. 3º Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana:
I – legislar sobre normas gerais de direito urbanístico;
II – legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em relação à política urbana, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional;
III – promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; (Vide Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
IV - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico, transportes urbanos e infraestrutura de energia e telecomunicações; (Redação dada pela Lei nº 13.116, de 2015)
V – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social.
Todavia, essa competência concorrente com os Estados fica mitigada, já que os instrumentos que tratam dos assuntos internos dos municípios devem, obviamente, ser de competência dos municípios, como aliás dispõe o art. 30 do texto constitucional, sem prejuízo da competência estadual na matéria, como prevê o art. 25, §3º.


3) Diretrizes

O Estatuto da Cidade, mirando no pleno atingimento da função social, definiu diretrizes da política urbana:
Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;
III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;
IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;
V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;
VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana;
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização;
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental;
h) a exposição da população a riscos de desastres. (Incluído dada pela Lei nº 12.608, de 2012)
VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência;
VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência;
IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização;
X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;
XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos;
XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;
XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;
XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais;
XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;
XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social.
XVII - estímulo à utilização, nos parcelamentos do solo e nas edificações urbanas, de sistemas operacionais, padrões construtivos e aportes tecnológicos que objetivem a redução de impactos ambientais e a economia de recursos naturais. (Incluído pela Lei nº 12.836, de 2013)
XVIII - tratamento prioritário às obras e edificações de infraestrutura de energia, telecomunicações, abastecimento de água e saneamento.

4) Instrumentos da Política Urbana

Além de definir as diretrizes da política urbana, a lei também enumerou os instrumentos a serem adotados para o atingimento dos objetivos do legislador em matéria de política urbana.


4.1) Instrumentos Gerais 

Fazem parte dos instrumentos gerais da política urbana os planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e desenvolvimento econômico e social, o planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, e o planejamento municipal.

Esse planejamento municipal engloba o plano diretor, a disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo, o zoneamento ambiental, o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e orçamento anual, a gestão orçamentária participativa, os planos, programas e projetos setoriais. além dos planos de desenvolvimento econômico e social.
Ainda no rol de instrumentos gerais insculpida no art. 4º do Estatuto das Cidades, encontram-se os instrumentos tributários/financeiros e jurídicos/políticos.

Dentre os instrumentos tributários e financeiros, temos:
  • Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU;
  • Contribuição de melhoria;
  • Incentivos e benefícios fiscais e financeiros.
Já dentre os instrumentos jurídicos e políticos, acham-se:
  • Desapropriação;
  • Servidão administrativa;
  • Limitações administrativas;
  • Tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;
  • Instituição de unidades de conservação;
  • Instituição de zonas especiais de interesse social;
  • Concessão de direito real de uso (que pode ser contratada coletivamente);
  • Concessão de uso especial para fins de moradia;
  • Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;
  • Usucapião especial de imóvel urbano;
  • Direito de superfície;
  • Direito de preempção;
  • Outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;
  • Transferência do direito de construir;
  • Operações urbanas consorciadas;
  • Regularização fundiária;
  • Assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos;
  • Referendo popular e plebiscito;
  • Demarcação urbanística para fins de regularização fundiária;
  • Legitimação de posse.
Finalmente, é instrumento também o estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).

Todos esses institutos que contam com legislação específica, por ela serão regidos, observadas as eventuais derrogações promovidas pelo Estatuto das Cidades. Caso demandem dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal, devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil.

A lei deu especial regulamentação a alguns desses instrumentos, conforme se passa a verificar. Tratam-se de um conjunto de ações a ser praticadas pelo Poder Público de forma paulatina, buscando o atendimento do objetivo definido pela Administração, mas que vai evoluindo para ações mais severas na medida em que o proprietário deixa de atendê-las.


4.2) Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios - arts. 5º e 6º

Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.

Subutilizado é o imóvel cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente. 
O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no cartório de registro de imóveis. Essa notificação far-se-á  por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao proprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração; ou então por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação pessoal.

Os prazos para implementação não poderão ser inferiores a um ano, a partir da notificação (para protocolo do projeto no órgão municipal competente) e a dois anos, a partir da aprovação do projeto (para inicio das obras do empreendimento), sendo que os grandes empreendimentos poderão ser concluídos em etapas, conforme a lei municipal.

Já a transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização acima previstas, sem interrupção de quaisquer prazos.


4.3) IPTU Progressivo no Tempo - art. 7º

Se as obrigações previstas no item 4.2 acima não forem observadas, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica que cuidou do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.

Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, sendo vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva.


4.4) Desapropriação com Pagamento em Títulos - art. 8º

Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.

O valor real da indenização refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza, e não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios.

Os títulos não terão poder liberatório para pagamento de tributos.  O Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo máximo de cinco anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público, o que poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se, nesses casos, o devido procedimento licitatório, caso em que o terceiro também ficará obrigado a cumprir as exigências da Administração.


4.5) Usucapião Especial de Imóvel Urbano - art. 9º e ss.

Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, mas não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. O herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.

São susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural, as áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor.

Para o fim de contar o prazo exigido, o possuidor poderá acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis. Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.

Na pendência da ação de usucapião especial urbana, ficarão sobrestadas quaisquer outras ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imóvel usucapiendo.

São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana, o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente; os possuidores, em estado de composse; ou, como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados.

Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do Ministério Público. O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.

A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de registro de imóveis. O rito processual a ser observado é o sumário.


4.6) Direito de Superfície - art. 21 e ss.

O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.

O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística, podendo ser gratuita ou onerosa.

O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo.

O direito de superfície pode ser transferido a terceiros, obedecidos os termos do contrato respectivo, e por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros.

Em caso de alienação do terreno, ou do direito de superfície, o superficiário e o proprietário, respectivamente, terão direito de preferência, em igualdade de condições à oferta de terceiros.

Extingue-se o direito de superfície pelo advento do termo ou pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário, casos em que o proprietário recuperará o pleno domínio do terreno, bem como das acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário no respectivo contrato.

Antes do termo final do contrato, extinguir-se-á o direito de superfície se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para a qual for concedida.

A extinção do direito de superfície será averbada no cartório de registro de imóveis.


4.7) Direito de Preempção, ou de Prelação, ou de Preferência - art. 25 e ss.

Confere ao Poder Público municipal preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares.

Lei municipal, baseada no plano diretor, delimitará as áreas em que incidirá o direito de preempção e fixará prazo de vigência, não superior a cinco anos, renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência, assegurado durante o prazo de vigência fixado, independentemente do número de alienações referentes ao mesmo imóvel.

O direito de preempção será exercido sempre que o Poder Público necessitar de áreas para:
  • Regularização fundiária;
  • Execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;
  • Constituição de reserva fundiária;
  • Ordenamento e direcionamento da expansão urbana;
  • Implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
  • Criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;
  • Criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental;
  • Proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico.
 A lei municipal deverá enquadrar cada área em que incidirá o direito de preempção em uma ou mais das finalidades enumeradas por este artigo.

O proprietário deverá notificar sua intenção de alienar o imóvel, para que o Município, no prazo máximo de trinta dias, manifeste por escrito seu interesse em comprá-lo. Será anexada à proposta de compra assinada por terceiro interessado na aquisição do imóvel, da qual constarão preço, condições de pagamento e prazo de validade.

O Município fará publicar, em órgão oficial e em pelo menos um jornal local ou regional de grande circulação, edital de aviso da notificação recebida e da intenção de aquisição do imóvel nas condições da proposta apresentada. Transcorrido o prazo mencionado no caput sem manifestação, fica o proprietário autorizado a realizar a alienação para terceiros, nas condições da proposta apresentada.

Concretizada a venda a terceiro, o proprietário fica obrigado a apresentar ao Município, no prazo de trinta dias, cópia do instrumento público de alienação do imóvel, sendo nula de pleno direito a alienação processada em condições diversas da proposta apresentada, situação em que o Município poderá adquirir o imóvel pelo valor da base de cálculo do IPTU ou pelo valor indicado na proposta apresentada, se este for inferior àquele.

4.8) Outorga Onerosa do Direito de Construir

O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
  • Coeficiente de aproveitamento: relação entre a área edificável e a área do terreno.
O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana, além de limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área.

Ainda, o plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida alteração de uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.

Lei municipal específica estabelecerá as condições a serem observadas para a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso, determinando a fórmula de cálculo para a cobrança, os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga e a contrapartida do beneficiário.

Os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso serão aplicados com as finalidades previstas no item 4.7 acima.


4.9) Operação Urbana Consorciada

É o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

Poderão ser previstas nas operações urbanas consorciadas, entre outras medidas:

a) A modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente;

b) A regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente;

c) A concessão de incentivos a operações urbanas que utilizam tecnologias visando a redução de impactos ambientais, e que comprovem a utilização, nas construções e uso de edificações urbanas, de tecnologias que reduzam os impactos ambientais e economizem recursos naturais, especificadas as modalidades de design e de obras a serem contempladas. 

Nas regiões metropolitanas ou nas aglomerações urbanas instituídas por lei complementar estadual, poderão ser realizadas operações urbanas consorciadas interfederativas, aprovadas por leis estaduais específicas.

4.10) Transferência do Direito de Construir - art. 35

Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de:
  • Implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
  • Preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural;
  • Servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social.
A mesma faculdade poderá ser concedida ao proprietário que doar ao Poder Público seu imóvel, ou parte dele, para esses mesmos fins.


4.11) Do Estudo de Impacto de Vizinhança - EIV - arts. 36 a 38

Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.

O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões:
  • Adensamento populacional;
  • Equipamentos urbanos e comunitários;
  • Uso e ocupação do solo;
  • Valorização imobiliária;
  • Geração de tráfego e demanda por transporte público;
  • Ventilação e iluminação;
  • Paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.
Será dada publicidade aos documentos integrantes do EIV, que ficarão disponíveis para consulta, no órgão competente do Poder Público municipal, por qualquer interessado. A elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação de estudo prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação ambiental.


5) Plano Diretor

Conforme estudado, e de acordo com a previsão do §2º do art. 182 da CF/88,  a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. A previsão é repetida pelo Estatuto das Cidades nos seguintes termos:
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei. 
Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.
O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas. Englobará o território do Município como um todo e a lei que o instituir deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos.

No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos e o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.

O plano diretor é obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, as integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, bem como onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos como o parcelamento ou edificação compulsórios, o IPTU progressivo no tempo e a desapropriação com títulos da dívida pública.
É obrigatório também para cidades integrantes de áreas de especial interesse turístico, as inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional e bem assim as incluídas no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos.

No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido.


5.1) Requisitos Mínimos do Plano Diretor - art. 42

O plano diretor deverá conter no mínimo:

a) A delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização;

b) Disposições sobre o direito de preempção, da outorga onerosa do direito de construir, áreas onde se pode alterar o uso do solo, delimitação de áreas para aplicação de operações consorciadas e procedimentos de transferência do direito de construir;

c) Sistema de acompanhamento e controle.


5.2) Municípios em Áreas de Risco - art. 43

Caso o Município esteja incluído no cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos, seu plano diretor, além dos requisitos mínimos, deverá conter:
  • Parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a promover a diversidade de usos e a contribuir para a geração de emprego e renda;
  • Mapeamento contendo as áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos;
  • Planejamento de ações de intervenção preventiva e realocação de população de áreas de risco de desastre;
  • Medidas de drenagem urbana necessárias à prevenção e à mitigação de impactos de desastres; 
  • Diretrizes para a regularização fundiária de assentamentos urbanos irregulares, se houver, observadas a Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, e demais normas federais e estaduais pertinentes, e previsão de áreas para habitação de interesse social por meio da demarcação de zonas especiais de interesse social e de outros instrumentos de política urbana, onde o uso habitacional for permitido;
  • Identificação e diretrizes para a preservação e ocupação das áreas verdes municipais, quando for o caso, com vistas à redução da impermeabilização das cidades.

6) Gestão Democrática da Cidade

Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos:

a) Órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal;]
b) Debates, audiências e consultas públicas;

c) Conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal;

d) Iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal.

Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

06 - Atividade Financeira do Estado (Administração Financeira e Orçamentária - AFO)



Atividade Financeira do Estado


1) Base Normativa - CF/88, art. 163 a 169

Lei nº 4.320/64 - Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
  • Esta Lei, anterior à CF/88, foi recepcionada como Lei Complementar, só podendo ser alterada por Lei Complementar. Tal recepção se dá por força de exigência constitucional, art. 163.
Lei Complementar nº 101/00 - Lei de Responsabilidade Fiscal. Uma das mais significativas inserções realizada pela LRF no ordenamento jurídico foi a limitação dos gastos públicos com pessoal, conforme seu art. 19, obedecendo a exigência constitucional insculpida no caput art. 169.

Quanto ao orçamento, a CF/88, art. 165, §9º exigiu lei geral que tratasse da matéria. O legislador brasileiro, entretanto, até o presente momento não editou referida norma. Tramita no Congresso projeto de Lei de Responsabilidade Orçamentária.
  • Como se verá ao longo deste estudo, é proibida a realização de uma despesa sem a indicação da receita que a cobrirá. Olvidando, o Governo Federal enviou em 2015, para aprovação no Congresso, a LOA de 2016 deficitária em mais de R$30 bilhões. Pode ser a primeira vez que o Congresso aprova um orçamento deficitário. A ação do Governo já resultou, para o Brasil, na retirada do selo internacional de bom pagador conferido por entidades internacionais.


2) Alterações Normativas Recentes
  • Emenda nº 84/14 - altera o art. 159 da Constituição Federal para aumentar a entrega de recursos pela União para o Fundo de Participação dos Municípios;
  • Emenda nº 85/15 - altera e adiciona dispositivos na Constituição Federal para atualizar o tratamento das atividades de ciência, tecnologia e inovação;
  • Emenda nº 86/15 - altera os arts. 165, 166 e 198 da Constituição Federal, para tornar obrigatória a execução da programação orçamentária que especifica.

3) Receita Pública

3.1) Conceito 

Em regra e em geral, os valores que ingressam o cofre público são chamados entradas, mas nem toda entrada é receita. É receita somente aquilo que entra definitivamente no erário, excluídos assim os ingressos provisórios, que são mera movimentação de recursos.

Para Régis Fernandes, é receita a entrada definitiva de bens nos cofres públicos, sem data certa para sair; para Aliomar Baleeiro, é receita a entrada que, integrando-se ao patrimônio público sem qualquer reserva, vem acrescer seu vulto como elemento novo e positivo.

Já a LRF não tem uma redação suficientemente técnica, pois chama de receita uma entrada que não é definitiva, como os empréstimos, que são na verdade mero movimento de caixa.


3.2) Classificação das Receitas

3.2.1) Quanto à Origem

a) Originárias: provém do patrimônio do Estado, o qual somente excepcionalmente explorará atividade econômica - CF/88, art. 173;
  • Tais receitas são voluntárias, contratuais (ex.: royalties, dividendos das estatais, preços públicos, etc.);
  • Vide MS nº 24.212, RE nº 453.025 e ADIs nºs 4917, 4918, 4920, que tratam da divisão dos royalties do petróleo.

b) Derivadas: advêm, derivam do patrimônio dos particulares. Aqui, o Estado age com poder de império, impondo sua soberania;
  • Tais receitas são obrigatórias, exigidas ao comando da lei, impostas (ex.: tributos, multas, etc.);
  • Auto imposição: o povo, soberano, escolhe democraticamente os impostos e suas alíquotas.

c) Transferidas: não são oriundas de patrimônio próprio, mas advêm do patrimônio do particular, tal como as derivadas. A diferença é que serão arrecadas por um ente da Federação e transferidos obrigatória ou voluntariamente para um ente menor;

3.2.2) Classificação Econômica

A despesa dirá qual é a classificação econômica da receita (vide despesas correntes e de capital, item 6 abaixo). Economicamente falando, as receitas podem ser:


a) Correntes:

  • Grupo de Natureza: Tri Co PAIS Trans Ou
  • Tributárias: impostos, taxas, contribuições de melhoria; 
  • Contribuições (ex.: sociais); 
  •  Patrimoniais; 
  • Agropecuárias; 
  • Industriais;
  • Serviços; 
  • Transferências correntes; 
  • Outras receitas correntes.
b) De Capital: 
  • Grupo de Natureza: Al O Amor Trans Ou
  • Alienações de bens;
  • Operações de crédito;
  • Amortizações de empréstimos;
  • Transferências de capital;
  • Outras receitas de capital.

3.3) Transferência Obrigatória de Receita e Atribuição de Competência Tributária

a) Atribuição de competência tributária - CF/88, arts. 153 a 156, além de outros;
  • A atribuição é decorrência da descentralização do poder público, e visa conferir autonomia financeira aos Entes, garantindo o pacto federativo, o qual é cláusula pétrea;
  • Na Constituição de 67, Estados e municípios não detinham autonomia financeira, e a Federação não se consumava na prática. Sem autonomia, o que se tinha era verdadeiro Estado unitário; 
  • A Constituição de 88, ao entregar a competência tributária aos Entes, garantiu maior equilíbrio do pacto federativo.

b) Repartição de receitas tributárias: além dos tributos que são arrecadados pelos entes em conformidade com a CF/88, a Carta garantiu também, para confirmar a garantia do equilíbrio financeiro do pacto federativo, que Entes maiores transferissem recursos aos menores (União transfere recursos para os Estados e municípios; Estados transferem recursos aos municípios);
  • Na transferência obrigatória, o Ente menor não realiza repasses ao Ente maior, o que é permitido em transferências voluntárias, desde que o Ente tenha esgotado sua competência tributária.

c) Transferências diretas: o Ente menor retém e já se apropria do recurso arrecadado (ex.: IR retido na fonte dos servidores Estaduais e municipais, cujo produto da arrecadação pertence a tais entes - CF/88, arts. 157, I e 158, I);

d) Transferências indiretas: o recurso é arrecadado por um Ente maior, compõe ou não um fundo, e em seguida sai como transferência ao Ente menor (ex.: CF/88, art. 159, I).
  • Atualização dos critérios do FPE previstos no ADCT - vide ADI 875. O STF declarou inconstitucional a omissão do Congresso, o que foi parcialmente sanado pela LC nº 143/2013, que alterou a LC nº 69/89;
  • No RE nº 572.762/SC, que tratou da concessão de benefícios fiscais pelo Estado que acaba prejudicando os municípios que receberiam os recursos que foram renunciados pelo Ente transferidor, com repercussão geral reconhecida, o STF assim se pronunciou:
    EMENTA: CONSTITUCIONAL. ICMS. REPARTIÇÃO DE RENDAS TRIBUTÁRIAS. PRODEC. PROGRAMA DE INCENTIVO FISCAL DE SANTA CATARINA. RETENÇÃO, PELO ESTADO, DE PARTE DA PARCELA PERTENCENTE AOS MUNICÍPIOS. INCONSTITUCIONALIDADE. RE DESPROVIDO. I - A parcela do imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, a que se refere o art. 158, IV, da Carta Magna pertence de pleno direito aos Municípios. II - O repasse da quota constitucionalmente devida aos Municípios não pode sujeitar-se à condição prevista em programa de benefício fiscal de âmbito estadual. III - Limitação que configura indevida interferência do Estado no sistema constitucional de repartição de receitas tributárias. IV - Recurso extraordinário desprovido. (RE 572762, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 18/06/2008, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-167 DIVULG 04-09-2008 PUBLIC 05-09-2008 EMENT VOL-02331-04 PP-00737)

3.4) Vedação de Retenção das Receitas Atribuídas - CF/88, art. 160

É vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos. Exceções:
  • Falta de aplicação do mínimo constitucionalmente previsto para investimentos em saúde (a falta de aplicação de recursos em educação não gera direito à retenção, mas pode resultar em intervenção);
  • Falta de pagamento de dívida com o ente transferidor. Alguns autores dizem ser possível a compensação, isto é, o ente transferidor retém o montante devido pelo ente beneficiado e repassa a diferença, o que pode evitar a retenção do montante total dos recursos.

3.5) Transferência Voluntária de Receitas

Em regra, é requerida pelo Ente menor ao maior, e concretizada via convênio, geralmente para investimentos em saúde, segurança, etc. Vide LRF, art. 25 + art. 11, Parágrafo único.
  • Nada impede que um Ente menor voluntariamente transfira recursos a um Ente maior, ou até mesmo a Ente de mesmo nível, vedado o empréstimo - LRF, art. 35;
  • Trata-se de liberalidade do transferidor;
  • Podem ser condicionadas, aliás, devem ser, conforme constar do convênio, o qual mencionará as despesas justificadoras (ex.: União transfere recursos a município atingido por enchentes).
Para receber transferências voluntárias, o Ente beneficiário deve exaurir sua competência tributária - LTF, art. 11;
  • O Parágrafo único do dispositivo fala não em tributos, mas em impostos, sob pena de não poder receber transferências voluntárias. Ou seja, o ente não fica obrigado a cobrar todas as espécies tributárias para receber transferência (ex.: município que não institui a COSIP pode receber transferências; não poderia se não instituísse o ISS);
  • O STF já afastou a interpretação segundo a qual a instituição de um tributo seria obrigatória pelo Ente (ou seja, o exercício da competência tributária não é um dever, mas um poder). Deve, entretanto, o Ente, suportar as consequências de sua opção em não instituir todos os impostos que a Constituição lhe tocou (ex.: a União não pode receber transferências, pois não instituiu o IGF - art. 153, VII). O objetivo claramente é o de moralizar a administração, pois não se mostra razoável que um Ente abra mão de um tributo seu para receber do produto da arrecadação de outro Ente.
  • Na ADI 2238 foi questionada a LRF, cujo texto base era da Nova Zelândia, um país unitário e de sistema parlamentarista. Ali, entretanto, houve uma certa confusão do proponente, que confundiu transferências voluntárias com transferências obrigatórias.

3.6) Renúncia de Receitas

Segundo Ricardo Lobo Torres, trata-se de privilégio financeiro concedido na vertente da receita. O Ente que renuncia abre mão de arrecadar (nos EUA o instituto é chamado de gasto tributário). Produz o mesmo resultado econômico da despesa, isto é, diminui a quantidade de recursos disponíveis para o governante.
  • Na obra "Os Donos do Poder" de Raymundo Faoro é falado sobre os amigos dos donos do poder que se beneficiam de dinheiro público pela forma da dispensa legalmente prevista. Livro importante.

3.6.1) Requisitos Constitucionais da Renúncia - art. 150, §6º e art. 165, §6º: 

a) Necessidade de lei específica, um requisito ligado aos princípios do equilíbrio e da transparência - art. 150, §6º;
  • Justifica-se em razão de frequentemente os parlamentares aprovarem as leis sem saber do que se trata. Se não sabem, eventualmente contariam com tal receita por ocasião da votação do orçamento. A lei específica visa destacar que parte daquela receita está sendo renunciada;
  • Os subsídios não podem ser confundidos com renúncia de receita, pois são na verdade despesa, isto é, é dinheiro que adentrou ao cofre público definitivamente e saiu em seguida. O subsídio está citado no §6º não para ser confundido com renúncia, mas porque depende dos mesmos requisitos, devendo observar lei específica;
  • Renúncia: isenções, deduções, remissões, anistias (obs.: a moratória não é renúncia, viu? É dilatação de prazo); 
  • Subsídios: demandam contrapartida - LRF, art. 14; subvenções - LRF, art. 26, Lei 4.320/64; restituições a título de incentivo.

b) Estimativa de impacto orçamentário-financeiro -  art. 165, §6º
  • Deve observar a LDO; 
  • Deve ser demonstrada pelo proponente que a renúncia foi prevista na LOA - LRF, art. 14, I; ou apresentar a medida de compensação - art. 14, II.

3.7)  Caracterização dos Empréstimos Compulsórios como Receita

O empréstimo compulsório tem natureza tributária, sendo uma das 5 espécies (ao lado de impostos, taxas, contribuições de melhoria e contribuições especiais).
  • É caracterizado pela afetação, isto é, a vinculação aos motivos que justificam sua cobrança;
  • Atendida a despesa, o dinheiro é devolvido ao contribuinte,  no prazo em que a lei que o instituiu informar, sob pena de caber a repetição do indébito tributário;
  • Não se trata de operação de crédito, pois é compulsório, bastando que ocorra o fato gerador descrito na hipótese de incidência (a Súmula nº 418-STF foi cancelada);
  • Assim, o empréstimo compulsório é receita pública. Por ocasião de sua devolução, figurará como despesa. 

3.8) Fases da Receita

Na fase de planejamento da receita, é feita sua previsão, estimativa de quanto se espera arrecadar no exercício financeiro. Nessa fase de planejamento, são fixadas também as despesas.

Nos demais estágios, cuida-se da execução da receita (e não do planejamento dela):

  • Lançamento: CTN, art. 142. (...) procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Pode ser de ofício, por homologação e misto; 
  • Arrecadação: o contribuinte liquida sua obrigação junto aos agentes arrecadadores (bancos). Pertencem ao exercício as receitas nele arrecadadas - CTN, art. 6º, Parágrafo único (regime de caixa);
  • Recolhimento: os bancos transferem o montante arrecadado para a conta única do Tesouro no Banco Central - Lei nº 4.320/64, art. 56. É o estágio da receita que encerra a etapa de execução da receita.

Após a fase de planejamento e execução, passa-se à fase de controle da receita: com a publicação da LOA, no prazo de 30 dias o Chefe do Executivo deverá desdobrar as receitas em metas bimestrais.


4) Orçamento Público

É o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei (Aliomar Baleeiro).
  • O Poder Executivo não pode gastar nem um centavo que não tenha passado pelo crivo do Legislativo;
  • Tríade legal do orçamento: PPA, LDO e LOA - CF/88, art. 174;
  • O orçamento é o planejamento das finanças públicas; programá-las é elaborar o orçamento.

4.1) Características das Tríade Legal
  • Trata-se, formalmente, de três leis, mas materialmente é apenas uma, não gerando direitos a terceiros;
  • Todos os entes da Federação devem elaborá-las, sempre por iniciativa do Executivo;
  • A CF/88, art. 165, §9º, prevê a necessidade de Lei Complementar para elaboração e organização do orçamento. Para tanto são a LRF e a Lei nº 4.320/64 (recepcionada). Entretanto, o PPA, a LDO e a LOA são leis ordinárias, conforme se pode ver das publicações seguintes: 

4.2) Prazos
  • PPA - Plano Plurianual: tem vigência de 4 anos, devendo seu projeto ser encaminhado pelo governante ao Legislativo nos primeiros 8 meses do primeiro exercício, e o Legislativo deve aprová-lo até dezembro, para começar a viger de janeiro do 2º exercício até o final do 1º ano do mandato seguinte;
  • LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias: deve ser encaminhada anualmente pelo Executivo, até abril (ou seja, nos primeiros 4 meses) do exercício corrente, para vigência anual;
  • LOA - Lei Orçamentária Anual: deve ser encaminhado até agosto, para vigência anual.

4.3) Dinâmica do Orçamento - CF/88, art. 165, §§1º, 2º e 5º
  • PPA: é a peça que vigerá pelo maior período, sendo considerado planejamento de longo prazo por ausência de outro instrumento que abranja um período maior (na verdade, os 4 anos do PPA é médio prazo);
  • LDO: define as prioridades pinçadas do PPA para aquele ano, orientando a elaboração da LOA;
  • LOA: tira anualmente do PPA o que será executado naquele ano, direcionado pela LDO. Sem a LOA, o PPA é letra morta.
As leis orçamentárias vinculam os Poderes. Antes, o orçamento era mera peça contábil. Com o advento da LRF, passou a ser planejamento impositivo. Assim, se antes já havia planejamento, não era obrigatório. Sua observância, por via de consequência, também acabava não sendo compulsória. Portanto, era peça de ficção.

O planejamento é oferecido pelo candidato e depositado no Tribunal Eleitoral competente.
  • Incrementalismo: antes, o orçamento era meramente repetido, acrescido de atualizações inflacionárias. Os gastos eram arrolados, e a partir daí se estimava a receita necessária. Isso gerava uma receita irreal, uma falsa estimativa, insustentável, já que a despesa é que deve se encaixar na receita;
  • Essa era a realidade que a LRF se propôs a mudar.

4.4) PPA - CF/88, arts. 165, §1º e 167, §1º

Se estende por 4 anos, mas não coincide com o mandato. Vai do 2º ano do mandato ao 1º ano do mandato seguinte.
  • No 1º ano do mandato, o Executivo tem 8 meses para elaborar o PPA. Nesse 1º ano, ele observa o PPA do governante anterior;
  • O Legislativo tem o prazo de 4 meses para votar o orçamento;
  • Esse planejamento obrigatório é forma de intervenção no domínio econômico;
  • O PPA é elaborado à luz da programação de governo depositado no período eleitoral;
  • Nenhum investimento que ultrapasse um exercício financeiro pode ser executado sem constar do PPA. Investimento não se confunde com despesa, e a despesa extraordinária poderá ser executada sem constar do PPA;
  • O PPA envolve tanto as despesas de capital e outras delas decorrentes, quanto as relativas aos programas de duração continuada (despesas correntes de período superior a 2 anos - LRF, art. 17);
  • A lei que institui o PPA deve estabelecer, de forma regionalizada, as diretrizes, os objetivos e as metas (DOM) da administração pública federal para as despesas de capital e para outras delas decorrentes. Contudo, não existe um modelo legalmente instituído para organização, metodologia e conteúdo dos PPAs, em razão do veto ao art. 3º da LRF. Essa regionalização nada tem a ver com as regiões do País;
  • Como uma das principais novidades do novo marco constitucional, o PPA passa a constituir a síntese dos esforços de planejamento de toda administração pública, orientando a elaboração dos demais planos e programas de governo, assim como do próprio orçamento anual;
  • As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser aprovadas quando incompatíveis com o plano plurianual - CF/88, art. 166, §4º;
  • O elemento central do PPA são os programas de dois tipos:
  • Temáticos: o PPA não cuida de programas finalísticos, mas de temas, como por exemplo educação (programa finalístico é parte da LOA, como por exemplo ampliar o Pronatec); 
  • Gestão e manutenção de serviços (como ações de apoio administrativo).
  • O PPA condiciona todos os demais Planos e Programas de Governo, ainda que superiores a 4 anos (como o plano decenal da educação). Ele é adotado como referência para a elaboração dos planos conferindo coerência ao planejamento condicionado. Todo plano nacional deve estar inserido no PPA.

4.4.1) PPA e Intervenção no Domínio Econômico

a) Programação: o PPA é meio de intervenção no domínio econômico no sentido de que o particular pode se projetar com base nele. A mudança abrupta do PPA pode causar dano indenizável caso seja injustificada. Por isso, o planejamento público altera a expectativa na economia e, por conseguinte, nos projetos da iniciativa privada;
  • O poder público depende da iniciativa privada, já que não irá, em regra, explorar atividade econômica, salvo de forma subsidiária (ex.: se o PPA projeta o estímulo à tecnologia, obviamente está contando com a iniciativa privada para fazer consumar).

b) Fomento: é a segunda forma de intervenção no domínio econômico. O poder público fará renúncia de receita, subsidiar e conceder financiamentos para o particular executar a parte que lhe toca no PPA;

c) Relevante interesse coletivo: se, entretanto, a iniciativa privada não se interessar, aí o poder público vai passar à criação de uma estatal, por motivo de relevante interesse coletivo, para desempenhar a atividade econômica prevista no PPA - CF/88, art. 173;
  • Se a iniciativa privada encampar o PPA e o governo interrompê-lo injustificadamente, aí a iniciativa privada terá ação e poderá pleitear indenização. A possibilidade coroa o princípio da segurança jurídica.

4.5) LDO - CF/88, art. 165, §2º

Trata-se de uma inovação trazida pela CF/88. Antes, o orçamento era dividido em duas fases: o orçamento plurianual de investimentos (OPI) de 3 anos e a LOA.

A lei de diretrizes orçamentárias é o elo entre o PPA e a LOA; pinça anualmente no PPA as despesas prioritárias para o período, orientando a elaboração da lei orçamentária anual.
  • A LDO é frequentemente criticada por parte da doutrina em razão de ser um instrumento que mais se amolda aos países que adotam o sistema parlamentarista de governo. Tramita PEC para por fim à LDO. Nos países parlamentaristas, a LDO é elaborada pelo parlamento, aí sim fazendo sentido. Não é inteligente o sistema em que o Executivo elabora a LDO e a LOA. LDO pra quê? Caracteriza-se como perda de tempo, pois a LOA só pode ser elaborada após a LDO ser aprovada pelo Legislativo. Já houve caso em que o Executivo remeteu a LOA antes mesmo do Congresso aprovar a LDO, mostrando sua total desconsideração prática, sendo mais uma mera formalidade que emperra a dinâmica do orçamento público;
  • A LDO, além de compreender as metas e prioridades da administração, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, dispõe sobre a alteração da legislação tributária, e estabelece a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento e políticas de investimento das estatais.
Acompanham a LDO uma sequência de anexos:

a) Anexo de metas fiscais: torna a LDO como um instrumento de planejamento de médio prazo (sendo o PPA considerado de longo prazo). As metas da LDO são trienais, mesmo sendo uma lei anual (ex.: a LDO de 2010 balizou as LDOs de 2011, 2012 e 2013);

b) Anexo de políticas fiscais - LRF, art, 3º (VETADO): o projeto previa um planejamento com prazo de 8 anos de duração, e que orientaria a elaboração de 2 PPAs. Este sim seria um planejamento de longo prazo, conforme a exigência da CF/88, art. 174;

c) Anexo de riscos fiscais: é instrumento que materializa a economicidade, que é a medida da eficiência. É uma reserva de contingências para suprir as imprevisibilidades, os gastos emergenciais. Esse montante pode ser proposto conforme a média das experiências passadas, evitando que recursos sejam retirados de outras áreas, afetando outras prioridades;
  • Se apesar disso faltarem recursos para imprevisibilidades, nenhuma responsabilidade recairá sobre o administrador que elaborou corretamente um bom anexo de riscos fiscais;
  • Se sobrarem verbas, serão naturalmente remanejadas, no final do exercício, para outras despesas prioritárias;
  • A cifra referente ao superávit primário consta da LDO.

4.6) LOA - CF/88, art. 165, §5º

A lei orçamentária anual se presta a executar todo ano 1/4 do PPA, dando vida a este.

Além da LOA, os incisos do §5º do art. 165 da Constituição prevê o que se poderia denominar "suborçamentos", referentes aos Poderes (orçamento fiscal), orçamento de investimento nas estatais e orçamento da seguridade social:
§ 5º A lei orçamentária anual compreenderá:
I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;
II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.
  • Essas peças fiscal, de investimento e de seguridade, não retira o caráter uno do orçamento;
  • A LOA também é instrumento de planejamento (todo o orçamento o é), mas que somente fixa despesas e prevê receitas (princípio da exclusividade, excetuado por créditos suplementares e operações de crédito por antecipação de receita orçamentária);
  • É função dos orçamentos fiscal e de investimento a redução das desigualdades interregionais, segundo critério populacional. Esta redução de desigualdades não é função do orçamento previdenciário (que cuida da assistência, previdência e saúde). A educação, por exemplo, faz parte do orçamento fiscal;
  • A LOA tem funções estabilizadora, distributiva e alocativa (não consta a função fiscalizadora):
  • Função estabilizadora: voltada a garantir o pleno emprego e manter a economia aquecida; 
  • Função distributiva: redução de desigualdades; 
  • Função alocativa: produção de bens e serviços pelo Estado, diante  da incapacidade do mercado. 


4.7) Princípios Constitucionais Orçamentários

O estudo do orçamento passa por uma série de princípios. Dentre os tais, os cinco primeiros a seguir são mais ligados à LOA. Os princípios da universalidade e da unidade são expressos, ao passo que os do equilíbrio e da transparência são implícitos, induzidos. O princípio do planejamento também é explícito.
  • Os princípios são linhas norteadores da programação e da execução orçamentárias;
  • Todos os Poderes da União deverão observar os princípios orçamentários;
  • Não haverá dotação de crédito ilimitado.

a) Universalidade: nada pode escapar dos limites do orçamento, ou seja, toda receita e toda despesa devem dele constar. O orçamento é global;

b) Unidade: o orçamento deve ser único; há uma unidade de objetivos do governante na elaboração do orçamento, o qual é o planejamento de como tais objetivos serão atingidos (mesmo que hajam diversos Poderes, "suborçamentos", etc.);

c) Equilíbrio: deve haver correlação entre despesas e receitas;

  • As despesas autorizadas não podem ser maiores que as receitas previstas.

d) Transparência: o orçamento participativo é uma das maiores expressões da democracia, o que demonstra será o orçamento realizado abertamente;
  • Por ocasião da elaboração da LOA, o governante chama a sociedade para discuti-la. Os segmentos representativos da sociedade são conclamados para tal. Isto não quer dizer que haja direito adquirido ao orçamento participativo, pois o governante, de fato, não está vinculado às soluções propostas pelos participantes. A par disso, diz-se frequentemente que o orçamento participativo não tem efetividade prática, sendo até mesmo inviável em níveis estaduais e federal. No passado, uma tentativa de dar participação pública no orçamento da União foi considerada uma usurpação de poderes do Legislativo. Por isso, não é utilizado atualmente no âmbito do Governo Federal;

e) Planejamento: o orçamento moderno é instrumento de planejamento das ações do governante, abandonando a antiga concepção de mera peça de contabilidade;

f) Anualidade orçamentária: periodicidade das leis orçamentárias. Há quem defenda que o princípio for extirpado em razão da criação do PPA, que não é anual, mas vigora por um quadriênio. Tal posição, entretanto, é minoritária, pois a LOA e a LDO continuam sendo anuais.
  • Não se confunde anualidade orçamentária com anualidade tributária. Este último foi excluído do direito brasileiro pela Emenda 1/69, e previa que um tributo só poderia ser criado se houvesse previsão orçamentária de tal receita. Atualmente, considerando a questão temporal, a criação de tributo observa a anterioridade.
A anualidade facilita o controle prévio pelo Legislativo: todo ano, o Executivo é obrigado a solicitar autorização para arrecadar receitas e realizar despesas.


g) Exclusividade - art. 165, §8º: o orçamento não pode ter dispositivo estranho às receitas e despesas, bem como não pode contar com caudas, rabos ou "rabilongos orçamentários" (Ruy Barbosa);
  • O Poder Judiciário pode controlar material e formalmente as leis orçamentárias, como ocorreu na ADI 2925, em que se questionou uma alocação dos excessos de arrecadação com a CIDE-combustíveis como créditos adicionais suplementares;
  • O orçamento só pode cuidar de previsão de receitas e fixação de despesas. Mas existem exceções ao princípio da exclusividade, previstos no dispositivo mencionado:
§ 8º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.
  • Operações de crédito (dívida pública, mediante lei): a lei orçamentária pode incluir tal autorização, inclusive a título de antecipação de receita;
  • Créditos adicionais: a Lei nº 4.320/64, arts. 40 a 44, prevê 3 créditos adicionais (suplementar, especial e extraordinário). Os créditos adicionais são utilizados diante de despesas não contidas na LOA ou, embora contidas, tenham dotações insuficientes. Ora, a lei que abre o adicional revoga parcialmente a LOA em nome do interesse público: 
  • Adicional suplementar - CF/88, arts. 165, §8º e 167, V: são adicionais de reforço, elementos que já constavam do orçamento (ex.: havia previsto R$10 para a saúde, reforça com +R$1). Se se fala em reforço de crédito orçamentário é porque o crédito já estava previsto no orçamento, sendo incrementado (incorporado). Não se admite a retirada de recurso de outra área prioritária. O adicional suplementar depende de atividade legislativa, com alteração da LOA (e a autorização de abertura pode vir na própria LOA, para abertura via Decreto - a autorização é sempre por Lei). São obrigatórias a justificativa e a indicação da fonte de recursos. Tem vigência limitada, devendo ser utilizado dentro do exercício autorizado, independentemente de quando foi autorizado (é o único nessa situação); 
  • Adicional especial: trata-se de despesa nova, isto é, que não contava com dotação orçamentária (não constava da LOA, sendo despesa nova). Não incorpora o orçamento, conservando sua especificidade. Deve ser justificado e indicado de onde sairão os recursos. Também depende de alteração da LOA (a autorização de abertura NÃO pode vir na própria LOA). Na verdade, o orçamento é cotidianamente alterado, e tais modificações distanciam significativamente o orçamento originalmente aprovado e o texto compilado em dezembro. O crédito especial autorizado nos últimos 4 meses do ano pode ser incorporado ao orçamento subsequente, no limite do saldo subsequente; 
  • Adicional extraordinário: refere-se a despesa imprevista e urgentes. Difere-se do especial porque aquele não se refere a uma emergência, a uma urgência, sendo o extraordinário uma total imprevisão. Assim, até as inundações anuais ou os surtos de dengue na época das águas não podem ser consideradas imprevisibilidades, e justificam uma dotação específica no orçamento original, com base na média dos anos anteriores. Não depende de autorização legislativa (nem de recursos orçamentários disponíveis), e pode ser aberto via Medida Provisória - arts. 162 e 167, §3º, em razão de comoção interna, calamidade pública e guerra externa. Segundo o STF, esse rol é taxativo - ADI 4048 e 4049. Até o limite de 30% do orçamento, pode o Executivo abrir o crédito via Decreto, conforme já autorizado na LOA. Se o limite for superado, deverá ser observado o processo legislativo normal. Esse crédito tem vigência limitada ao exercício, salvo se autorizado nos últimos 4 meses do exercício, quando passarão ao exercício seguinte.
Fontes para os créditos adicionais:
  • As que aumentam o valor global do orçamento:
  • superávit financeiro no balanço patrimonial anterior; 
  • excesso de arrecadação; 
  • operações de crédito; 
  • As que não aumentam o valor global do orçamento:
  • anulação total ou  parcial de dotação; 
  • reserva de contingência; 
  • recursos sem despesa correspondente (como no caso de vetos).

h) Princípio da legalidade - CF/88, arts. 165 e 167, I, II e V: dividido em 2 subprincípios:
  • Superlegalidade: supremacia da Constituição. Todo o orçamento deve obediência ao texto constitucional;
  • Reserva de lei: somente lei formal pode cuidar do orçamento, salvo o crédito extraordinário que pode ser aberto por medida provisória;
  • Deve ser observado o processo legislativo.

i) Princípio da proibição de estorno - CF/88, art. 167, VI: vedado o remanejamento de recursos de uma rubrica, comportando uma exceção:
  • Exceção: estornos permitidos pela Emenda 85/15, referente à tecnologia, conforme passa a constar da CF/88, art. 167, §5º A transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra poderão ser admitidos, no âmbito das atividades de ciência, tecnologia e inovação, com o objetivo de viabilizar os resultados de projetos restritos a essas funções, mediante ato do Poder Executivo, sem necessidade da prévia autorização legislativa prevista no inciso VI deste artigo." (NR)

j) Princípio da especialidade: os orçamentos devem especificar os créditos, os órgãos a que se destinam tais créditos e o tempo em que se realizará. O princípio se refere a 3 esferas de alcance:
  • Quantitativa - CF/88, art. 167, VII: fixação do montante dos gastos, que se traduz na vedação de créditos ilimitados;
  • Qualitativa - Lei nº 4.320/64, arts. 5º e 15, §1º: não se pode considerar as despesas de forma conjunta, mas todas devem ser pormenorizadas  (ex. de crédito vedado: R$X para "erradicar a pobreza" de tal lugar);
  • Temporal - CF/88, art. 167, §2º: vigência no período em que foram autorizados.
Excepcionalmente, os programas especiais de trabalho (como os programas de proteção às vítimas) podem ter suas informações omitidas. Os programas da ABIN são frequentemente excepcionados, pois cuida de despesas sigilosas no interesse público.

Somente a LOA deve seguir este princípio, pois o PPA e a LDO não descem a detalhes das despesas.


l) Princípio da não afetação, ou não vinculação de impostos a fundo, órgão ou despesa - CF/88, art. 167, IV: por sua natureza jurídica, os impostos são não vinculados:
CTN, Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
  • Não se confunde vinculação com alocação. A alocação é legítima para fazer frente a despesa em geral;
  • A própria Constituição prevê 8 exceções ao princípio - CF/88, art. 167, IV e §4º;
  • Receita transferida obrigatória: IR, IPI e ITR; 
  • Manutenção do ensino - art. 212 (União: 18%. Estados: 25%); 
  • Oferecimento de garantia ou contragarantia à União para pagamento de dívidas - art. 167, IV; Emenda 3/93; 
  • Complementação da saúde: Emenda 29/00; 
  • Vinculação de verbas a fundos de combate e erradicação da pobreza; 
  • Administração tributária - art. 37, XXII: gastos com arrecadação, fiscalização e cobrança - Emenda 42/03; 
  • Verbas estaduais a programas de inclusão social - art. 204; Emenda 42/03 (0,5% da receita corrente líquida); 
  • Verbas para a cultura - art. 216, §3º: 0,5% da receita corrente líquida.
Há críticas ao que seria um exagero de exceções. Entretanto, há medidas tomadas quanto à vinculação excessiva de receitas (a vinculação excessiva é impeditivo da dinâmica do orçamento, pois a ordem de receitas e despesas não é algo estático):
  • O legislativo criou a desvinculação das receitas - DRU, em razão das implicações políticas de tamanha rigidez do orçamento - ADCT, art. 76: 20% das receitas da União devem estar desvinculadas (há quem diga que esta prorrogação sucessiva do dispositivo do ADCT é inconstitucional, pois seria um "cheque em branco" que o Legislativo concede ao Executivo);
  • A princípio, tais receitas já são desvinculadas por natureza. O ADCT está justamente trabalhando com os exageros;
  • Fundo de estabilização fiscal - Emenda 21.

m) Princípio do orçamento bruto: visa impedir a inclusão no orçamento de importâncias líquidas, isto é, a inclusão apenas do saldo positivo ou  negativo resultante do confronto entre as receitas e as despesas de determinado serviço público.
  • Todas as parcelas da receita e da despesa devem figurar no orçamento em seus valores brutos, sem apresentar qualquer tipo de dedução.

n) Princípio da publicidade: o orçamento é público, sendo a publicidade uma condição de eficácia dos atos administrativos. A tríade do orçamento deve ser pública.


4.8) Tipos de Orçamento

a) Tradicional: também chamado de orçamento clássico, enfatizava os meios (objetos do gasto);
  • Nele não havia um planejamento, sendo peça meramente contábil da administração burocrática, um inventário, prevalecendo o aspecto jurídico sobre o econômico;
  • Na verdade, somente havia uma atualização dos gastos do ano anterior, ou simplesmente da inflação (incrementalismo).

b) Desempenho: enfatiza ações que o Estado realiza no momento, sendo uma evolução do orçamento tradicional;
  • Nele também não há planejamento. Há uma desvinculação entre o planejamento e o orçamento.

c) Programa: surgido com o Decreto-Lei nº 200/67, que trouxe os princípios da administração gerencial para a Administração Pública (planejamento, controle, coordenação, delegação e descentralização);
  • Enfatiza objetivos a serem alcançados (foco no resultado);
  • É baseado em planejamento, sendo uma evolução do planejamento desempenho. Em sua elaboração são considerados todos os custos dos programas, inclusive os que extrapolam o exercício;
  • É o orçamento moderno, tendo sido aperfeiçoado pela CF/88;
  • São seus componentes essenciais os objetivos e propósitos, os programas e seus custos e as medidas de desempenho.

d) Base zero: nunca foi adotado no Brasil, sendo que a experiência desse modelo nos EUA fracassou.
  • É uma metodologia orçamentária ou tipo de orçamento que exige que todas as despesas dos órgãos ou das entidades públicas, os programas ou projetos governamentais sejam detalhadamente justificados a cada ano, como se cada item de despesa se tratasse de uma nova iniciativa do governo;
  • Tem como características a não existência de direito adquirido em relação aos recursos autorizados no orçamento anterior.

e) Participativo: a sociedade participa, sendo um processo educação que desperta no cidadão a capacidade de barganha;
  • Existe no âmbito municipal (pode se dizer que opera em fase de testes no Brasil). Não é utilizado no âmbito dos Governos Federais e Estaduais;
  • Possui caráter deliberativo, mas não tira o poder do Legislativo. A comunidade é considerada parceira do Poder Executivo no processo orçamentário.

5) Despesa Pública

5.1) Conceito

É o conjunto de dispêndios do Estado para funcionamento dos serviços públicos.
  • Não se confunde com a dívida, que é uma parcela do crédito público relativo a recursos que o Estado toma (no sentido de pede) do particular. O crédito é gênero, do qual as espécies são direito tomado e dinheiro emprestado.

5.2) Classificação Econômica - Lei nº 4.320/64, arts. 11 e 12

Conforme mencionado no item 3.2.2, quanto à categoria econômica, a despesacaracteriza também a receita corrente e de capital. Esta classificação melhor se relaciona com conceitos contábeis do que jurídicos.

a) Despesas correntes: também chamados de gastos improdutivos, não aumentam o patrimônio público, sendo imprescindíveis para o funcionamento da máquina administrativa. Se subdivide em:
  • Despesa de custeio: pagamento de pessoal, material de consumo, contratos de terceirização;
  • Transferências correntes: subvenções sociais e econômicas, pagamento de inativos, pensionistas, juros da dívida, despesas previdenciárias.
Então, a classificação por grupo de natureza pode ser assim resumida:
  • Pessoal e encargos sociais;
  • Juros e encargos da dívida;
  • Outras despesas correntes, como material de consumo.

b) Despesas de capital: também chamados de gastos produtivos, incrementam o patrimônio público. Se subdivide em (por grupo de natureza):
  • Investimentos públicos: móveis, participações em empresas agrícolas ou industriais (gera riqueza, agrega ao PIB);
  • Inversões financeiras: aquisição de imóveis, participação em empresas comerciais ou financeiras, participação em capital social de empresas (não agrega ao PIB, não gera riqueza, apenas inverte uma riqueza que já existia em outra de mesmo valor);
  • Amortização da dívida (ou transferências de capital): pagamento do montante principal da dívida (ora, se reduz o débito, o reflexo é o aumento do patrimônio líquido).

5.3) Classificação à Luz da LRF - arts. 16 e 17
  • O art. 15 da LTF cuida de consequências advindas da não observância dos arts. 16 e 17, que é tratada como uma presunção de lesividade do erário. Discute-se se tal presunção é absoluta ou relativa. O Prof. Diogo de Figueiredo defende ser relativa: "a presunção de lesividade não pode decorrer de simples irregularidade, ou seja, da mera insatisfação formal dos requisitos estabelecidos nos referidos arts. 16 e 17. É, pois, a combinação lesividade acrescida à irregularidade que dá causa à nulidade. É a prática da ação popular, na qual a lesividade conduz à nulidade, que ensina que não basta a irregularidade formal, exigindo-se também o prejuízo a valores definidos. Neste sentido, a jurisprudência firmou a dupla condição: irregularidade mais lesão a valores, para a caracterização da nulidade, não podendo ser consideradas isoladamente como motivo para a desconstituição de ato".

a) Criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental com aumento de despesa - art. 16.

Se não houver aumento de despesa, não depende da presença dos dois seguintes requisitos, necessário caso contrário:
  • Estimativa de impacto orçamentário-financeiro;
  • Declaração do ordenador da despesa de que o aumento se enquadra no PPA, LDO e LOA.
Nem toda licitação devem obediência a esse art. 16, pois se a despesa for de caráter continuado, deve observar o art. 17.


b) Despesa obrigatória de caráter continuado - art. 17: 

São as despesas correntes derivadas de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios. Têm caráter corrente, envolvendo o funcionamento da máquina administrativa, não ostentando, portanto, caráter orçamentário, e exigem estimativa trienal. Devem observância aos seguintes requisitos:
  • Estimativa de impacto orçamentário-financeiro;
  • Devem estar acompanhadas da comprovação de que tais despesas não afetarão o anexo de metas fiscais;
  • Devem ser compensadas pelos permanente aumento da receita e diminuição da despesa.


5.4) Fases da Despesa Pública - Lei nº 4.320/64, art. 58 e ss.

Tal  como a receita, a despesa também passa pelas etapas de planejamento, execução e controle.

No estágio de planejamento, é fixada a despesa, convertendo-se as estimativas em orçamento, o que se dá através da LOA.
  • Antes da despesa pública, pressupõe-se a realização de licitação, a qual também conta com fases chamadas internas:
  • Autorização: deflagração da licitação;
  • Execução: seleção da proposta mais vantajosa segundo critérios previstos no edital;
  • Adjudicação: atribuição ao vencedor do objeto da licitação.
Pois bem. Superada a fase de planejamento da despesa, passa-se à fase de sua execução:

a) Empenho - arts. 58 e 60: é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição, sendo vedada a realização de despesa sem o prévio empenho;
  • É materializado por nota de empenho, a qual não gera direito adquirido, nem obrigação. O contrato é que os cria;
  • O empenho se presta a controlar o orçamento. O Legislativo vai certificar que o Executivo está observando o orçamento;
  • Decreto de contingenciamento - LRF, art. 4º, I, b: os gastos obrigatórios não podem sem contingenciados. Para se saber se a despesa pode ser efetivamente realizada, deve-se ter confirmado que a receita foi arrecadada. O decreto traz, assim, regra de ajuste;
  • A nota de empenho, em certos casos, pode ser dispensada - art. 60, §1º. Não se trata de dispensa de empenho, mas apenas da emissão de sua nota. Não se dispensa empenho, mesmo em caso de urgências.
O empenho pode ser:
  • De estimativa: é utilizado nos casos cujo montante da despesa não se possa determinar, podendo o pagamento ser efetuado uma única vez ou parceladamente (ex.: contas de água,  de energia);
  • Ordinário: é o correspondente à despesa com montante é perfeitamente conhecido, cujo pagamento deva ser efetuado de uma só vez, após sua regular liquidação;
  • Global: é o utilizado para atender despesas contratuais e outras, sujeitas a parcelamento, cujo valor exato possa ser determinado (ex.: alugueis, prestação de serviços por terceiros, etc.).

b) Liquidação - art. 63, §1º: a Administração vai examinar o direito (adquirido) do credor, cruzando dados e verificando se a obrigação foi cumprida de maneira satisfatória. Caso contrário, isto é, se o contratado não cumpriu sua parte do contrato, o empenho será anulado total ou parcialmente. O pagamento só será feito após regular liquidação;

c) Pagamento - art. 65: é o momento final da despesa, que extingue a obrigação (e depois do pagamento só se fala em controle). Para tanto, a autoridade competente emitirá ordem de pagamento.O pagamento só será efetuado após regular liquidação, mesmo em casos de urgência

Após, passa-se ao controle da despesa.


5.5) Despesa com Pessoal - CF/88, art. 169

A Constituição exige que o gasto com pessoal observe os limites definidos em Lei Complementar. Tais limites estão previstos na LRF, art. 19 e 20.
  • Não se confunde déficit, dívida e endividamento:
  • Déficit: gastos superiores à arrecadação; 
  • Dívida: volume de saldo devedor; 
  • Endividamento: processo endêmico de dívida.
O art. 18 diz, em rol não exaustivo, o que são despesas com pessoal: o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência.

a) Limites de gastos: a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:
  • União: 50%;
  • Estados: 60%;
  • Municípios: 60%.

b) Distribuição dos gastos: ainda,  os percentuais acima estabelecidos devem ser gastos observando os seguintes limites:
  • Na esfera federal:
  • 2,5% para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas da União;
  • 6% para o Judiciário;
  • 40,9% para o Executivo, destacando-se 3% (três por cento) para as despesas com pessoal do TJDFT, MPDFT, Defensoria dos Territórios, PMDF, PCDF e quadro dos antigos territórios de Roraima e Amapá; 
  • d) 0,6% para o MPU.
  • Na esfera estadual:
  • 3% para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado; 
  • 6% para o Judiciário; 
  • 49% para o Executivo; 
  • 2% para o Ministério Público dos Estados;
  • Na esfera municipal:
  • 6% para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver; 
  • 54% para o Executivo.
Há autores que defende que a LRF extrapolou limites constitucionais ao estabelecer os montantes que os Estados podem gastar por Poder ou áreas específicas. A centralização na União também é criticada.


c) Gradação dos gastos: os limites acima estabelecidos são limites máximos, ou seja, não precisam ser todos atingidos (ex.: o Executivo municipal não é obrigado a contratar pessoal para gastar os 54% da receita corrente líquida. Pelo contrário: o princípio da eficiência orienta para que se preste o melhor serviço possível com o menor gasto desejável. Assim, a LRF criou um sistema de alertas para evitar que tais limites sejam atingidos:
  • Se o gasto com a rubrica chegar a 90% do limite, atinge-se o nível de alerta, sem previsão de sanção - LRF, art. 59, §1º, II;
  • Se o gasto atingir 95% do limite, passa-se a impor vedações, como concessão de vantagens, aumentos, criação de cargos, empregos, etc. - LRF, art. 29, Parágrafo único (alguns denominam de limite prudencial, um princípio anglo-saxão que não vigora no Brasil, apesar de ser compatível com a moralidade);
  • Se o gasto extrapolar 100% da RCL, o Ente tem o prazo de 8 meses para retornar aos limites, sendo que 1/3 da redução deve ser feita nos primeiros 4 meses. A lei prevê diversas medidas para redução das despesas com pessoal, como a extinção de cargos e funções, bem como a redução de seus vencimentos, o que é objeto de questionamento na ADI 238, em razão da irredutibilidade de salários prevista na CF/88, a qual prevê, por outro lado, até a exoneração de servidores estáveis - art. 169, §§3º e 4º;
  • Se não houver êxito na redução desses gastos, o Ente fica proibido de receber transferências voluntárias, obter garantia e contratar operações de crédito com outro Ente. Mesmo que um dos Poderes extrapole os limites, todo o Ente a que pertence será atingido. Tais sanções serão imediatamente aplicadas se for o último ano de mandato do governante.

5.6) Restos a Pagar - Lei nº 4.320/64, art. 36; LRF, art. 42 

Consideram-se restos a pagar (ou resíduos passivos) as despesas empenhadas mas não pagas dentro do exercício financeiro (ou seja, até o dia 31 de dezembro) distinguindo-se em:
  • Processadas: despesas empenhadas e liquidadas;
  • Não processadas: despesas empenhadas, mas não liquidadas.
Tais resíduos passivos são classificados como despesas extraorçamentárias (não integram o orçamento). Apesar de não integrar o orçamento, integram a programação financeira do exercício em curso. Sempre há o empenho; sem empenho, não há despesa. As vezes empenha, mas não paga: são os restos a pagar. 

É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.
  • Regime de caixa: é aquele em que são consideradas receitas e despesas do exercício tudo o que for recebido ou pago durante o ano financeiro, mesmo que se trate de receitas e despesa referentes a exercícios anteriores;
  • Regime de competência: as receitas e as despesas devem ser incluídas na apuração do resultado do período em que ocorrerem, sempre simultaneamente quando se correlacionarem, independentemente de recebimento ou pagamento.
Apesar de não integrar o orçamento, integram sim a programação financeira do exercício em curso. Portanto, a programação financeira inclui créditos orçamentários e extraorçamentários.


5.7) Despesas de Exercícios Anteriores - Lei nº 4.320/64, art. 37

Também chamadas despesas de exercícios encerrados: nessas, não houve empenho, ou o empenho foi cancelado. Se não houve empenho (ou foi cancelado), o empenho será feito no próximo exercício, razão pela qual as despesas de exercícios anteriores são orçamentárias (ex.: pai que não dá entrada no pedido de auxílio natalidade de filho que nasce em dezembro: se a solicitação foi feita em janeiro, a despesa é do exercício anterior, e será orçamentária).

Se a inscrição de determinada despesa em restos a pagar for cancelada, ela somente poderá ser paga, no futuro, a conta de dotação destinada a despesas de exercícios encerrados (se o empenho foi cancelado, deixa de ser conta a pagar para ser despesa de exercício anterior).

Se a despesa se refere a um ano, mas o empenho só pôde ser feito no ano seguinte, a despesa é de exercício anterior.


6) Crédito, Empréstimo e Dívida

6.1) Crédito Público

É a faculdade que o Estado tem em obter recursos de quem deles dispõem (facultativamente), para devolução nos prazos e condições contratados. O Estado toma (pede) dinheiro emprestado através de:
  • Títulos: é a chamada dívida pública interna;
  • Contratos de empréstimo: dívida pública externa.
Vantagens que o Estado agrega a seus contratos:
  • Juros altos;
  • Lançamento de papeis por valor inferior ao de face;
  • Dação em pagamento: permissão de se quitar tributos com títulos. O STF, porém, diz que a dação de pagamento se refere a imóveis, e a quitação de tributos com títulos é compensação;
  • Isenção do IR sobre os ganhos obtidos com títulos públicos: a vantagem viola a isonomia prevista na CF/88, art. 152, pois os títulos dos Estados e municípios não recebem tal isenção;
  • Impenhorabilidade dos títulos;
  • Garantias quanto à desvalorização da moeda.

6.2) Dívida Pública Externa - CF/88, art. 52, V

6.3) Dívida Púbica Interna - CF/88, art. 164

6.4) Contratos de Empréstimo - CF/88, art. 52, VII; LRF, art. 32

6.5) Dívida Fundada ou Consolidada - CF/88, art. 52, VI; LRF, art. 30, I

A Resolução nº 40/01 do Senado estabeleceu limites da dívida dos Estados, DF e municípios, deixando a União de fora. Os montantes constam do art. 3º.

A Resolução nº 43/01 define a dívida.

A falta de pagamento da dívida pode ocasionar a invenção dos Estados nos municípios e da União dos Estados e municípios - CF/88, art. 34, V e art. 35, I.


6.6) Extinção da Dívida

Modalidades:
  • Amortização: pagamento do principal;
  • Conversão / rolagem da dívida: moratória;
  • Compensação: CTN, art. 170;
  • Confusão: o Estado adquire seus papéis;
  • Bancarrota: o Estado não paga, por falta de recursos;
  • Repúdio: o Estado não paga, porque não reconhece a dívida.

7) Fiscalização e Controle da Execução Orçamentária - LRF, art. 70

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.


8) Dívida Ativa - Lei nº 4.320/64, arts. 36 e 39

Direito de crédito em favor da Fazenda Pública, cujo recebimento não ocorreu no prazo legal, cujo recebimento não ocorreu no prazo legal (são reconhecidos e não pagos).

Trata-se de um fato administrativo permutativo (não altera o patrimônio líquido).

Os créditos da Fazenda Pública são escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados. Compreende o principal e os acréscimos. Aqueles exigíveis pelo transcurso do prazo (vencidos) seguem para a dívida ativa, podendo ser classificados como tributários ou não tributários.


9) Suprimento de Fundos

Trata-se de uma poupança para eventualidades que exigem pronto pagamento. Consiste na entrega de numerário a servidor para realização de despesas urgentes (basicamente despesas que não podem aguardar o procedimento licitatório).

Não é fixado como despesa, pois é uma eventualidade. Se não fosse eventual, seria certo, isto é, uma despesa. Apesar disso, precisa passar pelas fases da despesa (empenho, liquidação e pagamento).

Sua concessão ocorre por meio de cartão de pagamento do Governo, sendo vedado o fracionamento.

Ainda, é vedado ao servidor público receber 3 ou mais suprimentos de fundos simultaneamente, mesmo que desenvolva missões distintas. Ou seja, o servidor pode receber até 2 suprimento de fundos simultaneamente.

Há limite máximo para concessão de suprimento de fundos:

  • Limite de concessão em conta corrente:
  • Compras e serviços: R$4.000,00; 
  • Obras e serviços de engenharia: R$7.500,00;

  • Limite de concessão em cartão de pagamento: 
  • Compras e serviços: R$8.000,00; 
  • Obras e serviços de engenharia: R$15.000,00. 
  • Limite de despesa por NF em conta corrente:
  • Compras e serviços: R$200,00; 
  • Obras e serviços de engenharia: R$375,00;
  • Limite de despesa por NF em cartão de pagamento:
  • Compras e serviços: R$800,00; 
  • Obras e serviços de engenharia: R$1.500,00.

10) Conta Única do Tesouro - CUT

Mantida pelo BACEN, movimentada pelo Banco do Brasil.

  • Pode eventualmente ser movimentada por outras agências credenciadas (mas não simplesmente por qualquer instituição autorizada a funcionar no Brasil).
Tem a finalidade de centralizar todas as disponibilidades de caixa da União voltadas às Unidades Gestoras do SIAFI.
  • Lei nº 4.320/64, art. 56. O recolhimento de tôdas as receitas far-se-á em estrita observância ao princípio de unidade de tesouraria, vedada qualquer fragmentação para criação de caixas especiais.

11) SIDOR/SIOP

Trata-se da estrutura  de processamento de dados voltada para o processo orçamentário, permitindo a elaboração da proposta orçamentária e a revisão do PPA para a formalização dos Projetos de LOA que são encaminhados ao Congresso Nacional.

É operado e gerenciado pela Secretaria de Orçamento Federal.


12) SIAFI

Trata-se de um sistema informatizado que processa e controla, por meio de terminais instalados em todo o território nacional, a execução orçamentária, financeira, patrimonial e contábil dos órgãos da Administração Pública Direta Federal, das autarquias, fundações e empresas públicas federais e sociedades de economia mista que estiverem contempladas no Orlamento Fiscal ou da Seguridade Social da União.

A ferramenta executa, acompanha e controla com eficiência e eficácia à correta utilização dos recursos da União. O Governo Federal tem uma Conta Única para gerir, de onde todas as saídas de  dinheiro ocorrem com o registro de sua aplicação e do servidor público que a efetuou.