segunda-feira, 3 de março de 2014

02 - Crimes de Tortura

Crimes de Tortura - Lei nº 9.455/97

O Brasil é signatário da Convenção da ONU de 1984 contra tortura e outras penas cruéis ou tratamentos desumanos ou degradantes. 

A CF/88, art. 5º, III proíbe a tortura, enquanto que o inciso XLIII equipara sua prática aos crimes hediondos (inafiançáveis, insuscetíveis de graça e anistia).

Portanto, no Brasil o crime de tortura, tipificado pela Lei em estudo, é considerado crime comum (não é crime político, nem crime próprio/funcional), ao contrário do que prevê a Convenção da ONU, na qual a tortura é considerada um crime funcional.

A Lei estabelece 6 crimes ou formas de tortura, das quais 5 são comissivas e 1 omissiva:


1) Tortura Comissiva

As 5 espécies caracterizam crimes materiais, pois exigem o sofrimento físico ou mental em sua caracterização. Portanto, a consumação ocorrerá com a verificação desse resultado naturalístico (material) e todas admitem tentativa.

A diferença entre elas etá na finalidade ou na motivação do agente, ou ainda na relação existente entre os sujeitos ativo e passivo. Estão separadas de acordo com o núcleo do tipo, isto é, os verbos "constranger" e "submeter".


1.1) Constranger: incomodar, obrigar, coagir, etc. Aqui estão previstas as 3 das 5 espécies. Todas exigem emprego de violência ou grave ameaça na sua execução.

a) Tortura Prova ou Confissão: cuja finalidade do agente é obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira.
Ex.: caso dos irmãos Naves, cuja mãe era torturada na delegacia para que eles confessassem um homicídio no Tribunal do Júri.

b) Tortura ao Crime: cuja finalidade do agente é provocar ação ou omissão de natureza criminosa.
Ex.: torturar filho de gerente de joalheria para que este subtraia jóias.

c) Tortura Discriminatória: cuja motivação do agente é o preconceito de raça ou religião. A Lei nº 7.716/89 cuida dos crimes de preconceito, e estabelece 5 formas de discriminação, que além da de raça e de religião, incluem cor, etnia e procedência nacional.
Ex.: torturar católico em razão de sua opção religiosa.


1.2) Submeter: subjugar, sujeitar. 

a) Tortura Castigo: cuja finalidade do agente é impor castigo ou medida de caráter preventivo. 
Ex.: torturar vítima de sequestro no cativeiro porque a família está demorando para pagar o resgate.
Entre os sujeitos ativo e passivo há relação de autoridade (professor e aluno), poder (bandido e vítima) ou guarda (pai e filho).
Exige emprego de violência ou grave ameaça em sua execução.
É a única espécie de tortura que exige sofrimento físico ou mental intenso (elemento do tipo).

b) Tortura de Preso ou de Pessoa sob Medida de Segurança: o dolo é genérico, isto é, não demanda nenhuma finalidade específica.
Entre os sujeitos ativo e passivo há uma relação de custódia. 
Ex.: carcereiro e preso, enfermeiro e louco internado.
É a única tortura comissiva que não exige emprego de violência ou grave ameaça na sua execução, pois é praticada mediante ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
Ex.: colocar louco em cela escura ouvindo ruído intenso

Todas as cinco espécies de tortura comissivas (acima) são apenadas com reclusão de 2 a 8 anos, são inafiançáveis e sofrem as consequências da hediondez (prisão temporária de 30 dias prorrogável, progressão de regime mediante cumprimento de 2/5 da pena para réu primário ou 3/5 para reincidente.

O art. 7º, §1 determina a imposição de regime inicial fechado para o condenado por tortura comissiva. Porém, o STF considerou inconstitucional determinação semelhante contida na lei dos crimes hediondos, por ferir o Princípio da Individualização da Pena (HC 111.840). Não que não se possa cumprir o regime inicialmente fechado, mas o Juiz deverá fundamentar na sentença proferida no caso concreto as razões do tal regime inicial, considerando que o CP, art. 33, §2º prevê regime inicialmente semi-aberto para condenados a pena inferior a 8 anos e aberto para pena inferior a 4 anos. Os critérios do CP, art. 59, devem ser considerados para excepcionar o art. 33.


2) Tortura Omissiva

A tortura omissiva própria/pura é caracterizada diante do agente que toma conhecimento das torturas acima estudadas (comissivas), e tendo o dever (veja: dever) de apurá-las ou evitá-las, omite-se (não faz nada).

Neste caso, a pena é de detenção de 1 a 4 anos, sendo iniciada no regime semi-aberto ou aberto, bem como admite suspensão condicional do processo.

É um crime próprio, pois o dever de fazer algo a respeito é de agente público.

Alguns autores entendem que o agente que tem o dever de evitar a tortura que está acontecendo e, podendo, nada faz, responderá por tortura comissiva por omissão ou omissiva imprópria (Pena: reclusão de 2 a 8 anos). O fundamento desta corrente está na parte final do inciso XLIII do art. 5º da CF/88 (... por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;).

A consumação ocorrerá diante da omissão do agente por tempo juridicamente relevante.

Não admite tentativa, como acontece em qualquer crime omissivo.


3) Quanto aos Crimes de Tortura

3.1) Formas Qualificadas de Tortura

a) Tortura seguida de lesão grave ou gravíssima. Pena: reclusão de 4 a 10 anos.
O CP, art. 129, §§ 1º e 2º, estabelece as hipóteses de lesões graves e gravíssimas.

b) Tortura seguida de morte. Pena: reclusão de 8 a 16 anos.
A tortura seguida de morte sempre será crime preterdoloso (o resultado morte acontece sempre a título de culpa - a intenção dele era apenas torturar). Caso o agente queira (dolo) a morte da vítima mediante tortura, será crime de homicídio qualificado pela tortura (Pena: reclusão de 12 a 30 anos). Portanto, é necessário analisar o elemento subjetivo (animus), em homenagem à teoria finalista da ação.


3.2) Causas de Aumento de Pena

Em todos os crimes acima, a pena será aumentada de 1/6 a 1/3 quando praticado: 

a) Por agente público;

b) Contra criança, adolescente, gestante, portador de deficiência ou idoso (+60 anos);

c) Mediante sequestro.

As situações (causas) acima somente aumentarão a pena da tortura quando não caracterizadas por elementares do tipo ou qualificadoras (para evitar o bis in idem).


3.3) Efeitos da Condenação

Perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo para a pena imposta.

De acordo com o STJ e a doutrina, este efeito é automático. HC 134.218/GO:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TORTURA. PACIENTES CONDENADOS A 3 ANOS E 5 DIAS DE RECLUSÃO, EM REGIME ABERTO, E À PERDA DO CARGO PÚBLICO. INSURGÊNCIA CONTRA A IMEDIATA PERDA DO CARGO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE LESÃO AO DIREITO DE IR E VIR DOS PACIENTES. INEXISTE CONSTRANGIMENTO ILEGAL CAPAZ DE JUSTIFICAR O MANEJO DE HC. IMPROPRIEDADE DO MANDAMUS. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. A perda do cargo público é efeito automático e obrigatório da condenação pela prática do crime de tortura (art. 1o., § 5o. da Lei 9.455/97), prescindindo inclusive de fundamentação. 2. A jurisprudência deste Tribunal se mostra firme quanto ao cabimento do Habeas Corpus somente quando haja real e concreta possibilidade de privação da liberdade. 3. Habeas Corpus não conhecido, em conformidade com o parecer ministerial.

3.4) Extraterritorialidade da Lei de Tortura

Esta lei determina a sua aplicação ao crime de tortura praticado no estrangeiro em duas situações:

a) Vítima brasileira;

b) Quando o agente estiver em local sob a jurisdição brasileira após o cometimento do crime.

A doutrina sugere que são hipóteses de extraterritorialidade incondicionada.


3.5) Tortura de Criança

A Lei de Tortura revogou expressamente o art 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois passou a tratar de todas as situações.

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