domingo, 23 de março de 2014

02 - Direito Tributário e Tributos - Conceitos

Direito Tributário

1) Conceito de Direito Tributário

É o ramo do direito público que regula as relações entre a sociedade privada e entes estatais quanto à transferência compulsória de recursos caracterizados como tributos. Trata-se de um segmento do direito financeiro (ocupa-se da entrada, saída e gestão de recursos), uma vez que o direito tributário cuida de uma das modalidades (a mais importante) de entradas denominadas receitas derivadas ou compulsórias.

Sendo ramo do direito público, vigora o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular e indisponibilidade deste interesse.

Da distinção entre direito tributário e direito financeiro surgem expressões associadas ao direito financeiro tais como Lei de Responsabilidade Fiscal (controle de entradas e saídas, sobretudo de endividamento), política fiscal (instrumento de gestão macroeconômica que envolve gastos ou investimentos públicos) e até execução fiscal forçada (Lei nº 6.830/80. Permite cobrar créditos tributários e não tributários). Já a política tributária está associada ao direito tributário e diz respeito a diversas medidas, tais como técnicas de arrecadação (ex.: retenção na fonte por substituição tributária, quando o responsável retem o tributo devido pelo contribuinte).


1.1) Conceito de Tributo

A CF/88 não traz expressamente um conceito de tributo, embora tal conceito possa ser implicitamente extraído dos art. 145 e ss. Por isso, o art. 3º do CTN é a referência de direito positivo sobre o conceito de tributo. Pelas noções implícitas extraídas da Constituição e pelo contido no art. 3º do CTN, obrigações pessoais, tais como prestação de serviço militar obrigatório, participação como jurado, etc. não são consideradas tributos em sentido estrito, uma vez que o conceito de tributo está associado a prestação pecuniária. Há ainda singularidades, tais como o FGTS, previsto no art. 7º da CF/88, e cobrado na forma da Lei nº 8.036/90 que não tem natureza tributária (ex.: não é regido pelo CTN e tem prazo prescricional trintenário), embora o FGTS transitório da Lei Complementar nº 110 tenha tido natureza tributária (contribuição social geral).

Pelo que consta do art. 3º do CTN, tributo tem as seguintes características:

a) É prestação pecuniária, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir. Não é prestação pessoal. 

b) É compulsório. Trata-se de transferência que independe da vontade do sujeito tributado. Contribuições sindicais derivadas da liberdade de o trabalhador se sindicalizar não são tributárias, embora existam contribuições no interesse de categoria profissional e econômica que se definem como tributos (ex.: no caso da liberdade de associação, somente os associados devem contribuição ao sindicato, mas no caso de contribuições tributárias todos os trabalhadores devem).

c) Não constitui sanção por ato ilícito. Tributos incidem sobre riquezas (estáticas ou em movimento), e são cobrados independentemente de qualquer ato ilícito por parte do sujeito passivo. Assim, são as atividades lícitas que dão margem a tributos. Atividades ilícitas também podem se sujeitar a prestações pecuniárias compulsórias (multas) ou até mesmo a perda de bens que constituem o instrumento ou o objeto do ilícito (pena de perdimento e confisco), mas não são consideradas tributo. Na complexa linguagem tributária, sequer as multas tributárias são consideradas tributos, porque são penalidades, embora representem obrigação tributária principal (obrigação de pagar).

d) Cobrando por atividade administrativa vinculada. Dada a indisponibilidade do interesse público, e sobretudo pelas razões que justificam o tributo, a matéria tributária enseja atos administrativos vinculados, sob pena de responsabilidade administrativa-funcional, penal (prevaricação, corrupção, concussão, ou excesso de exação) e até judiciais cíveis (improbidade administrativa). Há raras situações de discricionariedade em matéria tributária, tais como a escolha dos contribuintes que serão fiscalizados.

e) Instituído em lei em sentido estrito e em demais atos normativos constitucionalmente autorizados. Trata-se da reserva de lei ou estrita legalidade com suas relativizações.


1.2) Funções do Tributo

A doutrina identifica duas funções que justificam a tributação.

a) Função fiscal: arrecadar recursos para financiar as atividades estatais. Correlata a essa função há também outras, tais como proporcionar a autonomia financeira necessária de cada Ente federativo (competência tributária originária).

b) Função extrafiscal: é a utilização do tributo com finalidade de estimular ou desestimular comportamentos por motivos sócio-econômicos (ex.: tributação elevada de cigarros e bebidas, em decorrência dos malefícios à saúde). Muitos tributos extrafiscais tem exceções em princípios constitucionais (ex.: impostos aduaneiros têm flexibilizações na reserva de lei e não se sujeitam à anterioridade).

Todos os tributos, potencialmente, tem as duas funções, e a classificação num ou noutro grupo depende da preponderância (ex.: IRPJ é um tributo fiscal, mas comporta tributações extrafiscais).


1.3) Classificação dos Tributos

Tributo é gênero que comporta espécies, o que também proporciona diversas classificações, dentre elas:

1.3.1) Classificação do CTN

No Livro I do CTN, os arts. 16 e seguintes seguem classificação que se baseia nos critérios indicados no art. 4º do mesmo Código (fato gerador da respectiva obrigação). Segundo o CTN, a natureza do tributo deve se basear pelo que, de fato, a legislação estabeleceu, independentemente das denominações formais empregadas (prevalência da realidade ou do conteúdo em detrimento da forma), também afirmando que é irrelevante a destinação legal do produto da arrecadação (aspecto muito criticado pela doutrina, uma vez que atualmente alguns tributos só se diferenciam de outros pela destinação legal (ex.: IRPJ e CSLL, que é destinada a seguridade social). Não bastasse, o CTN ainda apresenta classificação com apenas três modalidades de tributo, aspecto já superado na doutrina e na jurisprudência. Assim, o CTN é o passo inicial para a classificação de tributos, segundo os critérios do fato gerador e da destinação legal do produto da arrecadação.

Segundo a posição que prevalece na doutrina, há os seguintes tributos à luz da CF/88 e do CTN:


a) Impostos

Previsto no art. 16 do CTN, o imposto tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade específica estatal em relação ao contribuinte, ou seja, é cobrado sem qualquer promessa legal de contrapartida estatal em relação ao contribuinte.
O produto da arrecadação dos impostos é destinado "ao orçamento em geral", ficando sujeito à discricionariedade do legislador orçamentário, tanto que o art. 167, VI da CF/88 veda a vinculação da receita a órgão, fundo ou despesa, salvo vinculações expressas na própria Constituição (ex.: art. 34, VII, e).


b) Taxas

Previstas no art. 145, II da CF/88 e no art. 77 e ss. do CTN, as taxas tem como fato gerador o exercício do poder de polícia (em sentido amplo, incluindo higiene, produção, etc.) ou a utilização (efetiva ou potencial) de serviço público específico e divisível. Por isso, as taxas sempre têm uma contraprestação efetiva ou potencial (posta à disposição) em favor do contribuinte.

Não pode ter base de cálculo ou fato gerador idêntico aos dos impostos, e nem pode ser calculada em função do capital social das empresas, embora possa ter base de cálculo e alíquotas.

Há complexa e longa discussão pendente sobre a distinção entre taxa (tributo sujeito a princípios e regras tributárias) e preço público ou tarifa (não é tributo e não se sujeita à estrita legalidade, anterioridade, etc.), o que passa pelo conceito de serviço de público. Em regra, nos casos típicos de serviço público (como prestação de jurisdição, etc.) paga-se taxa.

Também é intensa a discussão em relação à natureza jurídica do pedágio, predominando na prática o entendimento de que não é tributo, embora exista precedente do STF afirmando que é taxa.


c) Empréstimos Compulsórios

Previstos  na CF/88, art. 148 (não há previsão no CTN), os empréstimos compulsórios tem como justificativa: (i) gerar receitas para atender despesas extraordinárias de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência; (ii) proporcionar recursos para investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional (embora tenha de observar a anterioridade anual).

Os empréstimos compulsórios podem ter fato gerador e base de cálculo idêntica a impostos e contribuições já existentes, pois a Constituição não estabelece tais parâmetros, embora, por óbvio, vincule o produto da arrecadação ao motivo que justificou sua instituição.

Os de calamidade ou guerra não se confundem com o imposto extraordinário de guerra previsto na CF/88, art. 154, II.

A característica marcante do empréstimo compulsório é que ele deverá ser devolvido em dinheiro, com acréscimos, ao contribuinte que o recolheu. As experiências com empréstimos compulsórios foram cercadas de polêmicas (ex.: sobre aquisição de veículos e venda de combustíveis em meados da década de 80), tornando-o uma modalidade bastante hostilizada, basicamente porque o Governo não devolveu o dinheiro.


d) Contribuições

Parte da doutrina não reconhece contribuições como modalidade específica de tributo (salvo contribuições de melhoria), preferindo classifica-las como impostos à luz da antiga classifica (do próprio CTN) que prevê apenas 3 modalidades de tributos (impostos, taxas e contribuição de melhoria). Há as seguintes modalidades de contribuições:
d.1) Contribuição de melhoria
Prevista na CF, art. 145, III e CTN, art. 81 e ss, essa contribuição tem como fato gerador obra pública que proporciona valorização imobiliária em favor do contribuinte (imóvel urbano ou rural). Por isso, há uma vinculação entre a exigência do tributo e a contraprestação estatal, havendo também uma vinculação entre o produto da arrecadação e a obra (a contribuição deve ser cobrada de cada um dos contribuintes, considerando dois limites, dos dois o menor: o pro-rata do custo da obra e a valorização individual do imóvel). Trata-se de modalidade pouco utilizada, dada a complexidade para sua cobrança, que exige, dentre outros requisitos, publicação do memorial descritivo da obra, avaliação dos imóveis, etc.
d.2) Contribuição no interesse de categoria profissional ou econômica
Tradicionalmente prevista no sistema brasileiro, consta atualmente na CF/88, art. 149, com a finalidade de fortalecer a estrutura sindical e categorias com profissões regulamentadas (ex.: CONFEA, CRM, etc) em favor da própria profissão. 
As profissões regulamentadas, em regra, estão sujeitas a contribuições anuais exigidas pelos respectivos Conselhos (Autarquias Federais) e as profissões não regulamentadas estão sujeitas a contribuição sindical prevista na CLT (um dia de salário por ano no mês de março). Assim, há um fato gerador relacionado a inscrição e exercício de profissão vinculado a uma categoria, com destinação correspondente do produto da arrecadação. 
Essas contribuições tributárias não e confundem com as contribuições sindicais ou confederativas facultativas cobradas dos sindicalizados-associados (a associação é voluntária).
Há polêmica com relação natureza jurídica da contribuição da OAB, que procura afirmar que não se trata de tributo, até porquê não quer se submeter ao controle pelo TCU.
d.3) Contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE)
Tradicionalmente previstas nas Constituições, as CIDEs estão descritas basicamente na CF/88, art. 149, ganhando reforço em razão da ampliação as Agências Reguladoras (basicamente financiadas por CIDE e por taxas).
A CIDE tem por finalidade fomentar e estimular o desenvolvimento de segmentos econômicos específicos, daí porque o fato gerador deve se relacionar com aqueles que atuam ou se utilizam do segmento econômico estimulado. 
Pequena parte da doutrina sustenta que a CIDE deve ser temporária, já que se trata de "intervenção estatal" em área que, em regra, é da iniciativa privada.

d.4) Contribuição para iluminação pública (CIP)
Introduzida no sistema constitucional pela EC nº 39/2002, essa contribuição tem por finalidade o custeio do serviço de iluminação pública em áreas públicas (o serviço público prestado ou posto a disposição para áreas privadas está sujeito a taxa).
A CF/88, art. 149, Parágrafo único, prevê a possibilidade de essa contribuição ser cobrada na conta de energia elétrica dos consumidores. Antes da EC nº 39/2002, esse serviço era custeado por impostos.

d.5) Contribuições sociais
Também antiga no sistema jurídico, as contribuições sociais tem por definição uma finalidade social e devem ser divididas em dois grupos:
- Contribuições sociais gerais: alcança todas as modalidades de contribuições cujo produto da arrecadação é destinado a áreas sociais, tais como a contribuição para o salário educação, exigida sobre a folha de salário das empresas e a temporário contribuição tributária prevista na LC nº 110/2001 para o FGTS (distinta da contribuição não tributária ao FGTS, prevista na Lei nº 8.036/90). O regime jurídico tributário dessas contribuições impõe, por exemplo, o respeito a anterioridade anual e a nonagesimal;
- Contribuição social para a Seguridade Social: o produto da arrecadação é destinado à saúde, previdência e assistência social (CF/88, art. 194 e ss.). O regime jurídico tributário tem particularidades, por exemplo, sujeitam-se apenas a anterioridade nonagesimal. Juntamente com alguns impostos, essas contribuições representam as maiores fontes de arrecadação do sistema tributário.

Os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria podem ser cobrados pela União, Estados, DF e municípios (no caso de territórios, pela União) no âmbito de suas respectivas competências. Contribuições no interesse de categoria profissional e econômica, CIDE e Sociais gerais podem ser cobradas apenas pela União. Contribuições sociais para a seguridade social, em regra, são cobradas apenas pela União (regime geral e regime próprio), mas Estados-membros, DF e municípios poderão cobra-las para seus regimes próprios de seguridade. Contribuição para a iluminação pública podem ser cobradas apenas pelos municípios e pelo DF.

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