domingo, 6 de abril de 2014

10 - Teoria do Crime - Fato Típico - Tipicidade

Análise das Estruturas do Fato Típico

O crime é fato típico, antijurídico e culpável (Teoria Finalista Tripartida).

Nos crimes materiais, o fato típico está sustentado em 4 pilares: condutaresultado, nexo causal e tipicidade. Na ausência de um desses pilares, desaba a estrutura do fato típico, e a conduta será atípica.


4) Tipicidade

É o juízo de adequação do fato concreto no tipo legal; o enquadramento, a subsunção do fato na previsão normativa. Quando "A" mata "B", existe tipicidade, por que esse fato se enquadra na previsão do CP, art. 121. Por conta disso se percebe que a tipicidade é elemento do fato típico, e a ausência da tipicidade irá gerar atipicidade da conduta.


4.1) Evolução do Conceito de Tipicidade

Num primeiro período, a tipicidade tinha significado amplo, pois ela abrangia o enquadramento do fato no tipo, mais a antijuridicidade, a culpabilidade, a punibilidade e até o exame de corpo de delito. A tipicidade era um conceito que envolvia processo penal e direito penal. Se a vítima matasse o agressor em legítima defesa, naquela época, não haveria tipicidade, por conta dessa construção processual penal, e ainda porque a antijuridicidade fazia parte da tipicidade. A análise da tipicidade era feita após a sentença: se ela fosse condenatória, havia tipicidade; se fosse absolutória, não havia.

a) Beling

Em 1907, Beling iniciou a evolução do conceito de tipicidade. Ele afirmava que tipicidade era o mero enquadramento do fato concreto no tipo legal, isto é, o enquadramento do fato nos elementos descritivos, ou objetivos, do tipo legal. Ele ainda separava três juízos distintos sucessivos e absolutórios:
  • Falta de tipicidade;
  • Falta de antijuridicidade;
  • Falta de culpabilidade.
Sendo assim, no exemplo dado da vítima matar o agente em legítima defesa, a partir de Beling existe tipicidade, pois o fato se enquadra na redação do CP, art. 121. De outra parte, não há antijuridicidade, pois a morte foi em legítima defesa.

Beling, então, retirou da tipicidade a antijuridicidade, a culpabilidade, a punibilidade, etc. A partir de Beling, tipicidade passou a ser um conceito de direito penal, por isso é possível tipicidade mesmo se a sentença for absolutória. Beling sistematizou o estudo do direito penal para um modelo atual.


b) Mayer

Um outro momento de evolução foi levado avante por meio do jurista alemão Mayer, que aderiu às ideias de Beling, mas acrescentou dois novos aspectos:
  • Dentro da tipicidade também devem ser analisados os elementos normativos do tipo, não apenas os elementos objetivos ou descritivos como sustentava Beling;
  • Para Mayer, tipicidade significa indício de antijuridicidade, embora sejam institutos distintos. Existindo tipicidade, presume-se a antijuridicidade, até prova em contrário a ser promovida pelo acusado.
Enquanto Beling separava demasiadamente esses dois institutos, Mayer os aproximou, reconhecendo porém que são distintos.


c) Beling-Mayer - Teoria da Tipicidade Indiciária

Beling acabou aderindo às ideias de Mayer, e daí surgiu uma teoria denominada Teoria de Beling-Mayer, ou Teoria da Tipicidade Indiciária. Para essa teoria, tipicidade é o enquadramento do fato nos elementos objetivos e normativos do tipo legal.

Quanto aos elementos subjetivos (dolo e culpa), essa teoria os analisa na culpabilidade - o Finalismo surgiu em meados de 1930.


d) Finalismo

A partir do Finalismo, o conceito de tipicidade sofreu uma nova evolução, pois o finalismo enquadra os elementos subjetivos dentro da tipicidade. A partir do finalismo, tipicidade passou a ser o enquadramento do fato nos elementos descritivos, nos normativos e nos subjetivos.

No tipo penal do CP, art. 155 - furto, "subtrair para si ou para outro coisa alheia móvel":
  • "Subtrair coisa alheia móvel" é o elemento objetivo;
  • "Alheia" é o elemento normativo;
  • "Para si ou para outrem" é o elemento subjetivo.
Numa situação em que o agente subtrai para uso momentâneo o livro do colega, devolvendo-o meia hora depois, ocorreu furto de uso, que não possui previsão penal (exceto no CP Militar). Esse aluno será absolvido, pelo fundamento seguinte:
  • Para a teoria de Beling-Mayer, será absolvido por falta de culpabilidade;
  • Para o Finalismo, por falta de tipicidade, pois não houve subtração para si ou para outrem (o aluno não pretendia ficar com o livro).
O Finalismo não entra em rota de colisão com a teoria de Beling-Mayer; apenas complementa, acrescentando a análise do dolo e da culpa dentro da tipicidade.


e) Teoria dos Elementos Negativos

Há uma outra teoria que também avalia tipicidade, que é a teoria ratio essendi, ou teoria dos elementos negativos, que foi criada pelo penalista alemão Weber, e no Brasil é seguida por Miguel Reale Jr. Para esta teoria, a tipicidade possui dois requisitos:
  • Enquadramento do fato no tipo: tipicidade formal;
  • Ausência das causas de exclusão de antijuridicidade: a análise da antijuridicidade dentro da tipicidade.
Ex: "A" mata "B" em legítima defesa. Para essa teoria, não há tipicidade, pois antijuridicidade e tipicidade são praticamente a mesma coisa. Todas as causas de exclusão da antijuridicidade afastam a tipicidade. 

Nessa teoria, o tipo penal do art. 121 deveria ser: "Matar ilicitamente alguém"; ou "Matar alguém, salvo em legítima defesa...". Percebe-se assim que antijuridicidade passa a ser um elemento da tipicidade, mas ainda é possível distinguir esses dois elementos. 

Tipicidade é o enquadramento do fato nos elementos do tipo; antijuridicidade é um dos elementos do tipo; elementos negativos são aqueles que devem estar ausentes para que haja tipicidade. A legítima defesa, por exemplo, seria um elemento negativo.

O Brasil adotou, como exceção, esta teoria, como por exemplo nos art. 151, 153, 154, 345, etc. do CP (que usa expressões como "indevidamente", "sem justa causa", "salvo"). Significa dizer que a presença da excludente de antijuridicidade nesses tipos vai afastar a tipicidade (a antijuridicidade está dentro da tipicidade, sendo elemento desta).


f) Teoria da Tipicidade Conglobante - Eugênio Raul Zaffaroni

Para Zaffaroni, a tipicidade irá depender de dois requisitos:
  • Tipicidade legal: mero enquadramento do fato concreto no tipo penal;
  • Antinormatividade: para que haja tipicidade, é necessário que o fato colida, conflite com todo o direito, com todo o ordenamento. Assim, ainda que haja o enquadramento formal, não haverá tipicidade quando a prática do fato for ordenada, ou se ela for estimulada pelo direito.
Para Zaffaroni, o estrito cumprimento do dever legal exclui a tipicidade, pois o direito ordena, determina que o agente atue dessa forma.

Da mesma forma, o exercício regular do direito também exclui a tipicidade, pois o ordenamento estimula sua prática, que é agir conforme o direito.

De outro lado, para esta teoria, o estado de necessidade e a legítima defesa excluem a antijuridicidade, pois o ordenamento não determina nem fomenta essas posturas. O direito apenas as tolera.
DPE PR 2014 - 27 - Segundo a teoria da tipicidade conglobante, o fato não é típico por falta de lesividade:
1. quando se cumpre um dever jurídico.
2. quando, para defender um bem ou valor próprio, o agente sacrifica bem ou valor alheios de menor magnitude.
3. quando se pratica uma ação fomentada pelo direito.
4. quando há o consentimento do titular do bem jurídico.
5. quando o agente pratica a conduta em legítima defesa putativa.
Assinale a alternativa correta:
d) Somente as afirmativas 1, 3 e 4 são verdadeiras. 

g) Teoria adotada no Brasil: Beling-Mayer, como regra.

Diferentemente, nosso CP encara essas quatro figuras (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito) como excludentes da antijuridicidade - CP, art. 23. Serão estudadas adiante.

Para a teoria de Beling-Mayer, as quatro figuras excluem a antijuridicidade - é a regra do CP.

Para a teoria dos Elementos Negativos, as quatro figuras excluem a tipicidade, excepcionalmente adotada pelo CP quando a descrição do tipo penal contém os elementos negativos, em tipicidade direta ("salvo", etc.).

Para a teoria da tipicidade conglobante, o exercício regular do direito e estrito cumprimento do dever legal excluem a tipicidade. A legítima defesa e o estado de necessidade excluem a antijuridicidade.


4.2) Quanto à Tipicidade

a) Tipicidade direta: quando o fato concreto enquadra-se imediatamente no tipo legal, sem a necessidade de se invocar norma da parte geral. Isso ocorre com o enquadramento do autor frente a um crime consumado;

b) Tipicidade indireta: ou por extensão - quando o enquadramento do fato concreto no tipo legal irá depender da interposição de uma norma da parte geral. A doutrina é dividida, mas prevalece a posição que elenca dois casos:
  • Tentativa: para que haja tipicidade na tentativa, é preciso de um complemento ao tipo, que amplie seu conteúdo, e que se encontra presente no CP, art. 14, II;
  • Participação: para que haja enquadramento do partícipe, é necessário invocar a norma do CP, art. 29, §1º, que amplia o tipo. A conduta do partícipe, em tese, é atípica, por ser acessória, mas em função do art. 29 ela ganha os contornos da atipicidade.

As normas dos art. 14, II e 29 são chamadas normas integrativas, ou normas de extensão, pois complementam a tipicidade. Na participação, há uma ampliação pessoal do tipo; já na tentativa, há uma ampliação temporal ou espacial do tipo legal.

No caso da coautoria a tipicidade é direta, pois todos realizam a conduta descrita no tipo, sendo desnecessário invocar o art. 29, o qual só deve ser invocado na coautoria se houver divisão de tarefas, como o furto no Banco Central em Fortaleza.

Para parte da doutrina, é necessário arrolar os casos do art. 13, §2º, como tipicidade indireta, mas prevalece o entendimento de que a tipicidade é direta, pois se tratam de crimes de ação (comissivos por omissão), que possuem enquadramento; apenas a forma de realizar é que se dá por omissão.


4.3) Teoria do Tipo

Tipo é a descrição abstrata de uma conduta proibida, ou de uma conduta permitida. Logo, os tipos podem ser:

a) Incriminadores: o tipo legal é aquele em que a lei descreve uma conduta proibida. Tais tipos se concentram na Parte Especial do CP e nas leis especiais. Eles não estão presentes na Parte Geral, que só possui tipos permissivos. A lei que descreve um tipo legal deve partir de um verbo, ou núcleo, valendo-se de linguagem direta, sintética e objetiva;

b) Permissivos: é o tipo legal que contém a descrição da conduta permitida, isto é, as situações em que a lei considera lícito um comportamento que se amolda ao fato típico. São as chamadas causas de exclusão de ilicitude ou eximentes.


4.3.1) Funções do Tipo

a) Garantir a liberdade das pessoas: só são proibidas as condutas previstas num tipo penal;

b) Indicar a antijuridicidade;

c) Assinalar e concretizar a antijuridicidade;
  • Assinalar: incriminar uma conduta que era permitidas pelo direito extrapenal (como na década de 60 que incriminava o lança perfume);
  • Concretizar: incriminar uma conduta que já era proibida sob o prisma extrapenal (como a advocacia administrativa que foi inserida no CP de 1940, mas antes era uma irregularidade administrativa);
d) Marcar o início e o término do iter criminis, isto é, distinguindo  tentativa do crime consumado.


4.3.2) Elementos do Tipo

São aqueles que compõem sua definição, e podem ser:

a) Objetivos: ou descritivos - são as expressões em que há um juízo de certeza sobre seu significado (ex.: matar alguém, subtrair coisa, etc.).

b) Normativos: são aqueles cuja aplicação depende de um juízo de valor, cultural ou jurídico, do aplicador do direito (ex.: repouso noturno, funcionário público, saúde, etc.).

c) Subjetivos: são os que dizem respeito à intenção do agente, seu estado e ânimo, e se dividem:
  • Motivo: é o antecedente psíquico da conduta. O motivo faz nascer a vontade (ex.: motivo fútil, torpe, egoístico);
  • Dolo: é a vontade de praticar a conduta descrita no tipo;
  • Finalidade: alguns chamam de dolo específico (ex.: CP, art. 121, §2º, V, o homicídio conexional, que é praticado com conexão teleológica, como para assegurar a vantagem de outro delito ou sua impunidade).

4.3.3) Classificação dos Tipos

4.3.3.1) Normal e Anormal

a) Normal: é aquele que só possui elementos objetivos (ex.: matar alguém);

b) Anormal: é aquele que possui elementos objetivos e também os normativos ou subjetivos (ex: homicídio por relevante valor moral ou social - CP, art. 121, §1º).

  • Para os Finalistas, todo tipo é anormal, pois em todo tipo está inserido o elemento subjetivo dolo, ou o elemento normativo culpa.


4.3.3.2) Fechado e Aberto

a) Fechado: é aquele que contém todos os elementos da conduta criminosa;

b) Aberto: é aquele cujo complemento da conduta criminosa é realizado pelo aplicador do direito, porque o legislador não fez toda sua definição (ex.: rixa, CP, art. 137 - o legislador não diz o que é rixa, nem o número de rixosos).


4.3.3.3) Fundamental e Derivado

a) Fundamental: ou básico, é aquele descrito no caput do artigo; é a definição mais simples da conduta. Por isso, é também chamado tipo simples;

b) Derivado: é aquele que complementa a definição legal do tipo, agregando-lhe novos elementos. Em regra, estão nos parágrafos dos artigos.
  • Os tipos derivados que beneficiam o agente são chamados de tipos privilegiados ou tipos excepcionais (ex.: CP, art. 121, §1º);
  • Já os tipos derivados que agravam a situação do réu são chamados de tipos qualificados, e se desdobram em:
  • Qualificadora, que é aquela que possui pena própria, mínima e máxima (ex: CP, art. 121, §2º - homicídio qualificado); 
  • Majorante ou causa de aumento, que é aquela representada por frações (ex.: CP, art. 157, §2º - aumento de pena no roubo com arma de fogo, etc.).


4.3.3.4) Simples e Misto

a) Simples: é aquele que contém um único núcleo ou verbo, também chamado de delito de ação única (ex.: CP, art. 121);

b) Misto: é aquele que possui mais de um verbo, também chamado de delito de ação múltipla, e dele pode haver a seguinte distinção:
  • Misto alternativo: é aquele que possui mais de um verbo, mas para sua caracterização basta apenas o exercício de um só verbo (ex.: CP, art. 122 - participação em suicídio);
  • Misto cumulativo: é aquele que possui mais de um verbo, e para sua concretização é necessária a prática de todos os verbos (ex.: a antiga redação do crime de estupro);
  • Misto acumulado: é aquele que reúne em seu interior mais de um delito autônomo, e a prática das condutas descritas no tipo irá fazer com que o agente responda por mais de um crime, em regra, em concurso material (ex.: CP, art. 208 - ultraje a culto religioso).
No tipo misto cumulativo existe um só crime com mais de um verbo; já no tipo acumulado existe mais de um crime no mesmo tipo penal.

No tipo acumulado, as condutas são separadas por meio de "ponto-e-vírgula". No tipo misto alternativo, as condutas são separadas pela conjunção alternativa "ou". No tipo misto cumulativo, as condutas são separadas por "vírgula" pois na verdade têm que ficar unificadas para representar um terceiro delito.


4.3.3.5) Congruente e Incongruente

a) Congruente: é aquele em que há coincidência entre a vontade, o fato concreto e a descrição legal desse evento. É o que ocorre nos crimes materiais consumados;

b) Incongruente: é aquele em que não há coincidência entre a vontade, o fato concreto e a descrição legal da conduta criminosa. Segundo a doutrina, isso ocorre nos seguintes casos:
  • Tentativa: a vontade vai além do fato, o agente queria produzir mais do que conseguiu; 
  • Crime preterdoloso: o fato vai além da vontade, o agente não queria produzir o fato mais grave.
  • A doutrina é dividida ainda nessa classificação com relação aos chamados "delitos aberrantes", que estão presentes nos artigos 73 (aberatio ictus ou erro na execução) e 74 (aberratio criminis ou resultado diverso do pretendido), que também seriam tipos incongruentes.

4.4) Conflito Aparente de Normas

Haverá conflito aparente de normas quando um fato se enquadrar em mais de um tipo legal. O conflito não é real, pois na verdade o fato irá ter enquadramento em um único tipo. Para tanto, é necessário preencher alguns requisitos:
  • Unidade de fato;
  • Pluralidade de tipos em que o fato se enquadra;
  • Vigência simultânea desses tipos penais.
O conflito aparente de normas não se confunde com o conflito de leis no tempo, em que surge uma norma revogando aquela anterior sobre o mesmo evento. No conflito de leis no tempo há uma sucessão de tipos, o que não ocorre no conflito aparente de normas em que todas elas estão em vigor simultaneamente ao tempo da prática do fato. A matéria é dividida por meio de princípios, que são os seguintes:

a) Princípio da especialidade: é aquele em que um fato descrito numa norma genérica, também encontra-se previsto em outra norma específica, que lhe agrega novos elementos (ex.: o tipo penal do art. 121 prevê matar alguém, fato esse que está contido em seus parágrafos, mas se a autora do fato for a mãe durante o parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal, o tipo não será o do art. 121, mas o do art. 123, pois este agrega novos elementos ao art. 121). 
  • Pouco importa para este princípio a quantidade de pena, seja ele mais severo ou benéfico;
  • Para saber se o tipo é especial basta analisar a quantidade de elementos, seus detalhes.

b) Princípio da subsidiariedade: ocorre quando duas ou mais normas incriminarem um comportamento que irá ofender o mesmo bem jurídico protegido, prevalecendo neste caso a norma mais grave. A subsidiariedade pode ser:
  • Expressa: é aquela em que o texto legal declarar textualmente que uma norma só será aplicada se não houver outra mais grave (ex.: CP, art. 314 - prevê a sonegação ou inutilização de livro ou documento; que possui pena bem menor do que a corrupção passiva do art. 317, e no caso, pela própria previsão do art. 314, ele deve ser afastado sob o risco de ocorrer bis in idem); 
  • Tácita: essa modalidade irá estar presente quando uma norma funcionar como qualificadora ou causa de aumento de pena de outra norma mais grave. Isso ocorre nos chamados crimes complexos (ex.: "A", por culpa, atropela "B", omite socorro e foge. "B" morre em função do evento. "A" praticou homicídio culposo, com a causa de aumento de pena decorrente da omissão de socorro, prevista no CTB, art. 302, Parágrafo único, III). A omissão de socorro é um crime autônomo, previsto no art. 135 do CP, mas aqui, por força da subsidiariedade tácita, ela funciona como causa de aumento de pena. Esta é a regra, mas há situações em que a lei consagra a cumulativa aplicação das duas normas, mesmo que uma integre a outra, uma espécie de "bis in idem legal", em que o agente vai responder duas vezes pelo mesmo fato (ex.: o art. 329 consagra o crime de resistência - oposição a um ato legal por meio de violência ou grave ameaça. O §2º desse artigo afirma que o agente irá responder não só pela resistência, mas pela lesão corporal produzida. Quanto à grave ameaça, essa sim é que será absorvida).
  • Para saber se o princípio a ser aplicado é o da especialidade ou da subsidiariedade, deve ser observado o seguinte:
  • Se uma norma repetir a outra, seus principais aspectos, sobretudo seu núcleo, é porque entre elas existe relação de gênero e espécie, aplicando-se o princípio da especialidade;
  • Se uma norma não repetir os aspectos da outra, não há relação de gênero e espécie, prevalecendo então a mais grave, ou seja, princípio da subsidiariedade.

c) Princípio da consunção ou absorção: trata-se do princípio que manda absorver a norma incriminadora de um fato que é preparatório, executório, meio necessário, conduta anterior ou posterior, de um outro fato incriminado por norma mais grave. O princípio possui quatro aspectos:
  • Crime progressivo: ocorre quando o agente, para praticar um crime mais grave, necessariamente pratica outro crime menos grave, que será absorvido. Esse delito menos grave se chama delito de passagem, ou delito de ação de passagem (ex.: "A", para matar "B" por meio de pauladas, necessariamente passa pelo crime de lesão corporal, que é menos grave e será absorvido);
  • No crime progressivo, o dolo é único do começo ao fim da conduta; 
  • Enquanto nos princípios da especialidade e da subsidiariedade uma norma integra a outra, no princípio da consunção uma norma não integra a outra, sendo um fato necessário (crime consunto) para se alcançar o delito mais grave (crime consuntivo).
  • Progressão criminosa: ocorre quando o agente praticar um fato que lesa um bem jurídico genérico, e no mesmo contexto resolve praticar outro fato mais grave contra esse mesmo bem jurídico (ex.: "A", após levar um fora de "C", vai à sua casa para discutir, onde invade sua casa e quebra objetos, e aproveita pra subtrair um bem). "A" praticou o crime de furto, pois a invasão e os danos serão absorvidos. Todos os crimes dizem respeito ao patrimônio de "C";
  • Na progressão criminosa, o dolo sofre mutações. Enquanto na progressão criminosa o dolo é múltiplo, no crime progressivo o dolo é único, do começo ao fim; 
  • Para Frederico Marques, a progressão criminosa aqui estudada recebe o nome de progressão criminosa em sentido estrito. Para o mesmo autor, progressão criminosa em sentido amplo são os casos do ante e pós fato impuníveis.  
  • Antefato impunível: trata-se do ato preparatório ou executório, meio necessário de outro crime mais grave (ex.: disparo de arma de fogo é absorvido no crime de homicídio). O disparo é o ato anterior e o meio pelo qual o homicídio é praticado, sendo absorvido;
  • Enquanto que no crime progressivo o único meio de se praticar o crime mais grave é realizando o menos grave, no antefato impunível há outros meios de se praticar o crime mais grave sem que seja praticado o menos grave (ex.: crime de furto em residência sem violar domicílio). 
  • Pós-fato impunível: trata-se da situação em que o agente pratica um novo fato após a conduta principal, mas esse novo evento não representa uma lesão maior ao fato anterior, sendo mero desdobramento da conduta principal (ex.: no dia posterior ao furto da residência, o agente destrói alguns objetos que não lhe interessavam, o crime de dano será absorvido pelo crime de furto, pois na data do dano o bem não mais integrava o patrimônio da vítima);
  • A diferença entre consunção e conexão de crimes é a seguinte: na consunção o agente responde por um só crime, pois o bem jurídico atacado é o mesmo, ou um desdobramento da conduta inicial; na conexão o agente responde em concurso material de crimes, pois os delitos, embora interligados, um não representa desdobramento normal do outro.

d) Alternatividade: a doutrina é dividida a respeito da conexão desse princípio como matéria do conflito aparente de normas. Para aqueles que seguem a matéria, o princípio da alternatividade tem dois aspectos:
  • Este princípio significa que a aplicação de uma norma a um fato exclui a aplicação de outra norma ao mesmo fato (ex.: "B" leva o carro para "A" consertar, onde é trocado o motor e vendido o original). O mais correto é apropriação indébita, pois "A" tinha posse desvigiada do veículo. O delito se consumou quando "A" retirou o motor, e a venda do bem ocorreu após a consumação. No estelionato e no furto mediante fraude, o engodo é realizado para obter a posse;
  • Este princípio irá ocorrer quando a norma penal prever mais de uma conduta como forma da realização do mesmo crime, sendo que a reiteração sucessiva das condutas irá ensejar a prática de um único crime (ex.: o art. 122 prevê três formas de conduta: a prática de uma delas ou de todas enseja um único crime, o que não tem relação com conflito aparente de normas, mas aplicação de um tipo com vários verbos, não se tratando de dois tipos em destaque).



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