sexta-feira, 21 de março de 2014

01 - Teoria Geral do Processo - Introdução

Teoria Geral do Processo

1) Introdução

O Direito Processual Civil pode ser conceituado como o conjunto de normas e princípios encarregados da disciplina da atividade jurisdicional. Nessa medida, trata-se de uma área autônoma em relação à Ciência Jurídica e destinada à organização do modo pelo qual se deva exercer a importante atividade estatal da jurisdição. Sua denominação (Direito Processual) decorre do fato de estar, a função jurisdicional, ligada ao processo, meio indispensável para sua realização. Em consequência disso, o DPC se mostra imprescindível à medida que dele dependem a afirmação de direitos e a solução de litígios.

O DPC é constituído por normas e princípios vinculados a área do direito público. Suas regras estão estabelecidas em leis especiais ou codificadas, invariavelmente tidas como de ordem pública (inafastável em regra). No resumo, portanto, o objeto específico do direito processual é a regulamentação do processo enquanto meio inafastável do exercício da jurisdição (poder, atividade e função)


1.1) Evolução Histórica da Ciência Processual

O direito processual civil ocupou o seu posto na ciência jurídica depois de um longo período de maturação histórica. Narram os processualistas que o seu desenvolvimento científico ocorreu a partir de uma sucessão de fases, subdivididas da maneira seguinte. O estudo dessas diversas etapas revela as dificuldades e o amadurecimento das ideias, até chegarmos à concepção contemporânea do DPC. 

a) Primeira fase - fase do sincretismo, ou do praxismo: 

Se caracterizou pelo fato de o processo não ser reconhecido como um fator autônomo e relevante para a concretização dos direitos materiais. Nesse longo período, que se inicia com o processo civil romano, o processo era visto como uma espécie de apêndice menos importante do direito material. Dessa maneira, o processo não era mais do que uma prática necessária à afirmação do direito material, sem fisionomia própria, o que impedia a formulação de qualquer diretriz científica a respeito;

b) Segunda fase - fase do processualismo: 

Seu início se deu no final do século XIX, que trouxe para o ambiente da ciência jurídica os elementos de um ramo autônomo, denominado Direito Processual. Esta fase passa a ser conhecida como a etapa do processualismo, que foi construída por autores alemães e italianos, cujo trabalho resultou na formulação de princípios próprios, na necessidade de constituição de normas específicas, consolidando enfim o direito processual como algo autônomo. Esse grupo de juristas trouxe à tona a ideia de que o processo independe do direito material, podendo até ser movimentado independentemente de sua existência (basta que se suponha possuir o direito material, e a prestação jurisdicional seria regularmente entregue, ainda que negando tal direito). Aí se inicia a fase do processo como um instituto autônomo em relação ao direito material. Houve, porém, uma radicalização da ciência processual, ao ponto de se colocar o processo acima do direito material em grau de importância. Os excessos dessa visão teórica foram o elemento característico dessa fase, pois semeou um quase esquecimento completo das causas e objetivos do processo;

c) Terceira fase - fase do instrumentalismo: 

A partir daquele cenário, criou-se um processo com regulamentos rígidos, com teoria de invalidade pouco flexível, de tal modo que ao ver de muitos o processo quase se tornou um obstáculo à realização dos direitos. Foi esse quadro o que conduziu a ciência processual a uma nova etapa, denominada fase do instrumentalismo (década de 1970), tendo por fundamento a ideia de se buscar um retorno ao direito material e fixação de um vínculo mais objetivo entre ele e o processo. A instrumentalidade do processo adota uma filosofia segundo a qual o processo tem como fundamento a afirmação de direitos e a pacificação social, assumindo, por outro lado, compromisso com certas finalidades sociais, políticas, pedagógicas, econômicas, etc. Desse ponto de vista, o instrumentalismo recoloca o direito material como um dado associado ao processo, mantendo-se a autonomia deste e reconhecendo-se que seus objetivos não permitem que ele tenha maior valor do que a efetividade da ordem jurídica como um todo;

d) Quarta fase (atual) - neoprocessualismo ou processo civil constitucional: 

No campo do direito processual brasileiro, a ciência processual passou por todas as etapas mencionadas, encontrando-se hoje numa nova era, na qual, sem abandono do instrumentalismo, se discute a larga influência da Constituição e do direito constitucional sobre o direito processual. É a fase do neoprocessualismo. Trata-se de concepção em que o processo é visto como instrumento inspirado pelos direitos fundamentais constitucionais, de cuja realizabilidade se encarrega. É que após a CF/88 a doutrina jurídica nacional desenvolve a ideia de um constitucionalismo novo, no qual os direitos fundamentais devem ser o centro das atenções. Nesse contexto, o processo passa a ser visto, por um lado, como um meio adequado ao acesso à justiça, tanto quanto, por outro lado, como um instrumento de realização desses mesmos direitos e garantia contra os abusos decorrentes do exercício do poder jurisdicional.


1.2) Estado Constitucional e Democrático de Direito e o Modelo Constitucional de Processo

A CF/88 concebeu o Estado Constitucional e Democrático de Direito. Isso tem um significado bastante importante, porque nesse modelo de Estado, dois compromissos surgem com muita força. O primeiro desses compromissos diz respeito à Constituição, que passa a ser muito mais que uma mera carta política, já porque nela devem se fundamentar todas as atividades estatais ou privadas. O segundo compromisso diz respeito aos direitos sociais e fundamentais, uma vez que nesse modelo de Estado a atenção à efetividade destes direitos é irrestrita. Tem-se assim um Estado proativo, que se organiza para garantir com efetividade as bandeiras da igualdade e solidariedade sociais.

Nesse modelo de Estado, existem características muito marcantes que vão identificar seu respectivo sistema jurídico. A doutrina recorda algumas delas, tais como:

a) Força normativa da Constituição: 

Essa ideia significa simplesmente que o texto constitucional vale por si, tendo plena eficácia em todos os setores da vida cotidiana. Trata-se de doutrina trazida do constitucionalismo alemão, que toma a Constituição como base e fundamento obrigatórios em todos os espaços da atividade pública e privada;

b) Redefinição da teoria dos princípios: 

Torna-se também característica da ordem jurídica nesse modelo de Estado, a renovação da teoria dos princípios, já que deixam eles o patamar de meros valores jurídicos voltados ao auxílio na interpretação e na aplicação da lei, passando a ser tidos como valores jurídicos com carga normativa. Assim, os princípios passam a ter um caráter imperativo ou obrigatório, podendo ser, inclusive, aplicados diretamente a certas situações concretas não disciplinadas por lei. 

c) A expansão dos direitos fundamentais: 

É visível, ainda, na ordem jurídica constituída por esse modelo de Estado, a denominada expansão dos direitos fundamentais. Tratando-se de um Estado cujo elemento essencial é a proteção da dignidade humana, os direitos fundamentais, concebidos para garanti-la, tomam uma expressão contundente e passam a desfrutar da condição de referência indispensável para toda a ordem jurídica. Ilustrando esta situação se encontra o fenômeno da "projeção horizontal dos direitos fundamentais", que diz respeito ao fato de que as relações privadas também passam a ser reguladas por eles em quase toda sua extensão. Isso é próprio desse modelo de Estado.

d) A criação de novos paradigmas hermenêuticos e o redimensionamento da atividade jurisdicional: 

É também sabido que nesse modelo de Estado há uma certa revolução na hermenêutica jurídica. Desse modo, se a hermenêutica é a ciência que estabelece as diretrizes para a interpretação, num Estado Democrático de Direito adiciona-se uma diretriz relevante, que é a de se submeter e apreciar as normas legais à luz da Constituição, porque da compatibilidade entre elas é que derivará sua legítima interpretação e aplicação. Para além disso, nesse modelo de Estado o Judiciário passa a ser o garantidor da legitimidade constitucional, de tal modo a se converter em um órgão encarregado da concretização das normas constitucionais em todas as situações. Em razão disso, inclusive, o Judiciário passa a atuar de um modo mais criativo, corrigindo as distorções da lei, criando normas capazes de prevenir conflitos ou resolve-los quando ela não existir, tudo de modo a ter uma feição mais ativa (ou mais proativa), abandonando a inércia absoluta. 


1.3) Características do Modelo Constitucional do Processo Civil

Diante do exposto acima, torna-se obrigatório concluir que a ordem jurídica nesse modelo de Estado tem feições próprias e que irão moldar o DPC e a própria instituição do processo. Nessa medida é que autores contemporâneos falam insistentemente na existência de um modelo constitucional de processo civil. Todos eles, aliás, tem razão. Basta olhar para a CF/88 para se ver que os preceitos fundamentais do processo ali se encontram estampados e reunidos. Então, pode-se dizer que o modelo constitucional do processo civil brasileiro traz como suas características primordiais os seguintes fatores:

a) a constitucionalização do processo e suas diretrizes;

b) a relevância ampliada dos princípios processuais constitucionais;

c) a vinculação definitiva entre direitos fundamentais e o processo;

d) a revisão da atividade jurisdicional, a adoção do sistema de precedentes obrigatórios, além de outros fatores.



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