quarta-feira, 9 de abril de 2014

11 - Princípio da Responsabilidade Subjetiva

Princípio da Responsabilidade Subjetiva

Ninguém pode ser punido por fato previsto como crime senão quando o pratica de forma dolosa, salvo as exceções previstas na lei (forma culposa, prevista caso a caso) - CP, art. 18, Parágrafo único.

Mesmo pelo resultado que qualifica o crime, somente é punível o agente que o causou ao menos culposamente - CP, art. 19.

A princípio, o dolo está implícito em todo tipo incriminador, já que a forma culposa é prevista caso a caso, tal como no CP, art. 121, §3º. É a chamada excepcionalidade do crime culposo. 

Nos demais crimes, em que não se admite (não está prevista) forma culposa, a conduta não dolosa será considerada sem relevância penal (como nos casos do infanticídio, do aborto, etc.; tais crimes somente existem se forem praticados de forma dolosa, já que não existe ressalva de modalidade culposa).


1) Dolo

É a vontade consciente de produzir o fato, isto é, de realizar a conduta típica. A partir da década de 1930, o dolo passou a ter grande destaque com a adoção da teoria finalista. Isto porque o dolo passou a integrar a conduta (deixou de fazer parte da culpabilidade), deixando de ser um simples movimento do corpo (teoria naturalista), e se tornou algo com carga de intenção.


1.1) Teorias do Dolo

Algumas teorias buscaram explicar o dolo:

a) Teoria da vontade: é aquela em que o agente quer o resultado, estando ligada ao dolo direto;

b) Teoria do consentimento ou assentimento: é aquela em que o agente não quer o resultado, mas o aceita, estando ligado ao dolo eventual;

c) Teoria da representação: é aquela na qual basta a previsão do resultado. Essa teoria não foi aceita no estudo do dolo, pois traz consigo responsabilidade objetiva. Entretanto, ela foi empregada no estudo do crime culposo, aliás ela traz um de seus elementos, que é a previsibilidade objetiva (vide ponto 2 abaixo).


1.2) Elementos do Dolo

Essa classificação irá variar conforme o entendimento acerca da modalidade do dolo. Sendo assim, os elementos são os seguintes:

a) Elemento intelectual: trata-se da previsão ou do conhecimento do fato. O agente deve saber o que está realizando;

b) Elemento volitivo (vontade): trata-se da vontade de produzir o fato. A expressão "vontade" abrange o querer (dolo direto) e o arriscar-se (dolo eventual).
  • Para a teoria do dolo natural, basta a existência destes dois elementos acima para que haja o dolo;
  • Para a teoria do dolo normativo/jurídico, para que haja dolo será necessário mais um elemento:
c) Conhecimento da ilicitude: significa dizer, o agente deve ter conhecimento acerca da proibição do fato. Para o dolo natural, esse elemento é dispensável, mas para o dolo normativo ele é essencial.
  • Perante o CP, apesar da grande discussão, prevalece a teoria do dolo natural, em razão de dois argumentos:
  • No art. 18, I, o legislador definiu o dolo, e ao fazer essa definição ele não faz qualquer menção ao conhecimento da ilicitude; simplesmente destaca os elementos intelectual e volitivo; 
  • No art. 20, caput, que trata do erro de tipo (que é aquele em que o agente se equivoca acerca das circunstâncias fáticas) o legislador afirmou que esse erro isenta o agente de pena. Ora, se o legislador quisesse que o conhecimento da ilicitude fosse elemento do dolo, bastava dizer que no art. 21 esse erro também excluiria o dolo. Como nada fez neste sentido, se presume a adoção da teoria do dolo natural.

1.3) Modalidades do Dolo

a) Dolo direto: o sujeito tem previsão de que sua conduta pode gerar um resultado, e ele deseja este resultado;

b) Dolo eventual: indiferença para com o resultado. O sujeito prevê que o resultado pode acontecer, e tolera, aceita sua ocorrência;

c) Dolo geral (ou erro sucessivo): erro de tipo acidental sobre o nexo causal. Trata-se de presunção segundo a qual o sujeito que pratica uma conduta dolosamente, e acredita que consumou o crime, na verdade só consumou em uma segunda conduta não dirigida àquela fim, mas será julgado como tendo consumado o crime de forma dolosa. No geral, ele obteve o resultado pretendido (ex.: estrangulou e enterrou, mas a vítima só morreu em razão do sufocamento pelo enterro);

d) Dolo presumido (ou dolo in re ipsa): é a modalidade de dolo que não precisa ser demonstrada, sendo presumida no caso concreto. Nossa Constituição, art. 5º, LVII, manda presumir a inocência, não culpabilidade. Essa modalidade de dolo consagra responsabilidade penal objetiva, pois o dolo não é demonstrado. Logo, essa modalidade de dolo é inconstitucional, pois tanto o dolo quanto a culpa precisam ser demonstrados e a presunção de qualquer um deles viola a CF/88.


2) Culpa

Diferentemente do que o legislador fez com o crime doloso, no delito culposo ele não trouxe qualquer definição, e esse papel coube à doutrina (isto é, a lei não diz o que é negligência, imprudência ou imperícia).

Crime culposo é a conduta voluntária (ação ou omissão) que produz um resultado antijurídico, não pretendido (não quisto, não desejado), mas previsível, e que podia, com a devida atenção do agente, ser evitado. É a quebra de um dever geral de cuidado, dever este que pode ou não estar previsto em lei. 

Passou-se ainda a adotar o critério da previsibilidade objetiva: 
  • O resultado deve ser objetivamente previsível (a falta de cuidado é capaz de violar a direito de outrem); e
  • Da conduta tida como descuidada, o resultado deve ser um desdobramento comum (uma consequência condizente com o descuido).

2.1) Elementos do Crime Culposo

a) Conduta ou comportamento voluntário: no crime culposo, o agente realiza sua conduta por meio das seguintes modalidades: negligência, imprudência e imperícia - CP, art. 18, que são formas de se quebrar esse dever de cuidado:
  • Negligência: descuido omisso; é o não tomar o cuidado devido, omitir um cuidado; 
  • Imprudência: descuido comissivo; é o agir temerário, descuidado, cometer um descuido; 
  • Imperícia: é a falta de talento ou conhecimento específico para profissão, arte ou ofício. Também chamada de culpa profissional, não se podendo confundir com o erro profissional, que é aquele que decorre das falhas das regras da ciência em determinado período de tempo. A culpa profissional (imperícia) gera responsabilidade; o erro profissional exclui a responsabilidade do agente (ex.: mal da talidomida que gerava deformação fetal).
  • Os crimes culposos são tipos penais abertos: dependem de interpretação do aplicador do direito para que haja identificação.
b) Falta do dever objetivo de cuidado: esse elemento compreende a falta de atenção inescusável, aquela prudência ordinária que o homem comum possui, e que seria capaz de impedir o resultado lesivo;

c) Resultado danoso involuntário: no crime culposo, o agente prevê, ou não, a possibilidade do resultado vir a ocorrer. Mas ele acredita sinceramente que este resultado jamais irá acontecer;

d) Nexo causal: é o liame, a ligação, entre a conduta voluntária e o resultado involuntário;

e) Previsibilidade objetiva: é a imprevisão do previsível. Significa dizer que a análise do crime culposo é objetiva no sentido de que o homem médio, dentro de sua prudência normal de convívio social, possa antever que de determinada conduta irá surgir lesão a algum bem jurídico. Esse resultado deve ser previsto pelo homem comum;
  • A diferença entre "b" e "e" é que a situação naquele é subjetiva (ex.: não ha avisos expressos, mas o sujeito toma cuidado, pois é do homem médio fazê-lo), e nesse é objetiva (ex.: há avisos expressos).
f) Tipicidade: além de o crime culposo ser um tipo penal aberto, só há crime culposo se o legislador expressamente admitir essa modalidade de delito (o código penal ou outra lei penal irá dedicar um dispositivo para cuidar da modalidade culposa, e em não havendo, a conduta é atípica).


2.2) Causas de Exclusão da Culpa

a) Erro profissional: falha das regras da ciência, como equívocos cometidos antes dos avanços decorrentes da pesquisa;

b) Caso fortuito: acontecimento natural cuja previsibilidade foge à capacidade de percepção do homem;

c) Força maior: acontecimento que o homem não é capaz de impedir ou deter;

c) Culpa levíssima: comparada ao caso fortuito;

d) Culpa exclusiva da vítima: não houve qualquer conduta do agente;

e) Princípio da confiança: é aquele que decorre das regras de trânsito, em que um condutor confia no outro condutor, e que esse segundo também irá respeitar as regras de trânsito que foram impostas.


2.3) Graus de Culpa

A culpa pode ser grave, leve ou levíssima.

a) Culpa grave ou lata: é aquela em que o resultado é previsível por qualquer pessoa, ainda que abaixo da média. Gera responsabilização;

b) Culpa leve: é aquela quando o resultado for previsível ao homem médio. Esse grau de culpa também gera responsabilização;

c) Culpa levíssima: é aquela quando o resultado for previsível apenas ao homem excepcionalmente cauteloso, isto é, acima da média. Na esfera penal, e segundo o entendimento do STJ, a culpa levíssima se compara ao caso fortuito, gerando absolvição (ex.: em SP, um construtor japonês edifica dois prédios usando tecnologia anti-terremoto. Sobrevém um terremoto, todos os prédios caem, exceto esses dois edificados pelo japonês. Os demais engenheiros agiram com culpa levíssima, e serão absolvidos).


2.4) Relativamente à Culpa

a) Compensação de culpas: trata-se da situação em que a culpa do réu é anulada pela culpa da vítima;
  • Nesse sistema, a culpa da vítima seria causa de absolvição do réu, mesmo que o acusado tivesse culpa;
  • Esse sistema não vigora no Brasil, pois a apuração da culpa e da responsabilidade penal é questão de ordem pública. Se o réu tiver culpa, ele será condenado, ainda que a vítima também tenha tido culpa. Não existe compensação de culpa no Brasil. O comportamento da vítima será valorado no momento da fixação da pena, sendo inclusive um dos elementos do CP, art. 59, circunstância judicial (ex.: acidente de trânsito em que um condutor fura o sinal vermelho e o outro está embriagado: ambos serão responsabilizados pelo crime que cometerem).

b) Concorrência de culpas: são causas independentes, isto é, culpas independentes, mas uma contribui para a outra, chegando a um mesmo resultado, sendo que um agente desconhece a culpa do outro;
  • Trata-se de coautoria lateral, autoria parelha ou autoria colateral (ex.: o engenheiro é negligente nos cálculos da obra, e o mestre-de-obra usa na edificação material descartado e sucata nessa obra. Logo o prédio cai. Um desconhecia a culpa do outro. Ambos vão responder na medida da sua culpabilidade);
  • Não se pode confundir com coautoria, na qual um conhece a culpa do outro, ou até seu dolo, e aí ambos irão responder pelo mesmo crime, em coautoria dependendo da modalidade, se dolosa ou culposa (apesar de discussão doutrinária em torno da inexistência de coautoria em crimes culposos, por depender de vontade dos agentes, a jurisprudência brasileira a admite).

c) Culpa consciente: o sujeito prevê o resultado, mas tem certeza que é capaz de impedi-lo (ex.: atirador de facas);
  • Difere-se do dolo eventual exatamente neste resultado, visto que no dolo eventual o sujeito o aceita, e na culpa consciente, o sujeito não cogita sinceramente que tal resultado acontecerá, muito embora saiba que pode acontecer - e é isso que atrai o público.
d) Culpa inconsciente: é a culpa clássica, em que o sujeito sequer prevê o resultado.


3) Crime Preterdoloso ou Preterintencional - CP, art. 19

O legislador tratou dessa matéria com a rubrica "agravação pelo resultado". Haverá crime preterdoloso quando o agente praticar uma conduta inicialmente dolosa, visando um certo resultado, mas por culpa produz um resultado maior. Há dolo no antecedente e culpa no resultado mais grave. Os elementos do crime preterdoloso são:

a) Conduta dolosa direcionada a um resultado menos grave;

b) Resultado culposo mais grave;

c) Nexo causal entre a conduta dolosa e esse resultado culposo mais grave.
  • Pelo fato de o resultado ser culposo, o crime preterdoloso não admite tentativa;
  • Diferentemente, é o que ocorre na culpa imprópria, que são as descriminantes putativas, em que há culpa no antecedente e dolo na reação. Neste caso, se admite a tentativa, pois o resultado mais grave ocorre a título de dolo;
  • O crime preterdoloso surgiu com a reforma de 1984, em que se afastou o antigo sistema da versari in re illicita. Nesse sistema, se consagrava responsabilidade objetiva em direito penal (ex.: agente agredia uma mulher grávida sem saber da gravidez. Por causa da lesão, ela perdia o feto. No antigo sistema, o agente respondia pela lesão gravíssima, com resultado aborto - CP, art. 129, §2º, V). Com a redação atual do art. 19, ele responde por lesão simples, pois o aborto não foi causado por dolo ou por culpa, já que ele desconhecia a gravidez (faltou o elemento subjetivo do tipo);
  • O crime preterdoloso é um misto de dolo e de culpa. O reincidente nessa modalidade responde como crime doloso ou como reincidente em culposo? O crime preterdoloso é mais grave do que o crime simples, e prevalece que ele deve ser tratado como reincidente em crime doloso.

Obs.: Responsabilidade objetiva: punição de alguém sem dolo ou culpa. Vedado em nosso ordenamento jurídico, tendo em vista que seria mero e injusto castigo a uma conduta imprevisível, incapaz de se alcançar os objetivos da pena (inevitável e ineducável).


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