sábado, 5 de abril de 2014

04 - Direito Civil 1 - Das Pessoas - Capacidade

2) Da Capacidade

Duas são as espécies de capacidade:

a) Capacidade de Direito, ou de Gozo: é aptidão para ser titular de direitos e obrigações na esfera civil (CC, art. 1º). Ela se confunde com a própria personalidade;

b) Capacidade de Exercício, ou de Fato: é a aptidão para exercer por si os atos da vida civil. A capacidade de fato é presumida, ou seja, não necessita ser demonstrada. A incapacidade de fato não restringe a personalidade, pois o incapaz pode, em regra, praticar todos os atos da vida civil, desde que representado ou assistido pelo seu representante legal.


2.1) Da Incapacidade

a) Absoluta

As pessoas absolutamente incapazes não podem praticar pessoalmente os atos da vida civil, sob pena de nulidade absoluta. Elas devem ser representadas pelos respectivos representantes legais (pais, tutores e curadores).

  • Quem pratica o ato ou o negócio é o representante, sem que haja qualquer participação do incapaz. Em havendo necessidade da outorga de Procuração, esta deverá ser por instrumento particular, pois conferida por pessoa plenamente capaz, ou seja, o representante.

b) Relativa

As pessoas relativamente incapazes podem praticar pessoalmente os atos da vida civil, desde que assistida pelos representantes legais. Sem a assistência, o ato ou negócio é anulável. Importa anotar que o menor entre 16 e 18 anos pode validamente praticar os seguintes atos, sem necessidade de assistência:

  • Fazer testamento;
  • Aceitar mandato;
  • Votar;
  • Casar. Quanto ao casamento, no entanto, a lei exige autorização do representante legal.

As pessoas relativamente incapazes podem, portanto, por si, praticar os atos da vida civil, porém, sob a assistência ou na presença do seu representante legal. Em havendo necessidade da outorga de Procuração, esta deverá ser por instrumento público, pois conferida por pessoa que ainda não possui a plena capacidade. A jurisprudência, no entanto, tem mitigado esta questão, sustentando que se a Procuração for ad juditia, pode ser outorgada por instrumento particular, mas se for ad negotia, deve ser por instrumento público.

A lei confere algumas vantagens ao absolutamente incapaz, porém não as estende ao relativamente, como é o caso da prescrição - art 198, I; e da possibilidade de recobrar dívida de jogo - art. 814.

O CC sequer faz menção ao benefício da restituição, ou restitutio in integro, que é o instituto que possibilitava a anulação dos atos válidos praticados pelo representante legal, em nome do incapaz, toda vez que este sofresse algum prejuízo. Referido instituto não se confunde com a regra prevista no CC, art. 119, Parágrafo único, que permite a anulação do ato ou negócio praticado pelo representante legal que age de má-fé.


2.1.1) Rol dos Absolutamente Incapazes - CC, art. 3º

Referido rol é taxativo e não admite o uso da analogia, pois a norma é excepcional.

a) Menores de 16 anos: a lei assim os considera por entender que eles não possuem discernimento intelectual e social suficientes para a prática dos atos da vida civil. São imaturos;

b) Enfermos mentais e deficientes mentais, ambos sem discernimento para os atos da vida civil;

  • Os deficientes mentais com discernimento reduzido são relativamente incapazes. 
  • Inexiste previsão para a situação do enfermo mental com discernimento reduzido, o qual é plenamente capaz. 
  • Enfermidade mental é uma doença que acomete pessoa mentalmente sã, privando-a do discernimento necessário para os atos da vida civil - normalmente é transitória, como depressão profunda. 
  • Deficiência mental é uma alteração na capacidade psíquica da pessoa, e que acaba por comprometer o seu quociente de inteligência. Normalmente é permanente e congênita, mas pode atingir a pessoa de forma abrupta, como num traumatismo craniano. A perícia determinará se é caso de enfermidade ou deficiência.
Os enfermos mentais só podem ser interditados como absolutamente incapazes quando não tiverem o discernimento necessário para os atos da vida civil. Se o discernimento estiver apenas reduzido, eles são plenamente capazes. Já os deficientes mentais podem ser interditados como absoluta ou relativamente incapazes, dependendo do discernimento estar suprimido ou apenas reduzido.

c) Os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade (ex.: pessoa em coma induzido).

  • O CC, art. 1.767, II, somente admite a interdição de pessoa que, por causa duradoura, não possa exprimir a própria vontade. Se a causa for transitória, apesar da incapacidade ser absoluta, a interdição não é possível em razão de vedação legal. No entanto, em situações de urgência e excepcionais, a doutrina tem entendido ser possível a nomeação de um curador a este incapaz, com base do CC, art. 1.780, que trata da curatela especial. 
  • Quanto ao surdo-mudo, não há motivo para polêmica, havendo necessidade da análise do caso concreto, pois cabe à perícia dizer se é situação de incapacidade absoluta ou relativa, ou se é caso de plena capacidade.

2.1.2) Rol dos Relativamente Incapazes - CC, art. 4º

Esse rol é taxativo e não admite o uso da analogia, pois a norma é excepcional. 

a) Menores púberes (maiores de 16 e menores de 18 anos);

  • No dia do aniversário em que completa 16 anos, esse menor já é considerado relativamente incapaz, por força do interpretação sistemática com o art. 180.
b) Ébrios habituais, viciados em tóxicos, deficientes mentais com discernimento reduzido;

  • Ébrio habitual é o alcoólico, e para que a interdição se dê, dois requisitos são necessários: ebriez habitual e perturbação do discernimento;
  • Viciado em tóxicos: a lei não exige habitualidade, e portanto o consumo da substância entorpecente pode ser intervalado. Para que a interdição seja possível, dois requisitos são necessários: o vício, ou o uso reiterado de substância entorpecente, que cause independência física ou psíquica e perturbação do discernimento. 
O CC considera os ébrios habituais e viciados em tóxicos como relativamente incapazes. Legislação especial, no entanto, os qualifica como absoluta ou relativamente incapazes, dependendo da gravidade do estado mental e do grau de intoxicação - Decreto nº 24.559/34 e Lei nº 891/38. Há dúvidas na doutrina sobre a atual vigência desta legislação. De qualquer forma, podemos ter referidas pessoas como absolutamente incapazes com base no CC, art. 3º, III, sem necessidade de fazer uso da legislação especial citada em torno da qual há dúvida sobre a vigência.

c) Excepcionais sem desenvolvimento mental completo;

  • Referido dispositivo é criticado pela doutrina, que o considera desnecessário por entender que a hipótese nele tratada já está disciplinada na última parte do inciso II do art. 4º (deficiente mental com discernimento reduzido). Ademais, sustenta essa doutrina que a a expressão "excepcionais" é equivocada, pois não advém da área médica, mas sim da pedagogia, servindo para identificar alunos que possuem déficit no aprendizado. É certo, no entanto, que o legislador pecou pelo excesso, mas o fez com o intuito de proteger essa pessoa que, portadora de uma deficiência mental leve, não se enquadraria no inciso anterior e seria tida como plenamente capaz.

d) Pródigos: indivíduo que dilapida seu patrimônio, de maneira imoderada e habitual, colocando em risco o seu sustento e de sua família, sendo certo que para que a interdição se dê, dois requisitos são necessários: gastos habituais excessivos, imoderados e risco ao próprio sustento e ao de sua família.

  • Quanto ao viciado em jogo, jurisprudência e doutrina hora se inclinam, hora não, no sentido da prodigalidade. De qualquer forma, há necessidade de análise do caso concreto, de perícia, lembrando que a principal característica do pródigo é a generosidade.
  • A interdição do pródigo restringe-se aos atos de caráter patrimonial, e portanto ele pode se casar sem necessidade de assistência do curador. Porém, no que tange à escolha do regime de bens, três são as posições: (i) não há necessidade de assistência, qualquer que seja o regime; (ii) só não há necessidade de assistência se o regime for o legal; (iii) há necessidade de assistência qualquer que seja o regime.
Pelo CC, protege-se efetivamente o pródigo, pois a sua interdição pode ser requerida por qualquer parente, e de forma subsidiária pelo MP.

  • Quanto ao testamento do pródigo: em se tratando de disposições de caráter pessoal, pode fazer. Quanto as disposições de caráter patrimonial, dois são os entendimentos: (i) não, pois lhe falta capacidade testamentária ativa; (ii) sim, pois dentre os atos que lhe são proibidos, previstos no CC, art. 1.782, não se encontra o de fazer testamento.

e) Índio: de acordo com o dispositivo do Parágrafo único do art 4º, a situação do índio é regulada por lei especial, Lei 6.001/73 - Estatuto do Índio.

  • O CC faz uso da expressão correta (o de 1916 dizia "silvícola").
  • Para saber-se da plena integração, a rigor, é necessária perícia antropológica.
  • De acordo com a doutrina, ao índio integrado serão aplicadas as mesmas regras atinentes aos não índios. Apesar de integrados, continuam sob a tutela da FUNAI, que inclusive é o órgão tutelar, e do MPF, cuja defesa é atribuição constitucional.
O índio não integrado apresenta uma incapacidade "sui generis", pois de um lado assemelha-se aos relativamente incapazes na medida em que devem contar com a assistência da FUNAI para a prática dos atos da vida civil, e de outro aproximam-se dos absolutamente incapazes, pois praticados esses atos sem assistência, os mesmos são nulos, desde que haja prejuízo ao índio. 

  • A Lei nº 6.015/73, art. 5º, preceitua que os índios não integrados estão dispensados do registro de nascimento no cartório competente. bastando o registro feito na FUNAI. Essa legislação, no entanto, não se adéqua mais à realidade do índio, havendo inclusive orientação do CNJ no sentido de que o índio pode ter o seu registro de nascimento com o seu nome indígena, podendo ter a aldeia de origem como sobrenome.

2.2) Aquisição da Capacidade Plena

2.2.1) Maioridade Civil

Atingida aos 18 anos completos.

  • Importa não confundir capacidade civil com maioridade (ex.: menina com 15 anos grávida, casada com autorização judicial por conta da gravidez, embora capaz - pois com o casamento, emancipou-se - continua menor, e portanto não pode ter carteira de motorista.

2.2.2) Levantamento da Interdição

Cancelamento dos efeitos da sentença de interdição em razão da cessação da causa que a determinou. O pedido pode ser feito pelo próprio interditado e segue em apenso aos autos da interdição - CPC, art. 1.184 e 1.185.

  • O levantamento da interdição é causa tanto de aquisição como de reaquisição da capacidade plena.

2.2.3) Integração do Índio (emancipação do índio)

Três são as formas de emancipação do índio: 

a) Estatuto do Índio - art. 9º: feita pelo próprio índio, com a assistência da FUNAI, que dirige o pedido ao Juiz Federal, que após oitiva do MPF, decidirá, desde que preenchidos os seguintes requisitos:

  • Idade mínima de 21 anos;
  • Conhecimento da língua portuguesa;
  • Habilitação para o exercício de atividade útil na comunidade nacional; e 
  • Razoável conhecimento dos usos e costumes da comunhão nacional.
b) Estatuto do Índio - art. 10: desde que preenchidos os requisitos do art. 9º, feita pela FUNAI, da plena integração, que no entanto deve ser homologado judicialmente;

c) Estatuto do Índio - art. 11: desde que preenchidos os requisitos do art. 9º, feita por Decreto do Presidente da República, conferindo emancipação coletiva, após requerimento da maioria dos membros da comunidade indígena e comprovação pela FUNAI da plena integração.


2.2.4) Emancipação

É o instituto jurídico que atribui capacidade plena aos menores de 18 anos. É portanto forma de antecipação da capacidade civil (continua menor). 


2.2.4.1) Características da Emancipação

a) Irrevogabilidade: quando validamente concedida, não pode ser revogada pelos pais, nem pelo menor. É possível que ela seja, no entanto, anulada, quando decorrente de erro, dolo ou coação;

b) Perpetuidade: é sempre definitiva;

c) Pura e Simples: não admite condição ou termo.


2.2.4.2) Formas de Emancipação

a) Voluntária: é aquela concedida pelos pais, por meio de escritura pública, que deve ser inscrita no registro civil competente, devendo o menor ter 16 anos completos;

  • Se um dos pais já morreu, ou se estiver interditado, ou se decaiu do poder familiar, o outro pode sozinho emancipar o filho;
  • Se um dos pais estiver em local incerto e não sabido, o outo, para emancipar voluntariamente o filho, deve requerer ao Juiz uma autorização para tanto. Em SP, no entanto, em razão de certa apelação civil, tem se entendido ser possível, por exemplo, que a mãe relate ao Oficial do Cartório o desaparecimento do marido, o qual reduzirá à termo suas declarações e no mesmo instrumento emancipará o filho.
b) Judicial: é aquela concedida por meio de sentença judicial, após a oitiva do MP, que deverá ser inscrita no registro civil competente, devendo o menor ter 16 anos completos. São duas as hipóteses de emancipação judicial:
  • Menor sob tutela: a jurisdição é voluntária;
  • Divergência entre os pais: a jurisdição é contenciosa.
c) Legal: é aquela que se opera automaticamente, por força da lei, independentemente de ato dos pais, do tutor ou do Juiz. Dá-se nos seguintes casos:
  • Casamento: a idade núbil dá-se a partir dos 16 anos completos, quando o casamento é possível com autorização dos pais ou do tutor. Antes dos 16 anos, o casamento só será possível se houver autorização judicial e nos casos do CC, art. 1.520:
  • Evitar imposição ou cumprimento de pena criminal nos crimes sexuais (há entendimentos no sentido de que esta hipótese foi revogada pela lei que alterou a parte geral do CP, e que determina que o casamento da ofendida com o autor do crime não é mais causa de extinção da punibilidade);
  • Gravidez (para aqueles que entendem que a primeira hipótese foi revogada, esta seria a única hipótese de emancipação possível antes dos 16 anos).
Questão que se discute é aquela que diz respeito ao retorno ou não à situação de incapacidade, caso o casamento tenha sido anulado ou declarado nulo, e duas são as posições:

  • 1ª posição: não haverá o retorno ao estado anterior de incapacidade, pois seria um contrassenso que o próprio cônjuge pleiteasse a anulação, já que é capaz, para depois tornar-se incapaz com a procedência da ação; 

  • 2º posição: haverá o retorno ao estado anterior de incapacidade sim, pois com a nulidade ou a anulação do casamento, que é o principal, os seus efeitos secundários (emancipação) não podem persistir, salvo nas situações de casamento putativo, cf. CC, art. 1.561, em homenagem à boa-fé de um ou de ambos os cônjuges.
  • Exercício de emprego público efetivo. Não basta a simples nomeação ou posse, pois a lei exige "exercício efetivo" da função pública (situação praticamente impossível, pois os Editais exigem 18 anos na inscrição);
  • Colação de grau em curso de ensino superior (situação incomum, mas não impossível, já que há cursos com 2 anos de duração);
  • Estabelecimento civil ou comercial com economia própria: além de ter 16 anos completos, o menor deve auferir rendimentos suficientes para a sua subsistência;
  • Existência de relação de emprego: além de ter 16 anos completos, o menor deve auferir rendimentos suficientes para a sua subsistência.

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