terça-feira, 15 de abril de 2014

10 - Administração - Poderes


Poderes da Administração Pública

Existem autores que falam em "deveres" da Administração Pública, em "deveres-poderes", ou então "poderes-deveres", tendo em vista que a Administração só é dotada de poderes, pois tem o dever de agir no exercício da função administrativa.

De todo modo, os poderes são verdadeiros instrumentos, ou seja, são poderes instrumentais para que a Administração possa agir em prol do interesse público.

Esses poderes não se confundem com os Poderes estruturais ou organizacionais da União, independentes e harmônicos entre si, Legislativo, Executivo e Judiciário.

A doutrina tradicional (HLP) menciona os poderes vinculado, discricionário, regulamentar (ou normativo), hierárquico, disciplinar e de polícia. A doutrina mais moderna não inclui os poderes vinculado e discricionário, pelo fato de não haver um poder totalmente vinculado nem totalmente discricionário. O que existem são atos vinculados ou discricionários praticados com base nos poderes, doutrina que será seguida neste estudo.


1) Poder Normativo (Regulamentar)

É preferível falar em poder normativo do que em poder regulamentar, visto que o regulamento é apenas uma espécie de ato normativo, eis que existem outros tais como regimentos, portarias, instruções, resoluções, etc.

O poder normativo é destinado à prática dos atos normativos, que são atos gerais e abstratos que se destinem a todos que se encontrem em uma mesma situação, indistintamente (ex.: Regulamento do IR).

O ato normativo mais importante é o regulamento, pois advém dos chefes do Poder Executivo nas diversas esferas de governo - CF/88, art. 84, IV. Quer dizer, o regulamento é da competência privativa destes agentes. O regulamento é veiculado pela forma do decreto. Aliás, o decreto é a forma pela qual são exteriorizados os atos praticados pelos chefes do Poder Executivo. O decreto tanto pode veicular o regulamento, que é ato normativo, quanto um ato concreto, como por exemplo a nomeação de um servidor.

Em doutrina, os regulamentos existentes são:

a) Regulamento executivo (ou para fiel execução das leis): se destina a explicitar uma lei existente para que ela seja cumprida;

b) Regulamento autônomo (ou independente): editado independentemente de lei prévia.
  • Nos países em que se admite o regulamento autônomo, ele só pode tratar de matéria organizativa ou de matéria de sujeição especial (supremacia especial ou qualificada), quer dizer, ou ele trata da organização da Administração Pública, ou se dirige a quem tenha uma relação especial de sujeição ao Estado, como ocorre com os servidores públicos, estudantes de uma escola pública, contratados da Administração Pública, etc.;
  • No Brasil, a regra é do Regulamento Executivo, nos termos da CF/88 art. 84, IV. No entanto, a partir da EC nº 32/01 (que alterou a redação do art. 84, VI), parte da doutrina passou a admitir a existência do Regulamento Autônomo em matéria organizativa, tendo em vista que a alínea "a" dá competência ao Presidente da República para dispor, mediante decreto, sobre organização e funcionamento da Administração Federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos.
Mesmo nos países em que se admite o Regulamento Autônomo, ele não pode dispor sobre matéria de supremacia geral, como é o caso do Poder de Polícia.

Segundo CABM, o regulamento explicita a lei em duas hipóteses:
  • Quanto limita a discricionariedade administrativa, seja para dispor sobre o modo de proceder da Administração (ex.: Regulamento do IR, dispondo sobre modelos de declaração, etc.), seja para explicar os conceitos vagos contidos em lei e que dependam de considerações técnicas (ex.: Regulamento definindo "equipamento contra incêndio");
  • Quando decompõe analiticamente o conteúdo de conceitos sintéticos da lei (ex.: Regulamento que explicite um a um quem são os agentes públicos remunerados por subsídios).
Os atos normativos, de toda sorte, não podem contrariar a lei, nem tampouco extrapolar seus limites, sob pena de usurpação de competência do Legislativo, ficando sujeito a controle (sustação - CF/88, art. 49, V).

Os atos normativos não são atacáveis diretamente à semelhança do que ocorre com a lei, a não ser pela via da ADI - CF/88, art. 102, I, "a". No entanto, como a regra é a do regulamento executivo, o ato normativo, antes de ser inconstitucional, será ilegal, quer dizer, a ofensa à Constituição será indireta ou reflexa, e a ofensa à lei é que será direta. Nestas condições, dificilmente o STF admitirá a Ação DIRETA de Inconstitucionalidade por ofensa INDIRETA à Constituição. Caso se trate de ato normativo autônomo, que é exceção em nosso direito, caberá a ADI.
EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: objeto. Tem-se objeto idôneo à ação direta de inconstitucionalidade quando o decreto impugnado não é de caráter regulamentar de lei, mas constitui ato normativo que pretende derivar o seu conteúdo diretamente da Constituição. (ADI 1.590 MC)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - OBJETO - DECRETO. Uma vez ganhando o decreto contornos de verdadeiro ato normativo autônomo, cabível é a ação direta de inconstitucionalidade. Precedente. (ADI 1.396)
Por outro lado, muitas leis dependem de regulamentação para serem aplicadas e, no entanto, o Executivo se omite. Não existem muitas alternativas eficientes para obter a regulamentação, mas pode se arrolar as seguintes:

a) Representar o Presidente da República por crime de responsabilidade, pois sua omissão em regulamentar a lei atenta contra o livre exercício do Poder Legislativo - CF/88, art. 85, II;

b) Caso a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, a soberania e a cidadania, cabe Mandado de Injunção - CF/88, art. 5º, LXXI;

  • Mandado de injunção é proposto por qualquer pessoa, perante qualquer juiz, para controle difuso e com efeito inter pars.
c) Há previsão da Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional - CF/88, art. 103, §2º;

  • ADO é proposta pelas pessoas designadas, perante o STF, para controle concentrado e com efeito erga omnes.
d) Caso a lei estipule um prazo dentro do qual deverá ser regulamentada, e se o regulamento não for editado no prazo previsto, tudo o que for autoaplicável entra em vigor.


2) Poder Hierárquico

Decorre da hierarquia, que pode ser definida como o vínculo de autoridade que une órgãos e agentes, através de escalões sucessivos, numa relação de superior a inferior, de hierarca a subalterno. Os poderes do hierarca conferem-lhe uma contínua e permanente autoridade sobre toda a atividade administrativa dos subordinados.

Relembre-se que a hierarquia só existe na intimidade de uma mesma pessoa (ex: União e seus Ministérios, Secretarias, etc). Entre a Adm. Direta e a Indireta inexiste hierarquia (ex.: União e Autarquia Federal), sendo o vínculo decorrente de controle ou tutela, que são exercidos na exata delimitação da lei, salvo situações de descalabro administrativo.

Da hierarquia decorre, para o superior hierárquico, os seguinte poderes:

a) O de editar atos normativos de efeitos internos, sem criar obrigações aos administrados;

b) O de dar ordens, com o correlato dever de obediência por parte do subordinado, salvo as manifestamente ilegais, que devem ser reportadas à autoridade competente (a ordem dúbia deve ser cumprida);

c) O de fiscalizar os atos dos subordinados, o que pode acarretar a anulação dos atos ilegais e inoportunos;

d) O de punir os subordinados na hipótese de prática de infrações administrativas (conjugação com o poder disciplinar);

e) O de delegar e avocar atribuições, desde que não se qualifiquem como exclusivas do superior e do subalterno, respectivamente. A avocação deve ser evitada, pois desprestigia o subordinado. 
  • A Lei do Processo Administrativo Federal - Lei nº 9.784/99, dispõe no art. 15 que "será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior;
  • Quanto à avocação, o art. 13 prevê que não podem ser objeto de delegação: I - a edição de atos de caráter normativo; II - a decisão de recursos administrativos; III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade (ex.: competência política);
  • Existem certas atividades administrativas que não estão submetidas à hierarquia. Isto ocorre nos órgãos consultivos (Procuradorias) que têm liberdade para emitir Pareceres, e nos órgãos colegiados a que a lei atribua determinada competência com exclusividade (ex.: CARF) - ambos seguirão o comando da lei;
  • Não se verifica hierarquia nas funções típicas do Legislativo (legislar) e do Judiciário (julgar), muito embora parte da doutrina, à partir da EC nº 45/2004, que instituiu a Súmula Vinculante - CF/88, art. 103-A, passar a defender a existência de hierarquia parcial no Judiciário, já que cabe Reclamação ao STF contra decisão judicial que contrariar a Súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar. Sendo a Reclamação julgada procedente, a decisão judicial será cassada, determinando-se que outra seja proferida, com ou sem a aplicação da Súmula, conforme o caso;
  • A Súmula Vinculante obriga não apenas os órgãos do Judiciário à sua observância, mas também a Administração Pública Direta e Indireta de qualquer esfera de Governo, e do ato administrativo que contrariar a Súmula aplicável, ou que indevidamente a aplicar, também cabe Reclamação ao STF;
  • A Reclamação está regulada pela Lei nº 11.417/2006, que exige esgotamento das instâncias administrativas para seu manejo.
A mim não me parece que a súmula vinculante tenha criado hierarquia dentro da estrutura do Judiciário. Talvez a criação do CNJ tenha colocado hierarquia na função administrativa atípica do Judiciário (instaurando procedimentos, apurando situações, corrigindo, baixando resoluções, aplicando disciplina, etc.), mas o juiz, no exercício de sua típica função jurisdicional, não é subordinado a ninguém. Exemplos claros disso: o STF não pode ordenar alteração de uma decisão judicial sem que para tanto tenha sido instado pela parte interessada (o superior hierárquico pode agir de ofício); o STF não pode avocar a competência do juiz singular (geralmente, o superior hierárquico pode); o STF não pode instaurar um procedimento e disciplinar um juiz, ou seja, de uma decisão de instância inferior contrária à posição do STF não resulta aplicação de penalidade ao juiz (o subordinado que adota mérito viciado pode ser punido por seu superior); o juiz pode conferir o direito almejado pela parte com fundamentação distinta, ou seja, sem adotar uma súmula vinculante, pois se o direito foi conferido esvaziando o interesse recursal, não cabe a reclamação (o juiz conserva sua independência, pois no Brasil não se adota a teoria da transcendência dos motivos determinantes, não cabendo recurso para questionar fundamentação perfilhada pelo juiz para proferimento de uma sentença). Neste sentido, a súmula vinculante teria mais um sentido de racionalidade na entrega da prestação jurisdicional: já que, em tese, todo processo caminha rumo ao STF, a súmula vinculante atalha tal caminho. A súmula vinculante teria mais a cara de uma norma que já foi declarada constitucional pelo STF, e tendo em vista que o papel do juiz é aplicar a norma ao caso concreto, segue-se que ele deve aplicar a súmula vinculante. Finalmente, deve-se atentar para um fenômeno interessante em que as súmulas passam a receber, pela via do exercício hermenêutico, interpretações diversas, como já se tem discutido a respeito da muito extensa SV nº 13, que trata de nepotismo. Essa interpretação é feita pelo independente juiz.


3) Poder Disciplinar

Autoriza a Administração Pública a apurar as infrações cometidas pelos servidores públicos e demais pessoas submetidas à sua disciplina, tais como os contratados, os estudantes de escola pública, os presidiários, etc., podendo também impor sanções de natureza meramente administrativa. Trata-se de supremacia especial (há relação jurídica específica com a Adm.).

No que se refere aos servidores públicos, o poder disciplinar é decorrente do poder hierárquico.

Eventual punição imposta pela Administração Pública a pessoa não submetida à sua disciplina interna tem fundamento no poder de polícia. Trata-se de supremacia geral, uma relação jurídica genérica com a Adm. (ex.: multa imposta ao motorista infrator).

Costuma-se dizer que o poder disciplinar é discricionário. No entanto, isto não significa que a autoridade tenha liberdade para decidir entre agir e não agir, pois ela deve agir diante da notícia de infração, sob pena de condescendência criminosa. Essa discricionariedade pode se referir a:

a) Procedimento na apuração das infrações: não é costume existir procedimento rígido, como ocorre em relação aos crimes;

b) Escolha da punição que melhor reprima a infração cometida: é costume existir mais de uma forma de punição, além de determinação para que, na escolha da pena, se considere a pessoa do infrator, a gravidade da infração, os danos causados, etc.;

c) Enquadramento de uma infração concreta a hipótese de infração descrita em lei de modo impreciso: mediante conceitos indeterminados.

A parir da Constituição de 1988, notadamente em razão do art. 5º, LV, que assegura aos litigantes, em processo administrativo, o contraditório e a ampla defesa, aboliu-se de vez a possibilidade de aplicação de pena com base no princípio ou critério da verdade sabida, pela qual possibilitava-se aplicação imediata de pena quando a autoridade tivesse o conhecimento pessoal e direto da infração (ex.: flagra - não basta o chefe flagrar, tem que instaurar o procedimento com as garantias).

Discutiu-se se o direito à defesa e ao contraditório significava defesa por advogado no âmbito do PAD. O STJ editou a súmula 343 entendendo obrigatória a presença de advogado em todas as fases do PAD, e pouco tempo depois o STF editou a SV nº 5, pela qual "a falta de defesa técnica por advogado no PAD não ofende a Constituição". Com isso, a regra do art. 164, §2º da Lei 8.112/90, no sentido de que ao indiciado revel será nomeado um servidor como defensor dativo "que deverá ser servidor de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado" ficou a salvo.

Portanto, deve instaurado o procedimento, mas não precisa de advogado.


4) Poder de Polícia

No exercício deste poder é possível vislumbrar o exercício do binômio do regime jurídico administrativo das "prerrogativas e sujeições".

Para HLM, poder de polícia é "a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado". Para CABM, o poder de polícia condiciona e restringe a liberdade e a propriedade, e não propriamente o direito de liberdade ou o direito de propriedade, já que as restrições fazem parte do perfil do direito.

  • Portanto, HLM diz que o poder de polícia restringe o direito;
  • Já CABM diz que o poder de polícia é parte integrante do direito;
  • Conclusão: tanto faz como tanto fez!

O CTN oferece um conceito legal de poder de polícia em razão de que seu exercício é um dos fatos geradores da taxa (parece mais com a opinião do Hely):
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
O poder de polícia fundamenta-se na supremacia geral da Administração sobre o administrado, que é decorrência do Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular. Não é necessário que exista uma especial ou qualificada sujeição ou submissão do administrado à Administração Pública (isso existe no poder disciplinar, decorrente do hierárquico, como ocorre por exemplo entre os servidores públicos, os contratados, os estudantes de uma escola pública e a Administração Pública - relação de sujeição especial).

Em relação de supremacia geral (como no caso do poder de polícia) só a lei pode criar obrigações.


4.1) Meios de Atuação do Poder de Polícia

O poder de polícia pode ser exercício pelo Legislativo e pelo Executivo:

  • O Poder Legislativo institui por Lei as limitações administrativas à propriedade e à liberdade;
  • O Poder Executivo, no exercício do poder de polícia, expede atos normativos para o cumprimento das leis e também pratica atos concretos, hora agindo preventivamente (ex.: licenças, autorizações, ordens, notificações), hora agindo repressivamente (ex.: apreensões, interdições, imposições de multas, embargos de obras, etc.).
O exercício do poder de polícia pelo Executivo é denominado de Polícia Administrativa.

Atualmente, o poder de polícia diz respeito aos mais variados setores: segurança, ordem pública, paz social, proteção ao patrimônio físico e cultural, saúde pública, consumidor, meio-ambiente, etc.


4.2) Características ou Atributos do Poder de Polícia

Costuma-se citar os seguintes: "CADIN" - Coercibilidade, Autoexecutoriedade, Discricionariedade, Indelegabilidade e Negatividade.

a) Discricionariedade: o poder de polícia quase sempre é discricionário em algum aspecto. Isto significa que o administrador tem certa margem de liberdade de ação dentro dos limites estabelecidos em lei. Assim, por exemplo, a Administração pode ter liberdade para escolher a sanção que melhor reprime a infração cometida; ou analisa a conveniência e a oportunidade em deferir ou não uma autorização, etc.

  • Não obstante, existem atos vinculados do poder de polícia, bastando mencionar a licença, como por exemplo, para construir ou dirigir, licença ambiental. A licença do poder de polícia destina-se ao exercício de uma atividade e atende a direito subjetivo de quem a requer, pelo que não pode ser negada se preenchidos os requisitos legais, sob pena de ser concedida judicialmente. A licença do poder de polícia opõe-se à autorização para a prática de ato material, como no porte de arma. A autorização é ato discricionário, podendo ser negada ainda que preenchidos os requisitos legais, já que atende a mero interesse de quem o requer. Ambas são expedidas pela forma do alvará.

b) Autoexecutoriedade: a Administração pode fazer cumprir suas decisões por seus próprios meios diretamente, ou seja, sem necessidade de autorização prévia do Judiciário. Assim, a Administração pode impor multa à fábrica poluente, interditar suas atividades, embargar obras em desacordo com lei de zoneamento, etc. Ressalve-se, quanto às multas, que sua cobrança depende do ajuizamento de execução fiscal. Alguns autores dividem este atributo em:
  • Exigibilidade, na qual a Administração faz cumprir suas decisões usando meios indiretos de coação, como notificação a proprietário a limpar terreno, sob pena de multa; e 
  • Executoriedade, na qual a Administração faz cumprir suas decisões usando meios diretos de coação, como apreensão de mercadorias deterioradas. 
A executoriedade é mais grave do que a exigibilidade, e só existe se houver previsão legal ou razão de urgência. 


c) Coercitividade: a Administração pode usar de força física se necessário, e na medida do necessário, para afastar eventual resistência. A coercibilidade não pode ser dissociada da executoriedade ou da autoexecutoriedade, pois estão intimamente relacionadas.


d) Negatividade: há autores que acrescentam este quarto atributo ao poder de polícia, dizendo que se trata de uma atividade negativa, já que impõe uma abstenção, uma obrigação de não fazer, uma não prática.

Parte da doutrina considera o poder de polícia uma atividade negativa, em comparação com o serviço público que seria uma atividade positiva, já que por meio dele, oferece-se uma utilidade ou uma comodidade à sociedade, como água encanada, energia elétrica domiciliar, transporte coletivo urbano, etc. Contudo, isto não é totalmente adequado, pois também se obtém atividades positivas por meio do poder de polícia. Assim, por exemplo, com as restrições (negativo) da lei de zoneamento urbano, obtém-se uma cidade mais bem organizada (positivo).

Melhor, então, considerar que o poder de polícia é, de regra, uma atividade negativa, porque impõe uma abstenção (um não fazer), e mesmo que aparentemente imponha um fazer, como exibir planta para construir, não se quer exatamente estes atos, mas sim evitar o dano ao interesse público, ou seja, o não-dano, razão pela qual o poder de polícia conserva sua característica de atividade negativa.

Há, no entanto, uma certa ordem de casos em que esta características é excepcionada no que se refere ao condicionamento do uso da propriedade imobiliária ao atendimento de sua função social - CF/88, art. 5º, XXIII e 182, §4º.


e) Indelegabilidade: recentemente, alguns autores (como MSZP) têm acrescentado um quinto atributo ao poder de polícia, que é a indelegabilidade.

Questiona-se se um particular alheio ao aparelho estatal (ou à administração pública) pode receber delegação do Poder Público para ato (jurídico-administrativo) de polícia administrativa. A resposta é negativa, a não ser em casos excepcionais como o dos capitães de navios, tendo em vista que o ato de polícia administrativa é ato de autoridade, e não pode ser delegado a um particular, pois ele não exerce autoridade perante o seu igual.

O que é passível de ser exercício por particulares é o ato material, precedente ou sucessivo, do ato de polícia administrativa (ex.: operação e manutenção de equipamento foto-sensor de trânsito - ato material precedente de ato de polícia; realização de demolição por empresa contratada pela Administração de prédio que ameaça ruir - ato material sucessivo de ato de polícia).

Questiona-se também se é possível delegar o poder de polícia a entidades da administração pública indireta, notadamente as dotadas de personalidade jurídica de direito privado, como é o caso das empresas públicas e das sociedades de economia mista. Há quem admita a delegação, desde que a competência delegada seja conferida por lei e que o poder de polícia se restrinja a atos de natureza fiscalizatória, ou seja, a entidade não pode impor restrições, apenas praticar atos executórios.

Essa questão é tema de repercussão geral no STF, onde se discute se a BH Trans, sociedade de economia mista, pode impor multas por infrações de trânsito (ARE 662.186):
Ementa:  DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APLICAÇÃO DE MULTA DE TRÂNSITO POR SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PODER DE POLÍCIA. DELEGAÇÃO DOS ATOS DE FISCALIZAÇÃO E SANÇÃO A PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO.
Conferir também ADI 1.717 e 2.310:
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime. (ADI 1.717)
 A ADI 2.310 cuidava do pessoal de agência reguladora que, por exercer funções típicas de servidor público, não podem ocupar emprego. Foi julgada prejudicada.


4.3) Distinção entre Polícia Administrativa e Polícia Judiciária

A polícia administrativa não se confunde com a polícia judiciária. Costuma-se afirmar que a polícia administrativa seria preventiva, ao passo que a polícia judiciária seria repressiva. A afirmação não é totalmente equivocada, mas é incompleta, já que a Polícia Militar (geralmente administrativa) age repressivamente ao, por exemplo, apreender mercadoria furtada, contrabandeada, deteriorada, enquanto que a Polícia Civil (geralmente judiciária) age preventivamente ao capturar o foragido, etc.
  • A Polícia Civil pode ter tropa de operações especiais (ex.: COTGT3), uma atividade geralmente atribuída à Polícia Militar como se somente essa fosse preventiva. Ora, a atividade do choque é, em muitos casos, repressão administrativa, como imposição do restabelecimento da lei e da ordem. Portanto, atuando nesse papel, a geralmente chamada Polícia Civil judiciária, é Polícia Civil administrativa.
O critério mais seguro de diferenciação está na ocorrência do ilícito penal. Se este já ocorreu, age a polícia judiciária (civil ou militar); se não ocorreu, age a polícia administrativa (civil ou militar). Ex.: passeata que pode ser dissolvida pela polícia administrativa (civil ou militar) quando tumultua a ordem pública; se integrantes da passeata cometem ilícito, age a polícia judiciária (civil ou militar).

Ligada a esta diferença, existe outra:
  • A polícia judiciária é privativa de certas instituições, como a Polícia Militar e a Polícia Civil;
  • A polícia administrativa é exercida por todos os órgãos da administração pública, incluindo as Polícias Militar e Civil (ex.: IBAMA, ANVISA, Receita Federal, INMETRO).

4.4) Competência para a Prática do Poder de Polícia

Normalmente, o competente para os atos de polícia administrativa é o Ente da Federação que for competente para legislar sobre a matéria - CF/88, art. 22, art. 25, §1º, art. 30. No entanto, há competência concorrente quando os interesses de mais de uma pessoa política se conjugam, o que é bastante comum em matéria de segurança e salubridade públicas - CF/88, art. 24.

Destacam-se as seguintes Súmulas sobre o poder de polícia:
Súmula nº 645-STF: É COMPETENTE O MUNICÍPIO PARA FIXAR O HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL.

Súmula nº 19-STJ: A fixação do horário bancário, para atendimento ao público, é da competência da União.

4.5) Limites ao Exercício do Poder de Polícia

Notadamente, quando o exercício do poder de polícia é discricionário, há limites impostos ao poder público a fim de que os direitos fundamentais não sejam suprimidos. Segue-se três regras:

a) Regra da necessidade: o exercício do poder de polícia só se justifica se houver razão de interesse público bastante, suficiente (ex.: a multa só deve ser aplicada se houver sido violada a norma);

b) Regra da proporcionalidade entre meios e fins: o ato de polícia administrativa deve ser suficiente a atingir os fins pretendidos, sem excessos (ex.: se apenas um setor da fábrica está causando poluição, não deve ser interditada a fábrica inteira);

c) Regra da eficácia: o ato de polícia deve ser hábil a resguardar o interesse público (ex.: se a medida não foi suficiente para o administrado mudar seu comportamento, deve ser buscada a medida legal mais grave).



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