quarta-feira, 2 de abril de 2014

01 - Processo de Conhecimento - Introdução

Direito Processual Civil - Processo de Conhecimento

1) Introdução

Processo é o instrumento pelo qual se desenvolve necessariamente a atividade jurisdicional. Por sua vez, o procedimento, parte visível do processo, corresponde a uma maneira típica pela qual se encadeiam os atos processuais que dão vida e existência ao processo. Por isto, todo processo contempla um indispensável procedimento.

O procedimento é sempre estabelecido pela lei levando-se em conta sua necessária adequação a determinadas modalidades de conflito, que normalmente se distinguem pela natureza e relevância da questão jurídica sob debate. Para bem amparar direitos, o processo e o procedimento respectivo devem desempenhar determinadas funções processuais, cada uma delas com finalidade específica. Levando em conta essa necessidade, registra-se na doutrina a existência de três modalidades de processo, especificadas a vista das funções que desempenham. Então, é por isso que se verifica a existência de Processo de Cognição, Processo de Execução e Processo Cautelar.

O primeiro deles, que será investigado mais de perto, é aquele em que se busca uma sentença e a solução de uma controvérsia. 

Já o Processo de Execução tem por finalidade adjudicar em favor do titular de direito certo ou verossímil o acesso a todas as possibilidades que deles possam ser extraídas. 

No que diz respeito ao Processo Cautelar, o que se quer é a garantia provisória e urgente de meios que assegurem o direito.

A busca pela efetividade do processo, sobretudo diante das dificuldades e obstáculos que o tempo lhe impõe, conta com um movimento contemporâneo em prol da unificação em um processo de mais de uma função. Na atualidade não se convive bem com aquela realidade que vigorava até 2004 no Direito Processual brasileiro, em que cada processo tinha uma função específica, exigindo das partes que se valessem de mais de um deles para obtenção efetiva de seu direito. Naquela época, a parte precisava valer-se de um Processo de Conhecimento para reconhecer um direito, e somente depois do trânsito em julgado da respectiva sentença é que poderia propor um Processo de Execução para obter tudo o que ela lhe havia garantido. 

A tendência atual é outra. Vive-se o momento do processo sincrético, no qual se fundem mais de uma função, ou seja, a de conhecimento e a de execução. Hoje se fala na fase de conhecimento e fase de execução, que em um mesmo processo se desenvolvem de forma sucessiva. 


2) Processo de Conhecimento em Espécie

Processo de Conhecimento, como diz Cândido Dinamarco, é conhecido na doutrina como processo de sentença. Todavia, o que caracteriza o processo de conhecimento é o modo pelo qual se desempenha a atividade jurisdicional, que aí se transforma em uma atividade de cognição. O coração do Processo de Conhecimento reside no fato de que por seu intermédio o Magistrado, diante de um conflito de interesses, procede a uma atividade intelectiva, mais ou menos profunda, conforme as circunstâncias, pela qual analisa os termos em que o litígio se põe, desde a causa de pedir até a pretensão de cada parte, resolvendo o conflito e afirmando o direito do respectivo titular. 

Nessa medida, cognição ou conhecimento é o instrumento que leva o Magistrado à compreensão da controvérsia e sua respectiva resolução.


3) Teoria da Cognição

A cognição é a característica específica da atividade jurisdicional no Processo de Conhecimento, de tal maneira a mostrar-se necessário o conhecimento sobre alguns aspectos teóricos que a envolvem.

O primeiro passo é procurar compreender o conceito de cognição, sobre o qual existe um consenso. Nesse sentido, o prof. Cândido Dinamarco afirma que cognição corresponde "à atividade intelectiva do Juiz, consistente em captar, analisar e valorar as provas produzidas pelas partes, com o objetivo de se aparelhar para decidir". De um modo mais objetivo, Fredie Didier entende que cognição "é uma técnica utilizada pelo Magistrado, com a finalidade de resolver todas as questões que lhe são apresentadas ao longo do processo".

Uma visão mais aprofundada provém do Prof. Kazuo Watanabe afirma que "cognição é um ato de inteligência do Magistrado, consistente na análise de valoração das alegações e provas produzidas pelas partes, envolvendo as questões de fato e de direito deduzidas no processo, e cujo resultado acaba sendo o alicerce e o fundamento do julgamento final do mérito da causa".


4) Objeto da Cognição

Tomadas em consideração as definições do que seja a técnica da cognição, importa saber a que ela se dirige. Assim, e antes de qualquer outra coisa, é preciso entender que ela se desenrola no processo. O processo, por sua vez, tem objeto, identificado pela doutrina, como o conjunto de todas as questões levadas a conhecimento do Magistrado. Entre essas questões que constituem o objeto do processo, existe uma em particular reconhecida pela doutrina como sendo o objeto da lide. Importa esclarecer que o objeto da lide vem a ser propriamente o que se designa por "mérito da causa", constituindo-se pela denominada "causa de pedir" e pelo "pedido". Portanto, no processo há uma série de questões a serem resolvidas pelo juízo, como pressuposto da solução final da questão principal, correspondente ao mérito da demanda.

Dentro das perspectivas do que foi dito, entende-se que a cognição tem por objeto todas as questões que se inserem no contexto do processo, aí incluída a chamada "questão de mérito". É oportuno, aliás, ressaltar que a expressão "questão" representa um conceito técnico, que pode ser entendido como ponto do processo sobre o qual exista uma controvérsia específica sobre matéria de fato ou de direito a ele relacionada.


4.1) Espécies de Questões Submetidas à Apreciação do Juiz

Existem diversificadas hipóteses de questões levadas a conhecimento do juízo ao longo do processo. A doutrina as classifica, tentando identificar as distinções entre elas. Assim, os manuais registram em média as seguintes opiniões a respeito:


4.1.1) Quanto à Natureza da Questão

Percebe-se uma nítida distinção entre as seguintes hipóteses de questão, que se diferenciam em razão do seguinte:

a) Questão de admissibilidade: são aquelas que surgem ao longo do processo e que dizem respeito ao atendimento adequado às exigências das condições da ação ou dos pressupostos processuais. São importantes à medida que a inexistência de um desses pressupostos ou condições impede que o Juiz analise e decida validamente sobre a questão de mérito. Assim, por ordem de precedência, devem ser sempre analisadas pelo Juiz antes da questão de mérito, necessariamente.

b) Questão de mérito: é aquela que vai dizer respeito à conjunção entre causa de pedir e pedido, para que possa haver o deferimento da tutela jurisdicional pretendida. Só há resolução válida dessa questão quando resolvidas e superadas as questões de admissibilidade do processo.


4.1.2) Quanto às Questões Prévias

Essa hipótese de classificação leva em consideração também a relação que possa haver entre determinadas questões processuais e à questão de mérito propriamente. Num sentido mais geral, a doutrina tradicional costuma definir:

a) Questão Preliminar: é aquela de caráter exclusivamente processual a ser resolvida pelo Magistrado como pressuposto para a válida resolução do mérito. Mais cuidadosa, todavia, é a visão expressada pelo Prof. J.C.Barbosa Moreira, para quem "questões preliminares são aquelas das quais depende a criação ou a remoção de um obstáculo para a resolução do mérito da demanda". As questões preliminares, então, são aquelas que envolvem problemas relativos à admissibilidade do processo e das quais dependa a análise de sua questão de fundo. Nessa medida, o autor referido faz alusão a existência de três tipos de questões preliminares:
i) Questões processuais das quais dependa o conhecimento do mérito (problemas relativos a condições da ação e a pressupostos processuais);
ii) Questões preliminares dos recursos (problemas que digam respeito aos requisitos de admissibilidade e apreciação do mérito dos recursos);
iii) Questões de mérito que impedem o conhecimento da matéria de fundo (prescrição, decadência, CPC, art. 269).

b) Questão Prejudicial: não se confunde com a preliminar, haja vista o fato de dizerem respeito a controvérsias existentes nos próprios autos ou em autos distintos de cuja solução dependerá o modo de ser da resolução do mérito da controvérsia. Não dizem respeito, portanto, à matéria de cunho processual em sentido largo, mas tem como objeto a solução de uma controvérsia que afeta diretamente a causa de pedir de um dado processo. Exemplificando, se em decorrência de uma ação de alimentos, o suposto pai responde com uma declaratória incidental de inexistência do laço de parentesco entre ele e o autor da ação principal, a solução desta segunda controvérsia terá influência direta no modo de ser da sentença da ação de alimentos.


4.1.3) Quanto a Natureza do Objeto da Controvérsia

Podem se distinguir no cenário do processo essas duas modalidades de questões:

a) Questões de Fato: dizem respeito às controvérsias relativas a uma dada situação de fato alegada, da qual dependa a incidência da norma ou do princípio reclamados.

b) Questões de Direito: a controvérsia se estabelece no campo da aplicabilidade ou não de determinada regra ou preceito jurídicos à situação de fato demonstrada nos autos.

Objetivamente, é essa a distinção.


4.1.4) Quanto à Natureza Técnico-Processual da Questão

O Juiz, ao decidir a questão de mérito, só pode fazê-lo com expressa manifestação dos fundamentos que o conduziram à decisão final. Toda sentença, portanto, contempla fundamentação e decisum. Por vezes, na fundamentação, o Juiz resolve questões técnicas, vale dizer, controvérsias jurídicas, de que dependerá a resolução efetiva a ser dada no dispositivo. Como no nosso sistema existe a possibilidade da coisa julgada material, e como nem tudo quanto componha a decisão ficará a ela submetida, importa saber distinguir uma coisa de outra.

a) "Incidenter tantum": as questões decididas "incidenter tantum", embora envolva solução de uma controvérsia técnica, não fazem coisa julgada por servirem apenas como fundamento do descisum (CPC, art. 469);

b) "Principaliter tantum": são aquelas que condizem com o próprio mérito, principal da demanda, sendo o coração do decisum e estando submetidas à coisa julgada material.

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