segunda-feira, 7 de abril de 2014

02 - Processo de Conhecimento - Procedimento Comum - Rito Ordinário - Fase Postulatória - Ato do Autor

Processo de Conhecimento e Procedimento

O procedimento corresponde à sequência dos atos processuais, tendo em vista a resolução final da questão de mérito. Conforme sabido, o procedimento é a parte visível do processo, ou seja, aquela que lhe confere existência. No âmbito do Processo de Conhecimento, existem dois tipos de procedimento, tal como é possível deduzir da simples leitura do CPC. Assim, no Processo de Conhecimento fala-se na existência do Procedimento Comum por um lado, e na existência de Procedimentos Especiais por outro.

Interessa abordar o Processo de Conhecimento na perspectiva do Procedimento Comum.



  • Procedimento Comum

A doutrina não distingue com exatidão um conceito objetivo para o chamado Procedimento Comum, limitando-se a dizer que ele tem cabimento sempre que não for caso do Procedimento Especial (por exclusão). De maneira mais específica, pode-se dizer que o procedimento comum é aquele em que serão prestadas as tutelas jurisdicionais também comuns, já que no âmbito dos procedimentos especiais, o que se vê é uma tutela jurisdicional diferenciada, provindo desse aspecto a distinção. 

Levando-se em conta o Procedimento Comum, nota-se que o CPC estabelece duas possibilidades para os eu desenvolvimento. Dessa maneira, o art. 274 revela que ele se desenvolverá sob o rito Ordinário, enquanto o art. 275 e seguintes se refere à possibilidade alternativa de seu desenvolvimento pelo rito Sumário. A propósito, o art. 272 já dispõe que o Procedimento Comum se desenvolve sob um desses dois ritos. É importante lembrar que quando se fala em "rito", a ideia que está por trás é o modo pelo qual o procedimento se desenvolve. 

Dessa maneira, não há dúvida sobre o fato de o Procedimento Comum ser mais alongado, permitindo um volume maior de atos processuais até a decisão final, justamente porque ele tem cabimento para resolução de questões mais complexas e que demandem a necessidade do exercício da ampla defesa de modo mais consistente. Ao contrário, o Procedimento Sumário condiz com o rito em que os atos processuais são mais concentrados, em homenagem à celeridade do processo, tendo lugar para hipóteses em que a questão de mérito não reúna uma complexidade mais acentuada.


I - Procedimento Comum Ordinário

Trata-se de procedimento mais complexo e mais amplo, sendo mais apto portanto a realização do Processo de Conhecimento, especialmente no que diz respeito à pesquisa da verdade real e à justa solução do litígio (Humberto Teodoro Jr.).

Tal como se colhe na doutrina, o Procedimento Ordinário se desenvolve por fases especificadas, consoante as disposições dos art. 282 e ss. do CPC. Conforme se sabe, as fases referidas se distinguem pela natureza própria dos atos processuais a serem realizados em cada uma delas. São fases deste procedimento as seguintes:

a) Fase Postulatória: é consagrada ao pedido do autor e à resposta do réu, do que resulta a delimitação da questão de mérito a ser debatida nos autos;

b) Fase Ordinatória: é a fase em que o Juiz prepara o processo, resolvendo matéria processual pendente, avaliando eventuais irregularidades, de modo a que também defina pontos controvertidos, cuja resolução dependerá daquilo que se apure na fase subsequente;

c) Fase Instrutória: é a fase em que as partes procurarão demonstrar a veracidade dos argumentos utilizados até então;

d) Fase Decisória: é a fase em que as partes debaterão a causa e o Juiz proferirá a Sentença.

Essas fases se desenvolvem de modo sucessivo ao longo do Procedimento Comum Ordinário, havendo em cada uma delas uma atividade processual típica. 


1) Fase Postulatória

É aquela que se desenvolve desde a petição inicial até a resposta do réu. Trata-se de fase que contempla atos processuais do autor, com vistas a constituição da relação processual, tanto quanto atos processuais provenientes do réu, conforme as necessidades e possibilidades de sua defesa.


1.1) Ato Processual do Autor - Petição Inicial - Estrutura (CPC,a rt. 282 e ss.)

A petição inicial se constitui pela peça processual por meio da qual o autor, exercitando direito constitucional de ação, formula perante o Judiciário a pretensão que entende legítimaem face do réu.

O CPC regulamenta a inicial nas disposições dos art. 282, 283 e 284, estabelecendo de modo bem claro os elementos indispensáveis à sua elaboração. Nessa linha de consideração, o dispositivo do art. 282 faz alusão aos seguintes pontos:


a) Endereçamento

Segundo o legislador, a petição inicial deverá trazer indicação precisa sobre o juízo ou Tribunal a quem se dirija a pretensão deduzida. Note-se que o autor, portanto, deverá dirigi-la ao juízo competente, assim como determinam as regras do processo (CPC, art. 86 e ss).


b) Qualificação das Partes

A inicial deverá estampar a identificação ou qualificação completa não apenas do autor, mas também dos réus, perante quem a pretensão é formulada. Naturalmente, a qualificação é exigida sobretudo para permitir a realização dos atos de comunicação dos atos processuais, o que se mostra imprescindível para o exercício da ampla defesa e concretização, afinal, do devido processo legal. A doutrina e a jurisprudência têm se envolvido mais recentemente com uma questão interessante e concernente a certas situações que colocam o autor em dificuldades para a perfeita individualização daqueles perante os quais deduz a sua pretensão. Trata-se da hipótese, por exemplo, em que determinado autor de ação possessória não tenha como individualizar e qualificar todos aqueles que eventualmente tenham ocupado uma área de sua propriedade, em situações de ocupação em massa, nas quais centenas de pessoas se apossam de área alheia. O titular da posse legítima enfrenta problemas para qualifica-los, como é óbvio. A doutrina e a jurisprudência, respondendo a esta dificuldade, tem permitido e tolerado a falta de qualificação nesses casos, e indicando até a citação editalícia, genérica, como alternativa.


c) Fato e Fundamentos Jurídicos do Pedido

É indispensável para uma boa estruturação da inicial a descrição exata da denominada "causa de pedir". Assim, quando o legislador faz referência a fatos e fundamentos jurídicos, ele se refere à causa de pedir, que se constitui pela narrativa exata do fato motivador da demanda, assim como de sua relação efetiva com o direito que o autor supõe titularizar. Dessa maneira, num eventual pedido de reintegração de posse, a causa de pedir corresponderá à narração do episódio que destituiu o autor de sua posse legítima sobre o bem, e a sua ligação com o direito à reintegração a partir deste fato.


d) Pedido

Corresponde à pretensão formulada objetivamente ao juízo. Vem regulamentado no CPC, art. 286 a 294. Segundo a doutrina, é possível decompor o pedido para identificar em sua estrutura duas espécies de pretensões levadas a juízo pelo autor. Assim, o pedido se estrutura sobre um pedido imediato e sobre um pedido mediato. Quando se observa as finalidades a que se dirige a pretensão, localiza-se inicialmente o pedido imediato, que se destina a alcançar uma dada tutela jurisdicional em prol do autor. Por outro lado, também se identifica um pedido mediato, que por sua vez corresponde ao bem da vida a ser obtido em decorrência do amparo à pretensão. Exemplificando, em uma ação de cobrança de certo crédito, o pedido imediato corresponderá à obtenção de uma tutela condenatória em face do réu. Mas além disso, o pedido compreenderá o recebimento da importância relativa ao crédito, que então se coloca como pedido mediato.
  • Modificação do pedido e estabilização da demanda: uma vez levado a juízo, o pedido agora encarado como demanda, passa a delimitar a atividade jurisdicional. Prova disto são as disposições dos art. 459 e 460, que deixam nítida a vinculação objetiva entre o pedido e a sentença (Princípio da Adstrição). Tomada em consideração a relevância do pedido, importa ter presente uma questão relevante, concernente à possibilidade de sua modificação. Nessa medida, a doutrina do Prof. Barbosa Moreira é muito esclarecedora, inicialmente por fazer referência ao Princípio da Estabilização da Demanda, reconhecido legal e doutrinariamente de modo amplo. Segundo este princípio, o autor não pode ter disponibilidade ampla sobre a pretensão que deduziu, até para que em determinado momento processual fique absolutamente delimitada a questão em torno da qual gira a controvérsia do processo. É claro, todavia, que isto não prejudica a possibilidade de sua alteração, que somente poderá ocorrer diante da presença de certas condições. E assim é porque se deve contar no processo com várias possibilidades capazes de impedir o autor de formular pretensão mais ampla logo de início. Assim sendo, são passíveis de identificação duas possibilidades de modificação do pedido, isto é, a modificação quantitativa (extensão do pedido) e a modificação qualitativa:
  • Modificação Quantitativa: diz respeito à extensão do pedido, hipótese em que cabem duas possibilidades, ou seja, a ampliação ou a redução do pedido. Na primeira situação, o CPC, art. 264 é a regra geral, já que seu conteúdo deixa claro a possibilidade de ampliação unilateral apenas até o momento da citação. Em outras palavras, depois da citação o autor não pode sequer pensar em modificação unilateral do pedido. No tocante à redução, todavia, a situação é outra. Nota-se que se a ampliação do pedido leva a um ônus maior para o réu, qualquer redução o beneficiará diretamente. Considerada essa situação, a redução poderá ser feita unilateralmente a qualquer tempo. Lembre-se que a redução no pedido se materializa por intermédio da renúncia, da desistência da ação ou mesmo pela via da transação;
  • Modificação Qualitativa: diz respeito à alteração do tipo de pretensão deduzida perante o juízo. Claro que esta modalidade de alteração é problemática, tendo em conta o fato de provocar instabilidade quanto à demanda, além de trazer um ônus a mais para o réu. Lembre-se que modificação qualitativa tem a ver com a alteração da causa de pedir ou pedido, do ponto de vista de sua natureza. A regra para essa possibilidade também se encontra disposta no CPC, art. 264. Assim, duas situações viabilizam essa hipótese de modificação: (i) desde que feita antes da citação. Realmente, o autor pode alterar a natureza da causa de pedir e do pedido sem a necessidade de consentimento do réu a qualquer tempo antes da citação. Realizado o ato citatório, todavia, essa alternativa se inviabiliza, ao menos enquanto se trate de iniciativa unilateral; (ii) após a citação, será viável essa espécie de modificação desde que se realize sob duas condições: (1) expressa concordância do réu; (2) que se realize antes do saneamento do processo (CPC, art. 264, Parágrafo único).
  • Cumulação de pedidos: um dos aspectos importantes do tema relativo ao pedido diz respeito à possibilidade de cumulação. Os art. 288 a 292 do CPC revelam disposições que autorizam o autor a formular mais de um pedido. Isto pode ocorrer de algumas maneiras, estudadas pela doutrina. Assim, autores como Fredie Didier, Humberto Jr. e Barbosa Moreira informam a existência de duas hipóteses de cumulação. A primeira delas é tida como a situação em que há "cumulação própria" que, em contraposição, tem como alternativa a "cumulação imprópria":
  • Cumulação Própria: o que a caracteriza é o fato de se levar ao conhecimento do Juiz mais de um pedido, obrigando-o à apreciação de todos eles: (i) Cumulação Simples, na qual o autor formula pedidos conjuntos, entre os quais não há uma relação de interdependência. Ex.: autor pede pagamento de crédito decorrente de contrato "A" de locação de serviços, e também o crédito de um outro contrato "B" de locação de imóvel, ambos contra o mesmo réu. (ii) Pedidos Sucessivos (CPC, art. 289), caracterizado pela relação de interdependência entre os pedidos de tal modo que para o Juiz apreciar um deles, deverá ter julgado procedente o outro. Ex.: investigatória de paternidade com pedido de alimentos - os alimentos dependem do reconhecimento da paternidade. 
  • Cumulação Imprópria: circunstância em que o autor realiza mais de um pedido, mas a lide será resolvida com a resolução de apenas um deles: (i) Pedidos Alternativos (CPC, art. 288), caso típico em que há uma relação obrigacional alternativa entre as partes, o autor formula dois pedidos, contentando-se com a satisfação de apenas um deles, e sem demonstrar qualquer preferência por um ou por outro na inicial. Ex.: CC, art. 441 a 446 - vícios redibitórios, o autor pode escolher entre a redibição ou abatimento do preço. (ii) Pedidos com indicação quanto à "natureza subsidiária" de um deles (CPC, art. 289), hipótese em que o autor formula dois pedidos, mas expressa sua preferencia pelo atendimento de um deles, de tal modo que o Juiz só possa apreciar o outro recusando o primeiro. Ex.: ação com pedido preferencial de declaração de nulidade total de um contrato ou, subsidiariamente, a revisão de cláusula.
  •  Aspectos importantes do pedido (regime jurídico geral dos aspectos primordiais do pedido): o legislador processual faz exigências técnicas quanto ao pedido frente a uma necessidade própria do processo:
  • O pedido (mediato) deve ser "certo e determinado" - CPC, art. 286, "caput". O que se deseja com isto é evitar a formulação de uma inicial em que o pedido seja tão genérico ou abstrato que impeça, no momento oportuno, a execução do quanto restou decidido. Por isto, como é obvio, o autor deve especificar mais possível sua pretensão perante o juízo. Este requisito do pedido pode sofrer exceções em algumas circunstâncias. Assim, o legislador admite expressamente o denominado "pedido genérico", o qual se caracteriza por uma certa imprecisão. Todavia, são apenas três os casos em que se permite esta exceção: (i) ações universais (inciso I), que se referem às universalidades (CC, art. 90 e 91) frente as quais a precisão pode ser inviável. Ex.: petição de herança, em que o autor não pode propor um pedido líquido e certo, mas reivindica genericamente seu quinhão; (ii) impossibilidade de determinação, de forma definitiva, das consequências do ato ilícito (inciso II), hipótese em que o legislador está se referindo a ações de reparação de dano, notadamente quando se trate de danos morais. Realmente, as indenizações por danos morais não são passíveis de uma quantificação exata desde o início, já estando assentado no campo da doutrina e da jurisprudência o fato da desnecessidade de uma indicação precisa pelo autor sobre o valor estimado, cabendo ao Tribunal fixá-lo segundo apurado na hipótese concreta; (iii) quando o valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu (inciso III), como por exemplo na ação de prestação de contas, onde não se pode quantificar o crédito do autor antes que o réu preste as contas e o Juiz as considere; 
  • O pedido deve ser expresso: é evidente que se deduz do sistema a necessidade de que o pedido seja também expresso, até para se permitir ao réu a possibilidade de ampla defesa, com a afirmação do devido processo legal. Esse preceito traz à discussão, todavia, as possibilidades de existência de pedidos implícitos. Estes, como se sabe, são aqueles não retratados objetivamente na inicial, mas que o Juiz se obriga a reconhecê-los como tal. O exame do CPC, assim como da jurisprudência, admite uma resposta afirmativa para a possibilidade dos pedidos implícitos. O art. 290, por exemplo, se refere claramente à necessidade do reconhecimento da existência de pedido relativo a prestações periódicas, mesmo quando não haja declaração expressa do autor. Assim, em uma ação na qual se discuta a validade de um contrato que implique em prestações periódicas, o autor que busca sua execução tem o seu pedido considerado de modo a abranger não apenas aquelas já vencidas à época da inicial, mas também aquelas que forem se vencendo ao longo do processo, que não poderão deixar de ser consignadas pelos réus. Também o art. 293 faz referência à consideração de pedido implícito relativo a juros de créditos disputados em juízo, de tal modo que mesmo não referidos pelo autor, sobre eles haverá um pedido implícito. A jurisprudência tem evoluído também no sentido de considerar objeto de pedido implícito a atualização monetária de valores.
  • Como já visto, a legislação processual admite a cumulação de pedidos, tal como dispõe o art. 292, mas cabe lembrar que essa alternativa se encontra submetida a alguns requisitos estabelecidos pelo seu §1º. Sobre eles, é preciso dizer:
  • Necessidade de compatibilidade entre os pedidos: não faria sentido, inicialmente, a cumulação de pedidos incompatíveis. Seria absurdo, por exemplo, que o autor cumulasse frente ao réu um pedido de declaração de nulidade de um contrato e, ao mesmo tempo, juntasse um outro pedido exigindo o recebimento dos créditos dele decorrentes;
  • Competência do juízo para apreciação de todos eles: é notória a impossibilidade técnica de que um juízo absolutamente incompetente possa apreciar um certo pedido apenas porque tem competência para conhecimento de outro eventualmente cumulado. Nesse aspecto, não faria sentido o autor pleitear num mesmo processo junto a uma Vara de Família um pedido de divórcio cumulado com outro relativo à cobrança de créditos decorrentes da venda de um imóvel;
  • Adequação do procedimento para a tramitação dos pedidos realizados: sem que haja compatibilidade entre os procedimentos a que os pedidos devem ser submetidos,  não será possível a cumulação. É certo que existe opinião doutrinária quanto a ser esta exigência a de menor importância, até porque o Juiz pode estabelecer o procedimento ordinário, em princípio cabível em quase todas as hipóteses.

e) Valor da Causa

É imprescindível para a petição inicial a atribuição de um valor à causa pelo autor. Segundo o CPC, art. 259, nenhuma causa poderá transitar em juízo sem que a ela se atribua um valor. Assim, mesmo quando o objeto da lide diga respeito a direito personalíssimo e insuscetível de apreciação econômica, o valor à causa deverá ser atribuído. Sua utilidade é notória, pois esse aspecto influi, ou pode influir, na questão relativa à competência, na apuração das custas do processo e em outros fatores não menos relevantes. Os critérios gerais para definição do valor da causa se encontram, todos, no dispositivo do art. 259. Lembra-se, de qualquer modo, que esse item da petição inicial poderá ser impugnado em separado pelo réu, por meio de um incidente previsto no art. 261, que tramitará em autos apartados, mas apensos aos principais.


f) Provas

Não é necessário, no Procedimento Ordinário, requerimentos específicos quanto a meios de prova a serem produzidos no momento da instrução. Basta, assim, um protesto genérico pela produção das provas úteis e indispensáveis, devendo a parte, todavia, juntar os documentos de que disponha desde logo, para a demonstração inicial dos fundamentos de seu pedido (CPC, art. 283).


g) Requerimento de Citação

É imprescindível que o autor formule um requerimento visando à citação do réu, meio processual pelo qual é chamado para vir integrar a relação processual, sendo considerada um pressuposto de existência do processo. Aliás, a eficácia da decisão sobre o réu dependerá exclusivamente de sua citação. Por isso mesmo, a importância do requerimento.



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