terça-feira, 30 de setembro de 2014

19 - Antijuridicidade


1) Introdução

O crime, sob o prisma analítico, pode enfrentar dois entendimentos:
  • Segundo a teoria bipartida, o delito é formato por dois elementos: fato típico e antijuridicidade (ou ilicitude);
  • Para a teoria tripartida, o crime possui três elementos: fato típico, antijuridicidade e culpabilidade.
Antijuridicidade é sinônimo de contrariedade. A doutrina é dividida acerca desse conceito, pois a antijuridicidade pode ser formal ou material:
  • Formal: trata-se da relação de contrariedade entre  o fato e a norma penal; é a violação da norma penal, uma forma de adequação do fato concreto no tipo penal. A rigor, isso não é antijuridicidade, mas do contrário tipicidade, mero enquadramento do fato no tipo, de maneira invertida;
  • Material ou substancial: trata-se da contrariedade entre o fato concreto e o ordenamento jurídico, que lesa ou coloca em perigo de lesão um bem jurídico penalmente protegido. Em outras palavras, é a violação da norma penal com lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico penalmente protegido. 
Apesar da discussão, prevalece uma teoria unitária, segundo a qual a antijuridicidade é material, porque a formal na verdade se confunde com a tipicidade, uma forma de tipicidade invertida.
  • Na análise da antijuridicidade material, se observa além da violação formal da norma, leva-se em conta o contraste entre o fato e os interesses éticos, sociais e morais que dominam uma sociedade em determinada época. Não é antijurídico o fato que está de acordo com esses interesses, ainda que haja uma violação formal da norma. Graças à antijuridicidade material criada pelo penalista alemão Mayer que se permitiu a construção das chamadas causas supralegais de exclusão da antijuridicidade, que são aquelas que não estão previstas na lei, mas concebidas a partir de valores éticos, sociais, etc.

1.2) Terminologia

Apesar de as expressões "injusto", "antijuridicidade" ou "ilicitude" significar a mesma coisa, nosso CP, art. 23, chama de ilicitude, ao descrever as causas de sua exclusão.

O caráter da antijuridicidade é objetivo, significando que a antijuridicidade é uma característica do fato que se mostra contrário ao direito, não se tratando de uma característica da pessoa. Aliás, a norma penal se dirige a todas as pessoas, até aos inimputáveis, posto que eles realizam conduta ilícitas, ou seja, contrária ao Direito, mas serão absolvidos por falta de culpabilidade.

De outra parte, para a teoria subjetiva, existe a afirmação de que só os imputáveis realizam condutas antijurídicas, pois a norma penal não se dirige aos inimputáveis na medida em que eles não a compreendem. Contudo, essa teoria não é aceita, porque imputabilidade figura no CP com dirimente, causa de exclusão da culpabilidade, não funcionando como justificativa (ou justificante), sendo causa de exclusão da antijuridicidade.

A antijuridicidade também pode ser genérica ou específica:
  • Genérica: é aquela que está fora do tipo penal, sendo a regra, como por exemplo o art. 121 - matar alguém;
  • Específica: é aquela mencionada expressamente no tipo legal, sendo a exceção, como ocorre com os arts. 151, 153, 154, 345, etc. Na antijuridicidade específica, prevista dentro do tipo, na verdade é um elemento normativo do tipo. As excludentes de antijuridicidade se transformam em excludentes da tipicidade, isto é, do próprio tipo. Sendo assim, aquele que em estado de necessidade abre correspondência fechada destinada a outrem, será absolvido por falta de tipicidade, pois houve justa causa para o seu ato, como prevê o tipo do art. 151.

2) Causas de Exclusão da Antijuridicidade

São chamadas de justificativas, descriminantes, eximentes ou tipos permissivos. O legislador destacou, no art. 23, as excludentes de antijuridicidade, mas esse rol é meramente exemplificativo, pois há causas excludentes na parte especial do CP, bem como na legislação especial, a exemplo do art. 128, que prevê o aborto necessário feito por médico, ou art. 142, que prevê as imunidades nos crimes contra a honra. 

Além dessas causas previstas em lei, nosso sistema consagra outras, as chamadas causas supralegais de exclusão da antijuridicidade, que são aquelas não previstas em lei, mas admitidas com base na LINDB, arts. 4º e 5º, em que a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito permitem a construção dessas normas permissivas. 
  • Normas permissivas são aquelas que autorizam a prática de um fato típico, podendo surgir das mais diversas fontes, e possuem como fundamento a antijuridicidade material, que exige para sua caracterização a análise da lesão ou perigo de lesão ao bem penalmente protegido. O número é ilimitado, e dentre elas se destacam:
  • Princípio da adequação social ou ação socialmente adequada: cuida-se do princípio que manda excluir do âmbito de incidência do direito penal os fatos praticados de acordo com as normas de cultura do povo, isto é, de acordo com os costumes (ex.: mãe que fura as orelhas da filha, fazer tatuagem, colocar piercing, dia do pendura, etc.). Com relação ao jogo do bicho, há duas posições:
  • Uma primeira afirma que se trata da cultura popular (Defensoria); 
  • Outra (majoritária) afirma que o costume não derroga a lei. Aliás, por trás do jogo do bicho há criminalidade organizada, homicídios, tráfico de drogas, tráfico de armas, ausência de arrecadação tributária, exploração de trabalho escravo, etc.
  • Princípio da insignificância ou crime de bagatela: trata-se do princípio que manda excluir do âmbito de incidência do direito penal as ofensas irrelevantes ao bem jurídico protegido. O Direito Penal é subsidiário, é de intervenção mínima; logo, só será invocado quando os outros ramos do direito mostrarem-se insuficientes para proteger o bem jurídico tutelado. (ex.: furto de uma folha de caderno, peculato de lápis da Administração, etc.). Existe grande divisão acerca dessa matéria: 
  • Para Assis Toledo, os princípios da insignificância e da adequação social excluem a tipicidade material (STF); 
  • Já para Aníbal Bruno, esses dois princípios excluem a antijuridicidade, pois para ele o resultado jurídico não é analisado no fato típico, mas sim na antijuridicidade (Defensoria de SP). 
  • Existe outra discussão acerca da aplicação do princípio da insignificância na lei de tóxicos: 
  • A primeira diz que sim, conforme a quantidade e o uso ou destino do entorpecente (Defensoria); 
  • Outra (majoritária) afirma que não se aplica o princípio da insignificância à Lei nº 11.343/06, pois o delito é contra a incolumidade pública, e qualquer que seja a quantidade da droga coloca em risco a saúde geral. Aliás, por trás do tráfico existe o crime organizado, sonegação fiscal, inúmeros homicídios, tráfico de armas, etc.
  • Princípio do balanço dos bens ou da proporcionalidade: trata-se do princípio que manda excluir do âmbito de aplicação do direito penal a lesão a um bem jurídico com o intuito de preservar outro bem jurídico mais valioso (ex.: acusado injustamente de estupro promove uma interceptação telefônica clandestina na linha da suposta vítima. Durante a interceptação, o acusado descobre tratar-se de uma armação. Ele violou a intimidade da suposta vítima, mas preservou sua dignidade, sua liberdade e até sua vida, ou seja, a intimidade da vítima foi violada para preservar bem maior. Ele não será condenado pela prática dessa interceptação); 
  • Enquanto o estado de necessidade exige uma série de requisitos para ser aplicado, o princípio do balanço contenta-se com apenas um, a proporcionalidade dos bens, e será invocado na ausência dos requisitos do estado de necessidade.
  • Princípio do consentimento do ofendido: no caso de o bem ser indisponível, torna-se irrelevante o consentimento do ofendido, de modo que o agente irá responder pelo crime. De outro lado, se o bem for disponível, de caráter preponderantemente privado, como a honra, o patrimônio, etc., o consentimento do ofendido poderá excluir o delito, desde que preencha alguns requisitos:
  • O consentimento seja dado antes da consumação. Se ocorrer após, haverá perdão;
  • Que a vítima seja maior de 18 anos;
  •  Preenchido esses dois requisitos, o consentimento irá funcionar como uma causa para excluir a antijuridicidade.


1) Estado de Necessidade - arts. 23 e 24

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