quarta-feira, 30 de abril de 2014

03 - Direito Agrário - Terras

3) Terras

3.1) Terras Sujeitas a Redistribuição

A realização da reforma agrária exige a definição sobre as origens das terras a serem redistribuídas em benefício daqueles que carecem do acesso a ela. Inicialmente, sabe-se que as terras devolutas, uma vez submetidas ao processo de discriminação, formam um manancial de terrenos a ser utilizado para essa finalidade. 

A par dessa alternativa, a CF/88 também faz referência, em seu art. 243, às glebas utilizadas indevidamente para o cultivo de plantas das quais derivem substâncias tóxicas, tais como a maconha. Essas glebas ficarão sujeitas a um confisco para posterior redistribuição pelo órgão encarregado de implementação da reforma agrária. 

Finalmente, o Constituinte também se refere, no disposto do art. 184, à possibilidade de desapropriação de propriedades rurais que não cumpram a função social, a fim de que sejam destinadas ao objetivo da reforma agrária. Dessas fontes é que decorrerão as glebas rurais destinadas ao objetivo em estudo.


3.2) Desapropriação para Fins de Reforma Agrária

A desapropriação, que é conceituada na doutrina do Prof. Caio Mário como sendo a hipótese de "mutação compulsória da realidade dominial do imóvel", é um meio de uso frequente com a finalidade da obtenção, pelo Estado, de glebas a serem destinadas à reforma agrária. A autorização normativa para tanto provém inicialmente dos dispositivos dos art. 184 e 185 da CF/88. Nessa medida, apesar da garantia de conservação da propriedade, definida pelo art. 5º, XXII e XXIII, o Estado goza da possibilidade de, em nome do interesse público, excepciona-la através da desapropriação com essa e com outras finalidades.

Historicamente, o Estado brasileiro sempre considerou e buscou viabilizar a desapropriação de áreas rurais para fins de reforma agrária, valendo-se desse expediente mais intensamente após a edição do Estatuto da Terra, já nos anos 1960. Na atualidade, essa questão se encontra melhor regulamentada, tanto pelo texto constitucional referido como no âmbito da legislação federal, especialmente por meio da Lei nº 8.629/93 e pela Lei Complementar 76/93.


3.3) Objeto da Desapropriação para Fins de Reforma Agrária

Segundo o texto constitucional, toda gleba rural que descumpra a função social estará sujeita a desapropriação para fins de reforma agrária. Nesse aspecto, deve se lembrar que a CF/88, art. 186, reúne todos os elementos considerados essenciais para que se conclua que uma dada propriedade rural cumpra efetivamente esse encargo social. Nessa medida, só cumprirão a função social as propriedades rurais submetidas a um aproveitamento racional, com utilização adequada dos recursos naturais e preservação do meio-ambiente, assim como quando haja a observância da legislação trabalhista no tocante aos empregados e uma exploração econômica em benefício dos proprietários e trabalhadores. Em tese, portanto, qualquer propriedade cuja exploração não observe esses fatores essenciais estaria descumprindo a respectiva função social. 

Apesar disto, o Constituinte criou duas exceções à possibilidade de desapropriação para fins de reforma agrária. Estão excluídas da relação de propriedades sujeitas a tanto, as denominadas "propriedades produtivas", tanto quanto as "pequenas e médias propriedades, quando seu titular não possua outra". O dispositivo da CF/88, art. 185, que aponta essas exceções, tem sido objeto de crítica por parte da doutrina, mesmo porquê as exceções representam um volume muito grande de propriedades rurais, reduzindo muito a possibilidade da desapropriação.

De qualquer maneira, o texto constitucional precisa ser cumprido. Aliás, foi editada a Lei nº 8.629/93 com a finalidade de esclarecer os conceitos de propriedade produtiva e pequena ou média propriedade. Dessa maneira, o art. 6º da lei dispõe que a propriedade produtiva é aquela em que haja exploração econômica racional que atinja graus de utilização da terra e de eficiência na exploração conforme os índices fixados por órgãos competentes. Mas, a leitura de seu §1º já permite concluir que terra produtiva é aquela em que há exploração racional de pelo menos 80% de sua área aproveitável, com 100% de aproveitamento e eficiência, considerada a média regional de produtividade.

Relativamente à propriedade produtiva, no entanto, surgiu uma questão relevante, até hoje sob permanente debate. Diz ela respeito à possibilidade de que uma dada propriedade rural seja considerada produtiva, mas lhe falte o atendimento adequado a função social, por se constatar, por exemplo, a falta de cuidado com a preservação do meio-ambiente. Assim, se a propriedade é produtiva, mas não cumpre a função social por ser explorada de modo ofensivo ao meio-ambiente, seria ela passível ou não de desapropriação? Segundo informações colhidas na obra do Prof. Christiano Cassetari, duas posições se opõem em relação ao assunto. 

Uma delas é de autoria do Prof. José Afonso da Silva, de certa maneira compartilhada pelo Prof. Arnaldo Rizzardo segundo a qual esta propriedade não poderia ser submetida a desapropriação para fins de reforma agrária. O fundamento é o de que a CF/88 precisa ser interpretada de modo literal, de tal modo que a propriedade produtiva fica sempre isenta em relação a essa possibilidade.

Uma segunda posição, todavia, foi consagrada no âmbito do STF (MS 22.164/SP), em face da qual o fato de a propriedade ser produtiva não a torna imune à desapropriação, sendo imprescindível uma interpretação harmonizada dos art. 184, 185 e 186 do texto constitucional.

Os conceitos de pequena e média propriedade rural encontram-se assentados no art. 4º da Lei nº 8.629/93. O legislador estabeleceu aí que pequena propriedade é aquela que tenha uma área de até 4 módulos fiscais, enquanto que a média propriedade é aquela com extensão superior a 4 e até a 15 módulos fiscais. Enfatiza-se que essas duas espécies de imóvel rural só não são passíveis de desapropriação se o seu propriedade não possuir outra gleba rural.


3.4) Aspectos Relevantes do Procedimento Expropriatório

a) Competência

Fica bem esclarecido pela Lei nº 8.629/93 que a competência material para a desapropriação com o fim de reforma agrária é exclusivamente da União. Em razão disso, fica excluída qualquer possibilidade de os Estados ou os municípios desapropriarem glebas  para o fim de reforma agrária. Deve ser considerado precedente do STJ nesse sentido, assim como se deve levar em conta opiniões doutrinárias relevantes, como a do Prof. Wellington Pacheco Barros. 

Sob o prisma formal ou administrativo, a competência para tanto é entregue ao INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.


b) Procedimento

A desapropriação na hipótese depende de duas fases distintas, em consonância com a Lei Complementar nº 76/93. 

A primeira fase é puramente administrativa e desenvolvida no âmbito do INCRA por meio de procedimento administrativo próprio. Pode se dizer que essa fase é a da vistoria prévia para aferição das condições da propriedade rural em questão, que culmina com o Decreto Presidencial de desapropriação em razão do interesse social.

É bom frisar que o procedimento que envolve a vistoria prévia tem por objetivo saber se a gleba rural é passível ou não de desapropriação, permitindo-se para isto o ingresso de agentes estatais na área para a devida apreciação. O procedimento, todavia, deve transcorrer sob o signo do contraditório, como reiteradamente decidiu o STF. Assim, o proprietário poderá intervir e defender sua posição antes da emergência do Decreto. Video 26

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