quinta-feira, 24 de abril de 2014

03 - Processo de Conhecimento - Procedimento Comum - Rito Ordinário - Fase Postulatória - Ato do Juiz


I - Procedimento Comum Ordinário

1) Fase Postulatória


1.2) Ato Processual do Juiz - Decisão Preliminar - Negativa (CPC, art. 284 e ss.)

Distribuída a inicial para o juízo competente, a ele caberá a análise preliminar de seus termos, com vistas à tomada de uma decisão relevante para o futuro do processo. Na visão do Prof. Barbosa Moreira e do Prof. Fredie Didier, o Juiz poderá prolatar uma decisão preliminar positiva ou uma decisão preliminar negativa em relação à inicial. Naturalmente, caso se cuide de uma decisão preliminar positiva, a hipótese será de recebimento da inicial. De outra parte, caso se trate de uma decisão preliminar negativa, a hipótese será de rejeição da inicial. 


1.2.1) Decisão Preliminar Negativa

A decisão preliminar negativa, conforme já assentado, é a que dá à inicial um destino anormal ao processo, seja para indeferi-lo frente a razões de ordem processual, seja para rejeitá-lo com uma decisão de mérito.

Indeferimento da Inicial (CPC, art. 295): as possibilidades de indeferimento da decisão judicial podem ser apreciadas a partir de seus fundamentos possíveis. É nessa medida que, ao analisarmos os art. 285-A e 295, constataremos que esta decisão poderá ser fundada em uma razão de mérito ou em uma razão eminentemente processual. Assim, é importante distinguirmos as hipóteses de modo adequado.


a) Indeferimento fundado em matéria exclusivamente processual:
Nessa hipótese de indeferimento, a decisão, que constituirá uma Sentença terminativa, será proferida em virtude das razões apontadas no art. 295, em seus incisos I, II, III, V e VI. São situações de natureza puramente processual, que comprometem, por este motivo, a formação da relação processual legítima. Vale dizer que em parte dessas situações, o Juiz deverá proceder de maneira prudente, evitando a decisão de indeferimento sempre que possível. O dispositivo do art. 284 impõe ao Magistrado a notificação da parte para que "promova a emenda da inicial" sempre que constatado um vício formal. A jurisprudência e a doutrina não apresentam divergência quanto ao caráter obrigatório para o Juiz dessa decisão, a ser imprescindivelmente tomada quando defeituosa a inicial. Assim, o indeferimento apenas virá se a parte, intimada a emedar a inicial, se mantiver omissa em relação a esse dever. São os termos do Parágrafo único do art. 284. A decisão que determina a emenda deve ser suficientemente esclarecedora no ponto sobre o qual pende a irregularidade. São indesejados os despachos lacônicos, do tipo "emende-se a inicial". Hipóteses:
  • Inépcia da inicial (inciso I): trata-se de caso em que a questão a ser levada em conta diz respeito à própria inicial, por seus vícios graves. O Parágrafo único do art. 295 elucida o conceito de inépcia, a qual restará caracterizada nas seguintes situações: (i) falta de pedido ou causa de pedir; (ii) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; (iii) pedido juridicamente impossível; (iv) pedidos incompatíveis entre si. A inépcia é um grave defeito da inicial, não havendo como justificar a ausência de pedido, elemento fundamental para a definição da lide, assim como não há o que justifique a ausência da causa de pedir. Uma petição inicial com narração da causa de pedir não se encontre logicamente conectada com a consequência juridicamente apontada dificultará o exercício da ampla defesa pelo réu, penalizando o justo processo. Os pedidos incompatíveis impedem ou dificultam o regular desenvolvimento do processo, provocando uma situação ilógica que não se compatibiliza com os princípios gerais do processo. Já o pedido juridicamente impossível (pedido expressamente vedado ou implicitamente não permitido), caso admitido, retiraria qualquer utilidade final para o processo.
  • Carência de ação (incisos II e III): ocorre sempre que o autor for parte manifestamente ilegítima, ou quando o réu também puder ser, desde logo assim considerado. Igualmente, caberá decisão do mesmo nível, se carecer o autor de interesse processual, vale dizer, se não houver adequação ou necessidade do provimento pretendido pela inicial. Quanto à ilegitimidade, o art. 295, II, fala em "parte", enquanto que quanto ao interesse, o inciso III fala especificamente no "autor" (a falta de interesse do réu permite o indeferimento, de plano, da inicial, com extinção do processo - pelo art. 267, I - sem chance de emenda);
  • Equívoco na escolha do procedimento correspondente, no valor da causa ou falta de procuração (incisos V e VI): a opção pelo procedimento é feita logo com a inicial. Por vezes, a opção é irremediável de modo que o indeferimento de plano será obrigatório (ex.: inicial perante o juízo determinado pela Lei nº 9.099/95, mas com valor da casa muito superior ao limite nela imposto, salvo renúncia do valor excedente ou conciliação - art.3º, §3º). Todavia, mesmo com a opção equivocada do autor, haverá situações em que o indeferimento não deverá acontecer. Lembre-se que o próprio legislador, no CPC, art. 295, V, determina ao Juiz a adaptação do procedimento sempre que possível (Princípio da Adaptabilidade) a fim de salvaguardar o direito de acesso à justiça. Pode a inicial ser indeferida também quando desatendidas as prescrições do art. 39, Parágrafo único, ou seja, quando o patrono do autor não fizer juntar à inicial a respectiva procuração, nem atender à determinação para tanto.
A decisão que indefere a inicial é uma sentença, de tal modo que o autor terá o direito de recorrer por intermédio de apelação (art. 513 e ss). Nesse caso, o recurso tem "efeito regressivo", já que o legislador confere ao Juiz, no momento da decisão sobre o recebimento do apelo, a possibilidade de retratar-se no prazo de 48 horas. Caso ele se retrate, receberá a inicial e mandará citar o réu. Se não o fizer, manterá a decisão e providenciará a subida dos autos (art. 296, Parágrafo único).

b) Indeferimento fundado em matéria de mérito:

Segundo a doutrina, o processo civil brasileiro admite em três situações a decisão de indeferimento da inicial com fundamento no mérito da causa. A primeira é a que se dá quando o Juiz, nos termos do art. 295, IV, reconhece de plano a prescrição ou a decadência. A segunda ocorre na situação prevista no art. 285-A, relativa a ações repetitivas. A terceira diz respeito à possibilidade aberta pelo art. 739, quando o Juiz pode indeferir de plano embargos à execução manifestamente improcedentes. Detalhe-se as duas primeiras situações:
  • Prescrição ou Decadência (inciso IV): cuida-se de situação em que a decisão de indeferimento será "sentença de mérito", já que assim prevê o art. 269, IV. Esta alteração é recente, e foi feita com o intuito suposto de adaptar as disposições processuais à necessidade de atenção ao Princípio da Duração Razoável do Processo. A doutrina, em geral, critica esta iniciativa do legislador, a exemplo de Didier, Teodoro Jr., Scarpintella, dentre outros. Realmente, é incongruente exigir do Juiz o indeferimento da inicial por esse motivo. Basta conhecer razoavelmente a matéria no âmbito do direito material para se afirmar o exagero da regra. O regime jurídico da prescrição permite a renúncia por parte daquele que por ela é beneficiado, cf. art. 191 do CC, razão pela qual não poderia o Juiz impedir a demanda antes de citar o réu, que por sua vez poderia preferi-la, renunciando aos seus direitos decorrentes da prescrição. Em casos nos quais o direito do réu seja disponível, e já por este motivo, seria inaceitável o indeferimento da inicial. Outrossim, não se pode desconhecer que os art. 190, 191 e ss. do CC tratam de causas que podem impedir, suspender ou interromper o lapso prescricional, as quais podem ser ocultadas pelo autor e desconhecidas do Juiz antes que o réu possa sobre elas se manifestar. Por isto, a determinação é polêmica. Na atualidade, há uma tendência na doutrina em admitir essa decisão em hipóteses restritas, ou seja, apenas em casos de direitos indisponíveis, e quando manifesto o decurso do prazo prescricional;
  • Julgamento de Improcedência de Plano (CPC, art. 285-A): este dispositivo, inserido no CPC pela Lei nº 11.277/06, tem por objetivo permitir solução rápida e eficiente para a hipótese de processos repetitivos em primeiro grau. A estratégia do legislador está clara e diz respeito à permissão para que o Juiz julgue o mérito da causa com base em precedentes do juízo, somente à vista da petição inicial, desde que se trate de hipótese de improcedência. Como se vê, é uma técnica para tratamento de processos repetitivos, tormento permanente do Judiciário brasileiro na atualidade. A possibilidade da improcedência pelo mérito, com base em julgamentos anteriores, é o fundamento do dispositivo. O que se deve enfatizar inicialmente é que os precedentes tomados como base devem ser do juízo (e não do Juiz) além de que há a necessidade de que sejam reiterados. A ideia levada em conta, portanto, é a de que se o juízo julgou improcedente uma determinada questão repetitiva por pelo menos três vezes, então as iniciais calcadas em idêntico fundamento daquelas que deram início às causas anteriormente julgadas devem ser imediatamente apreciadas pelo mérito para terem o mesmo desfecho. Frisa-se  que esta alternativa só existe quando o julgamento tiver de ser de improcedência. Aliás, é bastante razoável que assim seja, já que para se permitir um julgamento que reconheça obrigações do réu, o contraditório seria inevitável, e sua citação obrigatória. Por esta razão, os críticos do art. 285-A nunca obtiveram êxito com a tese da violação do princípio do contraditório como decorrência de sua aplicação. Claramente, essa opinião não resiste a uma análise superficial, já que o julgamento pela improcedência não acarreta ao réu qualquer ônus relevante. A decisão proferida com base neste dispositivo é sentença de mérito, contra a qual cabe apelação, da qual, uma vez interposta, duas situações podem ocorrer: (i) o §1º diz respeito ao efeito regressivo a ele conferido pela lei, de tal modo que o Juiz decisão terá 5 dias para dela retratar-se, recebendo a inicial, ordenando a citação. Assim, e em tese, caso as razões do recurso o convençam de seu eventual equívoco, terá a alternativa de rever-la, substituindo-a pelo Despacho de recebimento; (ii) o §2º prevê a hipótese de o Magistrado, não tendo abalada sua convicção frente as razões recursais, ordenar a citação do réu para oferecimento das contrarrazões (o réu ainda não havia sido chamado ao processo). 

1.2.2) Decisão Preliminar Positiva

Havendo manifestação favorável, pelo Juiz, à regularidade dos atos até aqui praticados pelo autor, passa-se à fase de resposta do réu. Nesta situação, proferirá, o Juiz, o despacho de "cite-se", chamando o réu a compor a relação jurídico-processual.

Com efeito, prevê o art. 263 que considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara. A propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao réu, os efeitos mencionados no art. 219 depois que for validamente citado.

O Prof. Babosa Moreira afirma que afirmar que “a despeito da denominação tradicional, encampada pelo Código (v. art. 285 verbo ´despachará´), o despacho liminar mal se harmoniza, por sua natureza, com o conceito de mero despacho. A lei claramente lhe dá conteúdo decisório, determinando ou permitindo que nele sejam resolvidas várias questões.” E prossegue: “Quando o juiz defere a petição inicial (despacho liminar de conteúdo positivo), estará, pois, praticando ato que mais se aproxima de uma decisão interlocutória que de um despacho de mero expediente (...)".

Ora, se tem conteúdo decisório, poderia, em tese, ser atacável pela via do Agravo de Instrumento.

Entretanto, o posicionamento firmo do STJ é no sentido da ausência de conteúdo decisório nos despachos que ordenam a citação, sendo por isso mesmo irrecorríveis:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
ARTIGOS 2º, 126, 282 E 557 DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
EXECUÇÃO. DESPACHO INICIAL DETERMINANDO A CITAÇÃO DO EXECUTADO PARA SATISFAÇÃO DA OBRIGAÇÃO, SOB PENA DE MULTA. IRRECORRIBILIDADE.
PRECEDENTES. SÚMULA 83 DO STJ.
1. Ausência de prequestionamento de dispositivos de lei tidos por violados. Incidência da Súmula 211 do Supremo Tribunal Federal.
2. O ato do juiz de primeiro grau que determina a citação do executado para satisfação da obrigação não é ato que, no curso do processo, resolve questão incidente. Portanto, não se trata de uma decisão interlocutória, consoante a compreensão que se pode extrair do artigo 162, § 2º, do Código de Processo Civil, sendo portanto, irrecorrível por via do agravo de instrumento. Precedentes.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 1267544/CE, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 06/05/2011)

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