2 - Inquérito Policial
2.1) Conceito
É procedimento persecutório, de caráter administrativo, instaurado pela Polícia Judiciária, no qual são realizados atos investigatórios destinados a apuração da autoria e da materialidade de infrações penais de médio ou de maior potencial ofensivo (penas superiores a 2 anos).
Para apuração de infrações de menor potencial ofensivo (contravenções e crimes com pena máxima menor ou igual a dois anos), o art. 69 da Lei nº 9.099/95 instituiu o Termo Circunstanciado (TC).
2.2) Finalidade
Fornecer ao titular da ação penal os elementos indispensáveis à sua propositura, quais sejam, a demonstração da materialidade e a indicação da autoria.
2.3) Destinatários
Segundo a doutrina, há duas espécies de destinatários:
a) Direto ou Imediato: o titular da ação penal, a saber, o MP nas ações públicas ou o particular nas ações privadas.
b) Indireto ou Mediato: o Juiz, pois no IP encontra-se os elementos de informação de que necessita para receber ou rejeitar a peça inicial, bem como para decretar eventuais medidas cautelares.
2.4) Polícia Judiciária
A função de apuração de infrações por meio de IP tem previsão no CPP, art. 4º, sendo esta a finalidade da Polícia Judiciária (Polícia Civil Estadual e Polícia Federal - Ministério da Justiça). O IP é o meio, é o instrumento de que se vale a PJ para exercer essa função.
PJ não se confunde com Polícia de Segurança, sendo que esta tem natureza preventiva (atua para impedir a ocorrência das infrações penais - PM) e aquela tem natureza repressiva (atua após a prática do crime com o objetivo de investigá-lo - PC ou PF). A Polícia Militar atua também na investigação do crime militar.
O Parágrafo único do art. 4º do CPP apresenta imprecisão oferecendo a palavra "competência" (medida da jurisdição), e o adequado seria "atribuição", e se constata que a PJ não detém exclusividade na investigação, sendo possível que outras autoridades administrativas, a quem por lei sejam acometida a mesma função, poderão investigar infrações penais (ex: CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito; Receita Federal; Banco Central; Corregedorias; CGU; INSS).
Quanto ao poder de investigar do MP, há duas posições na doutrina e na jurisprudência:
1ª) O MP não pode investigar. Argumentos favoráveis a esta posição:
- Ao exercer atividade investigatória, o MP compromete a sua imparcialidade, tornando-se suspeito para a ação penal;
- Não existe previsão constitucional expressa dessa função pelo MP;
- O art. 144, §1º, IV da CF/88, prevê que cabe à Polícia Judiciária exercer "com exclusividade" as funções de polícia judiciária da União. O mesmo ocorre com a Polícia Civil no âmbito Estadual.
2ª) O MP pode e deve investigar. Argumentos favoráveis a esta posição:
- No Processo Penal, o MP é considerado sujeito processual singular. Ao investigar infrações penais, o MP exerce atividade de interesse da sociedade na busca da verdade e promoção da justiça. Ademais, a Súmula nº 234-STJ prevê que a participação do membro do MP na fase investigatória não acarreta impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia;
- A função investigatória do MP está legitimada na CF/88, art. 129, IX, segundo o qual cabe ao MP exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei, desde que compatíveis com sua finalidade. Neste sentido, há a LC nº 75/93 (art. 8º, V) e Lei nº 8.625/93 (art. 26, I, c);
- A expressão "com exclusividade" constante da CF/88, art. 144, §1º, IV, apenas visou excluir a possibilidade que as demais polícias tratadas neste artigo exerçam a função de PJ da União, pois esta é exclusiva da PF;
- O CNMP, visando regulamentar esta atuação, editou a Resolução nº 13/06 disciplinando a instauração e a tramitação PIC - Procedimento Investigatório Criminal.
Obs.:
a) Tratando-se de crime militar, a investigação cabe à própria instituição militar, por meio do IPM, disciplinado no CPPM;
b) Tratando-se de crime praticado por membro da magistratura, a investigação deve ser conduzida por membro do Tribunal ou do Órgão Especial do Tribunal competente para o julgamento do magistrado - LC nº 35/79 - LOMAN, art. 33;
c) Tratando-se de crime praticado por membro do MP, a investigação cabe ao:
- PGJ (Lei nº 8.625/93, art. 41, Parágrafo único - MP Estadual); ou
- Membro do MPU designado pelo PGR (LC nº 75/93, art. 18, Parágrafo único - MPF, MPT, MPM e MPDFT).
2.5) Características do IP
2.5.1) Obrigatoriedade (ou Legalidade, ou Necessidade)
Significa que quando se tratar de crime que se processa mediante ação pública incondicionada, o Delegado de Polícia deve determinar a instauração de inquérito tão logo tome conhecimento da prática delitiva.
2.5.2) Oficiosidade
Sendo a instauração do IP obrigatória, o Delegado deve agir de ofício, ou seja, independentemente de provocação.
2.5.3) Oficialidade
Os atos de persecução realizados no IP são produzidos por um órgão pertencente ao Estado, ou seja, órgão oficial (Delegado).
2.5.4) Autoritariedade
Significa que os atos de investigação são realizados por uma autoridade pública, que é o Delegado de Polícia.
2.5.5) Indisponibilidade
Decorre da obrigatoriedade, significando que uma vez instaurado o IP, a autoridade policial não pode determinar o seu arquivamento. Além disso, a lei prevê prazos para a conclusão do IP, de forma a impedir que fique paralisado.
2.5.6) Escrito
Para que possa atingir sua finalidade (2.2 acima), o IP deve ser escrito - CPP, art. 9º.
2.5.7) Inquisitoriedade
O IP é um procedimento inquisitivo. Esta característica é revelada a partir das seguintes constatações.
a) Os poderes de investigação se concentram nas mãos de uma só pessoa, o Delegado de Polícia;
b) Na condução da investigação, o Delegado age de ofício, isto é, independentemente de provocação. Ao determinar as diligências necessárias, o Delegado age discricionariamente, analisando a oportunidade e a conveniência na realização das diligências. Demonstração dessa discricionariedade é encontrada no CPP, art. 14. Referida discricionariedade, no entanto, não ocorre quando se tratar de requisição de diligência feita pelo Juiz ou pelo MP, conforme CPP, art. 13, II;
c) Não vigoram no IP os princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos na CF/88, art. 5º, LV, os quais só se aplicam no curso da ação penal. A doutrina aponta uma exceção a esta regra, que é o Inquérito para fins de expulsão de estrangeiro, previsto na Lei nº 6.815/80 - Estatuto do Estrangeiro. Isto ocorre porque, embora conduzido por um DPF, referido IP tem natureza de processo administrativo;
d) Não é possível arguir a suspeição da autoridade policial no curso do IP (CPP, art. 107), mas esta deve se declarar suspeita quando ocorrer motivo penal. Se o delegado não o fizer, deve-se buscar a Corregedoria.
A Lei nº 12.830/13, art. 2º, §4º, prevê que a avocação ou a redistribuição de Inquéritos Policiais por superior hierárquico somente é possível mediante despacho fundamentado por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservâncias de procedimentos previstos em regulamento da corporação e que prejudique a eficácia da investigação. Também o §5º deste artigo prevê que a remoção do delegado de polícia deve ocorrer por ato fundamentado.
2.5.8) Sigiloso
O IP é, por característica, sigiloso, diferentemente do processo, que pode ser plena ou restrita. Está prevista no CPP, art. 20. A autoridade policial deve assegurar no IP o sigilo indispensável à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
O sigilo é necessário para que as diligências tendentes a apuração do fato sejam realizadas sem encontrar obstáculos que dificultem ou impeçam a produção das provas. Tal sigilo, no entanto, não pode ser imposto ao Juiz ou ao MP.
Quanto ao advogado, o Estatuto da OAB (art. 7º, XIV) prevê que é direito do advogado, examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos. Em razão disso, foi editada a Súmula Vinculante 14:
É DIREITO DO DEFENSOR, NO INTERESSE DO REPRESENTADO, TER ACESSO AMPLO AOS ELEMENTOS DE PROVA QUE, JÁ DOCUMENTADOS EM PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO REALIZADO POR ÓRGÃO COM COMPETÊNCIA DE POLÍCIA JUDICIÁRIA, DIGAM RESPEITO AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA.
2.6) Dispensabilidade do IP
Uma vez instaurado o IP, a autoridade policial não pode determinar o seu arquivamento (item 2.5.5 acima). O IP, entretanto, não é fase obrigatória da ação penal, pois esta pode ser proposta independentemente da existência de um inquérito. Basta que o titular da ação possua os elementos indispensáveis à sua propositura (indícios de autoria e prova da materialidade).
2.7) Valor probatório do IP
Por se tratar de instrução provisória de caráter inquisitivo, as provas produzidas no bojo do IP têm valor meramente informativo, isto é, servem para a propositura da ação penal. O valor dessas provas é relativo, pois para que possam ser utilizadas para a condenação do réu, precisam ser ratificadas, confirmadas em juízo.
Nesse sentido é o CPP, art. 155, segundo o qual o Juiz deve formar a sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente em elementos de prova colhidos na fase de investigação, ressalvadas as provas cautelares, antecipadas e não repetíveis.
a) Prova cautelar: é aquela que corre risco de perecimento em razão da demora, ou seja, é aquela que se não for realizada desde logo tende a desaparecer (ex.: exame de corpo de delito em hematoma, interceptação telefônica. Nestes casos, o contraditório é diferido, pois em juízo há possibilidade das partes impugnarem o resultado da prova, oferecer contraprova ou esclarecimentos adicionais);
b) Prova antecipada: é aquela produzida perante a autoridade judicial, porém em momento anterior àquele em que seria produzida, em razão de sua relevância e urgência ad perpetuam rei memoriam - CPP, art. 225. Neste caso, o contraditório é efetivo, já que a prova é produzida em juízo, na presença das partes e com a observância do contraditório e ampla defesa;
c) Prova não repetível: é aquela que foi produzida na fase de investigação e que não pode ser reproduzida em juízo (ex.: testemunha ouvida na delegacia e que em seguida morre por causas sem relação com o testemunho).
Há autores que sustentam que, não obstante a previsão legal do art. 155, a prova não repetível não pode ser utilizada exclusivamente para fundamentar a decisão judicial, sob pena de ofensa ao princípio constitucional do contraditório.
2.8) Vícios do IP
Por se tratar de um procedimento informativo, destinado à formação da opinio deliti do titular da ação penal, eventuais vícios ocorridos na fase do IP não acarretam nulidade para a ação penal. Tais vícios podem levar à invalidade do ato em si, mas não geram nulidades processuais (ex.: falta de entrega da nota de culpa ao indiciado preso em flagrante - a falta da entrega deste documento em 24 horas gera tão somente a invalidade da prisão - o APF, o IP e a ação penal não ficam prejudicados).
2.9) Prazo do IP
O prazo está previsto no CPP, art. 10, e varia:
- Se o inciado estiver solto, o prazo é de 30 dias;
- Se estiver preso em razão de prisão preventiva, o prazo é de 10 dias.
Se estiver preso em razão de prisão temporária, o prazo somente fluirá após o término da prisão temporária. Assim, se ao final da prisão temporária o indiciado for colocado em liberdade, o prazo será de 30 dias de sua saída. O prazo da prisão temporária é de 5 dias, prorrogável por mais 5 (se for crime hediondo, 30 dias prorrogável por 30 dias).
Em decorrência de regra especial (Lei nº 5.010/66, art. 66), no âmbito da Justiça Federal, o prazo de conclusão do IP de indiciado preso é de 15 dias, prorrogável por mais 15, a pedido fundamentado da autoridade policial. A lei nada diz sobre o indiciado solto, que segue a regra do CPP.
Em se tratando de indiciado solto, se o Delegado não conseguir concluir a investigação no prazo legal, poderá requerer ao Juiz dilação de prazo para prosseguimento (CPP, art. 10, §3º).
No âmbito da Justiça Federal, foi editada a Resolução nº 69/09 pelo CJF. Referida Resolução estabeleceu a tramitação direta de IP entre a PF e o MPF.
O STF já decidiu que IP iniciado exclusivamente a partir de notitia criminis inqualificada é inconstitucional, fere o princípio constitucional que veda o anonimato na manifestação do pensamento, não se prestando a embasar uma ação penal.
No STF recentemente: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=264428
2.10) Notitia Criminis
Consiste no conhecimento por parte da autoridade policial de um fato aparentemente criminoso.
Consiste no conhecimento por parte da autoridade policial de um fato aparentemente criminoso.
2.10.1) Espécies de Notitia criminis
a) Espontânea: ou cognição imediata, ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento da prática delitiva diretamente, isto é, por meio de suas atividades de rotina (ex.: investigação realizada em outro IP, encontro do corpo de delito, etc.);
b) Provocada: ou cognição mediata, ocorre quando o conhecimento se dá indiretamente, isto é, por intermédio de alguém, ou seja, um meio de comunicação formal;
c) Cognição Coercitiva: ocorre quando o conhecimento a respeito do crime se dá por meio de uma prisão em flagrante;
d) Inqualificada: é o conhecimento que se dá de forma anônima, isto é, sem a identificação do responsável pela informação. Neste caso, a autoridade deve agir com cautela, procurando confirmar a veracidade das informações e, confirmadas, deve agir.
O STF já decidiu que IP iniciado exclusivamente a partir de notitia criminis inqualificada é inconstitucional, fere o princípio constitucional que veda o anonimato na manifestação do pensamento, não se prestando a embasar uma ação penal.
No STF recentemente: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=264428
2.10.2) Delatio Criminis
É a comunicação de um crime levada à autoridade policial, tal como a notitia criminis provocada (item "b" acima). Segundo a doutrina, há duas espécies de delatio criminis:
a) Delatio criminis simples: é a comunicação feita por qualquer pessoa (CPP, art. 5º, §3º);
b) Delatio criminis postulatória: é a comunicação de um crime feita pelo ofendido ou seu representante legal nos casos de crime que se processa mediante ação pública condicionada à representação (art. 5º, §4º).
2.11) Instauração do IP
A instauração varia conforme a espécie de ação penal prevista para o crime a ser investigado. Há três possibilidades.
2.11.1) Ação Penal Pública Incondicionada
Tratando-se de crime que se processa mediante ação penal pública incondicionada, a instauração pode ser
dar das seguintes formas:
a) De ofício, por portaria do Delegado de Polícia (art. 5º, I). Portaria é uma peça singela, na qual a autoridade policial consigna ter tomado conhecimento da prática delitiva, mencionando, se possível, dia, hora e local da ocorrência, o nome da vítima e do suposto criminoso, determinando a instauração do IP;
b) A partir de requisição do Juiz ou do MP (art. 5º, II). Embora não exista subordinação hierárquica entre Juiz, MP e Delegado, diante de um ofício requisitório, o Delegado não pode deixar de instaurar o IP, tendo em vista que se trata de ordem, e como tal deve ser atendida, salvo quando manifestamente ilegal (ex.: apuração de crime prescrito, bis in idem, etc.). O ofício será a peça inicial do IP.
c) A partir de requerimento do ofendido/representante legal (art. 5º, II). O requerimento pode ser escrito ou oral, e deve conter as informações necessárias à apuração do fato. Na hipótese de requerimento oral, deverá ser reduzido a termo. A instauração poderá ser indeferida pela autoridade policial, caso em que o ofendido poderá ingressar com o recurso administrativo previsto no CPP, art. 5º, §2º, dirigido ao "chefe de policia", que segundo a doutrina é, no âmbito estadual, o Secretário de Segurança Pública ou o Delegado Geral de Polícia; no âmbito federal, o Ministro da Justiça ou Superintendente Regional da Polícia Federal. Na prática este recurso é substituído pela comunicação do crime ao MP que, entendendo ser caso, requisita a instauração. O requerimento será a peça inicial do IP.
d) A partir de auto de prisão em flagrante. O APF será a peça inicial do IP.
2.11.2) Ação Penal Pública Condicionada
Tratando-se de crime que se processa mediante Ação Penal Pública Condicionada, a autoridade policial somente poderá instaurar IP se estiver presente a condição, a saber, a representação do ofendido ou de seu representante legal, ou a requisição do Ministro da Justiça.
2.11.3) Ação Penal Privada
Tratando-se de crime que se processa mediante Ação Penal Privada, a autoridade policial somente poderá instaurar IP a requerimento do titular da ação privada (ofendido ou seu representante legal - art. 5º, §5º).
É possível que o flagrante se dê em casos de Ação Pública Condicionada e Ação Privada, desde que esteja presente o requerimento ou a condição. O Delegado contacta a vítima, e sem a condição ou requerimento o auto não poderá ser lavrado.
É a comunicação de um crime levada à autoridade policial, tal como a notitia criminis provocada (item "b" acima). Segundo a doutrina, há duas espécies de delatio criminis:
a) Delatio criminis simples: é a comunicação feita por qualquer pessoa (CPP, art. 5º, §3º);
b) Delatio criminis postulatória: é a comunicação de um crime feita pelo ofendido ou seu representante legal nos casos de crime que se processa mediante ação pública condicionada à representação (art. 5º, §4º).
2.11) Instauração do IP
A instauração varia conforme a espécie de ação penal prevista para o crime a ser investigado. Há três possibilidades.
2.11.1) Ação Penal Pública Incondicionada
Tratando-se de crime que se processa mediante ação penal pública incondicionada, a instauração pode ser
dar das seguintes formas:
a) De ofício, por portaria do Delegado de Polícia (art. 5º, I). Portaria é uma peça singela, na qual a autoridade policial consigna ter tomado conhecimento da prática delitiva, mencionando, se possível, dia, hora e local da ocorrência, o nome da vítima e do suposto criminoso, determinando a instauração do IP;
b) A partir de requisição do Juiz ou do MP (art. 5º, II). Embora não exista subordinação hierárquica entre Juiz, MP e Delegado, diante de um ofício requisitório, o Delegado não pode deixar de instaurar o IP, tendo em vista que se trata de ordem, e como tal deve ser atendida, salvo quando manifestamente ilegal (ex.: apuração de crime prescrito, bis in idem, etc.). O ofício será a peça inicial do IP.
c) A partir de requerimento do ofendido/representante legal (art. 5º, II). O requerimento pode ser escrito ou oral, e deve conter as informações necessárias à apuração do fato. Na hipótese de requerimento oral, deverá ser reduzido a termo. A instauração poderá ser indeferida pela autoridade policial, caso em que o ofendido poderá ingressar com o recurso administrativo previsto no CPP, art. 5º, §2º, dirigido ao "chefe de policia", que segundo a doutrina é, no âmbito estadual, o Secretário de Segurança Pública ou o Delegado Geral de Polícia; no âmbito federal, o Ministro da Justiça ou Superintendente Regional da Polícia Federal. Na prática este recurso é substituído pela comunicação do crime ao MP que, entendendo ser caso, requisita a instauração. O requerimento será a peça inicial do IP.
d) A partir de auto de prisão em flagrante. O APF será a peça inicial do IP.
2.11.2) Ação Penal Pública Condicionada
Tratando-se de crime que se processa mediante Ação Penal Pública Condicionada, a autoridade policial somente poderá instaurar IP se estiver presente a condição, a saber, a representação do ofendido ou de seu representante legal, ou a requisição do Ministro da Justiça.
2.11.3) Ação Penal Privada
Tratando-se de crime que se processa mediante Ação Penal Privada, a autoridade policial somente poderá instaurar IP a requerimento do titular da ação privada (ofendido ou seu representante legal - art. 5º, §5º).
É possível que o flagrante se dê em casos de Ação Pública Condicionada e Ação Privada, desde que esteja presente o requerimento ou a condição. O Delegado contacta a vítima, e sem a condição ou requerimento o auto não poderá ser lavrado.
2.12) Procedimento do IP
Previsto no CPP, art. 6º e 7º.
A doutrina distingue 4 etapas de procedimento:
2.12.1) Atos Iniciais
Previstos no art. 6º, incisos I, II e III.
Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;
III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
2.12.2) Atos Instrutórios
Previstos nos incisos IV, VI e VII.
IV - ouvir o ofendido;
VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;
VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;
A autoridade deverá ouvir o ofendido, e também as testemunhas (apesar da omissão do legislador). Se não comparecerem à Delegacia sem justo motivo, estarão sujeitos à condução coercitiva (CPP, art. 260). É dever das testemunhas prestar depoimento verdadeiro, sob pena de incorrerem no crime de falso testemunho, inclusive se omitirem.
O reconhecimento de pessoa e coisa cabe quando houverem pessoas e coisas para serem reconhecidas; a acareação cabe em caso de divergência de versões, tudo para se tentar dirimir dúvidas.
O exame de corpo de delito é indispensável quando a infração deixar vestígio (delitos não transeuntes - não passa, fica, deixa vestígio), pois é ele que atesta a materialidade do crime (CPP, art. 158), e a confissão do acusado não a supre. O delito que não deixa vestígio é o transeunte. Nestes casos, o Delegado deve determinar a realização do exame. O CPP, art. 184, também afirma que a autoridade policial ou judicial não pode negar a realização do exame de corpo de delito, mas as demais perícias podem ter sua realização indeferida quando não forem necessárias ao esclarecimento do fato.
O art. 167 dispõe que não sendo possível a realização do exame, por haverem desaparecidos os vestígios do crime, a prova testemunhal poderá suprir a falta do corpo de delito (ex.: caso do goleiro).
O art. 7º trata da reprodução simulada dos fatos, também conhecida como reconstituição do crime. Trata-se de medida facultativa, que será realizada a critério da autoridade. Todavia, há limitações, pois não deve ser realizada quando atentar contra a moralidade ou a ordem pública.
O indiciado, chamado para a reconstituição do crime, pode se negar a participar da reconstituição, em razão do princípio que veda a autoincriminação (nemo tenetur se detegere).
2.12.3) Atos de Indiciamento e Interrogatório
Previstos no art. 6º, V, VIII e IX
V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura;
VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;
IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.
a) Indiciamento
É o ato pelo qual a autoridade policial, entendendo convergirem sobre o suspeito os indícios suficientes de autoria, o qualifica, interroga e colhe dados de vida pregressa. Ocorre quando estiverem presentes os indícios razoáveis de autoria. Trata-se de ato vinculado, pois presentes os indícios razoáveis, a autoridade deve proceder ao indiciamento.
De acordo com a Lei nº 12.830/2013, art. 2º, §6º, o indiciamento, que é ato privativo do Delegado de Polícia, devendo se dar por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, a materialidade e suas circunstâncias.
Se notificado para fins de indiciamento, o investigado deixar de comparecer sem justo motivo, poderá ser conduzido coercitivamente. Se, por outro lado, não for localizado, a autoridade procederá ao indiciamento indireto.
b) Interrogatório, Identificação e Antecedentes
O termo só se aplica a indiciado ou acusado (a testemunha é depoente). Neste momento, o indiciado deve ser advertido de que tem o direito de permanecer em silêncio, e que não está obrigado a responder às perguntas que não forem feitas (CF/88, art. 5º, LXII).
De acordo com o CPP, art. 6º, V, devem ser observadas neste momento, no que for aplicável, as regras que tratam do interrogatório em juízo. Assim, por exemplo, no interrogatório policial, a presença do defensor é facultativa, enquanto que no judicial é obrigatória. Se chamado para fins de interrogatório e não comparecer, é possível condução coercitiva.
O art. 6º, inciso VIII, prevê que devem ser juntadas as folhas de antecedentes e também a necessidade de identificação criminal pelo processo datiloscópico, se possível.
A CF/88, art. 5º, LVIII prevê que o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nos casos previstos em lei. Isto quer dizer que se o sujeito estiver portando documento de identificação civil, não será submetido a identificação criminal. Não sendo civilmente identificado, será submetido à identificação. Além disso, a Constituição previu que a lei poderá estabelecer casos de identificação criminal, mesmo para o civilmente identificado.
A Lei nº 12.037/2009 prevê quais são os documentos que se prestam a atestar a identidade civil. Prevê também os casos em que a identificação deve ocorrer: documento rasurado ou adulterado ou insuficiente para a identificação civil (foto antiga, vários documentos, etc.).
São formas de identificação criminal os processos datiloscópico, fotográfico e do perfil genético (este último mediante decisão judicial fundamentada).
De acordo com o art. 5º-A, §2º, os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos têm caráter sigiloso, devendo responder civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos na lei ou na decisão judicial. A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento expedido pelo Poder Executivo - Decreto nº 7.950/2013, tendo sido criado no âmbito do Ministério da Justiça o "Banco Nacional de Perfis Genéticos" e a "Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos".
Se o sujeito se negar a se submeter à coleta dactiloscópicas, fotografia ou de perfil genético, será conduzido coercitivamente (a identificação será colhida com o uso da força necessária), e o agente será responsabilizado por crime desobediência.
Obs.: A revogada Lei nº 9.034/95 previa mais uma hipótese de identificação obrigatória do agente envolvido com organizações criminosas.
Finalmente, o art. 6º, IX, prevê que a autoridade policial deverá averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista familiar, social e individual, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes, durante e depois do crime, bem como outros elementos que permitam apreciar seu temperamento e caráter. Tais informações poderão ser utilizadas pelo Juiz por ocasião de fixação da pena base no que se refere às circunstâncias da personalidade e conduta social.
2.12.4) Ato de Encerramento do IP
Concluídas as investigações, a autoridade policial deverá elaborar minucioso relatório do que foi apurado, remetendo os autos ao Juiz competente (CPP, art. 10, §1º). Nesse relatório, o Delegado não deve expender julgamentos ou juízos valorativos. Caso se exceda, os termos serão considerados não escritos.
2.12.5) Ocorrências Possíveis após o Encerramento do IP
As ocorrências variam conforme se trate de crime que se processa mediante Ação Privada ou Pública.
a) Crimes de Ação Privada
Os autos ficarão aguardando a iniciativa do titular da Ação Privada (ofendido ou representante legal), que poderá oferecer queixa no prazo de 6 meses contados do conhecimento da autoria (CPP, art. 38 c/c 19). Este prazo de 6 meses não é suspenso nem interrompido pela instauração do IP. Trata-se de prazo peremptório, e findo, ocorrerá decadência com extinção da punibilidade. Trata-se de prazo penal material (conta o dia do início e não conta o do vencimento, sem prorrogação em razão de feriado ou fim de semana).
b) Crimes de Ação Pública
Os autos serão remetidos ao MP, que poderá:
- (i) Requerer o arquivamento: se, analisando as provas produzidas, o MP não formar a sua convicção a respeito da existência do crime ou da presença dos indícios suficientes de autoria, formulará pedido de arquivamento do IP, fundamentadamente. Será submetido ao Juiz, que poderá:
- Concordar: neste caso, por Decisão irrecorrível, ordenará o arquivamento do IP. Excepcionalmente, nos crimes contra a economia popular e a saúde pública - Lei nº 1.521/51 - é previsto um "recurso de ofício", ou reexame necessário ou duplo grau obrigatório. Este arquivamento não gera preclusão, isto é, não impede que, surgindo novas provas, o IP seja desarquivado, e que, com base nele, a ação seja proposta (CPP, art. 18 e Súmula 524-STF - ARQUIVADO O INQUÉRITO POLICIAL, POR DESPACHO DO JUIZ, A REQUERIMENTO DO PROMOTOR DE JUSTIÇA, NÃO PODE A AÇÃO PENAL SER INICIADA, SEM NOVAS PROVAS.). A jurisprudência aponta alguns casos em que o arquivamento gera preclusão, obstando o desarquivamento do IP: quando o fundamento do arquivamento for a extinção da punibilidade, como prescrição; ou a atipicidade do fato; ou a presença de causa excludente de ilicitude, como legítima defesa;
- Discordar: se, por outro lado, o Juiz discordar do pedido de arquivamento, deverá agir em conformidade com o art. 28, isto é, remeterá os autos ao Procurador-Geral do MP (ou a Câmara de Coordenação e Revisão do MPF - LC nº 75/93, art. 62, IV), que por sua vez poderá:
- Oferecer ele próprio a denúncia;
- Designar outro membro do MP para oferece-la, para preservação da independência funcional, a liberdade de convicção do parquet. Este membro designado não pode se negar a fazê-lo, uma vez que é mero longa manus do Procurador-Geral, não agindo em nome próprio. Se o Procurador-Geral entender ser caso de prosseguir na investigação, designará outro membro para que o faça, ao final da qual concluirá se é caso ou não de oferecer a denúncia, aplicando-se novamente o art. 28 caso requeira o arquivamento;
- Insistir no arquivamento, caso em que o Juiz deve acatar.
Obs.: o Juiz não pode arquivar IP de ofício; se o fizer, cabe correição parcial. Também é caso de correição caso o próprio Juiz remeta os autos à Delegacia para realização de diligências que ele próprio indicar (error in procedendo);
- (ii) Oferecer denúncia: se, analisando a prova produzida, o MP se convencer da existência do crime (materialidade, bem como da presença dos indícios suficientes de autoria), oferecerá denúncia, que se fará acompanhar do IP, o qual lhe dá sustentação;
- (iii) Requerer retorno à Delegacia para a realização de diligências imprescindíveis ao oferecimento da denúncia (CPP, art. 16): o MP formulará pedido para retorno do IP à polícia, indicando quais são as diligências necessárias. O Juiz não pode indeferir a remessa à polícia, sob pena de correição parcial. Se, porém, entender que o Promotor está com desídia (ou a diligência não é imprescindível), poderá aplicar o art. 28 (remessa ao Procurador-Geral ou CCR);
- (iv) Requerer o envio ao juízo competente: Se ao receber o IP, o MP entender que o juízo que recebeu por distribuição não é competente para julgar os fatos apurados, formulará pedido para envio do IP ao juízo competente. Se o Juiz entender ser competente, discordando do MP, deverá aplicar por analogia o art. 28. É o que se denomina "arquivamento indireto". Na prática, porém, é comum que o Juiz proceda a remessa do processo, tal como requerido, deixando consignado na sua decisão porque entende ser competente, requerendo ao outro Juízo que, caso entenda ser competente também, suscite conflito o conflito positivo de competência, a ser dirimido pelo Tribunal.
Ex.: Falsificação de moeda, em regra, é crime federal. Porém, confira-se a Súmula nº 73-STJ - A utilização de papel moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, da competência da justiça estadual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário