quarta-feira, 9 de abril de 2014

03 - Direito Civil 2 - Obrigações - Transmissão

Transmissão das Obrigações

1) Cessão de Crédito

É a "venda de direitos". É o negócio jurídico pelo qual o credor transfere a um terceiro o seu direito subjetivo. O credor é o cedente. O terceiro que adquire o crédito é o cessionário. O devedor é o cedido. 

Trata-se de um negócio entre o credor e o terceiro, que dispensa a anuência do devedor. Todavia, o devedor deve ser notificado da cessão para que ela seja eficaz perante ele. Antes desta notificação, é válido o pagamento feito pelo devedor ao antigo credor (cedente). Após esta notificação, só é válido o pagamento ao cessionário. A notificação do devedor é requisito de eficácia, e não requisito de validade do negócio. Se o devedor é notificado de mais de uma cessão, deve pagar ao cessionário que lhe apresentar o título da obrigação, salvo se a obrigação constar em instrumento público, caso em que o devedor deve pagar ao cessionário que primeiro lhe notificou.

Para ser eficaz, a cessão de crédito dispensa registro no cartório de títulos e documentos, mas a cessão de crédito garantida por hipoteca só será eficaz perante terceiros após averbada no registro de imóveis. A eficácia perante o devedor se dá com a simples notificação.

A cessão de crédito pode ser onerosa ou gratuita, bem como total ou parcial. É um negócio jurídico consensual, isto é, forma-se com o acordo de vontades, antes mesmo da entrega do título;

  • Exceção: cessão de título de crédito é um negócio jurídico real, isto é, para se formar não basta o acordo de vontades, sendo preciso a entrega do título, por força do Princípio da Cartularidade.

1.1) Objeto da Cessão

Em regra, é possível ceder qualquer crédito - direito subjetivo patrimonial (ex.: créditos tributários, direito de mover ação de indenização por ato ilícito). O crédito pode ser cedido antes do vencimento, e também pode ser cedido ainda que não conste de documento.

Não admitem cessão os seguintes créditos:

  • Créditos cuja lei ou contrato proíbem a cessão (ex.: direito real de usufruto, uso e habitação);
  • Salário;
  • Direito de preferência na compra de bem - CC, art. 520; 
  • Créditos personalíssimos, como alimentos (salvo os atrasados), direito de propor ação trabalhista ou de acidente de trabalho (salvo quanto aos atrasados).

1.2) Forma da Cessão

A lei não prevê forma especial. Logo, a forma é livre. Exceções:

  • Cessão de direito hereditário, que exige escritura pública ou por termo nos autos do inventário; 
  • Cessão de crédito hipotecário ou de outro direito real sobre imóvel, que exige escritura pública. 
Nesse exemplos, além da escritura pública, é necessária a autorização do cônjuge do cedente, salvo se for casado em regime de separação de bens.


1.3) Pessoas Impedidas de Adquirir Crédito

Tutor ou curador, em relação aos créditos do pupilo ou do curatelado. Testamenteiro não pode adquirir créditos da herança. Administrador não pode adquirir crédito que administra, etc.

Nas mesmas hipóteses que se proíbe compra, venda ou doação, proíbe-se também a cessão onerosa ou gratuita, pois aplica-se à cessão onerosa as regras da compra e venda, e à cessão gratuita, as regras da doação.

  • Venda e doação recaem sobre bens corpóreos, isto é, que têm existência física. Cessão de crédito recai sobre bem incorpóreo, isto é, sobre um direito. 

1.4) Defesa ou Exceções

Ao ser cobrado pelo cessionário, o devedor pode alegar as exceções (defesas) pessoais que tinha contra o antigo credor, como por exemplo compensação, erro, dolo, coação ou outra nulidade relativa, novação, transação, pagamento, etc.?

  • Depende: se o devedor, ao ser notificado da cessão, contranotificou o cessionário, alertando-o dessas defesas pessoais, poderá então argui-las contra o cessionário. Se o devedor foi notificado, mas não contranotificou, preclui o direito de alegar essas defesas pessoais;
  • As exceções comuns como prescrição, nulidade absoluta, falsidade, etc., poderão ser alegadas pelo devedor ao cessionário, mesmo sem ter contranotificado.

1.5) Espécies de Cessão

a) Cessão pro soluto: o cedente responde perante o cessionário apenas pela existência do título, isto é, se o título for nulo ou falso, ele tem que indenizar, mas ele não responde pela solvência do devedor, isto é, pelo pagamento. Se a cessão for gratuita, o cedente não responde nem pela existência do título, salvo se agiu de má-fé (dolo).

b) Cessão pro solvendo: o cedente responde perante o cessionário pela existência do título e pela solvência do devedor, isto é, se o devedor for insolvente, o cedente tem que efetuar o pagamento (o cedente figura como "garante"). Esta cessão depende de cláusula expressa, pois em regra a cessão é pro soluto.

  • O avalista responde por toda a dívida, ainda que o devedor seja solvente (o avalista é devedor solidário, diferentemente do fiador que é devedor subsidiário);
  • O cedente pro solvendo responde só pelo valor da cessão, e não pelo valor do título, e só responde se o devedor for insolvente (como o fiador).
  • É possível ceder crédito penhorado? Se o credor foi notificado da penhora, ele não pode ceder este crédito - CC, art. 298. Se ele ainda não foi notificado, pode ceder, salvo se ele for insolvente.

c) Diferença entre endosso e cessão de crédito: ambos são atos que transferem o crédito:

  • O endosso só é possível para título de crédito, e deve ser lançado no próprio título (Princípio da Literalidade) - é nulo endossar fora do título, mesmo que seja por escritura pública. A cessão de crédito pode ser para título de créditos e também para outros créditos, e pode ser lançado no título ou em documento separado;
  • O endossante, em regra, responde pela existência do título e pelo pagamento (é devedor solidário). O cedente, em regra, só responde pela existência do título;
  • O endosso não precisa ser comunicado ao devedor. A cessão de crédito exige tal notificação;
  • O endossante responde pela existência do título e pagamento perante todos os endossatários posteriores a ele, e não apenas perante aquele endossatário a quem ele endossou. O cedente responde só pela existência e ainda assim apenas perante o seu cessionário, e não perante outros cessionários posteriores (Princípio da Relatividade dos Contratos).
Há dois tipos de endosso que geram efeitos de cessão civil de crédito (e não de endosso propriamente):

  • Endosso de título de crédito que tenha cláusula "não a ordem"; 
  • Endosso póstumo ou tardio, feito após o protesto do título ou após o decurso do prazo para o protesto. 
Nesses dois endossos, o endossante responde só pela existência do título (somente perante o seu endossatário - e não perante os posteriores), e não responde pelo pagamento. Por isso têm efeitos de cessão de crédito.


2) Assunção de Dívida (Cessão de Débito)

É o fato de um terceiro assumir a responsabilidade pelo pagamento de dívida alheia, mediante concordância do credor.

  • É a mesma obrigação, e não uma nova dívida;
  • É um caso de substituição do devedor;
  • Sempre é necessária a concordância do credor. Sem a concordância do credor, o negócio não é assunção de dívida;
  • Se um terceiro assume a dívida com a concordância do devedor, mas sem a anuência do credor, o negócio se chama "promessa de liberação", ou "acolação". Neste caso, o credor não pode mover ação contra o terceiro, pois não há vínculo entre eles. O negócio é válido apenas entre o devedor e o terceiro.


2.1) Espécies de Assunção de Divida

a) Expromissão: é a assunção de dívida feita sem o consentimento do devedor;

b) Delegação: é a assunção de dívida feita com o consentimento do devedor.


  • As garantias dadas pelo antigo devedor (penhor, hipoteca, anticrese, etc.), feita a assunção de dívida sem o consentimento do devedor - expromissão - a dívida com novo devedor fica sem essas garantias, as quais são extintas.Se o antigo devedor concordou - delegação - persistem essas garantias para o credor;
  • Quanto às garantias dadas por terceiros (fiança, hipoteca, etc.), se o terceiro concordou com a assunção de dívida, persistem as garantias que ele deu, mas se ele não concordou, extinguem-se essas garantias;
  • No silêncio, a assunção de dívida, seja por delegação ou expromissão, é liberatória ou privativa, isto é, o antigo devedor é liberado da obrigação, salvo se o novo devedor for insolvente, e o credor ignorava este fato.


2.2) Assunção de Dívida Cumulativa (ou de reforço, ou simples)

É aquela em que o antigo devedor continua responsável pela dívida, juntamente com o novo devedor. Só é possível mediante cláusula expressa. A lei silencia sobre serem eles devedores solidários:
  • 1ª corrente: não são solidários, pois solidariedade não se presume;
  • 2ª corrente: sim, pois ambos respondem pela dívida toda.
A importância dessa discussão é o direito de regresso, pois se for solidária, quem pagar tem direito de regresso; se não for solidária, não há direito de regresso.

Na assunção de dívida cumulativa, o terceiro que é cobrado judicialmente não tem benefício de ordem, isto é, direito de que primeiro sejam excutidos bens do antigo devedor, e vice-versa;

  • O fiador tem benefício de ordem, pois responde por dívida alheia;
  • Na assunção, a dívida não é alheia, passando a ser de quem a assumiu.

Terceiro desejando assumir dívida alheia notifica o devedor solicitando-lhe a concordância em certo prazo. Se o credor silenciar, não se realiza a assunção de dívida, pois jurídica e tecnicamente, quem cala não consente.

  • Exceção: notificação feita pelo terceiro que adquiriu imóvel hipotecado que garantia a dívida. Se o credor não responder em 30 (trinta) dias, presume-se que concordou com a assunção da dívida - CC, art. 303.


2.3) Anulação da Assunção de Dívida

Se o novo devedor for doente mental, coagido, etc., em suma, se a assunção de dívida for anulada por alguma razão, volta a valer as obrigações do antigo devedor que havia sido liberado, inclusive com as garantias que ele havia oferecido, e que haviam sido extintas com a assunção de dívida. Ressurge o débito para o devedor, com as garantias que haviam sido dadas.

Todavia, as garantias dadas por terceiro (fiança, aval, hipoteca, etc.), e que haviam sido extintas com a assunção de dívida, continuam extintas (não se restauram), salvo se o terceiro tinha ciência do vício que anulou o negócio - art. 301.


2.4) Defesa ou Exceções

O novo devedor, ao ser cobrado, pode alegar:

a) Exceções comuns: prescrição, nulidade absoluta, invalidade do título, etc.

b) Exceções pessoais entre ele e o credor: compensação (o credor o deve), coação, enganado, etc.

  • O novo devedor não pode alegar as exceções pessoais que o antigo devedor tinha perante o credor: dizer que o credor devia para o antigo devedor (são pessoais), nulidades relativas, coação do antigo devedor, nada envolvendo o antigo devedor - art. 302.



3) Cessão de Contrato

É a transferência integral de todos os direitos e obrigações da relação contratual para uma determinada pessoa. Não é prevista no Código Civil, mas é possível com base no Princípio da Autonomia da Vontade.


3.1) Distinções

a) Cessão de crédito: é a transferência exclusiva do crédito, isto é, dos direitos patrimoniais;

b) Assunção de dívida: é a transferência exclusiva do débito, isto é, das obrigações patrimoniais;

c) Cessão de contrato: é a transferência simultânea do crédito e do débito, isto é, dos direitos e obrigações.


3.2) Requisitos

a) Concordância do credor;

b) Acordo entre o cedente e o terceiro (cessionário).

  • Excepcionalmente, na cessão de compromisso de compra e venda de imóvel loteado, dispensa-se a concordância do credor (loteador) - Lei nº 6.766/79.


3.3) Objeto

Qualquer contrato bilateral não personalíssimo em que ainda restam direitos e obrigações para o cedente.

  • Contratos bilaterais: ambas as partes tem direitos e obrigações (ex.: compra e venda, locação, permuta, etc.).

A partir do momento que a parte cumpriu todas as suas obrigações, restando-lhe apenas direitos, a eventual cessão será de crédito (e não de contrato).

  • Se o cedente não tinha mais direitos, mas apenas obrigações, o negócio será assunção de dívida se o credor concordou, ou promessa de liberação (acolação) se o credor não concordou;


  • Contratos unilaterais: são aqueles que se formam com direitos exclusivos para uma das partes, enquanto a outra só tem obrigações (ex.: doação pura, comodato, mútuo, etc.). Os contratos unilaterais não podem ser objeto de cessão de contrato, e eventual transmissão será cessão de crédito ou assunção de dívida, conforme seja a cessão de direitos ou obrigações.


Contratos personalíssimos: só podem ser cumpridos pessoalmente pelo devedor (ex.: obrigação de fazer infungível). Neles não se admite cessão de contrato, de crédito ou assunção de dívida.

Contrato com pessoa a declarar - CC, art. 468: é o celebrado dando a uma das partes o direito de indicar um terceiro para lhe substituir num negócio. Se a substituição da parte é acordada após a celebração do contrato, o negócio é cessão de contrato; se a substituição é acordada no ato da celebração, é contrato de pessoa a declarar.



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