quarta-feira, 3 de setembro de 2014

04 - Direitos Humanos Internacionais



1) Direitos Humanos X Direitos Fundamentais

Direitos Fundamentais são direitos reconhecidos no plano interno de uma Constituição. Direitos Humanos são reconhecidos no plano internacional.

A diferença de positivação (internos e internacional) leva a uma outra positivação, que é a da proteção desses direitos. É dizer que os direitos reconhecidos como fundamentais devem contar com a proteção pelo ordenamento jurídico interno (chamados de Garantias Fundamentais), ao passo que os direitos tidos como humanos devem contar com a proteção internacional (Justiça Internacional).

De forma geral, a justiça internacional dos direitos humanos será subsidiária à justiça interna, atuando também quando esta justiça interna falhar ou for negligente (falência das instituições internas), tal como ocorre nos casos da Corte Interamericana de Direitos Humanos, do Tribunal Penal Internacional, etc.

Finalmente, o acesso por parte do indivíduo à proteção é maior quando se trata de proteção interna. Em geral, não se recorre à Justiça Internacional antes de se procurar a Justiça Interna.

Este estudo se refere à proteção dos Direitos Humanos no plano internacional. 


2) Previsão na CF/88 acerca dos Direitos Humanos

2.1) Dignidade da Pessoa Humana - art. 1º, III.

A dignidade da pessoa humana, como um fundamento da República, não se relaciona apenas aos direitos humanos, mas é uma premissa que embasa o reconhecimento dos direitos internacionais no plano interno.


2.2) Prevalência dos Direitos Humanos - art. 4º, II

A Constituição, aqui, utiliza a expressão "direitos humanos", sendo este um dos princípios que regem as relações internacionais. 

A prevalência dos direitos humanos "universais" sobre os direitos fundamentais positivados em uma Constituição resulta na mitigação, por exemplo, da soberania do Estado, em que as normas internacionais deverão prevalecer sobre as normas internas (ex.: punição de adultério no Estado Islâmico - morte por apedrejamento - fere o direito à vida e a proporcionalidade da pena, segundo os padrões da cultura ocidental - para se harmonizar com os direitos humanos dos países ocidentais, os países de confissão islâmica teriam que abrir mão de parte de sua soberania).


2.3) Incorporação dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos - art. 5º, §3º

a) Etapas:
  • Celebração do Tratado Internacional (elaboração ou adesão);
  • Aprovação pelo Legislativo, por meio de Decreto Legislativo - art. 49, I
  • Regra geral: aprovação por maioria simples ou relativa, isto é, maioria dos presentes, os quais devem ser em número igual à maioria absoluta (ex.: casa com 513 membros, a maioria absoluta deve estar presente = 257, a qual vai votar por maioria simples = 129 votos) - art. 47; 
  • Regra específica: aprovação por 3/5 dos votos dos membros da casa, em 2 votações cada casa - art. 5º, §3º (ex.: casa com 513 membros, ( /5) x3 = 308 votos) - art. 60, §2º;
  • Neste último caso, o Tratado não será uma Emenda, sendo apenas equivalente. 
  • Manifestação pelo Presidente da República:
  • Plano Internacional: Ratificação (depósito do documento aprovado pelo Legislativo);
  • Plano Interno: Decreto, conforme a tradição do direito brasileiro, que segue um paralelo do processo legislativo ordinário (não há previsão específica deste Decreto), que apresenta 3 efeitos:
  • Promulgação; 
  • Publicação Oficial de seu texto; 
  • Executoriedade (vinculando e obrigando no plano do direito positivo interno);
Ressalte-se, entretanto, que as Emendas Constitucionais propriamente ditas não dependem de promulgação pelo Presidente da República, pois são promulgados pelas mesas das Casas. Em que pese essa discrepância, no que se refere à incorporação dos Tratados Internacionais, o Brasil mantém essa tradição de se promulgar via Presidente da República.

b) Status Normativo do Tratado Incorporado

Sendo submetidos, os Tratados, ao mesmo processo das Leis Ordinárias (vez que é Decreto Legislativo), são considerados como Leis Ordinárias (paridade normativa). Este foi o primeiro posicionamento do STF, após 1988. 

O Pacto de San Jose da Costa Rica foi incorporado ao nosso ordenamento jurídico em 1992, passando a dizer que não se admite a prisão civil por dívida, salvo no caso do devedor de alimentos. A CF/88, art. 5º, LXVII diz a mesma coisa, mas inclui ainda a prisão do depositário infiel - que inclusive contava com a respectiva regulamentação legal.

Estando-se, pois, diante de uma antinomia (Tratados e Leis com a mesma força normativa), o STF entendeu que a regulamentação interna era mais específica (o Tratado é norma geral), mantendo a prisão civil do depositário infiel. 

Com o surgimento da EC nº 45/04 (Reforma do Poder Judiciário), inserindo o §3º ao art. 5º, passou-se a admitir que os novos Tratados, uma vez submetidos ao processo legislativo das Emendas, a elas equivaleriam. Prevaleceu, ainda, o entendimento de que nem todos os Tratados deveriam ser submetidos àquele processo legislativo.

Quanto aos Tratados anteriores a 2004, prevaleceu o entendimento de que eles seriam automaticamente recepcionados pela EC nº 45, mesmo que não tivessem passado por processo legislativo das Emendas (tal como aconteceu com o CTN, recepcionado como LC).

Por outro lado, havia uma corrente no sentido de que os Tratados antigos deveriam ser submetidos ao quorum qualificado das Emendas.

O STF, ao decidir a questão, levando em conta não apenas a prevalência dos direitos humanos sobre os direitos fundamentais, mas até mesma a posição topográfica dos direitos fundamentais antes da organização do Estado, entendeu, em tese encabeçada pelo Min. Gilmar Mendes, que esses Tratados (de DH apenas) teriam posição supralegal (acima da legislação ordinária), mas infraconstitucional (não foram incorporados pelo procedimento próprio das Emendas - estão abaixo da Constituição). Portanto, atualmente, os TDH têm o seguinte status normativo:
  • Status constitucional: se incorporado na forma do art. 5º, §3º;
  • Status supralegal infraconstitucional: se não foram incorporados na forma do art. 5º, §3º.
Assim, o PSJCR, que é de TDH, passou a ser considerado como detentor do status supralegal infraconstitucional, capaz de suspender a eficácia da lei que esteja abaixo na hierarquia.
  • Status legal: os demais Tratados (que não são de Direitos Humanos), têm paridade normativa com as Leis Ordinárias.
O raciocínio não está concluído, pois a prisão do depositário infiel está prevista na Constituição de 1988, acima do PSJCR. A questão é que a prisão de depositário infiel não é direito fundamental - é uma restrição ao direito fundamental. Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Logo, pelo princípio da reserva legal, não há regulamentação válida para o depositário infiel, pois o PSJCR prevalece sobre a legislação ordinária que regulamentava tal prisão. A autorização constitucional de prisão de depositário infiel é norma de eficácia limitada.
  • A restrição a direitos fundamentais depende da devida regulamentação, tal como acontecia com a inviolabilidade das comunicações - art. 5º, XII, o qual permite a interceptação telefônica. A regulamentação dessa restrição só ocorreu em 1996, e antes disso o STF não admitia a interceptação.
Ademais, se o STF mantivesse a prisão do depositário infiel, estar-se-ia admitindo uma postura internacional diferente da posição interna, pois, afinal de contas, o Brasil é signatário do PSJCR - como poderia o Brasil concordar com o direito do Tratado mas negá-lo ao povo brasileiro? Na evolução constitucional, os Estados devem levar em consideração que a sua Constituição não repercute somente sobre si, mas também sobre outros Estados com os quais há relacionamento. Cada vez mais, os Tribunais brasileiros pesquisam como os Tribunais estrangeiros estão decidindo determinada questão. 
Súmula Vinculante nº 25: É ILÍCITA A PRISÃO CIVIL DE DEPOSITÁRIO INFIEL, QUALQUER QUE SEJA A MODALIDADE DO DEPÓSITO.
Com esta Súmula o STF não está elevando o PSJCR acima da CF/88. É apenas o resultado hermenêutico de reiteração qualitativa (e não quantitativa) deste entendimento.
  • Princípio da interpretação pro omne: a norma deve ser interpretada da forma mais favorável na perspectiva do homem, da pessoa humana, dos direitos humanos, dos direitos fundamentais.
  • Cabe ADI contra contra os três tipos de Tratados: os de DH que assumem status constitucional (equiparados à EC, pois cabe ADI contra EC), os de DH que assumem status supralegal infraconstitucional e os que que não tratam de DH que tem paridade normativa com Lei Ordinária.

PGFN 2012
61- Quanto à análise entre leis, tratados internacionais e constituição federal, é correto dizer que:
a) como regra geral, o tratado internacional, posterior, regularmente incorporado ao sistema jurídico nacional, não revoga lei ordinária anterior. A exceção é prevista no art. 98 do Código Tributário Nacional.
b) o Pacto de São José da Costa Rica, Decreto n. 678/1992, apresenta hierarquia de lei complementar no sistema jurídico nacional.
c) é inconstitucional tratado internacional que estabeleça mecanismo de homologação de sentença estrangeira por meio de carta rogatória por serem instrumentos de cooperação jurídica internacional, previstos na Constituição da República Federativa do Brasil.
d) a competência constitucional para conceder exequatur às cartas rogatórias é privativa do Supremo Tribunal Federal, não podendo lei ordinária ou tratado internacional excepcionar esta regra.
e) tratado internacional sobre direitos humanos somente apresentará hierarquia de norma constitucional se aprovado pelo Congresso Nacional em cada Casa em dois turnos por três quintos dos seus membros.
GABARITO: E



2.4) Tribunal Penal Internacional - art. 5º, §4º


2.5) Intervenção Federal - art. 34, VII, b

Os princípios constantes deste inciso VII são os chamados "Princípios Constitucionais Sensíveis", e a violação de qualquer deles ensejam a intervenção federal.

O dispositivo adota uma terceira expressão: "direitos da pessoa humana", ao invés de direitos fundamentais ou direitos humanos. A linha de interpretação mais aceita entende que aqui a legitimação da intervenção federal seria em caso de qualquer ato que viole qualquer direito da pessoa, e não apenas atos normativos (ex.: descaso nos hospitais, nos presídios, etc.). O pressuposto implícito seria derivado do princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito):
  • Adequação: os meios devem ser os eficazes para atingir o objetivo pretendido;
  • Necessidade: o meio deve ser o menos oneroso, menos gravoso para obter-se o resultado;
  • Proporcionalidade em sentido estrito: as vantagens devem superar as desvantagens.
Portanto, a intervenção federal será a medida a ser processada se ela se mostrar eficaz para resolver a violação aos direitos da pessoa, se não houver nenhum outro meio menos oneroso ou agressivo (a intervenção deve ser o último meio) e se for mais vantajosa do que as repercussões que uma ingerência dessa irá causar.



2.6) Federalização das Graves Violações a Direitos Humanos - art. 109, §5º

O art. 109, como se sabe, define a competência da Justiça Federal. A EC nº 45/04 incluiu o inciso V-A neste artigo, e o §5º.
Assim passou a ser previsto que nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o PGR, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.

Federalizar, neste caso, significa deslocar para a esfera federal (PF, JF e MPF) a competência para processamento da violação de direitos humanos, cujos crimes, em regra, seriam da competência estadual.

Veja-se, porém, que a violação corresponde a direitos humanos previstos em TDH, não se confundindo com a violação de direitos humanos previstos em outros diplomas normativos.

O instrumento processual para a federalização é o incidente de deslocamento da competência, em qualquer fase do processo ou do inquérito, proposto pelo PGR, o que será julgado pelo STJ, nos termos da Resolução nº 06/05, que prevê o Incidente de Deslocamento de Competência - IDC a ser julgado por sua 3ª Seção.

A finalidade é assegurar a observância das obrigações previstas nos TDH dos quais o Brasil seja signatário (a esfera Federal pretende processar o feito para garantir o cumprimento do tratado da qual ela se comprometeu).

Assim o IDC tem como pressuposto de admissibilidade a demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, leniência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução.

Por ocasião da entrada em vigor da EC nº 45/04, ventilou-se sobre a inconstitucionalidade deste IDC sob dois vieses:
  • Uma potencial invasão de competência, violadora da autonomia dos Entes Federados, cláusula pétrea que é;
  • Uma potencial violação ao Princípio do Juiz Natural (um direito fundamental em função do indivíduo, e não em função do Estado-Juiz), em razão da previsão que desloca a competência para o processamento de um fato definido como crime para algo como um "tribunal de exceção" - no caso, da Justiça Estadual para a Federal.
No julgamento do IDC nº 1, o STJ rejeitou a intervenção, mas garantiu a legalidade da medida quando constatado que a Unidade da Federação não se mostrou capaz de dar a plena resposta a uma violação a direitos humanos com a qual o Brasil se comprometeu:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO DOLOSO QUALIFICADO. (VÍTIMA IRMÃ DOROTHY STANG). CRIME PRATICADO COM GRAVE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS. INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA – IDC. INÉPCIA DA PEÇA INAUGURAL. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA CONTIDA. PRELIMINARES REJEITADAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E À AUTONOMIA DA UNIDADE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RISCO DE DESCUMPRIMENTO DE TRATADO INTERNACIONAL FIRMADO PELO BRASIL SOBRE A MATÉRIA NÃO CONFIGURADO NA HIPÓTESE. INDEFERIMENTO DO PEDIDO. 
1. Todo homicídio doloso, independentemente da condição pessoal da vítima e/ou da repercussão do fato no cenário nacional ou internacional, representa grave violação ao maior e mais importante de todos os direitos do ser humano, que é o direito à vida, previsto no art. 4º, nº 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário por força do Decreto nº 678, de 6/11/1992, razão por que não há falar em inépcia da peça inaugural. 
2. Dada a amplitude e a magnitude da expressão “direitos humanos”, é verossímil que o constituinte derivado tenha optado por não definir o rol dos crimes que passariam para a competência da Justiça Federal, sob pena de restringir os casos de incidência do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), afastando-o de sua finalidade precípua, que é assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil sobre a matéria, examinando-se cada situação de fato, suas circunstâncias e peculiaridades detidamente, motivo pelo qual não há falar em norma de eficácia limitada. Ademais, não é próprio de texto constitucional tais definições. 
3. Aparente incompatibilidade do IDC, criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, com qualquer outro princípio constitucional ou com a sistemática processual em vigor deve ser resolvida aplicando-se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 
4. Na espécie, as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apuração dos fatos que resultaram na morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, com o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a intenção de o Estado do Pará dar resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos direitos humanos, o que afasta a necessidade de deslocamento da competência originária para a Justiça Federal, de forma subsidiária, sob pena, inclusive, de dificultar o andamento do processo criminal e atrasar o seu desfecho, utilizando-se o instrumento criado pela aludida norma em desfavor de seu fim, que é combater a impunidade dos crimes praticados com grave violação de direitos humanos. 
5. O deslocamento de competência – em que a existência de crime praticado com grave violação aos direitos humanos é pressuposto de admissibilidade do pedido – deve atender ao princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), compreendido na demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal. No caso, não há a cumulatividade de tais requisitos, a justificar que se acolha o incidente. 
6. Pedido indeferido, sem prejuízo do disposto no art. 1º, inc. III, da Lei nº 10.446, de 8/5/2002. 
IDC nº 1-PA, Terceira Seção, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 06/10/2005.
Aliás, o IDC, consagrador do sub-princípio da razoabilidade, é menos danoso do que a intervenção federal prevista na CF/88, art. 21, V e art. 34, a qual retira parte significativa da autonomia da UF, e que faz parte do texto constitucional originário, compatível com cláusula pétrea de autonomia dos Estados.

Outrossim, no Estado Federal, a violação a TDH gera responsabilidade internacional que recai sobre toda a União, isto é, sobre a união de todos os Estados-Membros. Assim, as demais UF têm interesse que a União busque deslocar a competência, para a esfera Federal, do processamento das violações a TDH, se ficar claro que o Ente Federado (competente territorial) não deu uma resposta à altura do que espera a comunidade internacional.

Não se admite a assistência no Incidente de Deslocamento de Competência. Todavia, no julgamento do IDC nº 2, o STJ admitiu o ingresso de amicus curiae.


2.7) Formação de Tribunal Internacional de Direitos Humanos - ADCT, art. 7º
Art. 7º. O Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos.

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