terça-feira, 2 de setembro de 2014

06 - Lei de Interceptação de Comunicações Telefônicas


1) Introdução


Essa lei regulamenta a CF/88, art. 5º, XII, que assegura o sigilo de algumas formas de comunicação, mas prevê a possibilidade da ICT na investigação criminal e na instrução processual penal (XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal);
  • O STF, na Operação Furacão, admitiu que a ICT nela obtida fosse utilizada como prova emprestada em processo administrativo na apuração da conduta disciplinar de magistrados (Questão de Ordem no Inq. 2424/RJ). O fundamento dessa decisão é o interesse público; logo, se fosse um interesse privado, não seria admitido como prova emprestada;
  • Igualmente, o STJ admite como prova emprestada a ICT em Processo Administrativo Disciplinar, desde que autorizada na esfera criminal - Informativo nº 505-STJ;
A doutrina estabelece diferença entre gravação e escuta clandestinas e interceptação:
  • Na gravação clandestina, um dos interlocutores registra a sua comunicação, sem o conhecimento do outro. Pode ser ambiental (pessoas no mesmo lugar) ou telefônica (ex.: Durval do mensalão de Brasília);
  • Na escuta clandestina, terceira pessoa interfere na comunicação ambiental ou telefônica entre duas ou mais pessoas, com a autorização de uma delas (ex.: família da vítima sequestrada que deixa a polícia fazer a escuta telefônica com o sequestrador);
  • Na interceptação, terceira pessoa interfere na comunicação entre duas ou mais pessoas sem o conhecimento de nenhuma delas. Pode ser ambiental (Lei nº 12.850/13 - Organizações Criminosas) ou telefônica.
  • A interceptação, para que seja válida como prova, exige prévia e fundamentada decisão judicial; 
  • Entretanto, STF e STJ admitem, pacificamente, a gravação e a escuta clandestinas como prova em processo penal:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. UTILIZAÇÃO DE GRAVAÇÃO TELEFÔNICA COMO PROVA DE CRIME CONTRA A LIBERDADE SEXUAL.
Em processo que apure a suposta prática de crime sexual contra adolescente absolutamente incapaz, é admissível a utilização de prova extraída de gravação telefônica efetivada a pedido da genitora da vítima, em seu terminal telefônico, mesmo que solicitado auxílio técnico de detetive particular para a captação das conversas. Consoante dispõe o art. 3°, I, do CC, são absolutamente incapazes os menores de dezesseis anos, não podendo praticar ato algum por si, de modo que são representados por seus pais. Assim, é válido o consentimento do genitor para gravar as conversas do filho menor. De fato, a gravação da conversa, em situações como a ora em análise, não configura prova ilícita, visto que não ocorre, a rigor, uma interceptação da comunicação por terceiro, mas mera gravação, com auxílio técnico de terceiro, pelo proprietário do terminal telefônico, objetivando a proteção da liberdade sexual de absolutamente incapaz, seu filho, na perspectiva do poder familiar, vale dizer, do poder-dever de que são investidos os pais em relação aos filhos menores, de proteção e vigilância. A presente hipótese se assemelha, em verdade, à gravação de conversa telefônica feita com a autorização de um dos interlocutores, sem ciência do outro, quando há cometimento de crime por este último, situação já reconhecida como válida pelo STF (HC 75.338, Tribunal Pleno, DJ 25/9/1998). Destaque-se que a proteção integral à criança, em especial no que se refere às agressões sexuais, é preocupação constante de nosso Estado, constitucionalmente garantida em caráter prioritário (art. 227, caput, c/c o § 4º, da CF), e de instrumentos internacionais. Com efeito, preceitua o art. 34, "b", da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Resolução 44/25 da ONU, em 20/11/1989, e internalizada no ordenamento jurídico nacional mediante o DL 28/1990, verbis: “Os Estados-partes se comprometem a proteger a criança contra todas as formas de exploração e abuso sexual. Nesse sentido, os Estados-parte tomarão, em especial, todas as medidas de caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir: (...) b) a exploração da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; (...)”. Assim, é inviável inquinar de ilicitude a prova assim obtida, prestigiando o direito à intimidade e privacidade do acusado em detrimento da própria liberdade sexual da vítima absolutamente incapaz e em face de toda uma política estatal de proteção à criança e ao adolescente, enquanto ser em desenvolvimento. REsp 1.026.605-ES, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 13/5/2014.

  • Esta lei também também cuida da interceptação do fluxo das comunicações em sistemas de informática e telemática.

2) Requisitos da ICT

a) Crime apenado com reclusão;

b) Indícios razoáveis de autoria ou participação neste crime;

c) Não haver outros meios de prova disponíveis para apurar o crime.
  • O Juiz competente é o da ação principal, ressalvado o plantão judiciário, amplamente admitido pelo STF;
  • O pedido deve esclarecer o objeto da investigação, com a qualificação e a indicação do investigado, salvo impossibilidade justificada;
  • A legitimidade para pedir ICT caberá:
  • À autoridade policial, durante a investigação criminal; 
  • Ao MP, durante a investigação e a instrução processual penal; 
  • O Juiz poderá determinar a ICT de ofício - art. 3º;

  • Excepcionalmente, o pedido poderá ser verbal. Todavia, sua concessão deverá ser reduzida a termo;
  • O Juiz tem 24 horas para decidir sobre a ICT;
  • A ICT será autorizada pelo prazo de 15 dias;
  • STF e STJ admitem pacificamente prorrogação desde período por quantas vezes forem necessárias, respeitada a razoabilidade e demonstrada a indispensabilidade deste meio de prova (ex.: demonstrar ao Juiz que aquele é o único meio de prova).
Se durante a ICT forem descobertos crimes apenados com detenção, de acordo com o STF, a prova será válida desde que haja conexão com o fato apurado.

A autoridade policial é que preside a ICT, e a ela caberá:

  • Dar ciência ao MP para acompanhar a diligência (não obrigatória);
  • Requisitar serviços e técnicos especializados às empresas concessionárias;
  • Ao final, produzir relatório circunstanciado daquilo que foi apurado.
Excepcionalmente, a ICT poderá ser conduzida por outro órgão, diante do caso concreto (ex.: PM, CISPEN, etc.):

Informativo nº 666-STF: A 2ª Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava nulidade de interceptação telefônica realizada pela polícia militar em suposta ofensa ao art. 6º da Lei 9.296/96 (“Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização”). Na espécie, diante de ofício da polícia militar, dando conta de suposta prática dos crimes de rufianismo, manutenção de casa de prostituição e submissão de menor à exploração sexual, a promotoria de justiça requerera autorização para interceptação telefônica e filmagens da área externa do estabelecimento da paciente, o que fora deferida pelo juízo.
Asseverou-se que o texto constitucional autorizaria interceptação telefônica para fins de investigação criminal ou de instrução processual penal, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma da lei (CF, art. 5º, XII). Sublinhou-se que seria típica reserva legal qualificada, na qual a autorização para intervenção legal estaria submetida à condição de destinar-se à investigação criminal ou à instrução processual penal. Reconheceu-se a possibilidade excepcional de a polícia militar, mediante autorização judicial, sob supervisão do parquet, efetuar a mera execução das interceptações, na circunstância de haver singularidades que justificassem esse deslocamento, especialmente quando, como no caso, houvesse suspeita de envolvimento de autoridades policias da delegacia local. Consignou-se não haver ilicitude, já que a execução da medida não seria exclusiva de autoridade policial, pois a própria lei autorizaria o uso de serviços e técnicos das concessionárias (Lei 9.296/96, art. 7º) e que, além de sujeitar-se a ao controle judicial durante a execução, tratar-se-ia apenas de meio de obtenção da prova (instrumento), com ela não se confundindo. HC 96986/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 15.5.2012. (HC-96986)
Caso a ICT seja gravada, deverá ser transcrita. De acordo com o STF, não é necessário transcrever toda a ICT:
Informativo nº 742-STF: Não é necessária a transcrição integral das conversas interceptadas, desde que possibilitado ao investigado o pleno acesso a todas as conversas captadas, assim como disponibilizada a totalidade do material que, direta e indiretamente, àquele se refira, sem prejuízo do poder do magistrado em determinar a transcrição da integralidade ou de partes do áudio. Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, rejeitou preliminar de cerceamento de defesa pela ausência de transcrição integral das interceptações telefônicas realizadas. Inq 3693/PA, rel. Min. Cármen Lúcia, 10.4.2014. (Inq-3693)

3) Sigilo da ICT

A ICT é sigilosa, e tramita em autos apartados. A lei estabelece os seguintes momentos para o apensamento.

a) Se for feita durante o IP, o apensamento ocorrerá antes do relatório da autoridade policial;

b) Se for durante o processo penal, o apensamento ocorrerá quando os autos forem conclusos ao Juiz para sentença ou pronúncia.

  • O material que não interessar à prova somente poderá ser inutilizado mediante autorização judicial. Isto poderá acontecer a qualquer tempo: durante o IP, durante o processo ou terminado o processo;
  • O MP participará deste ato de inutilização, sendo facultado ao interessado sua participação.



4) Crime do art. 10
Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
O tipo penal prevê três condutas apenas com reclusão de 2 a 4 anos e multa:

  • ICT e interpretação de informática e telemática sem autorização judicial;
  • Interceptações nas formas acima, com objetivos diversos da autorização concedida;
  • Quebra do segredo de Justiça.
  • Esta última conduta caracteriza crime próprio, segundo orientação majoritária, isto é, somente pode ser praticada por agente público que tem o dever de sigilo (Juiz, Delegado, Promotor, Agente, Escrivão, etc.).



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