terça-feira, 23 de setembro de 2014

07 - Lei dos Crimes Ambientais

Lei nº 9.605/95 - Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

1) Introdução

Essa lei cuida dos crimes e das infrações administrativas contra o meio ambiente. É regulamentada pelo Decreto nº 6.514/08. Na parte criminal, ela revoga os Códigos de Pesca e de Caça, os quais permanecem em vigor para tratar de outros aspectos. O novo Código Florestal revoga o antigo e, portanto, não há mais nenhuma contravenção penal florestal.

No âmbito da Lei em estudo, o Código Floresta afeta três crimes, definidos nos art. 38, 39 e 48 (contra a flora), uma vez que institui os programas de regularização ambiental de posses e imóveis rurais, regulamentados pelo Decreto nº 7.830/12. Portanto, a adesão ao programa acarretará:

a) A suspensão da punibilidade nos três crimes acima;

b) A "interrupção" (suspensão) da prescrição;

c) Cumprido o acordo com a efetiva regularização da área rural, é extinta a punibilidade do agente.

O conceito de meio ambiente é legal, estando previsto na Lei nº 6.938/81, que cuida da política nacional do meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Este conceito abrange o meio ambiente no seu aspecto natural. Todavia, a lei dos crimes ambientais também cuida de crimes envolvendo o meio ambiente artificial e o meio ambiente do trabalho.

2) Sujeitos do Crime Ambiental

2.1) Sujeito Passivo

É a coletividade, que tem direito ao meio ambiente equilibrado. Secundariamente, poderá ser o dono da propriedade ou animal afetados;
  • Os animais, plantas e etc. caracterizam o objeto do crime ambiental, jamais caracterizando-se como vítimas.

2.2) Sujeito Ativo

Como regra, qualquer pessoa responde por crime ambiental, isto é, pessoa física - art. 2º, primeira parte. Todavia, esta lei também estabelece a responsabilidade penal:

a) Da pessoa física intimamente ligada a uma pessoa jurídica (gerente, preposto, administrador, etc.), que toma conhecimento de conduta criminosa no âmbito desta entidade e, podendo, nada faz para evitar sua prática - art. 2º, parte final;
  • Trata-se da relevância na omissão no âmbito da lei, como faz genericamente o art. CP, art. 13, §2º (dever de agir);
b) Pessoa jurídica - art. 3º;
  • Corrente majoritária, adotando a teoria da realidade ou organicista, sustenta que é constitucional a previsão desta responsabilidade em direito penal;
  • Todavia, para que isto aconteça é necessário que o crime seja praticado em decorrência de ordem do representante legal ou contratual, ou ainda membro de órgão colegiado desta PJ, e que ele seja praticado no interesse ou em benefício desta;
  • Corrente minoritária, entretanto, adota a teoria da ficção, sustentando que é inconstitucional esta forma de responsabilidade (Miguel Reale Jr.);
  • A lei adotou a teoria da dupla imputação, ou da coautoria necessária, na responsabilidade penal da PJ - art. 3º, Parágrafo único, isto é, a responsabilidade da PJ não afasta a da pessoa física responsável pelo mesmo crime;

3) Sanções Penais

A lei viabilizou a responsabilidade penal da PJ porque estabeleceu dois sistemas autônomos de penas, um para a pessoa física e outra para a pessoa jurídica.


3.1) Sanções Penais Cominadas às Pessoas Físicas

A lei admite penas privativas de liberdade e multa às PF, mas dá preferência às penas restritivas de direitos, com tratamento específico, da seguinte maneira:

a) O art. 8º estabelece cinco PRDs:
  • Prestação de serviços à comunidade;
  • Prestação pecuniária;
  • Interdição temporária de direitos;
  • Suspensão total ou parcial das atividades;
  • Recolhimento domiciliar.
b) Duração das PRDs: como regra, as penas do art. 8º têm a mesma duração das PPLs que substituem. Todavia, em duas situações isto não ocorre:
  • Nas prestações pecuniárias a pena será de 1 a 360 salários mínimos;
  • Na interdição temporária de direitos, consistente na proibição de contratação com o Poder Público, participação em licitação ou obtenção de subsídios, incentivos, benefícios, etc., a duração será de 5 anos no crimes dolosos ou 3 anos nos crimes culposos;

c) Requisitos para a substituição estão previstos no art. 7º:
  • Quantidade de PPL imposta: 
  • Se o crime for culposo, qualquer quantidade;
  • Se o crime for doloso, somente PPL inferior a 4 anos comporta substituição;
  • Circunstâncias judiciais favoráveis, isto é, a culpabilidade, a personalidade, a conduta social, etc., devem demonstrar que esta substituição é suficiente.

d) Circunstâncias preponderantes: o art. 6º da lei estabelece três circunstâncias preponderantes na fixação da pena em crimes ambientais, sem prejuízo das previstas no CP:
  • Gravidade dos fatos, levando-se em consideração os motivos e as consequências do crime para a saúde pública e o meio ambiente;
  • Antecedentes do agente, diante da legislação ambiental;
  • Situação econômica do infrator em caso de multa.

e) Atenuantes e agravantes: a lei dos crimes ambientais estabelece circunstâncias atenuantes e agravantes específicas, nos art. 14 e 15, respectivamente:
  • Atenuantes (ex.: baixo grau de escolaridade ou instrução do agente);
  • Agravantes (ex.: crime praticado domingo ou feriado, ou no período de defeso).

f) Sursis: a suspensão condicional da pena será cabível quando aplicada uma PPL de até 3 anos;
  • As condições do sursis devem guardar relação com o equilíbrio ecológico;
  • Exige-se laudo pericial para constatação da reparação do dano ambiental, para extinção da punibilidade no sursis;
  • O laudo pericial também poderá estabelecer o valor do prejuízo, bem como da fiança e da multa;
  • No art. 20, há determinação de que o Juiz fixe uma verba indenizatória mínima nos crimes ambientais, a exemplo do que faz agora o CPP, art. 387, IV.

3.2) Sanções Penais Cominadas às Pessoas Jurídicas - art. 21 e ss.

 a) Penas: a lei em estudo estabelece três penas às PJ:
  • Multa;
  • Prestação de serviços à comunidade;
  • Penas restritivas de direitos;
  • Não há previsão de PPL às pessoas jurídicas;
  • Nessa lei, a prestação de serviços à comunidade é espécie autônoma de pena, e não guarda relação de gênero e espécie com a PRD;
  • Alguns autores também consideram a liquidação forçada, estabelecida no art. 24, como pena. Ela será imposta sempre que a pessoa jurídica for constituída ou utilizada preponderantemente para a prática de crimes ambientais (seria, portanto, uma quarta pena). Neste caso, o patrimônio da empresa será considerado instrumento do crime, e como tal confiscado e destinado ao Fundo Penitenciário Nacional;
  • A destinação do produto e do instrumento relacionado a crime ambiental é definida no art. 25 (ex.: os produtos perecíveis serão avaliados e, na sequência, doados ou destruídos;
  • Os instrumentos serão avaliados, descaracterizados e, se possível, vendidos.

b) Vinculação com a  Lei nº 9.099/95:
  • Na transação penal em crime ambiental de menor potencial ofensivo, exige-se mais um requisito, que é a prévia composição do dano ambiental - LCA, art. 27;
  • Na suspensão condicional do processo em crime ambiental, a extinção da punibilidade exige a comprovação da reparação integral do dano ambiental por meio de laudo. Caso contrário, o período de prova deste benefício ficará sujeito a prorrogações - LCA, art. 28

c) PJ de Direito de Público e responsabilização por crime ambiental:
  • Uma corrente majoritária afirma que não há essa responsabilização, pois isto violaria o princípio da continuidade do serviço público, além do que afetaria indiretamente o próprio cidadão;
  • Uma corrente minoritária entende que deve haver a responsabilização, pois o Juiz tem várias penas para escolher. Além disso, o fato de afetar o cidadão não seria razão para a não responsabilização, ja que outras situações também afetam o contribuinte, como ocorre com a responsabilidade civil objetiva 3 anos.

4) Crimes Ambientais

Todos são de ação penal pública incondicionada - art. 26. Os crimes estão separados em 5 grupos, conforme o interesse e o objeto principal tutelados.

4.1) Contra a Fauna - arts. 29 ao 37

Todos os crimes contra a fauna são dolosos. Nos demais grupos abaixo existem vários crimes culposos, inclusive crimes de dano.

A Lei separa os atos de caça dos atos de pesca.

Genericamente, o art. 29 incrimina a caça proibida, isto é, sem autorização.

A única hipótese de perdão judicial está prevista na guarda doméstica de animal silvestre, desde que não ameaçado de extinção. Neste caso, o Juiz pode deixar de aplicar a pena.

O crime de maus tratos está previsto no art. 32, e incide diante de atos contra animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou não;
  • Este crime tacitamente revoga o art. 64 da Lei de Contravenções Penais, que cuidava da crueldade contra animais;
  • Haverá crime mesmo em estudos científicos, quando houver meio alternativo de pesquisa;
  • A pena será aumentada no crime de maus tratos seguido de morte (de 1/6 a 1/3);
  • Na forma simples, maus tratos a animais é mais grave que a seres humanos do CP, art. 136 (ex.: rinhas, transportar animal vivo de cabeça pra baixo, negar descanso a animal de montaria, deixar de ordenhar vaca por mais de 24 horas, cortar rabo de cachorro, etc.).
A pesca proibida está prevista no art. 34, isto é, aquela sem autorização ou em desacordo com a licença concedida, seja pelo tamanho ou quantidade de peixe, seja pela temporada indevida, etc.
  • O crime será qualificado quando a pesca for praticada com explosivo ou método semelhante, ou com emprego de substância tóxica;
  • O art. 36 conceitua os atos de pesca e equipara ao peixe os moluscos, os crustáceos e os vegetais hidróbios (ex.: siri, vitória-régia);
  • Em relação aos cetáceos (mamíferos aquáticos, como baleias, golfinhos, botos), lei própria cuida do assunto - Lei nº 7.643/87, e incrimina sua pesca ou molestamento.
Nos crimes contra a fauna, a Lei estabelece três excludentes de ilicitude específicas - art. 37:
  • Abate famélico de animal: para matar a fome do agente ou de sua família;
  • Abate científico ou de equilíbrio: para afastar pragas ou doenças provocadas por alguma espécie, desde que autorizado pela autoridade competente;
  • Abate de animal nocivo ou perigoso, assim caracterizado pela autoridade competente.
Havia uma quarta hipótese, mas que foi vetada, consistente na legítima defesa contra ataque animal. O veto ocorreu porque em direito penal somente se admite estado de necessidade contra ataque animal; jamais legítima defesa (seria impropriedade técnica da expressão).



4.2) Contra a Flora - arts. 38 ao 53

Neste grupo, há previsão de crimes culposos também, nos crimes dos arts. 38, 38-A, 40, 41 e 49.

O Código Florestal estabeleceu em seu art. 60 o programa de regularização ambiental, que incidirá nos crimes dos art. 38, 39 e 48.

O dano a florestas de preservação permanente é crime do art. 38, com previsão também de dano culposo, enquanto que o corte de árvore nesta floresta é o crime do art. 39.

A Lei nº 9.985/00 estabelece o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, separando-as em duas espécies:
  • Unidades de Conservação de Proteção Integral (ex.: parque nacional, estação ecológica, etc.);
  • Unidades de Conservação de Uso Sustentável (ex.: floresta nacional, área de preservação ambiental, etc.).
O art. 40 incrimina o dano direto ou indireto a unidades de conservação, inclusive na forma culposa.
  • A penetração em unidade de conservação portando instrumentos para a caça ou extração vegetação sem autorização é crime do art. 52.
O crime de incêndio do art. 41 é caracterizado diante de qualquer forma de vegetação, isto é, mata ou floresta;
  • Portanto, não se confunde com o crime de incêndio do CP, art. 250, que exige perigo coletivo, isto é, a um número indeterminado de pessoas;
  • A queimada é o fogo sem precauções para prevenir o seu alastramento, e não se confunde com o incêndio, que é o fogo sem controle. A queimada deixou de caracterizar infração penal a partir do novo Código Florestal;
  • Na Lei em estudo, o crime de queimada estava previsto no art. 43, mas foi vetado.
O art. 42 incrimina condutas envolvendo balões que possam causar incêndio, no sentido de gerar perigo ao meio ambiente e ao ser humano, seja sua fabricação, comercialização, transporte e uso (soltar), e portanto está tacitamente revogada a contravenção da LCP, art. 128 (passou a ser crime ambiental).

O art. 49 cuida de outro crime de dano, e inclusive admite a modalidade culposa, consistente na destruição de plantas ornamentais, seja em locais públicos ou privados. Assim, pessoa andando de skate descuidadamente, que cai sobre jardim de plantas ornamentais em propriedade particular incorre em crime culposo.

Finalmente, o art. 51 cuida da motosserra comercializada ou utilizada sem a devida licença e registro. 


4.3) Poluição e outros Crimes Ambientais - arts. 54 a 61

Os crimes do art, 54 e 56 admitem modalidade culposa.

Este grupo cuida de algumas condutas residuais contra o meio ambiente natural.

a) Poluição - art. 54: caracteriza este crime a conduta de causar poluição de qualquer natureza em níveis relevantes que resulte ou possa resultar (dano ou perigo) dano à saúde humana, mortandade de animais e destruição significativa da flora.

  • Em princípio, qualquer forma de poluição estaria incluída neste artigo. Todavia, a poluição sonora constava de crime específico que foi vetado - art. 59. Por esta razão, o STJ sustenta que condutas ruidosas poderão caracterizar, conforme o caso, a contravenção penal da LCP, art. 42 (perturbação do trabalho e sossego alheios);
  • A poluição poderá ser qualificada se afetar praias, tornando-as impróprias, aglomerações de assentamentos, etc.;
  • Algumas condutas de queimada poderão ser enquadradas conforme poluição atmosférica.

b) Falta de autorização para certos atos - art. 60?: incrimina obras, serviços e estabelecimentos potencialmente poluidores, que sejam construídos, reformados, postos em funcionamento, etc. sem autorização legal, ou em desacordo com as normas ambientais;
  • É o crime de maior incidência em relação a pessoas jurídicas.



4.4) Contra o Ordenamento Urbano e Patrimônio Cultural - art. 62 a 65

O art. 62 admite modalidade culposa, e cuida do dano a bem especialmente protegido por lei, decisão judicial ou ato administrativo, como bibliotecas, pinacotecas, arquivos, etc.

Os arts. 63 e 64 protegem condutas que afetam bens protegidos em decorrência de seu valor histórico, artístico, paisagístico, etc., inclusive no entorno e em áreas não edificáveis sem autorização legal (ex.: pintar uma casa em Parati da cor errada).

  • Esses dois crimes tacitamente revogam o CP, art. 165 e 166.
O art. 65 cuida da pixação ou qualquer outra forma de conspurcação de edificação urbana. Inclusive, se o bem atingido for tombado, o crime será qualificado. Todavia, o grafite tido como manifestação artística é permitido, desde que autorizado pelo proprietário ou possuidor do bem particular, ou no caso de patrimônio público por quem de direito.




4.5) Crimes contra a Administração Ambiental - art. 66 a 69-A

Os arts. 67, 68 e 69-A admitem modalidade culposa. Os art. 66 e 67 são os únicos crimes próprios desta lei, só podendo ser praticados por funcionários públicos.

O art. 66 incrimina a fraude em licenciamento ambiental feita por funcionário público, falseando a verdade ou omitindo dados relevantes neste procedimento.

O art. 67 incrimina a concessão ambiental irregular feita por funcionário público que não obedece as normas ambientais, sendo que admite a modalidade culposa.

O art. 69-A incrimina a elaboração ou a utilização de documento, relatório, laudo e etc. falso ou enganoso, em procedimento de licenciamento ambiental.

  • A conduta omissiva que possa enganar alguém na concessão da licença também é punida, assim como o descuido na elaboração dessas informações;
  • Caso os documentos e informações fraudulentos ou enganosos provoquem destruição significativa do meio ambiente, a pena será aumentada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário