domingo, 14 de setembro de 2014

16 - Intervenção do Estado na Propriedade


1) Limitações Administrativas

São restrições de poder de polícia sobre o direito de propriedade criadas por lei.

Restringem a liberdade individual do proprietário ou possuidor em prol dos interesses abstratos e genéricos da coletividade, como segurança pública, salubridade, estética, ordenamento urbanístico, etc. (ex.: proprietário não pode construir como quiser, mas deve observar  os recuos, os limites de altura para os prédios, o zoneamento urbano, seguir as regras gerais estéticas do lugar, etc.). O fundamento é a função social da propriedade.

A limitação administrativa é sempre uma imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública, condicionadora do direito de propriedade às exigências do bem estar social, e afeta o caráter absoluto da propriedade.

a) Fundamentação: CF/88, art. 5º, XXIII; CC, art. 1.228, §1º;

b) Características:
  • Generalidade: a limitação é criada por uma norma abstrata e genérica, e se destina a bens indeterminados (ex.: limite de altura dos prédios da cidade, que atinge a todas as construções indiscriminadamente); 
  • Gratuidade: não cabe indenização, pois não retiram o direito de propriedade, mas apenas o disciplina, condiciona;
  • Unilateralidade: não necessitam da concordância dos particulares, tendo natureza imperativa; 
  • Definitividade: dura por tempo indeterminado, isto é, enquanto vigorar a lei que a criou.
As limitações acarretam na imposição de obrigações ao proprietário do bem, as quais podem ser de fazer, de não fazer ou de tolerar (ex.: não construir fora do gabarito, fazer estudo de impacto de vizinhança antes de construir obra de grande porte, tolerar fiscalizações públicas no interior do condomínio, como de bombeiros, etc.).

2) Servidão Administrativa

Servidão: direito real de gozo, CC, art. 1.225, III - um prédio sofre uma restrição para beneficiar outro de dono diferente. Pode ser:
  • Servidão civil - CC, art. 1.378 e ss.: nasce do acordo de vontades entre os proprietários (do prédio serviente e do prédio dominante);
  • Servidão administrativa: quando é o Poder Público quem institui este direito real sobre imóvel particular, em favor de um bem público ou de um serviço público. 

a) Características da servidão administrativa:
  • Compulsoriedade: pode ser criada independentemente da vontade do dono do prédio serviente (ex.: passagem de redes de alta tensão (eletrodutos), além de gasodutos, oleodutos e aquedutos, etc.); 
  • Especificidade: a restrição recai sobre imóveis determinados e a um serviço público específico beneficiado, e não mero interesse abstrato. Por isso, é diferente das limitações administrativas, que atingem bens indeterminados.

b) Fundamentação: Lei das Desapropriações, art. 40;

c) Instituição: segue rito parecido ao da desapropriação. Edita-se declaração de utilidade pública do prédio serviente, e a servidão será criada por sentença, a qual deve ser averbada no cartório de imóveis;
  • A servidão pode ser instituída por acordo, caso o particular não se oponha;
  • O dono do prédio serviente não perde o seu bem, mas apenas sofre uma restrição em ter de permitir um benefício a um serviço público;

d) Indenização: pela lei das desapropriações haverá indenização; porém, o entendimento predominante é o de que ela não é automática, devendo haver demonstração de prejuízo. Existem servidões criadas diretamente pela lei, sendo porém um tema controverso entre a doutrina. Neste caso, não há necessidade de acordo, sentença ou registro no cartório de imóveis (ex.: servidão sobre as margens dos cursos d'água, servidão sobre a vizinhança dos bens tombados, etc.).


3) Requisição

Intervenção e que o Poder Público se apodera de bens móveis, imóveis ou de serviços particulares para proteger a coletividade de situações de perigo público iminente, independentemente da vontade do proprietário, e sem prévia indenização;
  • Pode ser civil ou militar;
  • Motivada por razões de perigo público;
a) Fundamentação: CF/88, art. 5º, XXV; art. 22, III; CC, art. 1.228, §3º;

b) Características: ato administrativo imperativo, autoexecutório e de natureza transitória. Cessado o perigo, cessa a requisição;

c) Indenização: pela Constituição é cabível, mas sempre posteriormente, e mesmo assim não é obrigatória, devendo ter havido dano ao bem requisitado.


4) Ocupação Temporária

Intervenção em que o Estado se apossa de um bem imóvel particular, transitoriamente, para usá-lo como apoio a uma obra pública ou a um serviço público (ex.: na obra de rodovia, ocupar temporariamente a margem dos imóveis vizinhos para instalação e passagem de máquinas; uso temporário de escola particular como sessão de votação);
  • Aqui é diferente da requisição: não há perigo público.
a) Fundamento: Lei das Desapropriações, art. 36;
  • Só permite uso momentâneo e inofensivo, inadmitindo demolições ou alterações prejudiciais à propriedade particular. Por isso, quando for apoio a obra pública, só será possível se o imóvel ocupado estiver vago;

b) Indenização: cabível quando for para apoio a obra pública, mas posteriormente ao uso. A ocupação para serviço público não é indenizável.


5) Tombamento

Restrição parcial ao uso e disposição de uma propriedade para sua preservação por conta de seu valor cultural;
  • O dono não perde a propriedade, mas apenas passará a ter limites. Por isso, a regra geral é a de que não se indeniza por tombamento.

a) Fundamento: CF/88, art. 216, caput, e §1º; Decreto-Lei nº 25/37;
  • Podem ser tombados bens públicos ou privados, materiais, móveis e imóveis, e imateriais, como paisagens e sítios ecológicos, canções, culinária, manifestações artísticas ou culturais.

b) Procedimento: todo tombamento é precedido de um processo administrativo, com direito ao contraditório e ampla defesa, em favor do proprietário do bem (sob pena de nulidade). Quando a Administração entende que um bem tem valor cultural, instaura o processo e notifica o dono para concordar ou impugnar a proposta em 15 dias;
  • Se ele impugnar, o caso vai para um colegiado do patrimônio cultural, que decide coletivamente em 60 dias;
  • Se o colegiado concluir pelo tombamento, o processo segue para o Ministro ou Secretário de Cultura para homologação, e o bem será inscrito no livro do tombo (cadastro administrativo dos bens tombados). É a partir dessa inscrição que se iniciam os efeitos jurídicos do tombamento;  
  • O tombamento deve ser registrado no cartório de imóveis para dar publicidade e assegurar ao Poder Público seu direito de preferência na aquisição do bem caso o dono queira aliená-lo; 
  • Direito de preferência ou de preempção: o dono é livre para alienar o bem tombado, mas terá uma limitação, devendo antes comunicar ao Poder Público para que este se manifeste sobre eventual interesse na aquisição do bem. Se houver descumprimento da preferência, a alienação será nula.

c) Espécies de tombamento:
  • Provisório: com a notificação do dono para impugnar, já incidem cautelarmente os efeitos do tombamento;
  • Definitivo: quando a inscrição no tombo já ocorreu;
  • Individual: atinge um bem determinado;
  • Geral: atinge todos os bens de uma determinada localidade (ex.: o centro histórico de toda uma cidade).

d) Efeitos do tombamento:
  • Para o proprietário: conservação do bem. Se não tiver recursos, comunicar ao Poder Público; 
  • Não destruir, demolir, mutilar ou alterar o bem. Se pretender reparar, restaurar, pintar ou tirar o bem do país, deverá antes pedir autorização; 
  • Observar o direito de preferência do Poder Público; 
  • Ficar sujeito à fiscalização.
  • Para a Administração: 
  • Bancar a conservação do bem quando o proprietário não tiver recursos, ou desapropriá-lo; 
  • Registrar o tombamento no cartório de imóveis, sob pena de perda do direito de preferência;
  • Fiscalizar o bem.
  • Para os vizinhos: 
  • Servidão de visibilidade, não se podendo construir obras que retirem a visibilidade dos bens tombados.


6) Desapropriação

É um procedimento contendo tanto atos administrativos quanto judiciais, pelo qual o Estado transfere para si a propriedade de um terceiro, por razões de utilidade ou necessidade pública, ou de interesse social, mediante o pagamento de prévia e justa indenização em dinheiro;


6.1) Fundamento - CF/88, art. 5º, XXIV; art. 182, §3º.

Tudo que tenha valor patrimonial pode ser desapropriado, como imóveis, móveis, bens corpóreos e incorpóreos (direitos, cotas e ações de sociedade, marca e patente, fundo de comércio, etc.). Bens públicos também podem ser desapropriados, devendo-se obedecer a ordem vertical das entidades federativas, em razão da preponderância dos interesses (a União pode desapropriar bens dos Estados e dos municípios, mas estes não podem desapropriar bens da União. Os Estados podem desapropriar bens dos municípios, mas não o inverso);
  • O STF entende que a ordem vertical não viola a igualdade dos entes federativos, pela preponderância dos interesses, em que o interesse nacional prepondera sobre o regional e o regional sobre o interesse local;
  • Porém, para desapropriar bem público, é necessária autorização do Poder Legislativo, via lei.

6.2) Competências na Desapropriação

a) Para legislar sobre desapropriação: somente a União pode legislar sobre desapropriação - CF/88, art. 22, II;

b) Para declarar interesse na desapropriação: é a competência para decretar a utilidade-necessidade pública ou por interesse social em relação a um bem;
  • Utilidade pública: é declarada por qualquer ente federativo, por meio do Chefe de seu Poder Executivo, via decreto. Porém, pode o Legislativo declarar utilidade pública, o que é raro; 
  • Utilidade pública em sentido estrito: mera conveniência da Administração; 
  • Necessidade pública: há conveniência, mas caracterizada por uma situação de urgência; 
  • Interesse social: caso em que a destinação do bem será alguma política social para redução das desigualdades coletivas (ex.: reforma agrária, moradia, etc.);

c) Para executar uma desapropriação: é a competência para promover uma desapropriação, seja administrativa ou judicial. É a competência com o maior número de titulares. Podem desapropriar: tanto os entes federativos, quanto quaisquer pessoas jurídicas que integrem a Administração (autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista), e até mesmo pessoas privadas de fora da Administração caso sejam concessionárias ou permissionárias de serviço público;
  • Para desapropriar, as pessoas da Administração indireta e as concessionárias e permissionárias de serviço público precisam de autorização expressa ou na lei de sua criação ou no contrato de concessão/permissão;
  • Qualquer ente da federação pode desapropriar bens urbanos ou rurais. Se, porém, a finalidade for reforma agrária, compete apenas à União desapropriar.

6.3) Procedimento na Desapropriação

A desapropriação se divide em duas fases:

a) Fase declaratória: é a fase da emissão do decreto de declaração de utilidade pública ou interesse social;
  • A declaração de utilidade pública é uma manifestação de vontade da Administração de que tem interesse no bem. Ainda não é a desapropriação;
  • Conteúdo do Decreto:
  • Individualização do bem a ser desapropriado;
  • Exposição da finalidade da desapropriação;
  • Indicação do fundamento legal da desapropriação.
  • Consequências práticas da declaração: 
  • O poder público passa a ter o direito de adentrar ao bem. O direito de adentrar não é posse sobre o bem, mas apenas direito de entrar para avaliar, vistoriar, etc.; 
  • Fixação do estado do bem para fins de indenização. A indenização levará em conta a situação do bem na data da declaração de utilidade pública. Alterações feitas no bem posteriormente não são indenizáveis, a menos que sejam benfeitorias necessárias ou, no caso das úteis, tenham sido autorizadas pelo Poder Público.
  • Depois da declaração, a Administração tem os seguintes prazos para desapropriar:
  • Em caso de utilidade e necessidade pública, até 5 anos; 
  • Em caso de interesse social, até 2 anos; 
  • Após esses prazos, a declaração caduca. No caso da utilidade pública, se caducar, não pode ser declarada novamente por um ano.

b) Fase executiva:
  • Desapropriação administrativa ("amigável"): o particular aceita a proposta da Administração. É celebrado um contrato de compra e venda, com livre manifestação de vontade das partes, que será lavrado em escritura pública e averbada no cartório de registro de imóveis. A este contrato aplicam-se as disposições comuns do direito civil;
  • Desapropriação judicial: é uma ação judicial que apenas comporta discussão sobre dois aspectos: nulidades processuais e no mérito, a justiça da indenização (o preço, o valor do bem desapropriado). Nesta ação não cabe nenhuma outra discussão. Se outras questões surgirem, deverão ser resolvidas em ação autônoma (ex.: dúvida sobre quem é o verdadeiro dono do bem, o que deve ser resolvido em ação própria, e não na ação de desapropriação). Isso visa evitar demora na efetivação da alienação;
  • Na desapropriação, se não houver acordo, será feita perícia para apurar o valor do bem; 
  • A sentença da desapropriação define o valor da indenização e determina a transferência do bem ao domínio público tão logo seja quitado o valor. Essa sentença é título hábil para o registro imobiliário, constituindo uma nova propriedade com abertura de nova matrícula no cartório de imóveis;


6.3) Indenização

A indenização deve ser prévia, justa e em dinheiro:

a) Prévia: primeiro deve ser integralmente paga. Só depois o bem será transferido;
  • Pode ocorrer de não haver, em certo casos, adiantamento integral do preço, casos em que a diferença será paga através de precatório. Nessa situação, não haverá transferência do bem enquanto o precatório não for pago. Só depois do pagamento poderá ser feito o registro da transferência de domínio.
b) Justa: deve traduzir o valor real e atual do bem para permitir ao expropriado a aquisição de outro bem equivalente, o que inclui as custas e os honorários do processo, bem como os juros moratórios (juros devidos pela demora no pagamento por conta da expedição de precatório - 6% ao ano até o precatório ser pago), e juros compensatórios (juros remuneratórios pela perda antecipada da posse, como nos casos de imissão provisória da posse);

c) Em dinheiro: o pagamento será em moeda corrente, e não em títulos (como títulos da dívida pública, forma de indenização admitida em caso de desapropriação decorrente do descumprimento da ordem de aproveitamento adequado de área urbana - CF/88, art. 182, §4º).



PGFN 2012
11- Sobre o regime constitucional da propriedade, é incorreto afirmar:
a) que, no bojo dos direitos fundamentais contemplados na Constituição Federal de 1988, é, concomitantemente, garantido o direito de propriedade e exigido que a propriedade atenda à sua função social.
b) que a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por utilidade pública, mediante justa e prévia indenização em dinheiro ou bens da União.
c) que, no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade privada independentemente de prévia disciplina legal ou ato de desapropriação, assegurado ao proprietário apenas indenização ulterior se houver dano.
d) que no contexto da política de desenvolvimento urbano, o poder público municipal pode, nos termos de lei específica local e observados os termos de lei federal, exigir do proprietário de área incluída no plano diretor que promova o seu adequado aproveitamento sob pena, como medida derradeira, de sua desapropriação mediante justa e prévia indenização com pagamento em títulos da dívida pública.
e) a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, é insusceptível tanto de penhora para o pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva quanto, desde que seu proprietário não possua outra, de desapropriação para fins de reforma agrária.
GABARITO: B


PGE-RS 2015
QUESTÃO 36 – Assinale a alternativa INCORRETA.
A) A imissão provisória na posse do imóvel sujeito à ação de desapropriação não viola a regra da indenização prévia, justa e em dinheiro.
B) A desapropriação sem pagamento de indenização se limita às glebas em que localizado o cultivo de plantas psicotrópicas ilegais ou verificada a utilização de trabalho escravo.
C) Na desapropriação amigável, empreendida em sede administrativa, o pagamento da indenização se dá por meio de precatório.
D) São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária os imóveis rurais produtivos e aqueles, pequenos e médios, que sejam os únicos imóveis do proprietário.
E) A limitação da discussão, nas ações de desapropriação, a questões processuais e ao valor da indenização, não impede que outras questões sejam deduzidas em ação própria.
GABARITO: C



6.4) Desistência da Desapropriação

É possível desistir da desapropriação, dispensando-se a concordância do réu. Porém, ele pode vir a ser indenizado por eventuais prejuízos.


6.5) Imissão Provisória na Posse

É a transferência antecipada da posse do bem expropriado, já no início da lide, em casos de urgência. Para ser concedida, é necessário o depósito prévio da indenização.


6.6) Desapropriação e Aquisição Originária da Propriedade

A desapropriação judicial é forma originária de aquisição da propriedade, ou seja, constitui uma "propriedade nova", que não provém de nenhum título anterior (não há transmissão de propriedade, mas sim constituição de um novo domínio), pois não dependeu da vontade do antigo dono para ser criado. Consequências:
  • Não se transmitem ao expropriante os ônus, direitos reais, vícios do domínio ou do registro imobiliários que incidiam sobre o bem. Assim, hipotecas, ou dúvidas sobre o domínio, se extinguem com a desapropriação;
  • Os credores do expropriado, que tinham direitos reais de garantia sobre o bem, irão se sub-rogar no preço recebido pelo devedor;
  • A desapropriação é irreversível, ainda que quem tenha sido indenizado não seja o verdadeiro dono (ninguém pode reivindicar coisa desapropriada). Para o Poder Público expropriante isto pouco importa, e eventuais prejudicados terão de litigar contra quem recebeu a indenização indevidamente, em ação autônoma.
Estas condições não se verificam para a "despropriação amigável". Nela, como há um mero contrato de compra e venda regido pelo direito civil, a sua aquisição é derivada, havendo transmissão comum da propriedade, inclusive com seus eventuais vícios. Por isso, nessa modalidade, a Administração deve se cercar de cautelas para que não hajam nulidades no negócio.


6.7) Expropriação Indireta

É um esbulho possessório feito pelo Poder Público; a Administração se apossa do bem do particular e lhe dá destinação pública sem desapropriação. 
  • Se o bem for afetado, não pode mais ser retomado; só restará ao particular ingressar com um ação cível indenizatória (chamada na praxe forense de "Ação de Desapropriação Indireta");
  • Depois de paga a indenização, a sentença tem de ser averbada no registro de imóveis para incorporação do bem ao patrimônio público;
  • Se houver o esbulho, mas ainda não houver afetação do bem, cabe medida possessória contra o Poder Público.



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