quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

01 - Direito Administrativo - Uma Introdução

Direito Administrativo

1) Conceito

Existem vários critérios utilizados na conceituação do Direito Administrativo. Vejamos alguns:

a) Critério legalista ou exegético: o Direito Administrativo é o conjunto de leis administrativas;

b) Critério do Poder Executivo: o Direito Administrativo é o conjunto de regras jurídicas que disciplinam o Poder Executivo;

c) Critério das relações jurídicas: o Direito Administrativo é o conjunto de regras jurídicas que disciplinam a relação entre a Administração e os administrados;

d) Critério teleológico ou finalístico: o Direito Administrativo é o sistema de princípios que regula a atividade do Estado na consecução de seus fins;

e) Critério negativo ou residual: o Direito Administrativo regula toda a atividade estatal que não seja jurisdicional ou legislativa;

f) Critério da Administração Pública: o Direito Administrativo é o conjunto de princípios e normas que regem a Administração Pública (este critério é o mais utilizado pela doutrina).
  • Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, o Direito Administrativo é o ramo do direito público que tem por objeto:
  • Os bens utilizados pela Administração para consecução de seus fins.

2) Administração Pública

A expressão "administração pública" é  geralmente utilizada em dois sentidos:

a) Sentido subjetivo, formal ou orgânico: são os sujeitos que exercem a atividade administrativa, e compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos encarregados de exercer uma das funções da atividade estatal, que é a função administrativa (as outras funções são a normativa e a julgadora);

b) Sentido objetivo, material ou funcional: é a natureza da atividade exercida por aqueles sujeitos, sendo a própria função administrativa que incumbe predominantemente ao Poder Executivo (muito embora o Legislativo e Judiciário também administrem suas estruturas de Poder).

Por isso se diz que as atividades, isto é, as funções são o aspecto objetivo da Administração Pública, ao passo que os Poderes são seu aspecto subjetivo. Isso é extremamente importante para se diferenciar Administração Pública e Governo (função política). Vejamos:
  • Aspecto objetivo (funções): como dito acima, o poder estatal se desdobra em três funções, que são a normativa, a administrativa e a julgadora:
  • Normativa: estabelecimento de regras gerais e abstratas;
  • Julgadora: aplicação das regras para solução de um conflito de interesses;
  • Administrativa: aplicação das regras para realização dos fins estatais.
  • Aspecto subjetivo (Poderes): esses Poderes são independentes e harmônicos entre si, de forma que tal separação não é absoluta, e combinados eles formam o poder estatal que é uno, e as atribuições preponderantes de cada um visa garantir um sistema que chamo de gangorra e batentes (popularmente conhecido como "freios e contrapesos" entre as donas-de-casa que já se enfadaram de discutir os embargos infringentes e a teoria do domínio do fato do mensalão, visto que, indignadas com os novos direitos trabalhistas, estão com tempo sobrando em razão de terem sido dispensadas por seus patrões):
  • Legislativo; 
  • Judiciário; 
  • Executivo 
Aquelas três funções são exercidas por esses três Poderes, já que:
  • O Legislativo, além de ter atribuição preponderante de legislar sobre as matérias definidas pela Constituição, administra seu pessoal e bens, etc., bem como julga seus Pares e até o próprio Chefe do Poder Executivo;
  • O Judiciário, além de ter atribuição preponderante de julgar em conformidade com o definido na Constituição, baixa normas internas (ou até profere sentenças normativas em alguns casos) e administra seu pessoal e bens, etc.;
  • O Executivo, além de administrar o Estado desempenhando preponderantemente as atribuições previstas na Constituição, também exerce a função normativa, como nos casos em que emite decretos, regulamentos, portarias, etc., além de participar do processo legislativo iniciando projetos de lei, etc., e ainda exerce a função julgadora, como nos casos em que exerce o controle de seus próprios atos por instâncias administrativas.
E aqui está a função de Governo: na administração do Estado, função política que toca ao Poder Executivo preponderantemente. Ora, a função política é o próprio exercício do poder, e este poder emana do povo, que o exerce através de representantes eleitos. Em nosso sistema presidencialista, que concentra poderes nas mãos do eleito Presidente da República, a maior parte da função de governo é papel do Executivo, mas não com exclusividade, já que ao eleito Legislativo compete impor os limites de atuação do administrador, observada sua atuação discricionária. 

Diferentemente dos Estados Unidos, onde os Juízes também são eleitos pelo povo, no Brasil o Judiciário quase não atua politicamente, senão controlando (e aí chega às vias de impor que o Executivo atue em matéria que a princípio seria de mérito administrativo, com base em princípios constitucionais).

Então fica assim: nenhum poder é exercido de forma absoluta, nem mesmo o poder político (função de governo). Muito embora se tenha a impressão que este pertence ao Executivo, na verdade é parcialmente acumulado por ele, mas também pelo Legislativo.



3) Órgãos Públicos

São centros de competência sem personalidade jurídica criados por lei, que integram a estrutura da administração direta e indireta, e cuja atuação é imputada a pessoa jurídica a qual o órgão pertença (Teoria do Órgão) - Lei nº 9.784/99, art. 1º, §2º.
Uma nota sobre o conceito de administração direta: há uma discussão a respeito do que seria administração direta, isto é, se envolve apenas o Poder Executivo ou também alcança o Legislativo e o Judiciário. Para quem discorda de que tal discussão é pertinente (isto é, de que existe mesmo essa discussão, se isso é objeto de dúvida), destaque-se a previsão do Decreto-Lei nº 200/67, que dispõe sobre a organização da Administração Federal. Seu art. 4º, I, diz que a Administração Federal compreende: "I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios." Este Decreto está em pleno vigor, e frequentemente embasa posicionamentos jurídicos da Administração, como decisões, despachos ou pareceres, oferecendo um conceito normativo de administração direta que englobaria apenas os serviços prestados pela estrutura do Poder Executivo. Pode se concluir que a previsão do DL dá definição de administração direta nos aspectos subjetivo ("dos serviços integrados") e objetivo ("na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios"). Contudo, é de se concluir que a conceituação é falha, por incompleta. Com efeito, tal previsão sequer define suficientemente o que a então vigente Constituição de 1967 dispunha sobre a administração direta. Tal como a Constituição de 1988, a divisão entre administração direta e indireta parece ter o condão especial de alcançar tanto a estrutura centralizada quanto a descentralizada do Estado. Então, pode-se concluir que a divisão da administração entre direta e indireta objetiva apenas alcançar toda a ramificação pela qual o Estado atua, com a finalidade de não excluir a atuação descentralizada. Tanto que o art. 37 da CF/88 dispõe: "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios...". Ou seja, fala em administração direta dos Poderes, dizendo que todos os Poderes contam com administração direta. Então, dentro do Executivo, do Legislativo e do Judiciário é encontrada a administração direta (e também a indireta). Assim, conclui-se que administração direta não é definida pelo DL 200/67 (tal dispositivo parece não recepcionado). Administração direta significa os serviços e as estruturas de todos os Poderes, de maneira não descentralizada. Por isso é que o Legislativo e o Judiciário também desempenham papel de administração direta. Não tem necessariamente haver com função típica ou atípica de tais Poderes, mas de papeis que lhes foram distribuídos no cenário da organização do Estado.

Os órgãos públicos, em regra, não litigam em juízo, pois quem o faz em seu nome é a Procuradoria Jurídica.
  • Capacidade judiciária: alguns órgãos, muito embora não tenham personalidade jurídica, podem litigar em juízo, como é o caso do Ministério Público, das Câmaras municipais, etc., desde que se tratem de seus direitos institucionais.

4) Agentes Públicos

São as pessoas físicas incumbidas definitiva ou transitoriamente do exercício de alguma função estatal com ou sem remuneração, sejam regidos por estatuto ou por CLT.


5) Pessoas Jurídicas Administrativas

São aquelas que integram a Administração Indireta (autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias especiais como agências reguladoras).


6) Atividade Jurídica Não-Contenciosa

As questões já decididas pela Administração em processos administrativos podem ser apreciadas pelo Poder Judiciário, em homenagem ao Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição.
  • Trata-se do chamado "Sistema Inglês" - unicidade da jurisdição. Em nosso ordenamento jurídico, é possível se pleitar um direito diretamente junto ao Poder Judiciário, sem percorrer previamente a espera administrativa, salvo exceções como questões esportivas, previdenciárias, habeas data;
  • Em alguns países como a França e Itália, é adotado o princípio da dualidade de jurisdição, chamado "Sistema Francês", onde as decisões administrativas são definitivas, isto é, não podem ser revistas pelo Poder Judiciário.
Quando se fala em questão já decidida pela Administração, pensa-se também no assunto "coisa julgada administrativa". Na verdade, a coisa julgada administrativa só é imponível à Administração (dos quais ela já não pode se retratar), mas não ao administrado, o qual pode recorrer ao Judiciário para fins de controle de legalidade. CABM que a própria Administração não poderia ir ao Judiciário para anular seu próprio ato depois de superado o momento para retratação. No mesmo sentido, o seguinte julgado do STJ:
ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONSELHO DE CONTRIBUINTES - DECISÃO IRRECORRIDA – RECURSO HIERÁRQUICO – CONTROLE MINISTERIAL – ERRO DE HERMENÊUTICA.
I - A competência ministerial para controlar os atos da administração pressupõe a existência de algo descontrolado, não incide nas hipóteses em que o órgão controlado se conteve no âmbito de sua competência e do devido processo legal.
II - O controle do Ministro da Fazenda (Arts. 19 e 20 do DL 200/67) sobre os acórdãos dos conselhos de contribuintes tem como escopo e limite o reparo de nulidades. Não é lícito ao Ministro cassar tais decisões, sob o argumento de que o colegiado errou na interpretação da Lei.
III – As decisões do conselho de contribuintes, quando não recorridas, tornam-se definitivas, cumprindo à Administração, de ofício, “exonerar o sujeito passivo “dos gravames decorrentes do litígio” (Dec. 70.235/72, Art. 45).
IV – Ao dar curso a apelo contra decisão definitiva de conselho de contribuintes, o Ministro da Fazenda põe em risco direito líquido e certo do beneficiário da decisão recorrida.
(MS 8.810/DF, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/08/2003, DJ 06/10/2003, p. 197)



6) Bens Públicos

São aqueles que pertençam às Pessoas Jurídicas de Direito Público, estejam eles afetados ou não a um fim público.
  • O bem privado que esteja afetado ao (isto é, a serviço do) Poder Público, recebe tratamento de bem público, não podendo ser penhorado, usucapido, etc.


7) Função Administrativa

O Direito Administrativo também pode ser conceituado como como o ramo do direito público que se ocupa do estudo da função administrativa, que é típica do Poder Executivo, mas também do Legislativo e do Judiciário de forma atípica.

A função administrativa abrange os serviços públicos, as atividades de fomento, de polícia administrativa e intervenções.
  • Serviços públicos: são aqueles prestados diretamente pelo Estado ou seus delegados para satisfazer necessidades da coletividade;
  • Atividade de fomento: são atividades de incentivo do poder público à iniciativa privada (programas habitacionais, redução da fome e da pobreza, incentivos fiscais, empréstimos financeiros);
  • Intervenções: propriedade, fiscalização por agências reguladoras e intervenção no domínio econômico - esta última não uma função administrativa, mas sim uma função da Administração;
  • Propriedade: a administração intervêm na propriedade alheia, como nos casos da desapropriação, tombamento, servidões administrativas, etc.;
  • Agências reguladoras: fiscaliza a atividade dos prestadores de serviço público.

8) Função Política

Cumpre mencionar que o Poder Executivo atua de forma dicotômica, pois além da função administrativa, exerce também a função política ou de governo.

  • A função política é desempenhada por agentes políticos que têm atribuições decorrentes diretamente da Constituição Federal, como a sanção ou veto a projeto de lei pelo Presidente da República.


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