sábado, 15 de fevereiro de 2014

03 - Constituição: Elementos e Conceitos. Estrutura da CF/88

3) Elementos e Conceitos de Constituição

De acordo com José Afonso da Silva, os elementos da constituição podem ser divididos nos seguintes grupos:

3.1) Elementos

a) Elementos orgânicos: compreendem as normas constitucionais sobre organização do Estado, organização do Poder, tributação, orçamento público, forças armadas e segurança pública. Ex.:
CF/88, art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. (obs.: a Constituição de 1824 tinha 4 poderes, sendo o 4º o Poder Moderador, do qual o Rei era titular, para fiscalizar os demais Poderes)
...
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
...
Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:
...

b) Elementos limitativos: correspondem às normas constitucionais sobre direitos fundamentais, exceto as que tratam de direitos sociais. Compreendem, portanto, as normas sobre direitos individuais e coletivos, direito à nacionalidade, direitos políticos e partidos políticos. Limitam o exercício do Poder do Estado, fixando direitos à população. Ex.:
CF/88, art. 5º...
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; (obs.: Casa: qualquer local em que a pessoa mora, trabalha ou habita com exclusividade, A inviolabilidade é excepcionada pelo flagrante delito, desastre e, durante o dia, mediante mandado judicial).

c) Elementos sócio-ideológicos: compreendem as normas constitucionais que permitem identificar as ideologias que influenciaram o constituinte. Abrangem as normas constitucionais sobre direitos sociais, ordem social, ordem econômica e sistema financeiro. Ex.:
CF/88, art. 1º A República Federativa do Brasil, ... tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

d) Elementos de estabilização constitucional: compreendem as normas que visam a estabilidade da Constituição, a solução dos conflitos constitucionais e a defesa do Estado e das instituições democráticas. Reúnem as normas sobre reforma constitucional, as normas sobre jurisdição constitucional - especialmente controle de constitucionalidade, estado de defesa, estado de sítio, intervenção federal e estadual. Ex.:
  • Intervenção: retirada da autonomia do Ente Federativo (ex,: separatista) - CF/88,
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
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Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:
  • Estado de Defesa - CF/88:
Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.
  • Estado de Sítio - CF/88:
Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:
...
Obs.: Entre os Estados de Defesa e de Sítio paira, dentre outras, a diferença de que - art. 49:
  • No Estado de Defesa, a manifestação do Congresso será posterior (pois defender pressupõe ataque, requerendo urgência);
  • No Estado de Sítio, a manifestação do Congresso será anterior (os representantes do povo delimitarão as garantias que serão suspensas e em que condições).

e) Elementos formais de aplicabilidade (instrumentais): visam a favorecer a interpretação e a efetiva aplicação das normas constitucionais. Compreendem as disposições transitórias, aplicabilidade e o preâmbulo constitucional (este último não tem força normativa, servindo como elemento de interpretação constitucional, segundo o STF). Ex.:
Art. 5º
...
§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. 
Obs.: o Mandado de Injunção e o direito de resposta não contam com leis regulamentadoras, e nem por isso pode deixar de ser usado. Também o ADCT tem eficácia.

3.2) Conceitos de Constituição

a) Conceito sociológico (Ferdinand Lassale): constituição não é um documento, não é papel. É a soma dos fatores reais de poder que emana da sociedade;


b) Conceito político (Karl Schmidt): constituição é uma decisão política fundamental, tomada pelo povo. "Seremos uma democracia?" Decisionismo.
  • Lei constitucional é diferente de:
  • Norma materialmente constitucional: tem conteúdo de Direito Constitucional; 
  • Norma formalmente constitucional: está na Constituição, mas não tem conteúdo de Direito Constitucional (ex.: CF/88, art. 242, § 2º - O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal).

c) Conceito jurídico (Hans Kelsen)
  • Sentido jurídico: constituição é uma lei - a mais importante do ordenamento jurídico. É o pressuposto de validade das demais leis.
A Lei Ordinária não é hierarquicamente inferior à Lei Complementar (e nem superior). Ambas estão no mesmo patamar, já que obtêm validade diretamente da Constituição.
  • Sentido lógico-jurídico: há uma norma fundamental-hipotética cuja única ordem é: seja cumprida/obedecida a Constituição.

d) Conceito culturalista (Meireles Teixeira): constituição é fruto da cultura de um país.
  • A relação entre a Constituição e a cultura de um país é bilateral: a Constituição é criada de acordo com a cultura, mas também irá influenciar (ou ditar) a cultura ao fixar os valores do país.


4) Estrutura da Constituição de 1988

4.1) Preâmbulo Constitucional

Introdução ao texto constitucional. Todas as Constituições brasileiras tiveram preâmbulo, mas não é obrigatório.

O STF entende que o preâmbulo não é norma constitucional. Consequências:

a) Não é de repetição obrigatória nas Constituições Estaduais;

b) Não pode ser utilizado como parâmetro no controle de constitucionalidade;

c) A palavra "Deus" não fere a laicidade do Estado (no Império, segundo a Constituição 1824, art. 5º, havia uma situação de Estado confessional). Portanto, se o preâmbulo não é norma, ele também não fere a laicidade do Estado. Ademais, inexiste no texto constitucional uma definição para "Deus".
EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONSTITUIÇÃO: PREÂMBULO. NORMAS CENTRAIS. Constituição do Acre. I. - Normas centrais da Constituição Federal: essas normas são de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro, mesmo porque, reproduzidas, ou não, incidirão sobre a ordem local. Reclamações 370-MT e 383-SP (RTJ 147/404). II. - Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 2.076)
Obs.:
  • O CNJ decidiu que o crucifixo de seu Plenário (bem como de outras repartições do Poder Judiciário, de competência do CNJ) não fere a laicidade do Estado, já que se trata de manifestação histórica da cultural brasileira. Tal interpretação também se aplica aos feriados religiosos.
  • Para o CNJ, “o uso de tais símbolos constitui um traço cultural da sociedade brasileira e ‘em nada agridem a liberdade da sociedade, ao contrário, só a afirmam’”. E ainda, que a presença do crucifixo seria uma necessidade jurídica, porque “trata-se de representação, ainda que religiosa, do respeito devido àquele local”.

4.2) Parte Permanente

Tem duração indeterminada, podendo ser alterada por via de Emenda Constitucional e Revisão Constitucional (feita em 1993 - Emenda Constitucional nº 4, e que na verdade foi considerada um fracasso, conforme a seguinte notícia da imprensa oficial do Senado):
"A revisão constitucional, prevista na própria Carta de 88 para cinco anos depois, acabou em fracasso, com apenas seis emendas aprovadas no primeiro semestre de 1994. Quando os constituintes colocaram na Carta a previsão de que ela seria revisada pelo Congresso, imaginavam que então seria o momento para modificar o que não dera certo e melhorar alguns pontos.
No entanto, a revisão chegou em uma época de crise e de paralisia, pois o Congresso, depois da CPI do PC Farias, havia enfrentado a CPI do Orçamento, que levou à cassação de seis parlamentares e à renúncia de outros. O senador Marco Maciel (DEM-PE) afirma ainda que o presidente Itamar Franco também não se interessou pela revisão. Um ano antes, os brasileiros haviam manifestado em plebiscito que não queriam mudar a forma e o sistema de governo, mantendo a República presidencialista.
Fora isso, a revisão constitucional foi realizada quando os brasileiros estavam voltados para as primeiras medidas do Plano Real, a começar por uma estranha "moeda de referência" chamada URV - Unidade Real de Valor. Os supermercados exibiam preços em cruzeiro real e em URV. O ano de 1994 também teria eleições e os deputados e senadores não queriam mexer em uma Constituição que fora saudada com entusiasmo pela sociedade, lembra o senador Marco Maciel.
Some-se a isso o temor que tinham os parlamentares oposicionistas quanto à possibilidade de reorganização do grupo político conhecido na imprensa por "Centrão", o qual poderia impor retrocessos aos avanços sociais obtidos cinco anos antes. Nos seus primeiros anos, a Constituição foi muito criticada por empresários, sob o argumento de que ela apresentava direitos em excesso e poucos deveres para os trabalhadores e cidadãos.
Assim, as seis emendas de revisão, que tratavam de assuntos específicos, foram aprovadas sem maiores polêmicas. Uma delas reduziu o mandato do presidente da República de cinco para quatro anos e outra criou o Fundo Social de Emergência, considerado como essencial pra implantar o programa econômico do governo Itamar Franco, permitindo ao governo dispor com autonomia de parte da arrecadação para o saneamento financeiro da União. Foi aprovada ainda a suspensão dos efeitos da renúncia de parlamentar submetido a processo de perda de mandado."


4.3) ADCT - Atos das Disposições Constitucionais Transitórias

Trata-se de norma de conteúdo constitucional, podendo ser alterado por Emenda. São normas de caráter excepcional, temporário e transitório.



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