segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

07 - Hermenêutica Constitucional


Hermenêutica jurídica: explicação da norma pela ciência da interpretação.


1) Introdução

Hermenêutica constitucional: a interpretação da Constituição é diferente da interpretação da lei.

a) A Constituição é mais importante, está acima das outras leis e, ao contrário das leis, não conta com uma norma parâmetro;

b) A Constituição trás princípios e normas de caráter político.
  • Para o alemão Peter Haberle, a interpretação constitucional não deve ser considerada função exclusiva do Judiciário; na verdade, esta função cabe a todos os segmentos sociais e órgãos estatais (é o que ele chamou de "sociedade aberta dos intérpretes da constituição", em oposição a sociedade fechada composta por magistrados). O regime jurídico brasileiro, com apoio do STF, tem caminhado neste sentido, conforme faz prova a figura do Amicus Curiae e a oportunidade de opinião da sociedade em casos de grande relevo nacional através de audiências públicas.

2) Abrangência

A hermenêutica Constitucional visa analisar a validade, vigência, aplicabilidade, interpretação e integração das normas constitucionais.

2.1) Validade das Normas Constitucionais

  • Norma válida é aquela produzida em consonância, quanto ao conteúdo, com o ordenamento jurídico do país. É a "validade material";
  • É também aquela produzida segundo os ditames do processo legislativo vigente. É a chamada "validade formal". 
Em relação às normas constitucionais, há que se analisar separadamente, quanto à validade, as que são produzidas pelo Poder Constituinte Originário e as que são produzidas pelo Poder Constituinte Derivado.

As normas constitucionais originárias são sempre válidas formal e materialmente, porque são produzidas pelo PCO, que é ilimitado e incondicionado. O STF tem destacado que não cabe ao Judiciário - que é um Poder constituído - invalidar ato produzido pelo PCO. O STF afastou a aplicação, no Brasil, da tese do alemão Otto Bachof, que sustenta a possibilidade da inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias. Segundo o autor, essa inconstitucionalidade ocorreria por afronta a um direito suprapositivo, como o direito natural, ou mesmo por afronta ao núcleo fundamental da constituição. Ao rebater esta tese na ADI nº 815, o STF ressaltou que cláusula pétrea é apenas obstáculo ao poder de reforma, e não ao originário. 
EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafos 1º e 2º do artigo 45 da Constituição Federal. - A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras e incompossível com o sistema de Constituição rígida. - Na atual Carta Magna "compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição" (artigo 102, "caput"), o que implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originário, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição. - Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação as outras que não sejam consideradas como cláusulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida por impossibilidade jurídica do pedido.
No Brasil, admite-se apenas a possibilidade da inconstitucionalidade de normas constitucionais derivadas, uma vez que o PCD-R é limitado e condicionado. Assim, as Emendas Constitucionais são questionáveis por ADI (e a maioria delas de fato o são).
  • Leia o relatório e o voto da ADI 815 para enriquecimento no assunto. Ali, além de se aproveitar o Parecer do PGR sobre o tema, ainda se percebe como o algumas cabeças sulistas enxergam seu papel político-institucional no Brasil.

2.2) Vigência das Normas Constitucionais

Vigência é a qualidade da norma que dá a ela executoriedade compulsória. Via de regra, a vigência das normas constitucionais é imediata, salvo expressa disposição em contrário na própria Constituição, isto tanto em relação às normas originárias, quanto em relação às normas derivadas. As consequências do advento de uma nova constituição em relação ao ordenamento jurídico anterior são as seguintes:
  • Em relação à Constituição anterior: prevalece o entendimento de que a vigência de uma nova Constituição provoca a revogação total (ab-rogação) da Constituição anterior e de forma imediata, salvo expressa previsão em sentido contrário na nova, tal como se deu no art. 34 do ADCT, que deixou viger o antigo STN por mais cinco meses. Existe ainda um fenômeno não aplicado no Brasil denominado "desconstitucionalização", que significa que as normas da Constituição anterior não reproduzidas pela nova, e que a não contrariam, permaneceriam vigentes, mas com outra natureza - natureza de lei infraconstitucional. O Supremo não admitiu a desconstitucionalização no Brasil. Quanto à repristinação de Constituição, só será admitida mediante expressa previsão constitucional;
  • Em relação à legislação infraconstitucional anterior: aplica-se o princípio da recepção, ou seja, a legislação anterior de conteúdo compatível com a nova Constituição é recepcionada, permanecendo vigente. Ocorre verdadeira novação da legislação anterior, pois tecnicamente é a mesma lei, mas com novo fundamento de validade. Para que ocorra a recepção, basta a compatibilidade de conteúdo entre a lei anterior e a nova Constituição. Promove-se, então, um juízo de conformidade material, sendo irrelevante eventual discrepância formal. Só se admite recepção de lei que já era constitucional material e formalmente à luz da constituição anterior, ainda que aquela lei não haja sido submetida a apreciação*. Se a legislação anterior contraria materialmente a nova Constituição, não haverá recepção. Para o STF, a não recepção implica revogação (caducidade) da lei. Não prevaleceu no STF a posição de que a não recepção geraria a inconstitucionalidade superveniente - e como consequência a ADI não pode ser proposta em face de lei anterior a 1988 (não são inconstitucionais; são revogadas, não recepcionadas), mas em 1999 foi regulamentado o §1º do art. 102 da CF/88, transformando a ADPF em uma ação originária do STF, pela qual se discute as leis anteriores a 1988, como já foram submetidos o aborto do feto anencéfalo e a Lei de Imprensa.
*Súmula 732-STF - É CONSTITUCIONAL A COBRANÇA DA CONTRIBUIÇÃO DO SALÁRIO-EDUCAÇÃO, SEJA SOB A CARTA DE 1969, SEJA SOB A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, E NO REGIME DA LEI 9424/1996.

2.3) Aplicabilidade das Normas Constitucionais

Eficácia é a potencialidade para gerar efeitos, e a aplicabilidade é a concretização desses efeitos. 

Para a doutrina clássica, que teve entre seus expoentes o norte-americano Thomas Cooley (Doutrina Cooley), as normas constitucionais, quanto à aplicabilidade podem ser:
  • Autoexecutáveis (self executing): possuem aplicabilidade imediata;
  • Não autoexecutáveis (not self executing): dependem de regulamentação posterior. Estas, pela concepção clássica, seriam meras recomendações ao legislador, não possuindo força executiva. Seriam normas não-jurídicas, não-vinculantes (algo como "conselhos").
A doutrina contemporânea entende que todas as normas constitucionais têm eficácia, e o que varia é o grau de aplicabilidade. Atualmente, a classificação mais utilizada é a seguinte:
  • Normas constitucionais de eficácia plena (ou de mera aplicação): são normas completas, claras, que contêm as informações, os elementos necessários para a sua compreensão, e por isso possuem aplicabilidade imediata (ex.: CF/88, art. 5º, IV - vedação do anonimato);
  • Normas constitucionais de eficácia contida (ou de integração restringíveis, ou de eficácia relativa restringíveis, ou redutíveis): também são normas completas, de aplicabilidade imediata, mas a própria norma constitucional prevê a edição de lei posterior ou uma providência do Poder Público que restrinja o alcance dessa norma constitucional, que restrinja o direito nela previsto (ex.: CF/88, art. 5º, XIII - liberdade profissional). JAS considera que também são normas de eficácia contida as que preveem restrições a direitos por razões de necessidade ou utilidade pública, interesse social, iminente perigo público, calamidade pública, perturbação da ordem, entre outras;
  • Normas constitucionais de eficácia limitada (ou normas de integração completáveis, ou normas de eficácia relativa dependentes de complementação): são normas constitucionais incompletas, cuja aplicabilidade depende de regulamentação posterior. Por isso, são consideradas normas de aplicabilidade diferida ou mediata (ex.: CF/88, art. 153, VII - Imposto sobre Grandes Fortunas; art. 37, VII - direito de greve do servidor público, situação em que a norma não foi clara, tendo o STF o feito pelo Mandado de Injunção);
Obs.: 
  • Mesmo as normas de eficácia limitada geram ao menos alguns efeitos de imediato, como por exemplo, provocam a não recepção da legislação infraconstitucional com elas incompatível. Da mesma maneira, as normas constitucionais de eficácia limitada condicionam a atuação futura do legislador, que não poderá contrariá-las; 
  • Para JAS é possível identificar entre as normas de eficácia limitada, as denominadas normas institutivas (ou de princípio institutivo) e normas programáticas (ou de princípio programático):
  • Institutivas: são as que preveem a necessidade ou possibilidade de criação, organização, ou até disciplina de competências de instituições, órgãos em geral e até mesmo de entes políticos. Essas normas podem ser impositivas (CF/88, art. 134 - cada Estado criará sua defensoria pública; art. 98, II - cada Estado criará sua justiça de paz) e facultativas (CF/88, art. 125, §3º - o Estado poderá criar Justiça Militar; art. 18, §§2º, 3º e 4º - poderão ser criados territórios, Estados e municípios), conforme o caso;
  • Programáticas: são aquelas que preveem a necessidade de implementação de programas sociais e econômicos pelo Poder Público. Atualmente a doutrina tem considerado essas normas como de "aplicabilidade progressiva", pois dependem de disponibilidade financeira e orçamentária, exceto quanto ao mínimo existencial que deve ser, de imediato, implementado. Afinal, as normas programáticas também possuem caráter cogente e vinculante.
  • Normas constitucionais de eficácia exaurida (ou de eficácia esgotada, ou de eficácia esvaída): são aquelas que já cumpriram todos os seus objetivos. As disposições transitórias têm diversos exemplos, tais como art. 2º (plebiscito em 1993 sobre formas de governo) e 3º (revisão constitucional em 1994), dentre outros;
  • Normas constitucionais de eficácia absoluta: são as cláusulas pétreas.
PGFN 2012
2 - Sobre as classificações atribuídas às normas constitucionais, é incorreto afirmar que
a) são classificadas como regras as normas constitucionais que descrevem condutas no modelo binário permissão-proibição.
b) entre outras possíveis classificações, as normas constitucionais podem ser qualificadas como regras, princípios ou normas de competência.
c) “norma de eficácia contida”, ou “norma de eficácia restringível”, é aquela que independe de regulação infraconstitucional para a sua plena eficácia, porém pode vir a ter a sua eficácia ou o seu alcance restringido por legislação infraconstitucional.
d) na tradição da doutrina norte-americana, incorporada por diversos autores brasileiros, as normas não auto-aplicáveis são aquelas que independem de regulação infraconstitucional para a sua plena eficácia.
e) “norma de eficácia limitada”, ou “norma de eficácia relativa”, é aquela que depende de legislação infraconstitucional para a sua plena eficácia.
GABARITO: D


3) Interpretação das Normas Constitucionais

A doutrina geralmente destaca que diversos métodos clássicos de interpretação também são aplicáveis no âmbito da interpretação constitucional, tais como:

3.1) Método Histórico

Verifica-se a genealogia da norma constitucional. Se preocupa com a vontade do legislador, por meio do exame dos debates do passado, vetos, exposições de motivo, etc. (ex.: CF/88, art. 12, §1º - portugueses residentes no Brasil, desde que haja reciprocidade, terão os mesmos direitos dos brasileiros. Já interpretou-se que estes direitos se referem aos dos brasileiros naturalizados).


3.2) Método Teleológico

Busca a finalidade da norma (o anseio, o espírito do legislador).


3.3) Método Hermenêutico-Clássico (ou Tradicional, ou Jurídico, ou Literal, ou Gramatical, ou de Savini)

Em geral, é apenas o ponto de partida da interpretação da norma. O intérprete vai se utilizar de métodos tradicionais de interpretação das leis, como o gramatical, literal (letra da lei) (ex.: CF/88, art. 5º, XII - interceptação das ligações telefônicas: o STF decidiu que os dados não se incluem).


3.4) Método Lógico

Que se vale de conclusões lógicas do tipo "quem pode o mais, pode o menos" (ex.: no Processo Penal, confira-se a conclusão de que o crime inafiançável não pode receber liberdade provisória sem fiança, ainda que inexista vedação e vigore o princípio da presunção de inocência - afinal, não haveria lógica em se conceder um benefício incondicionado - ser liberado provisoriamente SEM fiança - se está vedada o benefício condicionado - a liberdade cautelar COM a fiança):
"[...] a proibição de liberdade provisória, nessa hipótese, deriva logicamente do preceito constitucional que impõe a inafiançabilidade das referidas infrações penais [...], seria ilógico que, vedada pelo art. 5º XLIII, da Constituição, a liberdade provisória mediante fiança nos crimes hediondos, fosse ela admissível nos casos legais de liberdade provisória sem fiança’ (Ministro Sepúlveda Pertence);
Sendo o crime inafiançável, ele não comportaria mesmo a liberdade provisória. E a Lei nº 8.072, art. 2º, inciso II, ao falar que não cabem a ‘fiança e liberdade provisória’, de certa forma foi até um pouco redundante, não haveria nem necessidade da ressalva’ (Ministro Carlos Ayres Britto); ‘Essa circunstância (a inafiançabilidade contida no art. 5º, XLIII, da CF) [...] afasta a liberdade provisória [...], porque se nem mesmo com fiança é possível, o que se dirá sem a fiança’ (...) (STF HC nº 83468/ES)
Se bem que parte da doutrina e a Defensoria Pública advogam a liberdade provisória nos crimes inafiançáveis. Talvez o que se pretendeu proibir foi que "o dinheiro pudesse comprar" tal liberdade. Isto, porém, não afastaria o "sentir" do Juiz, que deve ter mais valor que a fiança.

Deve-se considerar, finalmente, que inadmite-se a declaração de inconstitucionalidade de dispositivo da Constituição, muito embora seja possível submeter Emendas Constitucionais ao controle de constitucionalidade.


3.5) Método Tópico-Problemático

O legislador parte do problema para chegar às razões norma (ex.: polícia invadir casa à noite - crianças inocentes dormindo - absurda violação do lar familiar e seu sossego - legisla-se pela proibição).


3.6) Método Científico-Espiritual

A interpretação constitucional deve levar em consideração a compreensão da Constituição como uma ordem de valores e como elemento do processo de integração


3.7) Método Normativo-Estruturante

O intérprete deve buscar o real sentido da norma constitucional (ex.: direito de permanecer calado - na verdade, decorre do princípio de que ninguém é obrigado de produzir prova contra si).


3.8) Método Hermenêutico-Concretizador

O intérprete parte de uma pré-compreensão da norma para depois fazer um círculo hermenêutico. Como resultado, a interpretação vai ditar o como deve se dar o fato, e o fato deve expressar o que foi interpretado.


3.9) Método Comparativo

O intérprete vai comparar o texto de sua Constituição com o Direito Constitucional / Constituições de outros países.


4) Posicionamentos a Respeito da Hermenêutica

4.1) Interpretativismo

O intérprete está jungido somente ao texto constitucional e aos princípios claramente implícitos.


4.) Não-Interpretativismo

O intérprete não está limitado ao texto constitucional, mas deve buscar os valores constitucionais (posição que prevalece na doutrina e no STF).


5) Interpretação das Normas

5.1) Objetivista

Vontade da lei (mens legis) - objetivistas: prevalece o entendimento que deve ser buscada a vontade da lei.


5.2) Subjetivistas

Vontade do legislador (mens legislatoris) - subjetivistas: são muitos os legisladores, o que poderia gerar insegurança e instabilidade no ordenamento jurídico.


6) Princípios de Interpretação Constitucional

6.1) Princípio da Unidade

Havendo conflito entre normas constitucionais, elas devem se compatibilizar. A Constituição é um todo harmônico.


6.2) Princípio da Eficiência / Máxima Efetividade

O intérprete deve buscar maior eficácia possível da Constituição, inclusive das normas programáticas.


6.3) Princípio da Força Normativa da Constituição

O intérprete deve dar a maior longevidade possível à Constituição; esta deve durar o máximo possível, evitando excessivas reformas constitucionais


6.4) Princípio da Concordância Prático-Harmonização

Conflito entre direitos fundamentais, os quais devem se harmonizar.


PGFN 2015
13- A interpretação constitucional experimentou ampla evolução desde a primeira decisão judicial que declarou a inconstitucionalidade de um ato normativo, primazia da Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1803, no caso Marbury v. Madison. A respeito desse tema, princípio da interpretação constitucional, é correto afirmar que:
d) o princípio da concordância prática manifesta sua utilidade nas hipóteses de confl ito entre normas constitucionais, quando os seus programas normativos se abalroam.



6.5) Princípio da Justeza / Conformidade Funcional

O intérprete não deve alterar as competências constitucionais.



6.6) Princípio da Integração / Força Integradora

Diante de um conflito entre normas constitucionais, o intérprete deve prestigiar uma maior integração política ou social.


6.7) Princípio da Proporcionalidade (Alemanha)

Possibilidade de se limitar os direitos fundamentais pela legislação, pelo binômio necessidade-adequação.
  • Proporcionalidade em sentido estrito: colocação dos direitos fundamentais dos dois lados da balança (ex.: direito à ampla defesa - onde está inserido o direito de presença no julgamento, mas a Lei nº 11.900/2009 prevê o interrogatório por vídeo-conferência).
Obs.: em matéria de hermenêutica constitucional pelo menos, não se confunde com o Princípio da Razoabilidade (EUA): verificação se o ato do poder público mantém a relação do binômio critério-medida.

7) Interpretação Conforme

É mais do que uma forma de interpretação constitucional; trata-se de uma modalidade de controle de constitucionalidade. Decorre do princípio de constitucionalidade das leis. As leis presumem-se constitucionais (havendo inclusive, no processo legislativo, participação de Comissões de Constituição e Justiça do Poder Legislativo, bem como possibilidade, pelo Executivo, de Parecer Ministerial ou do AGU na elaboração do Projeto ou antes da sanção/veto).

Se uma lei tem uma ou mais interpretações, deve-se optar pela interpretação segundo a qual tal lei é constitucional.

Ainda, o Poder Judiciário, no papel de legislador negativo, pode excluir partes do texto legal (como ocorreu no art. 7º do Estatuto da OAB, por exemplo).

A Interpretação Conforme atua na variação dos sentidos (redução, ampliação ou requalificação). Seleciona sentidos que um dispositivo legal questionado pode obter de acordo com a Constituição, fazendo com que a norma permaneça no ordenamento jurídico, agora harmonizada com a Lei Maior.
  • A declaração parcial SEM redução de texto atua na variação do âmbito de aplicação do ato normativo, subtraindo alguma situação jurídica abrangida pelo texto normativo (não subtraindo, portanto, a disposição legal ou trecho dela). Permite uma redução do círculo de aplicação da norma, ou seja, em tal situação, a lei é inconstitucional, mas não pode ter seu texto alterado sem comprometer as demais situações constitucionalmente alinhadas;
  • Já na declaração parcial COM redução do texto, parte da norma será retirada do ordenamento jurídico, incompatível que é com a Constituição em qualquer situação de fato. Neste aspecto é que se diz que o STF atua como legislador negativo;
  • É diferente do veto presidencial, o qual deve abranger texto integral de artigo, parágrafo, inciso ou alínea, sob pena de se mudar os sentidos das expressões maculando o intento do legislador. 

8) Integração das Normas Constitucionais

O tema refere-se aos mecanismos reconhecidos para sanar lacunas da própria Constituição. São eles:

8.1) Analogia Constitucional

É a aplicação de norma que regula certa situação fática para disciplina de outra situação semelhante. Só se admite analogia entre normas da Constituição (ex.: o STF garantiu às entidades esportivas - CF/88, art. 217, I - a mesma autonomia de estruturação interna garantida aos partidos políticos - art. 17, já que são duas entidades privadas parecidas. Isto impediu a invasão das leis em tal campo, impedindo a tentativa de se impor que as entidades esportivas se transformassem em empresas).


8.2) Costume Constitucional

São práticas reiteradas que conferem faculdades, poderes, competências a cidadãos e autoridades. Todo costume tem dois elementos:
  • Elemento externo (ou objetivo): refere-se à pratica reiterada sem oposição do Estado e da sociedade; 
  • Elemento interno (ou subjetivo): é a convicção social de que determinado comportamento, poder ou competência é obrigatório, coercitivo.

Tradicionalmente, a doutrina tem reiterado que não se admite o costume contra constitutionem. Porém, esta ideia não se confunde com a aceitação da mutação constitucional (fenômeno pelo qual se admite a reforma da Constituição sem alteração de seu texto, mas de sua interpretação).

No Brasil, há divergência sobre a manutenção ou não de um costume constitucional amplamente reconhecido antes da Constituição de 1988: o que o Poder Executivo poderia deixar de cumprir leis (atos do Poder Legislativo) que considere inconstitucionais:

  • Com o advento da CF/88, parte da doutrina sustentou que este costume seria contrário ao novo modelo de separação de Poderes, e também porque a Constituição de 1988, diferentemente da anterior, previu a legitimidade ativa do Chefe do Poder Executivo para a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade - art. 103;
  • Outra posição sustenta que referido costume permanece legítimo. Afinal, seria uma hipótese de controle repressivo de constitucionalidade exercido pelo Poder Executivo. O STF tem um precedente do início da década de 90 admitindo este costume. Acontece em julgamentos em tribunais administrativos.


8.3) Convenção Constitucional

Há ainda uma outra figura que é próxima, mas que não se confunde com o costume, denominada Convenção Constitucional, que é solução dada a determinadas questões pelos próprios agentes do poder, criando um precedente que se torna compulsório, ou aplicável na prática a partir daquele momento.
Ex.: a EC nº 32/01 criou regra para as MPVs, no sentido de que se o Congresso não concluísse a votação das mesmas em 45 dias a pauta ficaria trancada - art. 62, §6º. A Câmara interpretou (com concordância do Senado) que este trancamento se daria apenas para normas de conteúdo legislativo ordinário (poder típico do Legislativo), e não das normas administrativas do Legislativo (no exercício do poder atípico). Em seguida, o então Presidente da Câmara Michel Temer foi em Plenário afirmar que não se tranca a tramitação de leis cuja matéria a MP não pode tratar, em especial PLC e PEC. Se as MPs trancam toda a pauta do Legislativo, até a declaração de guerra ficaria impedida, pois se dá via Decreto Legislativo. Isto criaria ainda uma forma de o Executivo predominar sobre o Legislativo, ferindo a separação de poderes. Portanto, as MPs não poderiam sequer trancar sessão extraordinária. Foi impetrado mandado de segurança contra esse ato do Presidente da Câmara - vide MC no MS nº 27.931.  O STF (Min. Celso de Melo) indeferiu a medida cautelar, demonstrando certa concordância do Judiciário com a interpretação do Legislativo.
A CF/88 não está dizendo expressamente que a MPV tranca apenas tramitação de Projetos de Leis Ordinárias, nem o STF. Entretanto, agentes do Poder, na atuação do Poder, adotam solução que atenda seus interesses sem ferir a Constituição. Isto é Convenção Constitucional.


8.4) Teoria dos Poderes Implícitos

Significa que se a Constituição confere expressamente poderes e competências a órgãos e autoridades, confere também implicitamente os instrumentos necessários para a plena viabilização dessas atribuições.

Com base nesta teoria, parte da doutrina tem defendido o poder de investigação do Ministério Público. O STF tem inclinação para admitir este poder de investigação, com algumas restrições, conforme manifestação favorável unânime na 2ª Turma (RE 468.523), e que agora está em análise no Plenário, com repercussão geral reconhecida (RE 593.727). Paralelamente, houve a rejeição da PEC nº 37 pelo Legislativo (pela via da qual se tentava limitar expressamente na Constituição o poder investigativo do MP).

Essa teoria surgiu nos Estados Unidos, e foi o fundamento do reconhecimento da existência da figura da Reclamação para a preservação da autoridade das decisões e das competências da Supreme Court. Da mesma maneira, na década de 50, a Reclamação foi admitida no Brasil antes de qualquer previsão normativa, seja na Constituição, seja em Regimento do STF.

Atualmente, a CF/88 prevê nos artigos 102 e 105, a Reclamação para preservação da autoridade das decisões e das competências do STF e do STJ. Mesmo não havendo previsão constitucional para outros Tribunais, diversos regimentos previram a Reclamação (a exemplo da CE-GO, art. 46, VIII, i; e o STF entendeu que tal postura é constitucional, invocando novamente a teoria dos poderes implícitos - ADI 2.212).

Assim, se o STF ou o TJ pode declarar norma inconstitucional, pode também usar de instrumentos jurídicos para fazer prevalecer seu entendimento. Isto permitiria a reclamação mesmo se ela não existisse na Constituição.


8.5) Princípios Gerais do Constitucionalismo

São princípios que marcaram o surgimento das primeiras Constituições modernas e que, em razão de sua importância para o Estado de Direito, foram preservados ao longo da evolução do constitucionalismo, tais como o Princípio Democrático e o Princípio da Separação de Poderes.
Obs.: o STF admitiu que determinadas lacunas da Constituição não podem ser sanadas. São na realidade lacunas propositais. É o que se denomina "silêncio eloquente", isto é, o Constituinte pretendeu não abranger aquela hipótese (ex.: o art. 102, I, a, previu a possibilidade de Ação Direta de Inconstitucionalidade para questionar leis e atos normativos Federais ou Estaduais em face da Constituição Federal, silenciando sobre o questionamento de leis municipais. O STF considerou esta lacuna como "silêncio eloquente", o que impede a lei ordinária de prever ADI para questionar lei municipal em face da Constituição Federal - ADI 4.651. Cabe, porém, ADPF, que tem a mesma natureza - ADPF 1).



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