segunda-feira, 26 de maio de 2014

10 - Controle de Constitucionalidade - Controle Difuso I

Controle Difuso

1) Introdução

O controle difuso é provocado por qualquer ação judicial, individual ou coletiva, que tenha por finalidade a solução de concretos conflitos de interesses; ações que buscam a defesa de direitos específicos violados por um ato inconstitucional. Nessas ações, o pedido é a defesa de direitos específicos, e a questão da inconstitucionalidade aparece na causa de pedir.

Esta forma de provocação do controle difuso para a solução de casos concretos é conhecida pela doutrina como via de exceção ou defesa. Por esta via, é possível questionar a inconstitucionalidade de lei federais, estaduais e municipais em face da CF/88.

A decisão judicial no controle difuso tem efeito inter partes, o que significa que a lei questionada não será invalidada; a decisão apenas determina que tal lei não será aplicada àquele caso concreto. A referência à inconstitucionalidade, nessas hipóteses, não aparece no dispositivo, e sim na fundamentação da decisão judicial. É o que se denomina declaração incidental de inconstitucionalidade.

Assim, a inconstitucionalidade, no controle difuso, não é pedido, mas fundamento, razão pela qual pode o Juiz declará-la ainda que as partes não o requeira expressamente. Por não ser pedido, o reconhecimento, de ofício, do incidental de inconstitucionalidade não é decisão extra petita

Por não proferir julgamento que busque invalidar a lei, no controle difuso o Juiz Estadual está autorizado a reconhecer a inconstitucionalidade de Lei Federal no caso concreto a ele distribuído. O Poder Judiciário tem caráter Nacional, sendo una e indivisível a jurisdição. O direito legislado no Brasil é eminentemente Federal, sendo aplicado tanto pelo Juiz Estadual quanto pelo Federal. A questão é de simples constatação se considerado os exemplos dos Códigos Civil, Penal, Tributário, Consumidor, etc. - Leis Federais cotidianamente estudadas pelas Varas e Tribunais Estaduais.

  • Trocando em miúdos: a Justiça Comum pode declarar incidentalmente, nos autos de um processo em julgamento, a inconstitucionalidade de leis federais.

O STF tem entendido que esta decisão com alcance inter partes tem, via de regra, efeito ex tunc entre as partes. Porém, o Judiciário poderá, por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, alterar o alcance temporal do julgado entre as partes, fixando, por exemplo, efeito ex nunc ou pro futuro. Essa modulação dos efeitos da decisão é uma construção jurisprudencial derivada do comando da Lei da ADI, art. 27.

Na hipótese de ação civil pública, cuja legislação faz referência à eficácia erga omnes da decisão (art. 16), o STF tem posição consolidada no sentido de que esta ação só poderá provocar o controle difuso incidental, ou seja, a questão da inconstitucionalidade só poderá constar da causa de pedir, e jamais do pedido. Caso contrário, haveria usurpação de competência do STF, pois seria uma ADI disfarçada.


2) Cláusula de Reserva de Plenário

Os Tribunais também exercem o controle difuso, mas devem observar a CF/88, art. 97, que prevê o Princípio da Reserva de Plenário, segundo o qual os Tribunais só podem declarar a inconstitucionalidade de leis e atos normativos pelo voto da maioria absoluta de seus membros, ou do Órgão Especial, o qual pode ser criado nos Tribunais com mais de 25 magistrados para exercer as funções jurisdicionais e administrativas que seriam do Pleno.

A razão de ser da reserva de plenário é o fato de que, em nome da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais, o reconhecimento de inconstitucionalidade pelos Tribunais deve competir ao órgão que o representa, de modo patente - maioria absoluta.

A Constituição estabeleceu a exigência do art. 97 aos Tribunais porque, além de serem órgãos colegiados, suas decisões gozam de estabilidade. O disposto neste artigo, em momento algum, impede que o Juiz singular, ao proferir sentenças, se manifeste no sentido da inconstitucionalidade de leis.

As decisões do Juiz de 1º grau, além de serem marcadas com certo grau de precariedade decorrente do duplo grau de jurisdição (a sentença será naturalmente submetida a novo exame), afirmam a posição "unânime" daquele órgão singular. Já as decisões do Tribunal, além deste ser o último grau para exame da questão (isto é, das provas, as quais não serão revolvidas no STJ e no STF), demarcarão a posição daquele órgão, mesmo que não seja à unanimidade.

Rechaça-se, pois, nesta ordem de raciocínio, o argumento de que o Juiz não pode declarar a inconstitucionalidade incidental.

O CPC, art. 480 a 482, ajusta a atuação dos órgãos fracionários dos Tribunais (Câmaras, Turmas, Seções) ao art. 97 da Constituição da seguinte maneira:
  • Se o órgão fracionário entender que a lei questionada no processo é constitucional, poderá julgar de imediato o caso;
  • Se o órgão fracionário entender que a lei questionada é inconstitucional, não poderá julgar de imediato o caso. Lavrará Acórdão expondo sua posição sobre a inconstitucionalidade, e remeterá os autos ao Pleno do Tribunal. Ocorre uma cisão funcional de competência, ou como denominava Pontes de Miranda, "per sautum";
  • Então, a declaração de constitucionalidade não depende da cláusula de reserva de plenário, diante da presunção de constitucionalidade das leis.
O Pleno discutirá apenas esta questão da inconstitucionalidade, e lavrará acórdão firmando sua posição sobre a existência ou não, devolvendo o processo ao órgão fracionário que julgará o caso concreto, aplicando, quanto à questão da inconstitucionalidade, a posição do Pleno. Deste terceiro Acórdão é que se recorrerá. 

Se não for observada a reserva de plenário, a decisão é nula.

A reserva de plenário é dispensada nas seguintes hipóteses:

a) Se o STF, em caso anterior, no controle difuso, já tiver se manifestado no sentido da inconstitucionalidade da mesma lei. Já se reconhecia que esta seria uma hipótese de efeito transcendente das decisões do Supremo;

b) Se em caso anterior, o Pleno do próprio Tribunal já tiver se manifestado no sentido da inconstitucionalidade da mesma lei. Tem prevalecido nos Tribunais a posição de que se o Pleno, no julgamento de incidente de inconstitucionalidade, manifestar-se no sentido da constitucionalidade da lei questionada, estarão os órgãos fracionários, nos casos subsequentes, vinculados, e só poderá ser renovada a arguição de inconstitucionalidade por motivo relevante. Exemplo disso é o que consta no Regimento do TJ-SP, art. 191, §2º. Existe na doutrina posição divergente, como a do Min. Eros Grau;

c) Se o caso envolver a discussão de lei anterior à Constituição. Afinal, nessa situação, ocorre revogação, e não inconstitucionalidade.

A Súmula Vinculante nº 10 estabelece que se o órgão fracionário pretender deixar de aplicar lei ao caso concreto, mesmo sem mencionar textualmente a inconstitucionalidade, deverá respeitar a reserva de plenário. Na verdade, conforme explica o STF, isso só ocorrerá se o fundamento central da decisão conduzir à ideia de que a lei questionada é inconstitucional, mesmo sem o emprego do termo.
Súmula Vinculante nº 10: VIOLA A CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO (CF, ARTIGO 97) A DECISÃO DE ÓRGÃO FRACIONÁRIO DE TRIBUNAL QUE, EMBORA NÃO DECLARE EXPRESSAMENTE A INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU ATO NORMATIVO DO PODER PÚBLICO, AFASTA SUA INCIDÊNCIA, NO TODO OU EM PARTE.
O STF não tem Órgão Especial, pois conta com 11 Ministros, e a maioria absoluta são apenas 6 Ministros;
  • O STF tem 2 turmas, cada uma com 5 Ministros.
O Órgão Especial do STJ se denomina Corte Especial, formada pelos 15 Ministros mais antigos. É o órgão máximo de julgamentos judiciais do STJ;
  • O Plenário do STJ é composto por no mínimo 33 Ministros, e cuida de assuntos administrativos;
  • Os Ministros são distribuídos em 6 Turmas, cada uma com 5 Ministros;
  • Cada 2 Turmas formam uma Seção:
  • A 1ª Seção (Direito Público) é formada pela 1ª e 2ª Turmas; 
  • A 2ª Seção (Direito Privado) é formada pela 3ª e 4ª Turmas; 
  • A 3º Seção (Direito Penal) é formada pela 5ª e 6ª Turmas.

3) O STF no Controle Difuso

3.1) Controle Concreto Difuso 

O Supremo Tribunal Federal também atua no controle difuso no momento em que julga casos que tratam de conflitos de interesses. De acordo com a tradição brasileira, o efeito das decisões no Supremo nesta seara também seria inter partes, podendo, a Corte, comunicar sua decisão ao Senado, comunicação esta que também pode ser feita pelo PGR. Independentemente de comunicação, o próprio Senado poderia agir de ofício. 

Enfim, havendo decisão do STF no controle difuso reconhecendo a inconstitucionalidade de lei, o Senado poderia editar uma resolução nos termos da CF/88, art. 52, X, para suspender a execução da lei declarada inconstitucional. Aí sim toda a sociedade seria atingida.

Sempre prevaleceu que o alcance temporal desta resolução seria ex nunc, apesar da posição divergente de Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, que sustentaram o efeito ex tunc da resolução. Esta resolução só poderia suspender aquilo (o artigo ou parte daquilo) que o STF declarasse constitucional. Esta atuação do Senado sempre foi abrangente, independentemente da origem federativa da lei considerada inconstitucional.

PGFN 2012
3 - Sobre o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, é correto afirmar que:
GABARITO: b) nos expressos termos da Constituição de 1988, compete ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.


2.2) Abstrativização do Controle Difuso

Há alguns anos, o Min. Gilmar Mendes lançou a tese de que seria preciso reconhecer a eficácia erga omnes das decisões do STF, proferidas no controle difuso, desde que emanadas do Plenário e pelo quórum da maioria absoluta. Sustentou, ainda, uma nova interpretação ao inciso X do art. 52 da CF/88, admitindo uma mutação constitucional deste dispositivo. Com isso, o papel da resolução do Senado seria apenas o de dar publicidade à Decisão do STF. 

Esta tese foi levantada na Reclamação nº 4335, proposta em 2007 pela DPE do Acre, e julgada em 20 de março de 2014. Neste julgamento, apesar do placar de 6 x 5 pelo provimento da Reclamação, não prevaleceu o entendimento da "eficácia expansiva" das decisões do Supremo no controle difuso de constitucionalidade, e não foi consolidado ainda o fenômeno da abstrativização ou objetivização do controle concreto.

Na verdade, a Reclamação em questão foi provida em razão da súmula vinculante nº 26, editada contemporaneamente:
Ementa: 1. Reclamação. 2. Progressão de regime. Crimes hediondos. 3. Decisão reclamada aplicou o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90, declarado inconstitucional pelo Plenário do STF no HC 82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1.9.2006. 4. Superveniência da Súmula Vinculante n. 26. 5. Efeito ultra partes da declaração de inconstitucionalidade em controle difuso. Caráter expansivo da decisão. 6. Reclamação julgada procedente.
Há quem defensa que aconteceu sim a abstrativização nesse julgado, e que com esta decisão deveria ser dada uma nova interpretação ao inciso X do art. 52, e o papel da resolução do Senado seria apenas o de dar publicidade à decisão do STF.



2.2.1) Descendo a Detalhes da Questão

Sabe-se que legal e tradicionalmente as decisões proferidas em controle difuso de constitucionalidade vigoram entre as partes do caso concreto submetido à apreciação.

Excepcionalmente, poderiam as decisões do STF em controle difuso ser adotadas como parâmetro para julgamento de casos semelhantes, tanto por expressa declaração de extensão de seus efeitos, como em adoção por outros Juízes (certos de que o processo chegará às mãos do Supremo pela via recursal).

Mencione-se por esta última conclusão os exemplos dos HC 82.989 e HC 111.840, em que o STF declarou a inconstitucionalidade do regime inicialmente fechado e da impossibilidade de progressão de regime para condenados pelas Leis de Crimes Hediondos e de Drogas:
PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90.

EMENTA Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Crime praticado durante a vigência da Lei nº 11.464/07. Pena inferior a 8 anos de reclusão. Obrigatoriedade de imposição do regime inicial fechado. Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90. Ofensa à garantia constitucional da individualização da pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88). Fundamentação necessária (CP, art. 33, § 3º, c/c o art. 59). Possibilidade de fixação, no caso em exame, do regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Ordem concedida.
Estas decisões têm fundamentado até mesmo revisões penais, considerando o disposto na Súmula 611-STF: "Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna". A questão não é pacífica, já que decisão judicial não é Lei:
"Ou seja, se o Supremo Tribunal Federal em 27/06/12, no HABEAS CORPUS nº 111.840 (controle difuso), reconheceu a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º, da Lei n.8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/07, para um caso concreto que chegou à sua competência, é de se ponderar, pelo princípio da isonomia (art.5º, caput e inciso I, da CF), que a decisão deve ser aplicada a todos os reeducandos que nesta situação se encontram. Isso nada mais é do que reconhecer e reafirmar, sempre, que a pessoa do condenado jamais perderá sua condição humana e por isso será sempre merecedora de irrestrito respeito em seus direitos e garantias fundamentais." Comarca de Joinville/SC, Autos n.038.11.049270-3

2.2.2) Força Expansiva das Decisões do STF em Controle Difuso

O instituto da Repercussão Geral (existência de questão relevante que ultrapasse os requisitos subjetivos da causa) é requisito do Recurso Extraordinário, e não de todas as ações difusas que chegam ao STF. Este destaque é importante ao perfilhar seguinte raciocínio:
  • O STF só julga o RE cujo assunto seja do interesse da coletividade (repercussão geral), inadmitindo-o se o tema interessar somente para aquelas partes envolvidas;
  • Ora, se é do interesse da coletividade, não deveria o STF estender-se-lhe (à coletividade) o resultado? A repercussão não é geral? A questão não ultrapassa os interesses dos sujeitos da causa?
Ressalte-se, porém, que há outras ações de competência do STF que não dependem do requisito do §1º do art. 543-A do CPC (não dependem de repercussão geral). Reserve-se.

Em 21 de março de 2014, o STF concluiu o julgamento da Reclamação nº  4335, reconhecendo a progressão de regime nos crimes hediondos (algo que, aliás, já estava cristalizado na Súmula Vinculante nº 26):
Súmula Vinculante nº 26 PARA EFEITO DE PROGRESSÃO DE REGIME NO CUMPRIMENTO DE PENA POR CRIME HEDIONDO, OU EQUIPARADO, O JUÍZO DA EXECUÇÃO OBSERVARÁ A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º DA LEI N. 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990, SEM PREJUÍZO DE AVALIAR SE O CONDENADO PREENCHE, OU NÃO, OS REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DO BENEFÍCIO, PODENDO DETERMINAR, PARA TAL FIM, DE MODO FUNDAMENTADO, A REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO.
Assim, há quem entenda que o STF consagrou a força expansiva de suas decisões. O Exmo. Sr. Ministro Teori afirmou:
“É inegável que, atualmente, a força expansiva das decisões do STF, mesmo quando tomadas em casos concretos, não decorre apenas e tão somente da resolução do Senado, nas hipóteses do artigo 52, inciso X, da Constituição”, e o fenômeno “está se universalizando por força de todo um conjunto normativo constitucional e infraconstitucional direcionado a conferir racionalidade e efetividade às decisões dos Tribunais Superiores e especialmente à Suprema Corte”.

2.2.3) Mutação Constitucional

É a hipótese de alteração da Constituição pela via interpretativa (sem mexer no texto).

Se a decisão inter partes do STF passa a ter eficácia erga omnes, própria das decisões proferidas em ADI, então estamos diante de verdadeira mutação constitucional, pois inexiste qualquer alteração da Constituição, pelo Poder Legislativo, a esse respeito.

Em razão da previsão da CF/88, art. 52, X, o STF costuma enviar ao Senado Federal Ofício informando que determinado dispositivo da Lei está em desacordo com a Constituição, tendo sido julgado inconstitucional, portanto. A partir daí, competiria ao Senado suspender a norma (ou ao Congresso modificá-la).

Já há, porém, interpretações no sentido de que esta comunicação é meramente informativa. Realmente, o dispositivo não diz que o STF deva obrigatoriamente informar o Senado. Independentemente disso, deveria o Senado realizar o que determina a Constituição. 

Aqui, novamente, havia controvérsias a respeito de uma possível invasão dos Poderes e violação do Princípio Democrático, pois o Judiciário estaria indo além da previsão constitucional de atuar como legislador negativo apenas nos casos de controle concentrado (ADI e ADC).


2.2.4) Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes

Por esta teoria, julgando processo em controle difuso ou concentrado, o STF poderia estender (transcender) as razões ali adotadas (os motivos determinantes) para outros casos idênticos - veja: não é estender a parte dispositiva das decisões, mas a ratio decidendi, como por exemplo o conteúdo do voto vencedor.

A teoria não é pacificamente adotada no STF, havendo divergências a respeito, mas um caso emblemático do instituto (no controle difuso) é o seguinte:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. (...) INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. 1. (...) 8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido. (RE 197.917 - veja bem: RE, controle difuso, do MPE-SP versus município de Mira Estrela-SP).
*Apesar de perder a ação em que o MP questionava a quantidade de vereadores determinada pela lei municipal, em número maior do que determina a CF/88, o município de Mira Estrela-SP não teve seus vereadores diminuídos, pois a decisão teve seus efeitos modulados. Portanto, no futuro, o município de Mira Estrela-SP não poderia exceder a quantidade de vereadores prevista na CF/88.

A decisão, entretanto, nada fala sobre ser aplicável a outros casos, a outros municípios, erga omnes. E nem deveria mesmo, pois a decisão em controle difuso, como se sabe, tem efeitos inter partes.

Entretanto, a Resolução do TSE nº 21.702/04 adotou tais parâmetros para regulamentar a situação de forma genérica:
Art. 1º Nas eleições municipais deste ano, a fixação do número de vereadores a eleger observará os critérios declarados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 197.917, conforme as tabelas anexas.
O seja, o TSE emitiu Resolução dizendo que aquela decisão do STF passaria a ter efeito erga omnes. Um comando totalmente inovador no ordenamento jurídico brasileiro.
  • Dois mandados de segurança foram impetrados contra tal resolução, mas o STF se disse incompetente para tal - MS nº 25.170 e AO 1.137 AgR;
  • Duas ADIs nº 3.345 e 3.365 fora propostas contra tal resolução (pois é norma geral), mas o STF concluiu que:
EMENTA (...) CONSAGRAÇÃO, PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, COM A EDIÇÃO DA RESOLUÇÃO Nº 21.702/2004, DOS POSTULADOS DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DA SEGURANÇA JURÍDICA. - O Tribunal Superior Eleitoral, ao editar a Resolução nº 21.702/2004, consubstanciadora de mera explicitação de anterior julgamento do Supremo Tribunal (RE 197.917/SP), limitou-se a agir em função de postulado essencial à valorização da própria ordem constitucional, cuja observância fez prevalecer, no plano do ordenamento positivo, a força normativa, a unidade e a supremacia da Lei Fundamental da República. EFEITO TRANSCENDENTE DOS FUNDAMENTOS DETERMINANTES DO JULGAMENTO DO RE 197.917/SP - INTERPRETAÇÃO DO INCISO IV DO ART. 29 DA CONSTITUIÇÃO. - O Tribunal Superior Eleitoral, expondo-se à eficácia irradiante dos motivos determinantes que fundamentaram o julgamento plenário do RE 197.917/SP, submeteu-se, na elaboração da Resolução nº 21.702/2004, ao princípio da força normativa da Constituição, que representa diretriz relevante no processo de interpretação concretizante do texto constitucional. - O TSE, ao assim proceder, adotou solução, que, legitimada pelo postulado da força normativa da Constituição, destinava-se a prevenir e a neutralizar situações que poderiam comprometer a correta composição das Câmaras Municipais brasileiras, considerada a existência, na matéria, de grave controvérsia jurídica resultante do ajuizamento, pelo Ministério Público, de inúmeras ações civis públicas em que se questionava a interpretação da cláusula de proporcionalidade inscrita no inciso IV do art. 29 da Lei Fundamental da República. (...)
Com isso, excepcionalmente, o STF admitiu a transcendência dos motivos determinantes, em exercício intelectual que fora feito pelo TSE, com emissão de uma Resolução que foi julgada constitucional.

Contudo, nos mais recentes julgados sobre a transcendência dos motivos determinantes, o STF tem assim se manifestado:
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO QUE DECIDIDO POR ESTA CORTE NAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.715/TO, 1.779/PE e 849/MT. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL. AGRAVO DESPROVIDO. I – A jurisprudência desta Corte é contrária à chamada “transcendência” ou “efeitos irradiantes” dos motivos determinantes das decisões proferidas em sede de controle abstrato de normas. Precedentes. II – O ato reclamado não guarda identidade material com as decisões apontadas como supostamente afrontadas. III - A reclamação não pode ser utilizada como sucedâneo ou substitutivo de recurso próprio. Precedentes. IV – Agravo regimental a que se nega provimento.
(Rcl 11484 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 05/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-157 DIVULG 14-08-2014 PUBLIC 15-08-2014)


* * *

Mutação constitucional nos elementos orgânicos da Constituição? Particularmente, não me sinto confortável, pois me cheira a destempero no sistema de freios e contrapesos. Emanada do Povo, por seus representantes eleitos, a lei pretende ser fria, aplicável ampla e genericamente, ao passo que a interpretação pelo STF no controle difuso se dá caso-a-caso. É a previsão e a tradição constitucional no Brasil. Já bastavam as Súmulas, especialmente as vinculantes, que dão suficiente poder “legislativo” ao Judiciário.

Ora, se em uma composição episódica*, o STF, por 6 votos à favor e 5 contra, afirma a força erga omnes de suas decisões plenárias em controle difuso, então restariam esvaziadas as súmulas. Súmula pra quê? Basta uma decisão em HC ou outro processo qualquer; dispensou-se a reiteração; dispensou-se os 2/3 de membros.

Conviver com a possibilidade declarada de mutação constitucional via interpretação do Supremo soa trágico, e parece beirar uma assunção ilegítima do Poder Constituinte Derivado. Afinal, há limites para a "interpretação técnica" da vontade coletiva da Nação? Creio que o Constituinte desenhou uma estrutura formal a ser respeitada, e não pra ser mudada unilateralmente, interpretativamente, por um Poder.

É inegável que os avanços de uma sociedade demandam a alteração da visão do intérprete constitucional. Não, porém, da organização da estrutura da Federação. Mudança na distribuição de competências do Estado é papel do legislador. Altere-se o pensamento dos Tribunais nas questões objetivas, materiais do direito; não nas formais, pois fere a rigidez constitucional, nega a sua força normativa.

Abriria-se, pois, a possibilidade de o STF alterar os elementos orgânicos da Constituição. É dizer, admitir-se-ia que o STF, eventualmente, redistribua, por exemplo, as competências dos Juízes e Tribunais, ao argumento de que há precedentes para a mutação constitucional.

Meu desconforto não é com a aplicação erga omnes das decisões Plenárias em controle difuso. Meu desconforto é com a maneira com que o STF avoca, inapelavelmente, uma competência.

Eu concordo que um caso decidido em Plenário pelo STF deva ser aplicado a todos os casos semelhantes, principalmente se envolver matéria penal (para garantir um direito, uma liberdade, de forma isonômica), desde que, porém, a Constituição o permita expressamente. Desde que o Legislativo pavimente o caminho. Desde que haja participação da Nação.

Eu não concordo com o desbalanceamento da repartição de Poderes, o exagero no ativismo judicial. É o mesmo caso do abuso no uso de Medidas Provisórias pelo Executivo. Isso faz fervilhar no Congresso propostas afirmativas de Poderes que desgastam o país (o qual segue adiante, enquanto Suas Excelências se aposentam e morrem).

Portanto, eu não concordo com a interpretação do STF de que ele seja mais do que guardião da Constituição. Eu não concordo que o STF admita mutação constitucional na estrutura do Poder e das competências. O STF não deve passar a admitir a desnecessidade de avisar o Congresso sobre a declaração inconstitucional de uma lei em um processo difuso, para que aquela lei seja pelo Congresso retirada de vigência. O STF não deve expandir os efeitos das decisões de casos concretos, a não ser que a Constituição seja alterada para tal.

Se o STF pretende dar proeminência a seu papel de Tribunal Político (isto é, pra influir na estrutura do Poder), que então faça lobby no Congresso para se alterar a Constituição por Emenda, e não por "entendimento", ainda mais sem unanimidade; 6 sujeitos legislar pelo Brasil; não se está muito próximo do conceito de aristocracia?

Que o Legislativo se atente, e se torne mais funcional, mitigando a mutação constitucional exercitada pelo Judiciário. E que o Judiciário seja forte para rejeitar a jurisprudência defensiva. O Judiciário está fissurado em cumprir metas e apresentar números.

E que chova revisões criminais para reestudo da pena aplicada aos condenados por formação de quadrilha nesse País!
Revisão Criminal nº 2009.04.00.030480-6/RS, Relator Des. Federal Tadaaqui Hirose, publicado em 24/02/2011.
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL. REVISÃO CRIMINAL. ART. 621, I , DO CPP. DESCONSTITUIÇÃO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. QUESTÃO CONTROVERTIDA. ALTERAÇÃO. CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL. INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. PARÂMETROS JURISPRUDENCIAIS ALTERADOS APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. CONDUTA TORNADA ATÍPICA. EXCEPCIONALIDADE. ABSOLVIÇÃO.
Em regra, não se admite a revisão criminal sob o fundamento de alteração de entendimento jurisprudencial em questão controvertida. Na hipótese, contudo, revela-se incongruente manter a condenação por crime de descaminho, pois a nova jurisprudência consolidada tornou atípica a conduta quando o valor dos tributos iludidos for inferior a R$ 10.000,00 (critério objetivo). Assim, tratando-se a revisão criminal de instituto que visa justamente atacar a coisa julgada, cumpre seja conhecida, e ao final provida, absolvendo-se o requerente. 
"A aplicação da jurisprudência mais favorável, nas mesmas hipóteses da incidência da lex mitor, inclui-se na limitação do ius puniendi pois, ao jurisdicionado, não se pode retirar a confiança de que receberá dos magistrados uma igualdade de tratamento diante da mesma situação fática. Proibir a retroatividade da jurisprudência, como afirmou Hassemer, suporia a paralisação de sua função de recriação da lei, observando-se “situações em que a comunidade jurídica tem um conhecimento maior do conteúdo da jurisprudência penal que da lei penal, confiando em sua aplicação.”

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