sábado, 24 de maio de 2014

07 - TGP - Competência

Competência

1) Conceito

É a quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão ou grupo de órgãos (Liebman).


2) Critérios para Fixação de Competência

Os critérios para fixação de competência são, em síntese, a matéria discutida, a hierarquia dos órgãos jurisdicionais, a qualidade das partes, as diferentes funções da atividade jurisdicional no processo, o lugar e o valor da causa.

2.1) Competência Absoluta e Relativa

Os critérios de definição de competência podem ser divididos em dois grupos:

a) Critérios de Competência Absoluta: são fixadas em razão do interesse público e por isso não podem ser alterados pela vontade das partes. O desrespeito a eles pode ser reconhecido de ofício pelo Juiz e alegado pelas partes a qualquer momento até dois anos após o trânsito em julgado, por meio de ação rescisória. Até o trânsito em julgado, as partes poderão alegá-lo por qualquer forma.

Em regra, são critérios de competência absoluta os seguintes: matéria, hierarquia, pessoa e função. Excepcionalmente, o cumprimento de sentença deve ser feito no juízo onde tramitou originariamente o processo (critério funcional), mas em alguns casos, a parte pode pedir que tramite em outro foro em prol da celeridade - CPC, art. 475-P, Parágrafo único (ex.: ação sentenciada em um Estado pode ter o cumprimento de sentença tramitando em outro Estado onde se situam os bens).


b) Critérios de Competência Relativa: são fixados em razão de interesse das partes, e por isso podem ser por elas alterados. Não podem ser reconhecidos de ofício pelo Juiz, e devem ser alegados no prazo legal, pela forma adequada (exceção de incompetência) sob pena de preclusão.
  • Argui-se, por meio de exceção, a incompetência relativa - art. 112, suspendendo-se o processo - art. 265, III. Essa suspensão paralisa temporariamente a contagem do prazo da contestação, prazo este cujo remanescente volta a fluir (não se inicia novamente a contagem do prazo da contestação, continua de onde parou) com a intimação do Excipiente do recebimento dos autos pelo Juiz declarado competente (REsp nº 973.465). Se da decisão interlocutória que julga procedente a exceção forem opostos agravo de instrumento, ainda assim a fluência do prazo é retomada, posto que este recurso não tem efeito suspensivo (REsp nº 848.954);
  • Se a exceção for rejeitada, retoma-se a contagem do restante do prazo da contestação da publicação ou intimação da decisão que rejeitou o incidente;
  • Há hipótese em que o Juiz pode reconhecer de ofício o descumprimento de uma regra de competência relativa: quando reconhece a nulidade de uma cláusula de foro de eleição em contrato de adesão - art. 112, Parágrafo único.
Os critérios do território e do valor da causa, em regra, integram este grupo. Dentre as exceções, podemos citar que a competência do Juizado Especial Federal é fixada pelo valor da causa, mas é absoluta.


2.2) Identificação da Competência

Em linhas gerais, para a identificação do órgão jurisdicional competente, deve-se seguir os seguintes passos:

a) Verificar se a ação pode ou não ser proposta perante a Justiça brasileira (competência internacional tratada no CPC, art. 88 e 89);
  • Em caso positivo, verificar se é hipótese de competência originária do STF ou do STJ - CF/88, arts. 102, I e 105, I;
  • Em caso negativo, passa-se ao seguinte;
b) Analisar se é caso de competência das Justiças Especiais (Eleitoral, do Trabalho ou Militar - arts. 114, 121 e 124);

c) Em caso caso negativo, verificar se a competência é da Justiça Comum Federal - art. 109, pois se isso não ocorrer, será da Justiça Comum Estadual (residual) - art. 110;

d) Definida qual a Justiça competente, e sendo de primeiro grau o órgão jurisdicional responsável, deve ser analisado qual o foro competente, o que exige consulta ao CPC ou a uma Lei Federal Especial;

e) Por fim, deve ser visto qual o Juízo competente, o que se faz pela consulta às normas de organização judiciária.


2.3) Competência "Internacional"

São as normas que definem as hipóteses em que a jurisdição nacional atuará, bem como se esta atuação se dará de forma exclusiva ou concorrente com a jurisdição de outros países. Isso é diferente das regras que definem quais as normas de direito material que serão aplicadas na solução da lide (ex.: LINDB, art. 10).

a) Competência Internacional Concorrente - CPC, art. 88: são causas em que o Brasil se considera competente, mas aceita que outro Estado estrangeiro também as julgue. Hipóteses:
  • Réu domiciliado no Brasil (não importa sua nacionalidade);
  • Obrigação a ser cumprida no Brasil;
  • Causa que verse sobre fato ocorrido ou praticado no Brasil.
Se a questão foi submetida no Brasil e em outro país do exterior, não há que se falar em litispendência internacional - CPC, art. 90. No entanto, o Brasil poderá se obrigar a reconhecer a litispendência entre ações ajuizadas no Brasil e no exterior por meio de tratados internacionais.

A sentença estrangeira só produzirá efeitos no Brasil depois de homologada pelo STJ - CF/88, art. 105, I, i.


b) Competência Internacional Exclusiva - CPC, art. 89: são ações para as quais somente a Justiça brasileira tem competência. Por razões de soberania, o Brasil não reconhece decisão estrangeira a respeito, as quais não serão homologadas:
  • Ações relativas a imóveis situados no Brasil;
  • Inventário e partilha de bens situados no Brasil (bens móveis ou imóveis). Esta regra rompe com o princípio de Direito Internacional da unidade do inventário, porque se houver bens em outro país onde haja uma regra semelhante, serão necessários dois inventários.

2.4) Competência Interna

A competência das Justiças Especializadas, bem como das Justiças Comuns Federal e Estadual, é fixada pela CF/88. A competência das Varas Especializadas e dos foros é fixada por normas de organização judiciária. O CPC trata praticamente só da competência territorial ou de foro. 

a) Justiça Federal - CF/88, art. 109: a competência se baseia em vários critérios:
  • O principal é o da Pessoa. Esta competência existirá sempre que for parte a União, suas Autarquias, Fundações Públicas ou Empresas Públicas Federais (o rol não inclui as SEM). Também, quando for parte o Estado Estrangeiro ou Organismo Internacional;
  • Da Matéria, como ações baseadas em Tratado ou Contrato Internacionais ou sobre Direitos Indígenas.
As Sociedades de Economia Mista Federais não atraem a Competência da Justiça Federal. 

O Juízo universal da falência obriga os Entes Federais a habilitarem seus créditos na Justiça Estadual.
  • Competência delegada: são casos em que a competência originária é da Justiça Federal, mas onde não houver Vara Federal (Subseção Judiciária) ela é supletivamente exercida em 1º Grau pelo Juiz Estadual, e os eventuais recursos vão para o TRF;
  • Habitualmente, isto ocorre nas ações previdenciárias contra o INSS e nas execuções fiscais Federais (obs.: as ações que tratem de incapacidade por acidente do trabalho serão da Justiça do Trabalho - benefício acidentário trabalhista - ou da Justiça Estadual - benefício meramente previdenciário, como acidente fora do trabalho).
  • Competência de foro na Justiça Federal: 
  • Se a União ou o ente Federal for autor, é competente a Seção Judiciária do domicílio do réu; 
  • Se a União ou o ente Federal for réu, a competência é: 
  • Da Seção Judiciária do domicílio do autor, ou 
  • Do local do fato ou ato que fundamenta a ação, ou ainda 
  • Da Seção onde está situado o imóvel, ou por fim 
  • Da Seção Judiciária do DF. 
  • O STF tem entendido que esta disposição do art. 109, §2º, é aplicável também às Autarquias.

b) Regras do CPC: a regra geral é prevista no art. 94 e detalhada nos arts. 96 a 98, ou seja:
  • Para as ações pessoais e ações reais sobre bens móveis, é competente o foro do domicílio do réu (as regras sobre domicílio estão no CC, arts. 70 a 78);
  • Se o réu for ausente, o foro será o do seu último domicílio; 
  • Se o réu for incapaz, o foro será o do domicílio de seu representante; 
  • Se forem vários os réus, é competente o foro do domicílio de qualquer um deles; no entanto, se a ação não versar sobre direito único, e entre os pedidos não houver conexão que justifique a sua reunião, o réu demandado fora do seu domicílio pode se opor por meio de exceção de incompetência, pleiteando a separação das ações;
  • Se for incerto o domicílio do réu, é competente o foro do local onde ele for encontrado ou o foro do domicílio do autor; 
  • Se o réu for domiciliado fora do Brasil, é competente o foro do domicílio do autor; mas se o autor também tiver domicílio no Exterior, qualquer foro no Brasil será competente;
  • As ações contra o espólio, bem como o inventário e a partilha, devem ser ajuizadas no foro do domicílio do falecido.

c) Além dessa regra geral do domicílio do réu, o CPC também prevê regras especiais. As principais regras especiais estão nos arts. 95, 99 e 100.
  • No art. 95 observamos duas regras que tratam das ações reais envolvendo imóveis. O artigo pode ser dividido em duas partes:
  • Na primeira, temos uma regra de competência relativa, permitindo ao autor que ajuíze sua ação real imobiliária no foro de eleição, no foro da situação do imóvel, ou no foro do domicílio;
  • Na segunda, o dispositivo fixa competência absoluta do foro onde está o imóvel para as ações reais que tratem dos seguintes direitos: propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão, demarcação e nunciação de obra nova.
  • O art. 100 traz várias hipóteses e regras específicas, dentre as quais:
  • A competência é fixada com base na residência da mulher para as ações de separação, divórcio e anulação de casamento. Para o STF, é constitucional esta regra, pois equilibra uma desigualdade que, de fato, ainda existe no Brasil. O STJ tem entendido que o dispositivo não se aplica à união estável;
  • É competente o foro do domicílio ou da residencia do alimentando nas ações em que se pedem alimentos. A Súmula nº 1 - STJ prevê:
O FORO DO DOMICILIO OU DA RESIDENCIA DO ALIMENTANDO É O COMPETENTE PARA A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE, QUANDO CUMULADA COM A DE ALIMENTOS. 
Apesar de serem regras especiais, as normas vistas e as outras presentes nos artigos mencionados tratam de competência territorial que, em regra, é relativa. Por isso, nada impede que o autor ajuíze a ação seguindo a regra geral do domicílio do réu.


d) Modificação de Competência - CPC, art. 102

Hipóteses:
  • Foro de eleição (derrogação): é a cláusula contratual que escolhe o foro onde tramitará eventual ação, vinculando os contratantes, seus herdeiros e sucessores. Somente é possível em ações envolvendo direitos das obrigações, e não pode alterar regras de competência absoluta;
  • Nos contratos de adesão, existem restrições ao foro de eleição, que poderá ser até anulado de ofício pelo Juiz (CPC, art. 112, Parágrafo único). Em regra, deve ser avaliado se a regra de eleição prejudicou ou não o direito de acesso à Justiça do aderente;
  • Não prevalece a eleição de foro perante a conexão ou a continência que determine a reunião de processos;
  • Pode haver renúncia ao foro de eleição, inclusive tácita (ex.: autor ajuíza ação no domicílio do réu ao invés de observar a eleição de foro feita para outro local);
  • Prorrogação: é o fenômeno pelo qual o juízo relativamente incompetente passa a ser competente para uma ação em razão do não oferecimento da competente exceção de competência, nem anulada de ofício a cláusula de eleição de foro - art. 114;
  • A doutrina também considera prorrogação de competência quando, em razão da conexão ou continência, a competência do juízo prevento é estendida para as demais ações conexas ou continentes;
  • Conexão: é o vínculo entre ações que tenham a mesma causa de pedir ou o mesmo pedido;
  • Continência: é uma conexão especial que ocorre ao se verificar causas de pedir idênticas e mesmas partes, mas o pedido de uma das ações é mais abrangente e contém o pedido da outra;
  • Havendo conexão ou continência entre ações, estas deverão ser reunidas para um julgamento conjunto sempre que houver necessidade de se evitar decisões conflitantes, e também para se obter economia processual (instrução conjunta);
CESPE Juiz CE 2013 - 16) Acerca da modificação de competência pela conexão, assinale a opção correta: E) Tal modificação deve ser alegada pelas partes, podendo o juiz conhecê-la de ofício. (REsp nº 1.156.306)
Existe uma divergência ou discussão se a reunião dos processos, nos casos de conexão ou continência, é ou não obrigatória. O art. 105 prevê que o Juiz, de ofício ou a requerimento das partes, poderá reunir processos. A interpretação que tem prevalecido é a de que sempre que atender ao binômio economia-harmonia, a reunião deve ser feita. Se não gerar economia processual ou se já foi proferida sentença em um dos processos, não deverá ser feita a reunião.
Súmula nº 235-STJ: A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado.

3) Perpetuação da Competência - art. 87

A competência é analisada no momento da propositura da ação. As alterações de fato ou de direito posteriores, em regra, são irrelevantes, salvo se a competência tiver sido alterada com base na matéria, na hierarquia (ou outro critério absoluto como pessoa e função), ou ainda se o órgão jurisdicional tiver sido extinto (ex.: a intervenção da União em processo que tramita na Justiça Estadual determina a modificação da competência para a Justiça Federal).


4) Controle da Competência

Além do controle de ofício pelo Juiz e da alegação das partes por meio de uma preliminar de contestação ou por exceção de incompetência, o conflito de competência também é um mecanismo de controle. Ele está previsto nos art. 115 a 120 e ocorre basicamente em três situações:

4.1) Conflito Positivo:

Se dá quando dois ou mais juízos consideram-se competentes para a mesma ação.


4.2) Conflito Negativo:

Verificado quando dois ou mais juízos consideram-se incompetentes para a mesma ação.


4.3) Reunião ou Separação de Ações:

Ocorre quando juízos divergem sobre a reunião ou separação de ações.


  • O conflito pode ser suscitado pelo Juiz, encaminhando-se ofício ao seu Tribunal, ou pelas partes ou MP, por meio de petição. A peça é encaminhada ao Presidente do Tribunal com os documentos que comprovam as alegações. Não pode suscitar o conflito a parte que no processo ofereceu exceção de incompetência - art. 117. O Juiz só pode suscitar conflito de incompetência para controlar a competência absoluta; caso contrário, estaria controlando de ofício uma competência relativa.




2 comentários:

  1. Excelente elucidação, sistematização e abordagem de conteúdos. Deu-se de forma translucidamente perfeita. Obrigado, Dr. Eduardo!

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