quinta-feira, 22 de maio de 2014

12 - Serviços Públicos - Conceito, Princípios e Classificação


Serviço Público

Para se saber se uma atividade é serviço público, é preciso consultar-se a legislação, a partir da Constituição. Razões históricas, políticas, econômicas norteiam o legislador na definição das atividades que serão consideradas serviços públicos. Assim, em um Estado liberal a tendência é de se ter um rol reduzido de serviços públicos, ao passo que em um Estado social (ou de bem-estar social) a tendência é de se ter um rol ampliado de serviços públicos. A CF/88 enumera atividades que são consideradas serviços públicos (ex.: art. 21, X, que define o serviço postal e de correio aéreo nacional como serviço público da União).

O legislador infraconstitucional também pode estabelecer outras atividades como serviços públicos, desde que não invada o campo da exploração da atividade econômica que foi deixado pela Constituição para a livre iniciativa - art. 173.

É comum que lei orgânica municipal defina o serviço funerário como serviço público; é que, teoricamente, esta não é uma atividade com objetivos econômicos.


1) Conceito

Segundo MSZP, há um conceito amplo e um restrito para serviço público.

Citando Edmir Netto de Araújo, serviço público em sentido amplo é toda atividade exercida pelo Estado, através de seus Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) para a realização direta ou indireta de suas finalidades.

O conceito restrito de serviço público confina-o entre as atividades exercidas pela Administração Pública, excluindo as funções legislativa e jurisdicional, mas que também não se confunde com o poder de polícia.

Para HLM "serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controle estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado". O elemento subjetivo deste conceito identifica o titular do serviço, a saber, o Estado (que o presta diretamente ou por outras pessoas); o elemento formal corresponde ao regime público a que o serviço se submete, isto é, regime de direito público; o elemento material é a atividade em si, que satisfaz necessidades coletivas (água encanada, transporte coletivo urbano, etc.) ou conveniência do Estado.


2) Serviços Públicos x Serviços Governamentais

Paralelamente aos serviços públicos, existem os serviços governamentais, que não se confundem. O que são serviços governamentais?

O Estado, além de titularizar os serviços públicos, excepcionalmente presta atividade econômica, o que só pode ser feito com fundamento na CF/88, art. 173 ou art. 177. Estes são os serviços governamentais:
  • Na primeira hipótese - art. 173, a exploração de atividade econômica pelo Estado não afasta a iniciativa dos particulares (ex.: atividade bancária - o serviço prestado pelo Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, etc. são governamentais);
  • Na segunda hipótese - art. 177, a exploração de atividade econômica pelo Estado é feita em regime de monopólio, significando que os particulares não têm tal iniciativa. O monopólio, em alguma situações, foi flexibilizado a partir de mudanças na CF/88 que facultou à União contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos art. 177, I a IV.

Os serviços governamentais, evidentemente, não são serviços públicos, pela divergência de regime a que eles se submetem. Os serviços públicos submetem-se a regime de direito público, ao passo que os serviços governamentais submetem-se a regime de direito privado (mas que sofre derrogações por normas de direito público - concurso público, licitações, etc.).

Os serviços governamentais são prestados por empresas públicas e sociedades de economia mista, tendo em vista a natureza jurídica dessas pessoas, ou seja, são PJ de direito privado.


3) Princípios do Serviço Público

Os principais princípios aplicáveis ao serviço público são (sem prejuízo de outros):

3.1) Princípio da Continuidade (ou da Permanência) do Serviço Público

Impõe que o serviço público seja prestado sem interrupção ou suspensão, exceção feita a situações necessárias à manutenção do serviço, como por exemplo para manutenção de rede elétrica.

É por conta deste princípio que nos contratos administrativos a regra é a da impossibilidade de invocação, pelo contratado, da exceção de contrato não cumprido, quer dizer, ainda que a Administração esteja inadimplente, o contratado, via de regra, deve dar continuidade à execução do contrato.

Também é por conta deste princípio que a greve no serviço público deve ser exercida nos termos e nos limites estabelecidos em lei, como dispõe a CF/88, art. 37, VII. Todavia, a lei ainda não foi editada. O STF alterou sua jurisprudência, ao julgar os MI nºs 670, 708 e 712, para determinar a aplicação, no que couber, da lei de iniciativa privada sobre a greve - Lei nº 7.783/89, uma vez declarada a omissão legislativa na edição da lei.

Por fim, discute-se se é possível a supressão do serviço em caso de inadimplência do consumidor, do usuário (ex.: corte de energia elétrica do inadimplente). A jurisprudência tem admitido o corte no fornecimento do serviço, desde que haja notificação prévia do usuário para fins de regularização, sendo este entendimento mitigado para alguns usuários como hospitais e escolas.


3.2) Princípio da Igualdade dos Usuários (ou da Universalidade, ou da Generalidade)

Este princípio impõe que o serviço seja prestado a todo aquele que satisfizer os requisitos necessários à sua fruição, sem distinções indevidas. Recorde-se que o princípio da igualdade significa tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual, na medida de suas desigualdades.

Assim, por exemplo, se uma pessoa com deficiência visual precisa embarcar em transporte público com cão-guia, deve ser admitida no embarque, ainda que ordinariamente cães não sejam permitidos.


3.3) Princípio da Mutabilidade do Regime Jurídico (ou da Flexibilidade dos Meios aos Fins)

Há quem trate o princípio como sendo o da Eficiência.

O interesse público é modificável no tempo e no espaço, de modo que se houver razão de interesse público, é possível modificar a prestação do serviço público. É por esse motivo que nos contratos administrativos de serviço público pode haver a alteração e a rescisão unilateral do contrato pela Administração, se houver razão de interesse público bastante.


4) Classificação dos Serviços Públicos

4.1) Quanto à Titularidade na Prestação do Serviço

a) Serviços públicos exclusivos do Estado: correspondem a atividades que somente podem ser prestadas pelo Estado ou por quem dele receba delegação, mediante, basicamente, concessão e permissão de serviço público (ex: transporte coletivo urbano);

b) Serviços públicos não exclusivos do Estado: correspondem às atividades que ao mesmo tempo são da titularidade do Estado e dos particulares. Tratam-se das atividades de saúde, educação, assistência, previdência. Caso o Estado preste a atividade, o serviço é público. Caso o particular a preste, o serviço é privado no âmbito da atividade econômica. Eventual ingerência das regras de direito público nas atividades assim prestadas pelos particulares tem fundamento no poder de polícia.


4.2) Quanto aos Destinatários do Serviço

a) Serviços individuais: também chamados uti singuli, são  prestados a usuários certos e determinados, sendo possível mensurar quanto cada um usa do serviço. Estes serviços são remunerados por taxa ou tarifa (ex.: recolhimento de lixo);

b) Serviços gerais: também chamado uti universi, são prestados à coletividade em geral, sem possibilidade de mensurar quanto cada um usufrui do serviço (ex.: segurança pública, preservação da saúde pública, saneamento, iluminação pública, etc.). Ordinariamente, são remunerados por impostos;

  • Extraordinariamente, foi inserido na CF/88 o art. 149-A, possibilitando que os municípios e o DF instituam contribuição na forma das respectivas leis para o custeio do serviço de iluminação pública - CIP.


4.3) Quanto à Essencialidade do Serviço

a) Serviço público: se é essencial à sobrevivência do Estado ou da sociedade, o serviço então é público propriamente dito, também chamados de serviços pró-comunidade (ex.: serviço de preservação da saúde pública);

b) Serviço de utilidade pública: se o serviço não é essencial à sobrevivência da sociedade ou do Estado, então ele é chamado de serviço de utilidade pública, ou serviço pró-cidadão (ex.: transporte coletivo, água domiciliar, etc.).

  • Para HLM, os serviços públicos propriamente ditos só podem ser prestados pelo Poder Público, sem delegação a particulares, enquanto que os serviços de utilidade pública podem ser prestados pelo Estado ou seus delegados;
  • Há autores que discordam da classificação, entendendo que todos serviços públicos são igualmente essenciais, já que o Estado considerou a atividade como serviço público, assumindo a obrigação de presta-los adequada e continuamente (Antônio Carlos Cintra do Amaral).


4.4) Quanto à Finalidade do Serviço Público

a) Administrativos: são os serviços prestados pela Administração para atender suas necessidades internas ou para preparar outros serviços que serão prestados à coletividade (ex.: serviço de imprensa oficial);

b) Comerciais ou industriais: para MSZP, são aqueles em que a Administração Pública executa, direta ou indiretamente, para atender às necessidades coletivas de ordem econômica (ex.: serviço de transporte coletivo urbano, de energia elétrica, etc., previstos na CF/88, art. 21, XI e XII e 25, §2º);

  • Para HLM, os serviços comerciais ou industriais correspondem àquelas atividades prestadas na exploração da ordem econômica, notadamente com fundamento no art. 173. Todavia, a linha doutrinária que seguimos não considera tais serviços como públicos, mas governamentais (vide tópico 2 acima).

c) Sociais: são os que visam a atender aos direitos sociais do homem e, portanto, admite-se tanto a iniciativa pública, quanto a privada (ex.: saúde, educação, cultura, assistência, previdência, etc.).


5) Forma de Prestação do Serviço Público

Já se viu que o serviço público é da titularidade do Estado. No que se refere à prestação do serviço público, é possível que ocorra através de seus próprios órgãos (ex.: União e seus Ministérios, com ulteriores subdivisões destes órgãos) como também é possível que ocorra mediante a atuação de pessoas alheias ao Estado. No primeiro caso, fala-se em Administração Centralizada ou Direta. No segundo caso, o Estado pode:

a) Criar uma Pessoa Jurídica, a quem transfere a titularidade e a execução do serviço. Há necessidade de lei, e as pessoas que podem surgir são as Autarquias, Fundações (instituídas pelo Poder Público), Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista (serviço outorgado, segundo HLM);

b) Transferir a execução do serviço a pessoa já existente mediante, basicamente, contratos de concessão e permissão de serviços públicos, casos em que se tem os concessionários e permissionários de serviços públicos (serviço delegado, segundo HLM).

  • São hipóteses de descentralização do serviço. Importante mencionar que na legislação, Administração Descentralizada não é sinônimo absoluto de Administração Indireta, pois só fazem parte da Indireta as pessoas que o Estado cria (autarquias, fundações, E.P. e S.E.M.), ficando de fora os concessionários e permissionários de serviços públicos;
  • Uma E.P. ou S.E.M. pode celebrar contrato com outro ente da Federação (ex.: E.P. municipal celebra contrato com a União). Neste caso, a E.P. faz parte da Administração Indireta do município, mas não da União, muito embora fará parte da Administração Descentralizada da União;
  • Não confundir descentralização com desconcentração. A desconcentração é uma distribuição interna de competências no âmbito de uma só pessoa, e vige a hierarquia (ex.: União e seus Ministérios). Na descentralização existem pelo menos duas pessoas, entre as quais se repartem competências, e não vige a hierarquia, mas o controle ou tutela, o qual é exercido na exata delimitação da lei.




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