quinta-feira, 22 de maio de 2014

03 - Ação Penal

Ação Penal

1) Conceito e Fundamento Constitucional do Direito de Ação

Ação penal é um direito público e subjetivo de pleitear ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo a um determinado caso concreto, com a consequente satisfação da pretensão punitiva estatal.

Seu fundamento constitucional está no art. 5º, XXXV, que diz que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito. Consagra, portanto, o Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, ou da Indeclinabilidade da Prestação Jurisdicional.


2) Espécies de Ação Penal

Quando se leva em conta o critério subjetivo, isto é, a qualidade do sujeito que detém a titularidade da Ação Penal, é possível distinguir duas espécies de ação:

a) Ação Penal Pública: o titular é o Ministério Público, que a promove por meio de denúncia.

b) Ação Penal Privada: o titular é o particular (ofendido ou seu representante legal), que a promove por meio de queixa.


3) Ação Penal Pública

O MP é órgão do Estado Administração, não estando vinculado ao Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário. Trata-se de órgão independente e autônomo. O MP é o dominus litis da AP Pública, promovendo-a desde o início e até o seu final, atuando inclusive em grau recursal. Trata-se de função constitucionalmente prevista (art. 129, I), isto é, promover privativamente a AP Pública. Também o CPP, art. 257, prevê que compete ao MP promover privativamente a AP Pública, onde é ao mesmo tempo órgão acusador e fiscal da lei (custos legis).


3.1) Ação Penal Pública Incondicionada

A atuação do MP independe da vontade ou interferência de quem quer que seja, bastando apenas a presença das condições genéricas da ação penal (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade de parte e interesse de agir).


3.2) Ação Penal Pública Condicionada

A atuação do MP depende, além das condições genéricas, da presença da condição específica, qual seja, a manifestação de vontade do ofendido ou seu representante legal (representação), ou do Ministro da Justiça (requisição).


3.2.1) Representação

É a manifestação de vontade  do ofendido ou de seu representante legal, no sentido de autorizar o Estado a desencadear a persecução penal. É condição para a ação penal, e para a instauração do inquérito.

A representação deve ser oferecida dentro do prazo de 6 meses, contados do conhecimento da autoria - art. 38. Se a representação não for oferecida no prazo legal, ocorre a decadência e, consequentemente, extinção da punibilidade. Por ser prazo de direito material, deve ser computado da forma prevista no CP, art. 10, contando o dia do início e excluindo o dia do vencimento, não podendo ser prorrogado, interrompido ou suspenso.

Não existe forma solene para esta representação, e a jurisprudência tem entendido que qualquer manifestação de vontade do ofendido ou representante legal é válida para configurar uma representação (inclusive o fato de a vítima procurar uma delegacia de polícia).

A representação pode ser feita oralmente ou por escrito. Se for feita oralmente, deverá ser reduzida a termo. Se for escrita, deverá ter a assinatura reconhecida do ofendido ou de seu representante legal. Não tendo a assinatura reconhecida, também será reduzida a termo.

Deve conter as informações necessárias à elucidação do fato e da autoria.

a) Titularidade do Direito de Representação
  • O próprio ofendido maior de 18 anos e mentalmente são: deve possuir as duas qualidades ao mesmo tempo. Em caso de morte ou ausência desse titular no curso do prazo decadencial, tal direito pode ser exercido pelo CADI (cônjuge, ascendente, descendente, irmão - nessa ordem, caso mais de um o queira exercer) - art. 24, §1º e art. 36 (por analogia);
Esse rol do CADI é taxativo, de forma que somente as pessoas indicadas na lei podem exercer o direito de representação; porém, o companheiro pode exercer este direito, em razão de interpretação extensiva, já que a união estável, de acordo com a CF/88, constitui entidade familiar, e desta forma os direitos do cônjuge e do companheiro foram equiparados. Ademais, está presente, em relação ao companheiro, a mesma ratio legis que levou o legislador do CPP a incluir no rol o cônjuge. Havendo divergência entre as pessoas indicadas na lei, prevalecerá a vontade daquele que quer exercer tal direito.
  • Em caso de incapacidade (ofendido menor de 18 anos ou mentalmente enfermo): o titular do direito de representação é o representante legal do incapaz, isto é, o detentor do poder familiar, o tutor ou o curador;
A jurisprudência tem entendido que também é representante legal do incapaz qualquer outra pessoa que tenha a guarda do incapaz, ainda que de fato. Não havendo nenhum representante, o Juiz nomeia um curador especial, de ofício ou a requerimento do MP, solução que também será adotada quando colidirem os interesses do representante e da vítima - art. 33 (por analogia).
  • Se o ofendido for sociedade, associação ou fundação legalmente constituídas, o direito de representação é titularizado pela pessoa designada no contrato ou estatuto. Caso não haja designação, caberá ao diretor ou sócio-gerente.
O direito de representação pode ser exercido pessoalmente, pelo próprio titular do direito, ou por meio de procurador com poderes especiais, o qual não precisa ser advogado (não precisa ter capacidade postulatória).


b) Destinatários da Representação
  • Autoridade policial - art. 39, §3º;
  • Juiz - art. 39, §4º;
  • Ministério Público - art. 39, §5º. O MP poderá:
  • Oferecer denúncia desde logo (se a representação já tiver os elementos necessários à propositura); ou
  •  Requisitar inquérito (se for necessário colher mais algum elemento); ou
  • Requerer o arquivamento ao Juiz (se entender que os elementos estão ausentes e não há como obtê-los), aplicando-se, se for o caso, o art. 28. Portanto, a representação não vincula o MP, cabendo ao Promotor verificar se estão presentes os elementos hábeis à propositura da ação. O MP pode entender que é caso de arquivamento.

c) Retratação

É possível a retratação desde que não tenha sido oferecida a denúncia - art. 25.

Quanto à retratação da retratação, há duas posições na doutrina:
  • A primeira afirma que com a retratação da representação, o ofendido manifesta renúncia, o que impede a retratação da retratação, posto que a renúncia constitui a renúncia da retratação (minoritária - Tourinho Filho);
  • A segunda afirma que a retratação da retratação equivale a uma nova representação e, desta forma, se for realizada dentro do prazo decadencial, é possível (majoritária - Mirabete). 

d) Eficácia Objetiva da Representação

Segundo o entendimento do STF, uma vez oferecida a representação, o MP poderá apresentar denúncia em face de todos os envolvidos com a prática delituosa, ainda que não nomeados na representação. Há, todavia, entendimento em sentido contrário (minoritário).


3.2.2) Requisição

Trata-se de ato administrativo discricionário do Ministro da Justiça, por meio do qual manifesta interesse no sentido de que o suposto criminoso seja responsabilizado, com a indicação dos fatos, não exigindo, contudo, forma especial.

a) Prazo

A lei não previu prazo para o exercício da requisição, prevalecendo o entendimento no sentido de que a requisição pode ser feita a qualquer tempo, enquanto não ocorrer a prescrição.


b) Retratação

Há duas posições:
  • A requisição não pode ser retratada, pois o art. 25 somente permitiu a retratação da representação por opção legislativa (majoritária na doutrina). Ademais,a requisição se trata de um ato administrativo sério, que pressupõe reflexão;
  • A requisição pode ser retratada, devendo ser aplicado por analogia o art. 25, conforme autoriza o art. 3º (majoritária na jurisprudência - STF).

c) Discricionariedade do MP

Na representação, pode o MP concluir que não é caso de oferecer a denúncia. O mesmo se dá com relação à requisição, pois se trata de uma condição para a ação penal, e não de uma exigência. Cabe ao MP, enquanto titular da ação, analisar se estão presentes os elementos indispensáveis para a propositura da ação. Pode entender que é caso de arquivamento.

Da mesma forma, a capitulação jurídica oferecida não vincula o MP, o qual pode concluir ser caso de outro crime.


d) Eficácia Objetiva da Requisição

Aplica-se o mesmo entendimento da representação (pode o MP apresentar denúncia em face de todos os envolvidos com a prática delituosa, ainda que não nomeados na requisição).


4) Ação Penal Privada

Na ação penal privada, o Estado, detentor exclusivo do direito de punir (jus puniendi), transfere para o particular o direito de acusar, o direito de perseguir em juízo (jus accusationis ou jus persequendi in judicio).

Desta forma, ao exercer o direito de ação privada, o particular atua como substituto processual, ou legitimado extraordinário, pois exerce em nome próprio direito alheio.


4.1) Espécies

a) Ação Privada Exclusiva (ou propriamente dita)

É aquela intentada pelo ofendido ou seu representante legal. A titularidade do direito de queixa se dá da seguinte forma: 
  • Ofendido maior de 18 anos e mentalmente são: o titular é ele próprio. Em caso de morte ou declaração de ausente, o direito de oferecer a queixa ou prosseguir na ação já intentada passará ao CADI (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, com preferência nessa ordem) - art. 31. Rol taxativo, mas que admite o companheiro;
  • Ofendido menor de 18 anos ou mentalmente enfermo: se o ofendido é incapaz, a titularidade é do representante legal (detentor do poder familiar, tutor ou curador), além de quem tenha sua guarda, ainda que de fato, segundo a jurisprudência. Se o ofendido incapaz não tiver representante incapaz ou colidirem seus interesses com os do representante, o Juiz nomeará curador especial, de ofício ou a requerimento do MP;
  • Ofendido sociedade, associação ou fundação legalmente constituída. O titular do direito de queixa é a pessoa designada no contrato ou no estatuto social. Não havendo designação, caberá ao diretor ou ao sócio-gerente;

b) Ação Privada Personalíssima

É aquela intentada única e exclusivamente pelo ofendido, não sendo possível sucessão por morte ou ausência (o CADI não pode prosseguir ou intenta-la). Existe apenas um crime em nosso sistema que admite esse tipo de ação, a saber, o crime do CP, art. 236:
Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento
Art. 236 - Contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único - A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento.

c) Ação Privada Subsidiária da Pública

É aquela intentada pelo ofendido ou seu representante legal em crime de ação penal pública, quando o MP ficar inerte. Está prevista na CF/88, art. 5º, LIX, configurando direito fundamental.


d) Atuação do MP na Ação Privada

No caso da ação privada exclusiva e da personalíssima, o MP atua como fiscal da lei (custos legis), cabendo-lhe intervir em todos os termos da ação, podendo inclusive aditar a queixa - art. 45.

No caso da ação privada subsidiária da pública, o MP atua como interveniente adesivo obrigatório, ou assistente litisconsorcial. De acordo com o art. 29, pode o MP:
  • Aditar a queixa (adequá-la, etc.);
  • Repudiar a queixa e oferecer denúncia substitutiva (a ação volta a ser pública);
  • Intervir em todos os termos do processo;
  • Oferecer meios de prova;
  • Interpor recursos, qualquer que seja a decisão;
  • Em caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal (da negligência não decorre a perempção).

5) Princípios da Ação Penal

5.1) Pública

a) Obrigatoriedade

Também chamado legalidade ou necessidade. Significa que, uma vez presentes os elementos indispensáveis à propositura da ação (prova de materialidade e indícios de autoria), o MP deve agir, ou seja, deve oferecer denúncia, uma vez que não possui juízo discricionário no tocante à propositura da AP Pública.

Exceção: infrações de menor potencial ofensivo, casos em que, presentes os requisitos da Lei nº 9.099/95, art. 76, o MP, ao invés de oferecer a denúncia, formulará a proposta de transação penal, que se for aceita e cumprida pelo autor do fato, levará à extinção da punibilidade, impedindo a propositura da ação. Vige, no caso, o princípio da discricionariedade regrada, que constitui mitigação ao princípio da obrigatoriedade.


b) Indisponibilidade

Decorre da obrigatoriedade, significando que uma vez instaurada a AP Pública, o MP não pode dela desistir - art. 42.

Também é manifestação deste princípio a regra constante do art. 576, que veda a desistência de recurso interposto pelo MP, caso em que a doutrina chama Princípio da Indesistibilidade.

Exceção: infrações que permitem a suspensão condicional do processo (sursis processual). Neste casos o MP, ao oferecer a denúncia, formula proposta para a suspensão do processo, pelo prazo de 2 a 4 anos, mediante condições, e desde que presentes os requisitos da Lei nº 9.099/95, art. 89 (pena mínima menor ou igual a um ano). Aceita a proposta pelo denunciado, o Juiz recebe a denúncia, instaurando a Ação Penal, e em seguida ordena a suspensão do processo pelo prazo fixado. Expirando o período de prova, e cumpridas as condições sem que ocorra causa de revogação, será extinta a punibilidade, e a ação não terá prosseguimento. Trata-se de uma forma pela qual o MP abre mão do prosseguimento de uma ação que já estava instaurada.


c) Divisibilidade

Segundo Mirabete, consiste na possibilidade da ação penal pública ser dividida, desmembrada, sem que isso acarrete nulidade. Assim, por exemplo, tratando-se de ação em que são 20 os acusados, nada impede que o MP ofereça denúncias distintas - uma para réus em liberdade e outra para réus presos, etc.

Também o Juiz pode ordenar a separação ou desmembramento da ação, caso entenda ser este o caso.

Se o MP receber IP em que foram 5 os indiciados pelo Delegado, pode entender que não há indícios de autoria em relação aos 5, caso em que oferecerá denúncia apenas em desfavor daqueles que entende estarem presentes os indícios, aguardando por colher mais provas quanto aos demais no curso da ação. Sobrevindo tais provas, por força da obrigatoriedade, o MP deverá aditar a denúncia já oferecida ou oferecerá nova denúncia em relação àqueles que não foram inicialmente denunciados.

Existe entendimento doutrinário minoritário que afirma que na AP Pública, assim como na AP Privada, vige o princípio da indivisibilidade. Referido entendimento afirma que por força da obrigatoriedade, o MP não pode escolher a quem vai denunciar. Todavia, não se trata de escolher quem vai ser réu, mas sim de verificar em relação àqueles que foram indiciados se estão presentes os indícios suficientes de autoria (não compete ao Delegado decidir). A jurisprudência majoritária entende que a AP Pública é divisível (STJ).


d) Intranscendência

Trata-se de princípio comum entre os dois tipos de ação penal (pública e privada). Decorre do princípio da personalidade da pena, previsto na CF/88, art. 5º, XLV. Assim como a pena não pode passar da pessoa do condenado, também a ação penal não pode ser proposta em face dos herdeiros ou sucessores do criminoso. Somente aquele que praticou ou que contribuiu para a prática do crime pode ser demandado em ação penal, a qual não transcende da pessoa do criminoso (só autor e partícipe respondem pela prática do crime).


5.2) Privada

a) Oportunidade

Também chamado conveniência, significa que o ofendido/representante legal tem total discricionariedade no tocante à propositura da ação privada. Cabe ao particular decidir se quer ou não oferecer a queixa.


b) Disponibilidade

Uma vez instaurada a AP Privada, o querelante pode dela dispor por meio da desistência, do perdão aceito e da perempção - art. 60.


c) Indivisibilidade

Expressamente previsto no art. 48. Segundo este artigo, se o ofendido/representante legal decidir por oferecer a queixa, deverá nela incluir todos os autores do crime, cabendo ao MP velar pela indivisibilidade da AP Privada. Desta forma, ao oferecer a queixa, o querelante deve nela incluir todos aqueles responsáveis pelo fato, não podendo deixar propositadamente um deles de fora. Se o querelante fizer a queixa, e deixar de nela incluir conscientemente um dos agentes, há duas posições:
  • Caberá ao MP aditar a queixa para nela incluir o agente que foi excluído pelo querelante - art. 48 c/c art. 45 (minoritária);
  • Afirma que a renúncia ao direito de queixa exercido em relação a um dos agentes, a todos se estende, de forma que todos serão beneficiados pela causa extintiva da punibilidade - art. 49 (majoritária, STJ). Segundo o STJ o poder de aditamento da queixa pelo MP se destina a correção de eventuais imprecisões da queixa, no tocante à descrição do fato ou das circunstâncias que influem na fixação da pena. Além disso, o MP não pode incluir réus, nem outros fatos de ação privada, pois não é legitimado nessa espécie de ação penal.


d) Intranscendência

Já comentado acima.


6) Denúncia

6.1) Requisitos

A denúncia é a principal peça feita pelo MP nos autos de uma ação penal. Seus requisitos estão previstos no art. 41.

a) Exposição do Fato Criminoso e de suas Circunstâncias

A descrição fática deve ser clara e precisa, pois uma descrição vaga ou imperfeita gera nulidade ao processo, desde o início (nulidade ab ovo), por ofensa ao princípio da ampla defesa. Na denúncia, devem estar descritas as elementares do tipo, eventuais qualificadoras e causas de aumento de pena. Também as circunstâncias do fato devem estar mencionadas. A denúncia deve conter circunstâncias de tempo, lugar, meios e modos de execução, causas e efeitos.

As qualificadoras e as causas de aumento de pena devem estar descritas.

Relativamente às agravantes, podem estar descritas na denúncia, mas pode o Juiz reconhecê-las por ocasião do proferimento da sentença, bastando que esteja comprovada - art. 385, parte final.

No caso de concurso de agentes, é obrigatória a descrição da conduta de cada um dos agentes, individualizando as condutas, esclarecendo o modo como cada um deles agiu no momento do crime.

No caso de crime multitudinário (praticado por multidão) ou crime societário (praticado por sócios, por intermédio de uma pessoa jurídica), a jurisprudência tem entendido que não há como se exigir a descrição individualizada das condutas, bastando uma descrição única e homogênea da conduta dos agentes que não tenham praticado atos isolados e distintos. Isso ocorre em razão da forma como esses crimes de autoria coletiva são praticados.

No caso de crime tentado, é necessário que a denúncia descreva qual foi a circunstância alheia à vontade do agente que impediu a consumação do crime.

No caso de crime de injúria ou desacato, a denúncia deve conter as expressões ofensivas utilizadas pelo agente para a prática do crime.

No caso de crime culposo, é necessário que a denúncia mencione em qual modalidade de culpa incorreu o agente (negligência, imprudência ou imperícia), detalhando-a.

Eventuais omissões da denúncia poderão ser supridas por meio de aditamento, que pode ocorrer até a sentença - art. 569.

Se o MP deixar de incluir na denúncia algum indiciado ou algum fato típico, sem declarar expressamente as razões pelas quais assim procede, não ocorre, para a maior parte da doutrina e jurisprudência,  arquivamento implícito por três motivos:
  • O art. 569 permite que eventuais omissões da denúncia sejam supridas até a sentença;
  • Para que possa existir arquivamento, exige-se manifestação fundamentada, conforme art. 28;
  • Para que ocorra arquivamento, é necessária decisão judicial acolhendo o requerimento do MP, consoante art. 28;
Denúncia alternativa: contém uma imputação alternativa.
  • Quanto ao fato: denúncia que imputa a um só acusado a prática de mais de um fato criminoso, alternativamente, de forma que a responsabilização por um fato exclua a responsabilização do outro fato (ex.: sujeito é encontrado na posse de um veículo furtado, e na denúncia o promotor descreve dois crimes, o de furto e o de receptação, deixando claro que a responsabilização por um exclui o outro crime);
  • Quanto ao sujeito: denúncia que descreve um fato criminoso, imputando-o a dois agentes diferentes, de forma que a responsabilização de um agente exclua a responsabilização do outro (ex.: imputação de um crime a dois irmãos gêmeos idênticos).
A posição minoritária, defendida por Afrânio da Silva Jardim, afirma que é possível denúncia alternativa, pois não há qualquer vedação na Constituição ou do CPP. Além do mais, a denúncia alternativa não impede o exercício da ampla defesa, apenas o torna mais difícil. 

A posição majoritária (doutrina, STJ, STF, etc.) afirma não ser admissível a denúncia alternativa, pois impede o exercício da ampla defesa. A jurisprudência, no entanto, admite a imputação alternativa em relação às circunstâncias do crime (ex.: em uma denúncia por crime de homicídio, o MP descreve duas circunstâncias: motivo fútil e motivo torpe, afirmando que apenas uma delas teria ocorrido).


b) Qualificação do(s) Acusado(s)

Ou fornecimento de dados que permitam sua identificação. Na ausência dos dados qualificativos, segundo previsão do art. 259, a denúncia é possível, desde que certa a identidade física do acusado (como no caso do sujeito preso, que não informa os dados nem porta documentos).


c) Classificação Jurídica do Crime

Ou capitulação legal. A denúncia deve indicar qual dispositivo da lei penal foi violado pelo acusado com a prática do fato descrito. A classificação pode ser modificada de duas formas:
  • Por meio de aditamento do MP, até a sentença;
  • Por ato do Juiz, por ocasião da prolação da sentença, em razão de emendatio libelli - art. 383
Discordando da capitulação fornecida na denúncia, não pode o Juiz rejeitá-la, uma vez que o réu se defende dos fatos descritos, e não da capitulação informada pelo MP, a qual é provisória (pode ser modificada). Excepcionalmente, admite-se que o Juiz receba a denúncia com capitulação diversa quando a capitulação errônea impedir a fruição de algum benefício ao acusado (ex.: suspensão condicional do processo) ou quando acarretar observância de outro procedimento para o processo (ex.: procedimento ordinário ao invés de sumário).


d) Rol de Testemunhas (se necessário) - art. 41

Sendo crime em que é necessária a prova testemunhal, o rol das testemunhas deve ser apresentado juntamente com a denúncia, sob pena de preclusão. Caso haja esquecimento, o que se pode fazer é indicar quais são as testemunhas que precisam ser ouvidas e requerer ao Juiz que as ouça na condição de testemunhas do juízo, conforme faculta o art. 209. Não se tratam de testemunhas de acusação.


6.2) Prazos para Oferecimento da Denúncia

Se o indiciado estiver preso, o prazo é de 5 dias; se solto, o prazo é de 15 dias - CPP, art. 46.

  • Excepcionalmente, no crime de abuso de autoridade, o prazo é de 48 horas - Lei nº 4.898/65, art. 13;
  • No crime contra a economia popular e a saúde pública, o prazo é de 2 dias - Lei nº 1.521/51, art. 10, §2º;
O prazo diferenciado para réu preso e solto deve ter amparo legal.

O excesso de prazo no oferecimento da denúncia não gera nulidade, pois segundo a jurisprudência haverá mera irregularidade. Afirma a doutrina que tais prazos são impróprios, o que significa que o descumprimento não gera nulidade. 

Todavia, em se tratando de indiciado preso, o eventual excesso de prazo pode ensejar constrangimento ilegal, autorizando o relaxamento da prisão. Segundo a jurisprudência, o excesso de prazo somente conduz a constrangimento ilegal quando for injustificado. 

Além disso, o não oferecimento da denúncia no prazo autoriza o ofendido a intentar a ação privada subsidiária da pública, dentro do prazo de 6 meses, contados do término do prazo que tinha o MP.

No âmbito administrativo, é também possível a responsabilização do membro do MP pela Corregedoria-Geral ou pelo CNMP.


7) Queixa

7.1) Requisitos

São os mesmos da denúncia, além dos seguintes:

a) A queixa deve ser oferecida em juízo por advogado, com capacidade postulatória. Sendo pobre, pode requerer que o Juiz nomeie advogado dativo para o oferecimento da queixa - art. 32. Além disso, o ofendido poderá recorrer à Defensoria Pública para patrocinar a causa.

b) O advogado deve ter procuração com poderes especiais para oferecer a queixa, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelado e a menção ao fato criminoso - art. 44.
  • Embora este dispositivo mencione "nome do querelante", entende a doutrina que houve equívoco, pois o que a procuração deve conter é o nome do querelado;
  • A menção ao fato criminoso não precisa ser exaustiva, bastando a indicação do nomen iuris;
  • O objetivo do legislador ao estabelecer tais exigência foi o de fixar responsabilidade do mandante ou do mandatário para casos de excesso de acusação (ex.: denunciação caluniosa);
  • A ausência de uma dessas exigências fica suprida se o querelante assinar a queixa juntamente com o seu advogado.

7.2) Prazos

O ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.

Trata-se de prazo material decadencial, e sua inobservância gera decadência e, consequentemente, extinção da punibilidade. A contagem é feita da forma prevista no CP, art. 10 (inclui-se o dia do início - dia do conhecimento da autoria - e exclui-se o dia do vencimento, não podendo ser suspenso, interrompido ou prorrogado).
  • No crime do CP, art. 266 (induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento) o prazo é de 6 meses contados do trânsito em julgado da sentença que anulou o casamento;
  • No caso de ação penal privada subsidiária da pública, o prazo é de 6 meses contados do término do prazo do MP. Neste caso, se o ofendido não intentar a queixa no prazo de 6 meses, não poderá mais fazê-lo, não havendo, contudo, extinção da punibilidade, posto que o MP poderá oferecer denúncia após escoado o prazo do ofendido e durante ele, desde que não tenha ocorrido prescrição. Vale ressaltar que contra o MP não corre prazo decadencial, mas somente o prescricional do crime, e o MP poderá oferecer a denúncia mesmo após escoado o prazo da queixa;
  • No caso de crime contra a propriedade imaterial, o prazo é de 30 dias contados da homologação do laudo pericial pelo Juiz - art. 529. 



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