sábado, 24 de maio de 2014

09 - Direito Civil 1 - Dos Bens

Dos Bens

1) Conceito

São valores materiais e imateriais que têm conotação econômica e que podem, portanto, ser objeto de uma relação jurídica. Se esses valores não têm valor econômico, não são objeto deste estudo.


2) Espécies

Assim, os bens podem ser:

a) Corpóreos, ou coisas: que são os valores materiais, ou seja, dotados de existência física (ex.: dinheiro, carro, joias, etc.);

b) Incorpóreos, ou direitos: que são os valores imateriais e que só podem ser compreendidos pela inteligência do homem, porque não possuem estrutura física (ex.: crédito, ponto comercial, etc.).


3) Classificação Legal dos Bens

3.1) Dos Bens Considerados em Si Mesmos

Os bens serão analisados individualmente, tendo em vista uma característica que lhe é peculiar.

a) Bens Imóveis: são as coisas que não podem ser transportadas de um lugar para outro sem a sua destruição. Os bens imóveis podem ser:
  • Imóveis por natureza: compreendem o solo e tudo quanto nele se lhe incorporar. Somente serão assim considerados enquanto estiverem aderentes ao solo ou sub-solo, pois depois de retirados serão considerados bens móveis (ex.: água no solo e sub-solo é imóvel por natureza, mas seu engarrafamento a transforma em bem móvel);
  • Imóveis por acessão física artificial: compreende tudo aquilo que o homem incorpora artificialmente ao solo ao ponto de não poder ser removido sem alteração de sua substância ou de sua destinação social. O CC/1916, art. 43, II, exigia que a incorporação ao solo fosse permanente. Pelo atual CC, essa incorporação pode ser temporária ou permanente, pois o que importa para classificar o bem como imóvel é a impossibilidade de sua remoção;
  • Imóveis por força de lei: a razão da imobilização é a segurança das relações jurídicas, pois o regime de proteção aos bens imóveis é mais rígido que aquele que cuida dos bens móveis. 
  • Inexiste no atual CC a figura dos imóveis por acessão intelectual, que no CC/16 permitia tornar imóveis os móveis utilizados como acessório de bens imóveis, mediante vontade do proprietário: CC/16, art. 43. São bens imóveis: III. Tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado em sua exploração industrial, aformoseamento, ou comodidade.
b) Bens móveis - art. 82: são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social. 

No que tange aos navios e aeronaves, são bens naturalmente móveis, mas para fins de hipoteca e alienação, são considerados bens imóveis (art. 1.473, VI e VII). Ambas as hipotecas se efetuam por escritura pública, com autorização do cônjuge, sob pena de nulidade, devendo ser inscritas no Tribunal Marítimo e no Registro Aeronáutico Brasileiro respectivamente.
  • Móveis por natureza: são aqueles suscetíveis de movimento próprio, como os semoventes (ex.: animais de rebanho), e os suscetíveis de remoção por força alheia sem alteração de sua substância (ex.: carros, gás e água engarrafados, etc.);
  • Móveis por antecipação: são aqueles incorporados temporariamente ao imóveis para depois serem removidos sem alteração de sua destinação econômica e social (ex.: árvores para corte para a indústria de papéis);
  • Móveis por disposição legal: são aqueles previstos no CC, art. 83 (ex.: energia; direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações, como direito patrimonial sobre um livro, que cai no domínio público).

c) Bens fungíveis - art. 85: são fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade.
  • Infungíveis são aqueles que não o podem. A infungibilidade pode resultar da própria natureza da coisa, que apresenta características físicas que a torne insubstituível (ex.: capacete do Senna quando foi tri-campeão mundial), da vontade das partes que convencionam no sentido da infungibilidade de bem normalmente fungível. Mas a infungibilidade não resulta apenas da própria natureza da coisa e apenas da vontade das partes, resultando também da vontade do dono (ex.: objeto de estima, que na ausência se converte em perdas e danos).
  • "A fungibilidade é características dos bens móveis. Em alguns casos, no entanto, pode alcançar bens imóveis como no caso de lotes do mesmo loteamento, que pertençam a sócios que desmancham a sociedade e dividem entre si os lotes existentes, quando ainda não lavrada a escritura desses lotes. Nesse caso, os lotes, apesar de imóveis, serão considerados fungíveis, porque ainda não estão individualizados, o que só ocorre com o registro no CRI."

d) Bens consumíveis - art. 86: são consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação.
  • A consuntibilidade pode ser:
  • De fato: ocorre com os bens que se destroem com o primeiro uso (ex.: cigarro);
  • De direito: bens destinados a alienação (ex.: livro na loja, que pode ser consumido pelo adquirente através da aquisição).
  • Bens inconsumíveis: comportam uso reiterado, sem que haja destruição de sua substância (ex.: livro já comprado pelo adquirente).
  • Os imóveis são sempre inconsumíveis.

e) Bens divisíveis - art. 87: são os que se podem fracionar sem alteração na sua substância, diminuição considerável de valor, ou prejuízo do uso a que se destinam.
  • Indivisíveis são os bens que não se pode fracionar, pois seu fracionamento destrói sua natureza, diminui seu valor ou prejudicar sua destinação. A indivisibilidade pode ser:
  • Física: o fracionamento altera a substância do bem (ex.: boi em pé); 
  • Econômica: o fracionamento implica em perca considerável do valor do bem (ex.: diamante); 
  • Intelectual ou jurídica: a lei veda o fracionamento (ex.: módulo rural);
  • Voluntária: as partes acordam no sentido da indivisibilidade;
  • Finalística: o fracionamento implica na alteração do uso a que se destina a coisa (ex.: peças de xadrez).
A indivisibilidade pode também atingir os bens incorpóreos (ex.: direito à herança - CC, art. 1.791).


f) Bens singulares - art. 89: são os bens que, embora reunidos, se consideram de per si, independentemente dos demais (ex.: carteiras na sala de aula).

g) Bens coletivos: são constituídos de dois ou mais bens singulares que se encontram agregados em um todo (ex.: coleção). A coletividade compreende:
  • Universalidade de fato: conjunto de duas ou mais coisas corpóreas que se acham agregadas em um todo (ex.: rebanho) - art. 90;
  • Universalidade de direito: herança e patrimônio (ativo e passivo) - art. 91.
No caso do par de sapatos, dizem-se naturalmente coletivos. No entanto, há quem sustente serem bens singulares.
No CC/1916, havia previsão de que, no caso das coisas coletivas, em desaparecendo todos os indivíduos menos um, se tinha por extinta a coletividade. Assim, o legado de uma coleção de selos caducava quando o testador alienasse os selos em vida, remanescendo apenas um. O atual código não repetiu esta regra. Portanto, no exemplo dado, permanece  a eficácia do legado.

3.2) Dos Bens Reciprocamente Considerados

Os bens serão analisados uns em face dos outros.

a) Principais - art. 92: são os bens que existem por si, abstrata ou concretamente; 

b) Acessórios - art. 92: são aqueles cuja existência supõe a do principal.
  • Corpóreos: frutos, produtos, benfeitorias, acessões e pertenças. O princípio da gravitação jurídica (de que o acessório segue o principal) continua em vigor no atual CC, porém não abrange as pertenças. Atingirá as hipóteses do art. 94. Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso;
  • Frutos: são as produções normais e periódicas cuja percepção deixa intacta a coisa que os produziu. 
  • Quanto a sua origem, podem ser:
  • Naturais: se reproduzem pela força orgânica da coisa (ex.: frutas e crias de animais);
  • Industriais: se reproduzem pelo trabalho do homem (ex.: produção de fábrica); 
  • Civis: são os rendimentos tidos por um bem (ex.: juros, alugueis).
  • Quanto ao estado em que se encontram, podem ser: 
  • Pendentes: ainda se encontram unidos à coisa que o produziu;
  • Percebidos: já colhidos;
  • Estantes: já colhidos e que se encontram armazenados para a venda;
  • Percipiendos: já deveriam ter sido colhidos, mas ainda não o foram;
  • Consumidos: não mais existem, porque foram utilizados.
Referida classificação também atinge os direitos (ex.: em um contrato, o crédito é principal, e a cláusula penal é acessória). 
Diferença entre fruto e fruta: fruto é gênero, do qual a fruta é espécie (fruto natural, ao lado do fruto industrial e do fruto civil).
  • Produtos: são as utilidades que se extraem de uma coisa com destruição da sua substância ainda que de forma paulatina (ex.: o mineral ou o metal quando retirado da mina).
  • Apesar de ainda não separados do principal, os frutos e os produtos podem ser objeto de negócios jurídicos autônomos e independentes, caso em que deixam de ser tidos como bens acessórios - art. 95 (ex.: bezerro não nascido).
Diferença entre fruto e produto: o fruto destacado do principal, não acarreta a destruição do principal, e se reproduz periodicamente (ex.: frutas em relação a uma árvore). O produto extraído do principal acarreta sua destruição, e não se reproduz periodicamente (ex.: ouro em relação ao garimpo); 
  • Benfeitorias: são as obras ou despesas efetuadas numa coisa para conservá-la, melhorá-la ou, simplesmente, embelezá-la - art. 96. Portanto, as benfeitorias podem ser:
  • Necessárias: terão direito à indenização pelo seu valor tanto os possuidores de boa-fé como os de má-fé;
  • Úteis: apenas o possuidor de boa-fé terá direito à indenização pelo seu valor;
  • Voluptuárias: o possuidor de boa-fé terá o direito de levantá-las (jus tollendi) quando isso for possível sem qualquer dano à coisa. Se o seu levantamento não for possível, ele as perde sem qualquer indenização. Se o seu levantamento for possível, mas o proprietário quiser ficar com ela, ele fica, mas deverá indenizar o possuidor de boa-fé.
  • O possuidor de má-fé, não tem direito de indenização pelas úteis e, tampouco, o de levantar as voluptuárias. Ele simplesmente as perde, sem qualquer indenização; 
  • Os acréscimos ou melhoramentos advindos à coisa por força da natureza são acessões - art. 97 (ex.: avulsão, aluvião, formação de ilhas, abandono de álveo).
  • Acessões: acessão é a junção de uma coisa à outra por força externa. Pode ser:
  • Natural (ex.: aluvião, avulsão, formação de ilhas e abandono de álveo);
  • Industrial ou artificial (ex.: a construção de uma obra);
  • Mista (ex.: plantação).
Diferença entre benfeitoria e acessão industrial: as benfeitorias são melhoramentos feitos em obras já existentes (ex.: reforma de uma casa, construção de uma garagem), e as acessões industriais são obras que criam coisas novas (ex.: construção de uma casa num terreno vazio - art. 1.253 e ss.).  
Súmula n 335-STJ: Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE. DIREITO DE RETENÇÃO POR ACESSÃO E BENFEITORIAS. CONTRATO DE COMODATO MODAL. CLÁUSULAS CONTRATUAIS. VALIDADE.
1. A teor do artigo 1.219 do Código Civil, o possuidor de boa-fé tem direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis e, por semelhança, das acessões, sob pena de enriquecimento ilícito, salvo se houver estipulação em contrário.
2. No caso em apreço, há previsão contratual de que a comodatária abre mão do direito de ressarcimento ou retenção pela acessão e benfeitorias, não tendo as instâncias de cognição plena vislumbrado nenhum vício na vontade apto a afastar as cláusulas contratuais insertas na avença.
3. A atribuição de encargo ao comodatário, consistente na construção de casa de alvenaria, a fim de evitar a "favelização" do local, não desnatura o contrato de comodato modal.
4. Recurso especial não provido.
(REsp 1316895/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 28/06/2013)
(VOTO VENCIDO) (MIN. NANCY ANDRIGHI) É devida indenização ao comodatário pela construção feita em imóvel objeto do contrato de comodato, na hipótese em que ele, de boa-fé, cumpriu o encargo contratual consistente na construção de casa de alvenaria para sua própria residência e aderiu a cláusula de renúncia à indenização por tal benfeitoria, pois, no caso, o encargo exigido, que em verdade consistiu em acessão ao comodante, mostra-se desproporcional ao contrato típico de comodato, cuja essência é gratuita e benéfica, sendo abusiva a cláusula que impôs a construção e a renúncia à indenização, sobressai a manifesta boa-fé do comodatário, constituindo requisito ao direito à indenização nos moldes dos arts. 1.255 e 1.219 do CC/2002. 
  • Pertenças: embora sejam coisas acessórias, as pertenças conservam a sua identidade, pois elas não se incorporam à coisa a que se juntam (ex.: CD player do carro) - art. 93;
  • A separação das pertenças não acarreta na destruição da coisa principal, que permanece intacta;
  • Relativamente ao princípio de que o acessório acompanha o principal, não se aplica às pertenças, devendo ser aplicado somente nas hipóteses previstas no art. 94: Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso. 
CESPE Juiz CE 2013 - 1) Caso uma pessoa adquira um trator para melhor explorar sua propriedade rural, esse bem, de acordo com o Código Civil brasileiro, caracteriza-se como:
E) Pertença

3.3) Dos Bens Públicos

São aqueles pertencentes a uma pessoa jurídica de direito público, qualquer que seja a sua afetação, e os pertencentes a uma pessoa jurídica de direito privado quando afetados à prestação de um serviço público.

3.3.1) Espécies

Os bens públicos podem ser:

a) Bens de uso comum do povo - art. 99, I: são aqueles que pela sua própria natureza ou em razão da lei têm o acesso permitido a todos (ex.: ruas, praças, estradas, rios, mares). O uso desses bens pode ser gratuito ou retribuído, conforme art. 103;

b) Bens de uso especial - art. 99, II: são aqueles usados pela Administração Pública para atingir os seus fins (ex.: carros oficiais, cemitérios públicos, terras dos silvícolas, etc.);

c) Bens dominiais ou dominicais - art. 99, III: são aqueles que não têm destinação pública e, por isso, integram o patrimônio disponível do Poder Público (ex.: os terrenos de marinha; as terras devolutas, salvo aquelas necessárias à proteção dos ecossistemas, pois neste caso elas são bens de uso especial).


3.3.2) Características dos Bens Públicos

a) Inalienabilidade: os bens de  uso comum do povo, pela sua própria natureza, são absolutamente inalienáveis, porque são insuscetíveis de mensuração pecuniária;
  • Os bens de uso comum do povo em razão da lei e os bens de uso especial são relativamente inalienáveis - art. 100; 
  • Os bens dominiais são alienáveis, desde que preenchidos os requisitos do art. 17 da Lei 8.666/93. 
b) Imprescritibilidade: os bens públicos são insuscetíveis de usucapião - art. 102;
c) Impenhorabilidade: a execução contra a Fazenda Pública deve ser feita por meio de precatórios - CF/88, art. 100, processando-se nos moldes do CPC, art. 730;
d) Impossibilidade de oneração: esses bens não podem ser objeto de penhor, hipoteca e etc.


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