quinta-feira, 22 de maio de 2014

01 - Direito de Família - Introdução


1) Introdução e Conceito de Família

No Brasil, antes da Constituição de 1988, a família era apenas a oriunda de casamento. A Constituição de 1988 ampliou a questão afirmando que a família é oriunda do casamento (família matrimonial), união estável (família informal) e a comunidade em que vive qualquer dos pais e seus descendentes (família monoparental ou unilinear). Essas duas últimas situações são chamadas de "entidades familiares" - CF/88, art. 226, §§ 3º e 4º.

Segundo o STF, referido rol é exemplificativo (numeros apertus). Outras entidades familiares podem ser criadas por lei ou com base no afeto. O Supremo reconheceu como entidade familiar a família homoafetiva, que é a união de pessoas do mesmo sexo, atribuindo-lhe os efeitos de união estável - ADI 4.277 e ADPF 132; logo, gera os seguintes direitos, dentre outros: nome, alimentos, herança, pensão por morte, regime de bens, conversão em casamento.

É possível, portanto, a conversão e o casamento direto entre pessoas do mesmo sexo, o que amplia o conceito de família.

Ainda, qualquer discussão da matéria se dará em Vara de Família, e não mais em Vara Cível.

O fundamento da tese ampliativa são os princípios da isonomia, da dignidade da pessoa humana, da proibição de tratamento discriminatório e preconceituoso e o princípio do afeto, este último consagrado na Lei nº 11.240/06 - Lei Maria da Penha, segundo o qual considera-se família qualquer agrupamento de pessoas em que existe a relação de afeto.

Finalmente, leva-se em consideração a função instrumental da família, que é um meio de aperfeiçoamento do caráter e da personalidade das pessoas, razão pela qual a criação de famílias deve ser estimulada (afastando conceitos restritivos).

Assim, podemos dizer que o STF, ao admitir a família homoafetiva, implicitamente reconheceu as seguintes famílias: 
  • Família anaparental: é a família sem pais (ex.: convivência de irmãos, amigos, cunhados, avós e netos, tios e sobrinhos);
  • Família mosaico (ou pluriparental): é a família que contém vários tipos de vínculos entre seus membros (ex.: viúva com divorciado, e ambos já tinham filhos). O enteado pode pleitear o uso do nome do madrasta ou padrasto, desde que não suprima o nome original - Lei nº 6.015/73. É preciso sentença judicial. O ECA admite a chamada "adoção unilateral", que é a adoção do filho de companheiro ou cônjuge, sendo a única adoção em que o adotado não perde os vínculos com a família de sangue. Pela lei, o enteado não tem direitos sucessórios e não pode pleitear alimentos do padastro/madastra, mas uma parcela doutrinária pensa o contrário, estendendo estes direitos, tendo em vista que integra a família (MBD), tese que até o momento não tem apoio na jurisprudência.

1.1) Proteção da Família

A família é a base da sociedade - CF/88, art. 226. O Estado tem o dever de protegê-la, proteção essa que é feita através de leis cogentes, isto é, que não podem ser modificadas pela vontade das partes. Portanto, em regra, os direitos do Direito de Família são irrenunciáveis, não se podendo, por exemplo, renunciar à condição de pai, de filho, etc. Há algumas leis dispositivas no direito de família, isto é, que as partes podem abrir mão, ocorrendo várias delas no âmbito do regime de bens.


1.2) Critério de Interpretação do Direito Civil e, Sobretudo, do Direito de Família

a) Eficácia horizontal dos direitos fundamentais: trata-se da incidência dos princípios constitucionais nas relações entre particulares, impondo-lhes limites para geração de garantias.

  • Assim, na interpretação, leva-se em conta, dentre outros, os princípios da dignidade da pessoa humana - CF/88, art. 1º, I, da solidariedade social - art. 3º, e da igualdade - art. 5º;
  • Esses princípios constitucionais têm o poder de afastar a norma legal com a qual eles colidem, e não se confundem com os princípios gerais do direito, que têm apenas aplicação subsidiária para suprir as lacunas/ausência da lei.
b) Eficácia vertical: é a incidência dos princípios nas relações entre o Estado e o particular, impondo limites ao Estado para gerar garantias à pessoa (ex.: direitos e garantias fundamentais do art. 5º).


2) Princípios Aplicáveis ao Direito de Família

2.1) Dignidade da Pessoa Humana - CF/88, art. 1º, III

É o respeito aos valores do homem. É um dos fundamentos da República. 

  • Fundamenta a teoria da indenização por abandono afetivo: pai que paga alimentos, mas não dá afeto ao filho. "Amar é faculdade; cuidar é dever" - Min. Nancy do STJ. Não é possível impor ao pai que ame ao filho, mas ele tem que agir como se amasse, tem que atuar como quem ama. Essa falta de ação é que caracteriza o abandono afetivo. Tanto que se o pai cuidar bem do filho, mas com ódio que não se exterioriza, não haverá indenização.
  • Não caracteriza o abandono afetivo se o pai desconhecia a existência do filho;
  • As tutelas declaratórias, que visam ao reconhecimento de uma questão já existente, não estão sujeitas a prazos de prescrição ou decadência;
  • As tutelas constitutivas positivas ou negativas, que visam a criação, extinção ou modificação de direitos, como anulatórias e revocatórias, estão sujeitas aos prazos decadenciais;
  • As tutelas condenatórias, que visam recompor um direito subjetivo violado mediante prestação do réu, sujeitam-se a prazos prescricionais;
  • A investigação de paternidade é tutela declaratória, pois a condição de filiação é existente, dependente apenas de declaração para que opere efeitos jurídicos. Portanto, imprescritível;
  • A indenização por abandono afetivo é tutela condenatória, sujeita ao prazo de prescricional de 3 anos. O início desse prazo se dá com o atingimento da maioridade penal, quando cessa o pátrio poder, se o filho já sabia quem era o pai. Se o filho somente descobriu quem era o pai com a ação investigativa (que é imprescritível), em regra deve ser contado o prazo a partir da declaração. Entretanto, a Súmula nº 149-STF diz que a investigação de paternidade é imprescritível, mas não o é a petição de herança. Essa súmula dá a entender que o direito de indenização poderia estar prescrita no momento do reconhecimento da paternidade. A súmula é de 1963.

2.2) Solidariedade Social - CF/88, art. 3º, I

É o apoio ao próximo e, sobretudo, à família. É um dos objetivos da República. 

Este princípio é o fundamento constitucional do direito a alimentos. Também dá base ao princípio da comunhão de vida - CC, art. 1.511.


2.3) Igualdade entre Filhos - CF/88, art. 227, §6º

Perante a Lei, esta igualdade entre filhos é absoluta. É inconstitucional qualquer lei que preveja tratamento discriminatório entre filhos (ex.: filho adotivo herda igual filho biológico).

A lei não prevê igualdade entre irmãos.

A lei ainda proíbe designações discriminatórias, isto é, a lei não pode qualificar o filho com expressões como "espúrio", "adulterino", "incestuoso", "bastardo".

Por doação ou testamento, é possível beneficiar um filho em detrimento dos demais, desde que se respeite a legítima. A igualdade é perante a lei, e testamento não é lei. Assim, metade do patrimônio constitui a legítima, devendo ser observada. A outra metade é a disponível, podendo ser distribuída desigualmente.


2.4) Igualdade entre Cônjuges - CF/88, art. 226, §5º

Marido e mulher têm os mesmos direitos e deveres (ex.: emancipação do filho é ato conjunto dos pais, e se houver divergência, o Juiz decide).

O poder familiar (representação, assistência e administração dos bens dos filhos menores) é exigido em conjunto pelos pais, e as divergências são solucionadas pelo Juiz. 

  • No CC/1916, havia o poder marital: o marido era o chefe da sociedade conjugal, e a mulher sua mera colaboradora (o pai decidia pela emancipação, autorização de casamento dos filhos, etc.). A mulher casada era relativamente incapaz, e só se tornava capaz quando o marido morria. Com a Lei nº 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada), a mulher casada tornou-se capaz, mas o marido continuou sendo o chefe. Este poder marital, que verticalizava a família, só foi abolido com a Constituição de 1988, quando a família tornou-se horizontal (regime de igualdade entre marido e mulher).
O princípio da igualdade aplica-se também à união estável.


2.5) Princípio da Liberdade ou Não Intervenção - CF/88, art. 226, §7º

O Estado e outras Pessoas Jurídicas de Direito Público ou Privado não podem interferir no planejamento familiar. É inconstitucional eventual lei que imponha controle de natalidade, ou a forma de educar filhos, ou a obrigatoriedade de religião, etc.

O planejamento familiar, isto é, a forma de constituição da família é livre decisão do casal, e o Estado deve apenas propiciar os recursos educacionais e científicos necessários ao atingimento desses objetivos.

  • Lei que impõe regime de separação obrigatória de bens não é inconstitucional se houver motivo justo ou lógico, pois não existem direitos absolutos;
  • O STJ já decidiu que os pais devem matricular os filhos na escola, não podendo impor aos filhos uma educação exclusivamente doméstica.
Atualmente, o CC, art. 1.638, I, prevê a perda do pátrio poder aos pais que castigarem imoderadamente os filhos;
  • A Lei nº 13.010/14, apelidada pela imprensa de Lei da Palmada, e pelo Senado de Lei Menino Bernardo, alterou o ECA vedando os castigos físicos ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em sofrimento físico ou  lesão, bem como veda o tratamento cruel ou degradante, que é a conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que humilhe, ou ameace gravemente, ou ridicularize.





Um comentário: