terça-feira, 22 de julho de 2014

08 - Processo de Conhecimento - Procedimento Comum - Rito Ordinário - Fase Postulatória - Coisa Julgada


I - Procedimento Comum Ordinário

1) Fase Postulatória







5) Coisa Julgada

5.1) Introdução

Informações extraídas de estudos doutrinários revelam que sempre houve, em termos de processo, uma questão a ser resolvida, ou seja, a relativa ao momento em que o sistema não conceda mais aos litigantes a possibilidade de prosseguir discutindo as suas posições. Em suma, sempre foi objeto de preocupação a palavra final sobre o litígio e sua eventual impossibilidade de alteração. Essa preocupação é válida e tem haver com a necessidade de se promover, por intermédio da atividade jurisdicional, a pacificação social com segurança. Naturalmente, se as decisões adotadas em face de conflitos não se estabilizassem, a insegurança jurídica tornar-se-ia uma constante indesejável ao bom funcionamento do sistema.

Por isto, processualistas tradicionais sempre apontam que o modelo tomado em consideração pelo atual processo civil nessa matéria foi o do processo civil romano, diante do qual se permitia às partes em litígio o recurso que poderia chegar até o imperador (apelatio), mas que, uma vez decidido, punha ponto final à questão, impedindo sua rediscussão posteriormente. Pode-se dizer, portanto, que a coisa julgada traz em si a ideia da imutabilidade da decisão proferida em Juízo, como consequência jurídica impeditiva de prosseguimento do conflito entre as partes.

Como pondera Didier, coisa julgada é o instrumento pelo qual o sistema visa a assegurar o princípio da segurança jurídica.


5.2) Caráter Constitucional da Coisa Julgada

A coisa julgada tem previsão constitucional no art. 5º, XXXVI, no qual o constituinte proíbe a retroação de qualquer dispositivo legal que possa infirmar o direito adquirido, a coisa julgada ou o ato jurídico perfeito. É nesse dispositivo que se consagra o princípio da segurança jurídica, que visa à estabilização de situações juridicamente já resolvidas. 


5.3) Conceito

Coisa julgada pode ser conceituada como o fenômeno que torna definitivo entre as partes o preceito normativo especial, definido pela sentença judicial sobre a qual não caiba mais recurso. Falando de outro modo, a coisa julgada é representada então pela definitividade do dispositivo da decisão para as partes após o esgotamento das possibilidades de recurso.


5.4) Natureza Jurídica

Discute-se na doutrina se a coisa julgada é um dos efeitos da sentença, se é uma qualidade desses efeitos, ou ainda se haveria uma alternativa às duas posições anteriores. Uma visão tradicional sobre o assunto, com origem na opinião de Pontes de Miranda e Ovídio Baptista, defende que a coisa julgada seja um efeito da decisão que atinge a declaração do direito feita pelo julgador naquela matéria, impedindo sua rediscussão posterior. Note que para estes autores, a coisa julgada é um efeito que se circunscreve à declaração de direito existente no decisum

Uma segunda corrente, fundada na opinião de Enrico Túlio Liebman, segundo por Ada e Dinamarco, pretende que a coisa julgada não seja um efeito da decisão, mas, ao contrário, uma qualidade de seus efeitos que os torna imutáveis. No direito processual contemporâneo, esta é uma posição consagrada e admitida pela grande maioria dos autores. Por óbvio, ela também suscita divergências. Seus críticos, dentre os quais Barbosa Moreira, não admitem que a coisa julgada seja reduzida a uma simples qualidade que torna imutáveis os efeitos, uma vez que seria duvidoso aceitar essa imodificabilidade dos efeitos. Alegam que o efeito de uma decisão condenatória pode ser alterado se o beneficiário não executa-la, fazendo um acordo, por exemplo. A crítica tem por base o fato de que muitos efeitos da sentença são objeto de direitos disponíveis, que podem, de alguma maneira, serem alterados pelas próprias partes. A discussão é acadêmica e interminável.


5.5) Pressupostos da Coisa Julgada

Os pressupostos da coisa julgada são objetivos e de simples compreensão. O primeiro deles é a existência de coisa julgada formal; o segundo é o de que a sentença seja uma sentença de mérito. Esses dois pressupostos são importantes. 
  • Coisa julgada formal: é a hipótese de "preclusão máxima", ou seja, a situação em que não caiba mais qualquer recurso relativo à sentença final proferida nos autos. A coisa julgada formal opera para dentro do processo, obstruindo o caminho das partes quanto à possibilidade de sua rediscussão no mesmo processo;
  • Sentença de mérito: é uma sentença que tenha resolvido a causa de pedir, isto é, o mérito da demanda. Importa considerar que há de ser uma sentença de mérito, assinalando-se esse ponto pelo fato de ser possível uma decisão de mérito sem que tenha a natureza de sentença, como é o caso da decisão que confere tutela antecipada, tipicamente interlocutória e que jamais fará coisa julgada material. 

5.6) Regime Jurídico da Coisa Julgada

Entende-se por regime jurídico da coisa julgada a disciplina jurídica da manifestação desse efeito, realizada pelo legislador tendo em conta aspectos relevantes. Inicialmente, é importante ressaltar o objeto da coisa julgada. A julgar pela disposição do art. 468, a conclusão obrigatória é a de que só faz coisa julgada o dispositivo das decisões onde se concentra a regra particular fixada pelo Juiz como resolução do conflito levado ao seu conhecimento. Assim, quando o legislador diz que fará coisa julgada a sentença que julgar a lide, a consequência disso é a conclusão antes afirmada: a lide é julgada no dispositivo.

Por outro lado, se pode afirmar que este é o limite objetivo da coisa julgada, já que o legislador não estende seus efeitos aos fundamentos da decisão, em consonância com as disposições do art. 469. Nesta, o legislador esclarece que os motivos da decisão, assim como a verdade dos fatos tomada em consideração como fundamento, não estão recobertos pelo efeito da coisa julgada. 

Também não será objeto da coisa julgada a decisão sobre questão prejudicial alegada pelas partes, a menos que ela tenha sido posta como causa de pedir desde a inicial ou tenha sido objeto de ação declaratória incidental, em conformidade com o art. 325.

Em compensação, deve-se fazer atenção ao disposto pelo art. 474, segundo o qual a coisa julgada também recobrirá todas as questões e alegações, ou defesas que as partes poderiam ter oposto à decisão e não o fizeram. O que o legislador diz, neste ponto, é que a coisa julgada atinge todas as questões que implicitamente poderiam estar presentes no debate, embora não tenham sido alegadas. 

Um outro aspecto do regime jurídico diz respeito aos limites subjetivos da coisa julgada, referidos pelo legislador no art. 472. O que se vê é a opção do legislador pelo efeito intra-partes. Nessa medida, a coisa julgada apenas se refere às partes que estiveram em litígio, não se podendo estender a terceiros. Essa é, de fato, a regra geral. 

Há, no entanto, a possibilidade de o efeito intra-partes da sentença, em alguma situações específicas, quando por exemplo uma das partes estava na condição de substituto processual, é óbvio que o substituído, embora ausente formalmente da lide, será atingido plenamente pelos efeitos da decisão. O mesmo ocorre em algumas hipóteses de litisconsórcio. Ademais, é preciso lembrar que nas ações coletivas, por sua característica particular, os efeitos são naturalmente ou ultra-partes ou erga omnes, a depender da hipótese, em conformidade com as disposições da Lei nº 7.347/85.


5.7) Coisa Julgada e suas Condições Legais

Normalmente, a produção da coisa julgada material é submetida ao regime pro et contra, caso em que a sua produção não está condicionada a uma particular situação da decisão. 

Todavia, o legislador pode, em razão do interesse que vislumbre, condicionar a produção da coisa julgada material a uma situação específica do processo ou da sentença. Por isto é que se avista, em alguns casos, a chamada coisa julgada secundum eventum litis, hipótese na qual a formação da coisa julgada material dependerá do tipo de resultado da demanda. 

Em outra hipótese, se verifica a coisa julgada secundum eventum probatione, circunstância na qual haverá formação da coisa julgada material apenas diante da situação probatória verificada no caso. A lei da Ação Civil Pública, por exemplo, repele a coisa julgada material nas sentenças de improcedência por falta de provas, determinação que visa a resguardar o interesse coletivo em questão, já que o autor pode ter autuado de modo desidioso em seu detrimento.


5.8) Efeitos da Coisa Julgada

O CPC salienta, no art. 471, que nenhum Juiz decidirá novamente as questões já decididas e relativas à mesma lide, o que é, em si, um efeito da coisa julgada. Quando ela ocorre, seus efeitos impedem que as próprias partes possam rediscutir a matéria, tanto quanto impõe ao Judiciário e a qualquer Juiz o obstáculo ao conhecimento daquilo que já estava decidido. 

Há uma situação, todavia, que desafia os efeitos da coisa julgada, e que está retratada pelas relações de caráter continuativo. Nessas hipóteses, os fatos iniciais da demanda podem sofrer alterações depois da sentença, de tal modo a autorizarem as partes a um pedido de revisão. Um exemplo clássico é aquele que se extrai do CC, art. 1.699, que permite à alimentante e alimentando à revisão de decisão anterior que estabeleceu alimentos. Costuma-se dizer nesses casos, então, que inexiste coisa julgada, dada a "porta aberta" à permanente rediscussão da matéria. O que se leva em conta aí é o caráter continuativo da relação e a exposição contínua às mudanças de circunstâncias.


5.9) Afastamento da Coisa Julgada

A coisa julgada não está livre de ser atingida ou relativizada. O legislador, assim como o constituinte, garantem pelo menos duas possibilidades em que se pode afrontá-la, abrindo caminho à rediscussão da matéria decidida. 

A primeira dessas hipóteses está retratada pelo art. 485, dizendo respeito à ação rescisória. Essa demanda, de caráter particular, estará à mão das partes quando venha a ocorrer vício gravíssimo, como as hipóteses taxativamente consideradas pelo dispositivo em questão. Assim, quando a sentença for proferida por Juiz absolutamente incompetente, ou quando houver a chamada "peita" do Juiz (corrupção ou concussão), ou quando ela própria ofender a coisa julgada anterior, será possível a sua afronta por meio de ação própria. 

Outro meio capaz de afrontá-la, é a demanda denominada querela nullitatis insanabilis, que é ainda mais especial do que a ação rescisória, pois diz respeito a situações em que a sentença recoberta pela coisa julgada foi proferida em processo no qual não houve citação do réu ou houve citação defeituosa. Nesse caso, a possibilidade fica aberta porque a relação processual é propriamente inexistente, não podendo o réu, em qualquer momento, ser atingido pelos efeitos da coisa julgada. 

Finalizando, tem evoluído a possibilidade de relativização da coisa julgada. Trata-se de situação em que se admite especialmente a desconsideração desse efeito para permitir às partes a repropositura da mesma demanda. Isso é comum, por exemplo, em demandas que digam respeito ao estado de filiação quando a sentença julgue improcedente o pedido por falta de provas, quando à parte não se permitiu a utilização de todos os meios possíveis, entre eles, o exame de DNA, Essa relativização tem haver com a afronta ao devido processo, com a denegação do direito fundamental à prova. É hipótese que permite alguma expansão do sistema.


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