sexta-feira, 18 de julho de 2014

06 - Processo de Conhecimento - Procedimento Comum - Rito Ordinário - Instrução


I - Procedimento Comum Ordinário

1) Fase Postulatória





3) Instrução - CPC, art. 132 ao 443

3.1) Considerações Iniciais

A etapa instrutória é aquela em que as partes e o Magistrado operam no sentido de investigar a veracidade das alegações produzidas, necessidade vital para a prolação de uma decisão mais adequada ao caso. Essa fase decorre da circunstância natural proveniente de todo e qualquer direito, já por não se poder negar que qualquer direito se apoia em fatos. A controvérsia principal do processo sempre gira em torno de fatos, já que estes é que podem constituir, alterar ou extinguir direitos. Claro que pode haver também controvérsia eminentemente voltada ao reconhecimento ou não do direito, mas na maior parte dos casos ela está vinculada aos fatos dos quais seu reconhecimento depende.


3.2) Objetivo da Fase Instrutória

Geralmente se diz que a fase instrutória é voltada a uma pesquisa vital para o processo, ou seja, a pesquisa da verdade. A ideia de verdade, todavia, é de difícil apreensão, por ter um caráter dependente de uma avaliação subjetiva. Fala-se em verdade no processo por ser inegável que uma das principais tarefas das partes e do Juiz é a de reconstrução dos fatos sobre os quais gira a controvérsia, como diria Carnelutti.

É evidente, por sua vez, a possibilidade de se alcançar uma verdade por intermédio da instrução, principalmente no sentido emprestado ao termo por Mitter Mayer, que costumava dizer que "a verdade é a concordância entre a realidade de um fato e a ideia que fazemos dele". Apesar disto, há uma dúvida quase intransponível  sobre a natureza da verdade a ser alcançada pela prova.

Essa dúvida sobre a verdade decorre de uma reflexão muito simples, que indica como conclusão invariável a possibilidade, no máximo, de obtenção pelas provas de uma "verdade processual", e portanto de caráter sempre relativo. A evidência disso decorre das próprias dificuldades na reconstrução dos fatos, limitada sempre aos meios de prova empregados. Assim, o ideal de uma verdade absoluta, 100% compatível com a realidade material dos fatos, é notoriamente impossível.


3.3) Da Prova

3.3.1) Conceito

"É o conjunto de atividades de verificação e demonstração, mediante as quais se procura chegar à verdade quanto aos fatos relevantes para um julgamento" (Dinamarco). "É o meio retórico, regulado pela lei, que dentro do parâmetro fixado pelo direito e critérios racionais, é dirigido a convencer o Estado-Juiz da validade de determinadas proposições" (Marinoni).
  • O conceito do Prof. Dinamarco, tal como se vê, tem o tom tradicional e vislumbra a ideia de prova numa perspectiva objetiva, ou seja, como um procedimento vinculado à demonstração da verdade dos fatos, tal como a parte os vê;
  • Para o Prof. Marinoni, porém, a ideia de prova no processo faz parte apenas da demonstração de validade de uma argumentação desenvolvida pelas partes, como se fosse um meio para dar sustentabilidade às proposições que cada uma das partes formula em suas respectivas pretensões;
  • Comparando os dois conceitos, é possível perceber que aquele de autoria do Prof. Dinamarco parte do pressuposto da possibilidade do alcance de uma verdade material, concreta, absoluta, ao passo que o conceito do Prof. Marinoni tem como ponto de partida a impossibilidade disso, e o processo é um veículo em que se opõe o discurso do réu e o discurso do autor, onde os meios de prova são apenas instrumentos retóricos para o convencimento do Magistrado sobre a boa tese de um ou de outro.

3.3.2) Objeto

Por objeto da prova se deve entender aquilo que se pretende demonstrar por meio de sua produção. Ora, a prova se refere inevitavelmente a fatos, sendo estes, afinal, o seu objeto primordial. Mas a utilização de um dado meio de prova não pode ter lugar em qualquer hipótese, pois quando o legislador, no dispositivo do art. 332, oferece ampla possibilidade de sua utilização, se deve compreender que a finalidade de seu emprego está ligada à demonstração não de qualquer verdade, mas de uma verdade que seja útil à definição do litígio. 

Então, não é qualquer fato que permitirá a produção da prova. A doutrina de Marinoni, Didier e Dinamarco é uniforme na seguinte referência: o objeto da prova são apenas os fatos relevantes, controvertidos e determinados. 
  • Fato relevante: é aquele de cuja certeza sobre sua ocorrência depende a solução da lide;
  • Fato controvertido: é aquele que apresenta uma dúvida ou uma questão a ser dirimida durante a instrução. Em outras palavras, controvertido é aquele sobre o qual não há certeza de sua ocorrência, nos moldes do quanto foi alegado;
  • Fato determinado: é aquele perfeitamente descrito e identificado nos autos.
Estabelecido aquilo que deve ser compreendido como objeto da prova, o que se deduz é que fatos não controvertidos, embora relevantes e determinados, não dependem de prova. Em regra geral, é isto o que se deve ter presente, mas com a observação de que, em algumas hipóteses, caberá uma exceção. 

Assim, é o caso de se lembrar que se o fato não controvertido disse respeito a direito indisponível, ainda assim haverá a necessidade de sua prova, dada a natureza do direito em causa. Exemplificando, se em uma ação investigatória de paternidade o réu, suposto pai, embora citado deixe de contestar, as disposições dos art. 302 c/c 320 irão impor ao Magistrado a prova dos fatos alegados pelo autor, independentemente da revelia do réu. 

Outra possibilidade de exceção decorre da hipótese em que a lei exija forma especial para a prova do fato, conforme art. 320, III, quando, embora não aparente controvertido, o fato dependerá de prova especial. Exemplificando, imagine-se hipótese em que o autor, proclamando-se proprietário de um imóvel avaliado em R$150 mil, venha a promover ação reivindicatória perante o réu que se mantenha em silêncio durante o prazo de contestação. Suponha-se mais, ou seja, que o autor não juntou à inicial a escritura pública de compra e venda do referido imóvel, único meio probatório possível de sua propriedade sobre ele, em razão do disposto no CC, art. 108. Nesse caso, inapelavelmente, o fato que poderia ser dado por incontroverso ante a revelia do réu, assim não poderá ser visto pela inexistência de prova fundamental daquilo que alegou. 

Finalmente, mesmo fatos não controvertidos aparentemente, poderão ter a produção de prova determinada pelo Juiz, caso não tenha se convencido dos elementos constantes dos autos.


3.3.3) Princípios do Direito Probatório

Como se está examinando, a fase instrutória é de capital importância para o desfecho da relação processual e a obtenção da respectiva decisão. Nesta fase, a atividade das partes e do Magistrado está sob uma regulamentação específica, formulada tanto pela legislação processual quanto por princípios delineados desde o texto constitucional. Por essa razão, afinal, a doutrina fala constantemente da existência de um direito probatório. E assim sendo, antes de qualquer outra abordagem, é muito importante ressaltar que os princípios vitais desta matéria estão concentrados no texto constitucional. Nessa medida, o professor Nery Jr., ao lado de Marinoni e Didier, localiza no texto constitucional o princípio da ampla defesa (art. 5º, LV), assim como o princípio da proibição da prova ilícita (art. 5º, LVI), como os principais preceitos naquela órbita.
  • Princípio da Ampla Defesa: é de capital importância, já que por força dele se outorga às partes no processo o direito à prova e contraprova das alegações nele produzidas. Segundo este princípio, pois, as partes têm o direito de se valerem de todos os meios de prova possíveis para a demonstração da realidade dos fatos que alegam. Disto decorre a proibição de qualquer cerceamento ao exercício dessa faculdade processual, que é vital para o exercício do direito fundamental de acesso à Justiça. Por outro lado, como lembram Dinamarco e Grinover, esse princípio é reforçado pelo princípio de paridade de armas, no sentido de que as partes no conflito devam gozar de pleno acesso a todos os meios de prova em condição de igualdade;
  • Princípio da Proibição de Prova Ilícita: é outro que merece menção. A inscrição deste princípio no texto constitucional é produto de uma batalha intelectual da prof. Grinover, fato reconhecido pela unanimidade da doutrina. A prova ilícita deve ser compreendida como aquela produzida por meios ilícitos, ou aquela cujo conteúdo é, em si, ilícito. Encontram-se exemplificativamente entre as hipóteses de prova ilícita aquela produzida por interceptações ilegais de correspondência, telefonemas, assim como as confissões obtidas de maneira extorsionária, etc. De modo geral, a julgar pelo texto da Constituição, em sua interpretação mais literal, uma vez presentes nos autos uma prova tida por ilícita, a consequência disso será obrigatoriamente sua completa desconsideração pelo Juízo, e não apenas dela, mas também de todas as outras que dela dependeram em sua produção. Esta última afirmação é feita em decorrência de posicionamento adotado pelo STF desde os anos 90, tribunal em que foi consagrado o princípio na inadmissibilidade dos "frutos da árvore envenenada" (Min. Celso de Mello). Apesar disto, não é seguro que os meios doutrinários atribuam ao princípio da proibição da prova ilícita, um caráter e valor absolutos, como sempre pretenderam os seus idealizadores. Dinamarco, Marinoni e outros registram com habitualidade a necessidade de, em alguns casos, relativizar a força deste princípio para a preservação da possibilidade de uma decisão justa. Naturalmente, referem-se esses autores a situações de confronto entre a prova ilicitamente produzida e a gravidade do fato por elas demonstrado, notadamente quando, por meios legítimos, não for possível a sua efetiva demonstração. São casos em que, como salienta o prof. Nelson Nery Jr., tornar-se-á inevitável a ponderação de interesses e a consideração, em última análise, do princípio da proporcionalidade. Assim, se a prova adveio de um meio ilícito, mas para demonstrar um fato gravíssimo, o Juiz ponderará admiti-la ainda que sancione aquele que a produziu irregularmente;
  • Direito Fundamental à Prova: a concepção constitucional de um direito probatório reforça, no campo doutrinário, é a ideia de que milita em favor das partes no processo um direito fundamental à prova. Essa conclusão não é extraída apenas a partir das disposições constitucionais, mas também por intermédio de disposições constantes de diretivas internacionais, tais como as lançadas no Pacto de San José da Costa Rica. Nestes passos, autores como Eduardo Cambi, Nelson Nery Jr., Marinoni, Didier e outros reconhecem a existência deste direito fundamental implícito. Mais especificamente, aliás, esse direito fundamental tem um conteúdo próprio, que não pode ser ignorado. Esse conteúdo, então, diz repeito ao seguinte: 
  • Direito à produção de prova por todos os meios possíveis; 
  • Direito à participação na produção da prova; 
  • Direito à manifestação sobre a prova produzida; 
  • Direito à apreciação pelo Juiz do conjunto total da prova produzida.

3.3.4) Diretrizes Ordinárias sobre a Prova

A doutrina de Nelson Nery Jr., por exemplo, traz a lume a existência de algumas diretrizes sobre a prova fixadas na legislação processual de um modo geral. São exemplos significativos disso o disposto pelo art. 131, que impõe o livre convencimento motivado, ou o art. 336, que se refere à oralidade como elemento central na produção da prova. Entre essas diretrizes gerais, todavia, a que mais se sobressai é aquela entendida doutrinariamente como Princípio da Comunhão da Prova. Segundo este princípio, todo elemento de prova produzido se integra ao processo, pertencendo ao seu universo definitivamente, independentemente de quem o tenha produzido. Como reflexo disto, nenhum elemento de prova carreado aos autos poderá dele ser extirpado. Além disso, sua eficácia atingirá as partes de um modo geral, naquilo que possa afeta-las.

Além desta diretriz, a doutrina lembra da existência de outras tão relevantes quanto. Uma delas, por exemplo, diz respeito à diretriz da oralidade, segundo a qual a celeridade do processo exige a realização dos atos processuais por meio da verbalização de pretensões e alegações, além de decisões, através de audiências destinadas à sua produção de modo concentrado. Mais ainda, anota-se a existência do princípio da convicção condicionada, regulamenta da pelo art. 131, cuja disposição obriga o Magistrado a fundamentar as conclusões tiradas na apreciação do caso. 

Pode-se mencionar, também, a diretriz do art. 132, relativa ao preceito da identidade física do Juiz, segundo o qual o Juiz que iniciou a instrução deverá julgar a lide.


3.3.5) Meios e Fontes de Prova

Conforme a lição de Dinamarco, não se pode confundir os conceitos de meios e fontes de prova.

a) Meios de prova

São aqueles pelos quais se logra extrair de uma dada fonte a informação relativa a fato relevante do litígio. Portanto, meios de prova são instrumentos de apuração da verdade a ser apurada para o deslinde do caso. 

Os meios de prova são subdivididos pela doutrina em típicos e atípicos:
  • Típicos: são aqueles objeto de previsão específica na legislação processual. Pode-se constatar sua existência no CPC a partir dos dispositivos dos art. 342 e ss., nos quais o legislador se reporta a depoimento pessoal, confissão, documental, testemunhal, pericial e inspeção judicial. Estes são os meios de provas típicos, já que regulamentados pela legislação processual;
  • Atípicos: são aqueles não previstos pela legislação processual, embora amplamente utilizados no cotidiano forense:
  • Entre esses meios, o mais polêmico e de uso frequente é da prova emprestada, que é a prova produzida em processo distinto daquele no qual será utilizada por qualquer das partes. Assim, trata-se de elemento tomado de empréstimo junto a outro processo, a fim de que sirva de fase à convicção do Juiz na resolução de certa pendência judicial. Como se disse antes, esse meio de prova desperta frequentemente questionamentos, já que a falta de cuidado na transposição de um elemento de prova colhido em processo distinto pode redundar na violação de um princípio essencial ao devido processo. O que se quer dizer com isso é que toda cautela é pouca em relação à prova emprestada, com a finalidade de se evitar ofensa ao contraditório. Como se viu antes, o direito fundamental à prova confere às partes o direito de participarem de sua colheita, além da possibilidade de fazerem juízo crítico sobre toda a prova produzida. A prova emprestada pode ofender o contraditório quando de sua produção uma das partes não tenha participado, o que prejudica a sua admissão como fonte de informação para o Juiz. Na atualidade, por conseguinte, doutrina e jurisprudência acatam a possibilidade do uso da prova emprestada, desde que as partes em litígio tenham sido as mesmas em relação ao processo de onde ela foi extraída. Importa considerar, finalmente, que a relevância da prova emprestada faz com que ela venha a se tornar no Novo CPP um item dos meios de prova típicos, contando com uma regulamentação rigorosa, como era de se esperar.

b) Fontes de Prova

A fonte de prova é constituída pelo elemento sobre o qual atua o meio de prova e de onde, por seu intermédio, se extrai a informação. Assim, não pode haver confusão entre fonte de prova e meio de prova.

Exemplificando, quando se leva em consideração a confissão, um importante meio típico de prova, sua fonte é exatamente a parte processual inquirida pelo Juízo. Em outras palavras, a pessoa do réu é, no mais das vezes, a fonte de onde se extrai a confissão, este si um meio de prova. Complementando, quando se cogita de prova documental, a imagem fotografada de uma parede trincada pode valer como meio de prova, caso em que a fonte de prova é a própria parede, enquanto o meio de prova documental é a fotografia que capta essa imagem e a leva como informação para o processo.


3.3.6) Procedimento Probatório

A produção de qualquer prova exige um procedimento adequado. Esse procedimento passa por etapas, que não podem ser desconsideradas. A primeira delas confere exatamente com o requerimento genérico de produção formulado pelo autor na inicial e pelo réu na resposta.

Depois, será necessário que as partes especifiquem os meios de que desejam se valer para a comprovação de suas respectivas alegações. De modo ordinário, o momento dessa especificação é aquele imediatamente posterior à audiência preliminar ou ao próprio despacho saneador.

Especificados os meios de prova desejados pelas partes, haverá ainda a necessidade de seu deferimento pelo Juiz, apenas após o que terá inicio o procedimento voltado à sua produção. Como se deduz do exposto, existe rigorosamente um procedimento probatório.


3.3.7) Ônus da Prova - art. 333

Feitas estas considerações, é preciso ir além definindo-se a questão relativa ao ônus da prova. Discutir o ônus da prova significa pôr em questão o tema relativo a quem cabe suportar o encargo de demonstrar as alegações das partes em litígio. O foco da discussão está em saber a qual das partes se atribui o dever de demonstração das alegações existentes nos autos. Existem alternativas em relação a esse ponto. Essas alternativas sempre levam em consideração a questão de sabem quem deve suportar os riscos da não comprovação de determinadas alegações.

O sistema usual e referido pelo atual CPC, em seu art. 233, é de base legal, tendo por preceito o fato de que incumbe a quem formulou a alegação o dever de demonstrá-la. É nessa medida que o art. 233 atribui ao autor o dever de demonstrar os fatos alegados como constitutivos do direito que ele disputa.

Na mesma perspectiva, atribui-se ao réu o ônus de demonstrar a inexistência dos fatos alegados pelo autor ou a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos de seu direito. Em verdade, o ônus do réu se refere mais a estes últimos fatos referidos, já que, no caso dos fatos alegados pelo autor, ainda que o réu nada prove, será daquele o dever de demonstrar sua existência.

A previsão legal do CPC sobre essa matéria, embora pareça adequada a todas as hipóteses, traz em si o pecado da generalização. Isto porque em algumas hipóteses será possível se constatar que a parte incumbida pela lei do ônus de demonstrar suas alegações possa enfrentar dificuldades para tanto em razão da disparidade de forças em relação ao adversário, e isto representa um problema à medida que o processo civil exige igualdade material das partes, traduzida, inclusive, na ideia de paridade de armas.

Muitos fatores podem contribuir para a desincumbência do ônus de demonstração, entre os quais se sobressai mais costumeiramente a disparidade econômica. Por isto mesmo, e visando a situações de desiquilíbrio entre as partes, o legislador se valeu de um mecanismo voltado a amenizar os reflexos de virtual desigualdade entre as partes. Esse meio referido, hoje previsto na Lei nº 8.078/90 (CDC), art. 6º, VIII, que diz respeito à "inversão do ônus da prova".

A fórmula da inversão do ônus da prova é aquela que admite ser possível para o Juiz, em hipótese na qual uma das partes se encontre em situação de hipossuficiência, a possibilidade de impor à parte adversária o ônus de demonstrar a inexistência daquilo que a parte hipossuficiente alegou no plano dos fatos, cuja existência nesse caso passa a ser objeto de uma presunção relativa. Dessa forma, particularmente nas lides que envolvem a defesa do consumidor, quando este busca reparação de danos ou qualquer outra pretensão do tipo, o legislador permite ao Juiz, caso sejam verossímeis as alegações do autor, a inversão do ônus da prova, para que o fornecedor-réu fique encarregado de demonstrar o contrário.

É certo que esta possibilidade somente existe se houver verossimilhança das alegações do consumidor-autor, o que equivale à probabilidade de serem verdadeiras, mas, de qualquer modo, protegem a parte hipossuficiente no curso da lide.

A inversão do ônus da prova, pelo que se vê, visa a evitar a denominada "prova diabólica", expressão conceitual que quer dizer apenas prova de dificílima produção diante das circunstâncias.

Finalizando, cabe ainda argumentar que a inversão do ônus da prova é também um fator admitido em litígios distintos daqueles que cuidam de relação de consumo, desde que presente de algum modo a hipossuficiência de uma das partes.


3.3.8) Ônus da Prova e sua Distribuição em Razão da Carga Dinâmica

O sistema tradicional de distribuição do ônus da prova exposto pelo art. 333 tem em comum com o sistema da inversão do ônus da prova, previsto pelo CDC, art. 6º, o fato de estar vinculado a uma prévia fixação legal. Esses dois sistemas, portanto, só existem pela previsão específica da lei, sendo aplicados à medida em que surjam as condições nela previstas. O sistema da inversão, aliás, serve muito mais a hipóteses específicas, concernentes à lides decorrentes de relação de consumo. Por causa disso, surgiu entre os processualistas a discussão sobre a possibilidade de que o ônus da prova seja distribuído mais em conformidade com as circunstâncias próprias do caso concreto, a partir de uma decisão judicial que racionalmente o imponha, e não da lei. 

Essa alternativa foi desenvolvida pela doutrina de Jorge Peirano, denominando-a teoria da distribuição judicial da prova em razão de sua carga dinâmica. A teoria tem por ponto fundamental o fato de que o legislador não se preocupa em definir especificamente a qual das partes incumbe o ônus de demonstrar suas alegações, atribuindo ao Juiz o poder de fazê-lo com racionalidade e de modo fundamentado, a partir da situação concreta vislumbrada no litígio. Nesse caso, portanto, o Magistrado é quem deverá avaliar qual das partes terá maior ou menor dificuldade para demonstração de fatos relevantes ao desfecho do litígio, atribuindo ele próprio o ônus a partir desse critério.

Dentro dessa teoria, ao Juiz é quem cabe ajustar o ônus de provar o que se alega, evitando que ele recaia sobre os ombros da parte que tenha de enfrentar terríveis dificuldades para dele se desincumbir. A análise da jurisprudência contemporânea, assim como da doutrina, impõe a conclusão de que essa teoria já foi admitida no direito brasileiro, independentemente de previsão legal a respeito, por se tratar de fórmula perfeitamente adequada ao princípio do devido processo legal. Vale acrescentar que o Novo CPC se ocupa de fazer previsão expressa dessa fórmula de distribuição do ônus por meio de decisão judicial nos casos nele previstos. 


3.3.9) Papel do Juiz na Produção da Prova

Durante longo período a doutrina processual cultivou uma ideia de que a isenção do Magistrado, ou sua imparcialidade, dependeria de uma postura que o colocasse completamente à margem do debate estabelecido pelas partes e de suas atividades probatórias no processo. Imaginava-se, então, um Juiz que fosse um mero "convidado de pedra", a quem incumbiria apenas a apreciação do resultado do debate entre as partes e das provas colhidas, sem agir no sentido de preencher qualquer lacuna que ainda remanescesse ao final da instrução.

Esta visão, concernente à ideia de um Juiz do sistema adversarial, se encontra superada plenamente. Firmou-se no processo civil brasileiro o sistema inquisitorial que determina, sem prejuízo da imparcialidade, uma maior participação do Juiz, inclusive na busca da verdade real. Por isto, na dinâmica atual do processo, ao Juiz não cabe uma postura omissa quando houver a necessidade da produção de prova após a conclusão da instrução e da atividade probatória das partes. Assim, ainda que cautelosamente agindo, o Magistrado tem a autorização do art. 130 para determinar de ofício a produção de provas que entenda ser imprescindível à formação de sua convicção. Nessa conformidade, e desde que permita às partes a participação na produção, terá ele a permissão para requisitar meios de prova entendidos imprescindíveis ao desfecho da causa.


3.3.10) Breve Exame dos Meios de Prova

Examinando o CPC a partir das disposições de seu art. 342, o que se constata é que se pode separar os meios de prova incorporando a um grupo os meios orais, a outro os meios relativos à prova documental, e por fim o grupo dos meios relativos à prova pericial e inspeção judicial. Assim considerados, os meios concernentes à chamada prova oral dizem respeito a elementos de prova decorrentes do pronunciamento das partes ou de pessoas alheias à causa, mas cientes de fatos importantes para o seu deslinde. 

A prova oral é aquela que, nos mais das vezes, se colhem em audiência do procedimento, decorrente do testemunho verbal que possa dar uma das partes ou eventuais testemunhas.

No segundo grupo dos meios de prova, relativo à prova documental, cuja produção é disciplinada pelos arts. 364 a 399, o que se coloca em evidência é a demonstração da verdade de fatos por meio de coisas ou objetos capazes de exprimir uma informação, seja em forma de imagem, som ou escrita. Diante do exposto, a prova documental deve ser sempre avaliada levando-se em conta a sua autenticidade. Essa autenticidade, por sua vez, reclama a verificação da autoria do documento. Assim, quando se olha para um documento, é indissociável dele a pessoa que o produziu. Neste ponto, aliás, é preciso dizer que há dois tipos de autoria a serem vislumbrados. Por isso a doutrina se refere à autoria imediata como aquela que corresponde àquele que confeccionou o documento, que pode ser sujeito distinto daquele a quem se pode atribuir a autoria mediata, que cabe àquele que determinou a realização da prova documental. Exemplificando, quando se trate de prova documental baseada em instrumento público, a autoria imediata é a do tabelião que confecciona a escritura, enquanto a autoria mediata é concernente àquele que ditou os termos da escritura.

Outro aspecto a ser considerado sobre a prova documental é o seu suporte. Considerando-se que há uma farta possibilidade de objetos consideráveis como documento, desde escritos, fotografias, áudios de depoimentos, etc., torna-se muito importante avaliar o respectivo suporte. No caso de uma escritura pública, por exemplo, o suporte é o documento escrito, enquanto que no caso de uma gravação o suporte pode ser uma fita magnética, ou um pen drive que aloje a gravação em MP3, etc. A importância do suporte é decisiva para a consideração do documento, já que ele pode ser corrompido de alguma maneira, na tentativa de aparentar autenticidade. Por isto, ele ganha peso na avaliação da prova.

O último grupo de meios de prova diz respeito à prova pericial e inspeção judicial. No caso da prova pericial, regulamentada no art. 420 e ss, o que há para ser dito é que será ela realizada por meio de uma vistoria, uma avaliação ou um exame de certos fatos por quem detenha conhecimentos técnicos suficientes para a emissão de uma opinião considerável como fonte de informação. Quem a realiza é o perito, considerado pelo legislador como um auxiliar do Juízo, que deve sempre atender às exigências do dispostos nos art. 145 a 147. Dois atributos básicos são reclamados dos peritos em geral, ou seja, a competência técnica e a isenção.

Finalmente, no tocante à inspeção judicial, com previsão dos art. 440 e ss., trata-se de fórmula pela qual o Juiz, em pessoa, vistoria alguém ou um certo objeto, ou um certo local (ex.: ambiente de trabalho, hospital, rodovia, assentamento, etc.), com a finalidade de dirimir dúvidas decorrentes da prova, visando à formação de uma convicção mais segura sobre os fatos. Esse meio de prova pode ser requerido pelas partes ou objeto de um ato de ofício do Juiz, claro, com a notificação precedente das partes, a fim de que estejam presentes, se o quiserem.




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