quarta-feira, 2 de julho de 2014

01 - ECA - Direitos da Criança e do Adolescente

1) Introdução

Com a CF/88, nasce o novo Direito da Criança e do Adolescente. O art. 227 introduz no nosso ordenamento jurídico a doutrina da proteção integral. Dois anos depois, em outubro de 1990, entra em vigor a Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente, que explicita a proteção integral da criança e do adolescente, e revoga expressamente o Código de Menores, que era inspirado pela doutrina da "situação irregular", hoje sepultada.

Esse novo direito da criança e do adolescente tem natureza dual: é um misto de direito individual e direito público. É o chamado "direito sócio-individual", que interessa não só ao seu titular, mas também a toda a sociedade (ex.: direito da criança a creche, ou a um medicamento).

O ECA e a nova ordem constitucional criaram um microsistema jurídico, baseado em princípios próprios e em conceitos específicos, propícios para a tutela desses direitos da criança e do adolescente. São entes subordinados dos direitos fundamentais da criança e do adolescente o Estado, a sociedade e a família, e os entes subordinantes são a criança e o adolescente.


2) Princípios do Direito da Criança e do Adolescente

2.1) Princípio da Proteção Integral

Mais do que um princípio, trata-se de uma doutrina universal. A criança e o adolescente deixam de ser meros objetos de intervenção do "mundo adulto", e passam à condição de sujeitos de seus próprios direitos. 

Esses direitos fundamentais estão elencados na CF/88, art. 227, e explicitados no ECA. 

A integralidade da proteção à criança está ligada à ideia do extenso rol de direitos fundamentais e da amplitude dos entes subordinados - Estado, sociedade e família. 


2.2) Princípio da Prioridade Absoluta

O Estado, a sociedade e a família devem tutelar os direitos fundamentais da criança e do adolescente com absoluta prioridade. É a regra contida no art. 227. 

A prioridade absoluta confere efetividade à proteção integral, tornando-a concreta e possível. 

Este princípio possibilita ao ente subordinado todos os esforços para assegurar os referidos direitos fundamentais. Diversas ações civis públicas têm sido ajuizadas contra o Estado que não observa o dever de prioridade. Não é possível arguir defesas comumente utilizadas pelo Estado, como por exemplo "reserva do possível" e "mérito administrativo" frente ao dever de priorização.

E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) - COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO IMPROVIDO. - A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. - Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à "reserva do possível". Doutrina. (RE 436.996)
A garantia de prioridade é também explicitada no ECA, art. 4º, de modo exemplificativo:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Além das crianças e do adolescente, são também prioritários os portadores de deficiência, os idosos (acima de 60 anos) e os jovens (até 29 anos).


2.3) Princípio da Condição Peculiar de Pessoa em Desenvolvimento

Criança e adolescente são considerados frágeis e vulneráveis (tal como o é o consumidor perante o fornecedor) para a tutela de seus próprios direitos. Daí a ideia de proteção integral, com prioridade absoluta. 


3) Ato Infracional

Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal - ECA, art. 103. Não obstante, a conduta do agente deverá ser antijurídica e socialmente reprovável (culpabilidade) para que seja ato infracional.


3.1) Praticado por Criança

A criança (até 12 anos incompletos) considerada autora de ato infracional será encaminhada ao Conselho Tutelar para atendimento, podendo ser aplicadas as medidas de proteção do art. 101, I a VII. Na falta do Conselho Tutelar, o atendimento será feito pelo Juiz da Infância, na forma do art. 262. Na falta do Juiz na cidade, atenderá o Juiz da Comarca (várias cidades), mas o atendimento não será feito por outro Conselho Tutelar de cidade vizinha. 
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX - colocação em família substituta.
A criança não pode ser presa, apreendida, submetida a processo acusatório e nem a medida sócio educativa (somente medida de proteção). 

Relativamente à criança, a Polícia Judiciária não tem nenhuma atuação (senão para protegê-la), mas deve investigar o fato e registrar a ocorrência, sem a presença da criança, pois muitas vezes não é possível descartar a participação de adultos ou adolescentes.


3.2) Praticado por Adolescente

O adolescente (entre 12 anos completos até 18 incompletos) considerado autor de ato infracional será encaminhado à repartição policial, se possível especializada para a formalização da apreensão e posterior encaminhamento ao sistema de justiça. Será submetido a uma atividade persecutória do Estado (persecução sócio-educativa). Aplicam-se ao adolescente as medidas sócio-educativas do art. 112.
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
A persecução sócio-educativa se desenvolve em duas etapas:

a) Etapa pré-processual

Fora da situação de flagrante, na forma do art. 177, a autoridade policial investigará os fatos e encaminhará relatório ao MP. Não há a figura do inquérito policial, mas utiliza-se as normas gerais de processo, conforme autoriza o art. 152.

Nas situações de flagrante, o adolescente será encaminhado à repartição policial para que seja lavrado o auto de apreensão em flagrante, observando-se os direitos individuais dos art. 106 e 107. Serão apreendidos os objetos e instrumentos da infração, requisitando exames e perícias necessárias. 

Não havendo violência ou grave ameaça contra a pessoa, o auto de apreensão poderá ser substituído por um boletim de ocorrência circunstanciado.

Em seguida, a autoridade policial verificará a possibilidade de liberação do adolescente, e o critério é a proteção da ordem pública e a garantia pessoal do adolescente. A autoridade deverá justificar a decisão de manter a apreensão, atento à gravidade e a repercussão social do fato. No caso de liberação, o adolescente será entregue a seus pais ou responsáveis, com o compromisso de apresentação ao MP no mesmo dia ou no primeiro dia útil imediato. 

No caso de manter a apreensão, o adolescente será encaminhado imediatamente ou em 24 horas ao MP, acompanhado dos documentos e dos responsáveis. Pode ser também encaminhado a entidade de internação provisória, que se encarregará da apresentação ao MP.

O adolescente não poderá ser conduzido em compartimento fechado de veículo policial (ECA, art. 178), sob pena de responsabilidade e de eventual enquadramento do fato no art. 232. De igual modo é uso de algemas, somente admitido em caso de extrema necessidade, isto é, quando oferecer risco à sua própria integridade ou de terceiro.

O Promotor de Justiça, à vista dos documentos policiais devidamente autuados e registrados pelo cartório judicial, com verificação dos antecedentes, fará a oitiva informal do adolescente, seus pais, testemunhas e vítimas (se possível). Ao final, tomará as seguintes providências:

  • Promoção de arquivamento: será arquivado quando ausentes as condições da ação (ex.: na verdade, o sujeito era criança ou tinha 18 anos completos, atipicidade, prescrição). O arquivamento será processado na forma dos parágrafos do art. 181, que tem regra semelhante ao CPP, art. 28;
Súmula nº 338-STJ: A prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas.
  • Concessão de remissão: será cabível quando, embora presentes as condições da ação, é ela desnecessária ou inconveniente, tal como acontece na transação penal prevista na Lei nº 9.099/95. A remissão é pertinente quando, na forma do ECA, art. 126, o fato tem baixo potencial ofensivo. Pode incluir medida não privativa de liberdade, mas não pressupõe reconhecimento de culpa, nem gera antecedentes. Tem natureza jurídica de perdão. O Promotor concederá remissão para exclusão do processo (evita o processo), mas o Juiz, na etapa processual, poderá também conceder remissão, para suspensão ou extinção do processo (já existente), ouvido o MP. Independe de proposta ou aceitação do adolescente;
  • Oferecimento de representação (ação sócio-educativa pública): em relação aos prazos para oferecimento da ação e a ação privada subsidiária da pública, aplicam-se as normas gerais de processo, em vista das omissões do ECA, art. 152. A representação pode ser oferecida por escrito ou oralmente, sendo semelhante à denúncia. Deve trazer o rol de testemunhas, cujo número é também definido pelo CPP subsidiariamente.


b) Etapa processual

A fase judicial se estabelece por meio de um processo acusatório em que se assegura ao réu adolescente as garantias processuais elencadas na Constituição e no ECA, art. 110 e 111. 
Art. 110. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal. 
Art. 111. São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias:
I - pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente;
II - igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa;
III - defesa técnica por advogado;
IV - assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei;
V - direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente;
VI - direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.

Súmula nº 108-STJ: A APLICAÇÃO DE MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS AO ADOLESCENTE, PELA PRATICA DE ATO INFRACIONAL, E DA COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO JUIZ.


Dentre elas destaca-se a do inciso VI do art. 111 pela qual o adolescente pode solicitar a presença dos pais ou responsável nos atos processuais. No instante da persecução in judicio, logo no início deve-se verificar se o adolescente permanecerá privado de liberdade ou não. Se estiver solto, sendo caso de privá-lo de liberdade, a questão deve ser encarada à luz do art. 108 do ECA, que trata da internação provisória. 
Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias.
Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida.
Esse art. 108 situa-se no capítulo dos direitos indisponíveis, e deve, por isso, ser interpretado restritivamente. O prazo máximo de internação provisória é de 45 dias, e é pressuposto a existência de indícios de autoria e prova da materialidade. É requisito para decretação decisão judicial fundamentada na necessidade imperiosa da medida.

O adolescente, neste caso, deve ser internado em entidade mais próxima de sua casa, e pode permanecer por até 5 dias em repartição policial, desde que separado dos adultos.

O Juiz, ao receber a representação, mandará cientificar o adolescente e seus pais da atribuição (imputação) de ato infracional, intimando-os para audiência de apresentação.

A audiência de apresentação se inspira no antigo interrogatório judicial. Estarão presentes o Juiz e o réu adolescente, acompanhado de seus pais ou responsável. Na falta deles, o curador especial, cuja nomeação pode recair sobre o advogado, se estiver presente. Para o STJ, a presença do advogado é imprescindível, sob pena de nulidade. O MP será ouvido quando o Juiz entender cabível a remissão.
Súmula nº 342-STJ: No procedimento para aplicação de medida sócio-educativa, é nula a desistência de outras provas em face da confissão do adolescente.
Se o adolescente não for encontrado para que seja chamado ao processo, o feito será sobrestado, expedindo-se mandado de busca e apreensão, com validade de 6 meses. Se o adolescente for intimado e não comparecer, o Juiz poderá determinar sua condução coercitiva.

Na audiência de apresentação, entendendo o Juiz que o fato é grave e não cabe remissão, designará audiência em continuação para instrução, debates e julgamento. A defesa prévia será apresentada em até três dias contados da audiência de apresentação. Nesse momento, a defesa apresentará o rol de testemunhas. O Juiz mandará realizar estudo técnico do caso. Na audiência de instrução, ouvidas as testemunhas de acusação e defesa, as partes debaterão - 20 minutos para cada, prorrogáveis por 10 minutos a critério judicial.

O adolescente será absolvido nas situações do art. 189:
Art. 189. A autoridade judiciária não aplicará qualquer medida, desde que reconheça na sentença:
I - estar provada a inexistência do fato;
II - não haver prova da existência do fato;
III - não constituir o fato ato infracional;
IV - não existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional.
Parágrafo único. Na hipótese deste artigo, estando o adolescente internado, será imediatamente colocado em liberdade.
Porém, provada a autoria e a materialidade, será o adolescente condenado, aplicando-se uma das medidas sócio-educativas do art. 112 (acima descritas). Pode o Juiz aplicar também, se necessárias, as medidas de proteção do art. 101, I a VI, que serão providenciadas pelo Conselho Tutelar. Até o momento da sentença, é aplicável a remissão judicial. 

Se for imposta a medida privativa de liberdade (internação - art. 121, ou semi-liberdade - art. 120), serão intimados o defensor e o adolescente; na falta destes, seus pais ou responsável. Aplicada outra medida, será intimado somente o defensor.

O sistema recursal adotado é o do CPC, além das disposições especiais do ECA, art. 198 e 199, como por exemplo a dispensa de revisor, a preferência na pauta de julgamentos, o prazo unificado de 10 dias, inclusive para o MP (salvo nos embargos) e o juízo de retratação na apelação (CPC, art. 515).


4) Medidas Sócio-Educativas - art. 112 e ss.

São as medidas aplicáveis aos adolescentes autores de ato infracional. Têm natureza mista: aflitiva e educativa. Sua essência consiste num processo pedagógico contundente que culmina com o cumprimento de um plano individual de atendimento (PIA - art. 101, §§4º, 5º e 6º), que é elaborado em conjunto pela entidade e pelo adolescente e sua família, submetido ao sistema de justiça (Juiz, MP e defensor).

São objetivos das medidas sócio-educativas a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato, a sua integração social e a desaprovação da conduta pelo seu desvalor social. Confira-se a Lei do SINASE.

4.1) Medidas

Advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semi-liberdade e internação.


4.2) Critérios

Na aplicação das medidas sócio-educativas, leva-se em conta as circunstâncias e a gravidade do ato infracional, bem como a capacidade do adolescente cumprir a medida - art. 112, §1º. Conjugados tais critérios, busca-se dentre as medidas do art. 112 as adequadas ao adolescente.
  • Circunstâncias são os aspectos que gravitam em torno do ato infracional (ex.: CP, art. 59, 61, 65, 66, casos de aumento e diminuição da parte geral e da parte especial, etc.). Entretanto, não será adotado os parâmetros ali previstos, como 1/6, 1/3, etc. Serão avaliadas as necessidades pedagógicas do adolescente, caso a caso;
  • A gravidade será mensurada pela pena e pela avaliação dos elementos compositivos do tipo;
  • Por fim, a capacidade do adolescente em cumprir a medida será avaliada pelo exame de sua personalidade e seu entorno social (estudo psico-social). 
É pressuposto para aplicação das medidas, em regra, prova da autoria e da materialidade do ato infracional, salvo nos casos de remissão, em que não se adentra ao mérito, e no caso da medida de advertência, em que bastam indícios de autoria e prova da materialidade.


4.3) Critérios Específicos das Medidas Privativas de Liberdade

Para aplicá-las, é necessário ainda o enquadramento da situação nas hipóteses do art. 122, I ou II:
  • Pelo inciso I, é possível aplicar internação ou semi-liberdade quando se tratar de ato infracional praticado com violência ou grave ameaça contra a pessoa (ex.: homicídio, roubo);
  • Pelo inciso II, é possível a internação ou semi-liberdade pela reiteração na prática de outros atos infracionais graves (ex.: crimes punidos com reclusão, sem violência ou grave ameaça contra a pessoa). Reiteração não se confunde com reincidência, pois esta decorre da pratica da infração depois de haver condenação transitada em julgado; reiteração é a prática de diversos crimes antes de uma condenação. Há porém uma parte da doutrina que tratam ambos os institutos como sinônimos.

4.4) Medidas em Espécie

a) Medida de internação: é medida privaitva de liberdade, sendo regida por três princípios:
  • Princípio da Brevidade: prazo máximo de 3 anos e reavaliação no máximo a cada 6 meses, com liberação compulsório aos 21 anos de idade. Portanto, a sentença de internação não tem prazo determinado;
  • Sobrevindo uma nova sentença de internação por fato posterior, o Juiz deverá contar os novos três anos de perspectiva a partir da nova sentença (ex.: ato infracional cometido na internação);
  • Não é possível aplicar nova internação por fatos anteriores ao fato que determinou a primeira sentença de internação. Portanto, a primeira sentença de internação absorverá todos os fatos anteriores cometidos pelo adolescente; 
  • O adolescente, ao completar 18 anos de idade, para efeitos legais, torna-se jovem adulto e se vier a ser condenado por crime com pena de reclusão em regime fechado ou semi-aberto, em execução provisória ou definitiva, terá sua medida sócio-educativa extinta - Lei do SINASE, art. 46, III. Caso o adolescente venha a ser processado criminalmente, o Juiz da infância deliberará sobre eventual extinção da medida - §1º; 
  • Esse art. 46, §2º, cria uma forma de detração sócio-educativa, permitindo o desconto do tempo de prisão cautelar não aproveitado na esfera penal na medida sócio-educativa. Já se entendia que o prazo de internação provisória deve também ser descontado, tudo em obediência ao Princípio da Brevidade; 
  • Portanto, por este Princípio, o adolescente deve ficar privado de liberdade pelo menor tempo possível.
  • Excepcionalidade: a medida privativa de liberdade consiste na ultima ratio. Trata-se de medida extrema aplicável somente quando não há outra mais adequada. Os dispositivos legais do art 122, I e II, já comentados, são mecanismos de excepcionalidade, e devem ser interpretados à luz do princípio da legalidade, restritivamente. A medida de internação deve ser considerada mais grave que a medida de semi-liberdade, que por sua vez deve ser considerada mais grave que as demais medidas executadas em meio-ambiente aberto;
  • Condição peculiar de pessoa em desenvolvimento:reclama que a partir da privação de liberdade se desenvolva através do sistema de justiça do processo de execução, uma série de ações e serviços tendentes a evolução da condição humana do adolescente;
  •  A medida de internação e semi-liberdade, assim como liberdade assistida e a prestação de serviços à comunidade, serão executadas em autos próprios de processo de execução, na forma da Lei do SINASE, art. 35 e ss.

5) Adoção

A adoção é forma de colocação em família substituta, como a guarda e a tutela. Trata-se de direito da criança e do adolescente, previsto na CF/88, art. 227, e disciplinado no ECA. A criança e o adolescente têm o direito de serem criados prioritariamente junto à família natural, e somente de modo excepcional serem colocados em família substituta - ECA, art. 19.

É de competência exclusiva da Vara da Infância e da Juventude, assim como os seus incidentes (guarda como incidente da adoção, ou guarda de criança em situação de ameaça a direito fundamental - art. 148, I a VII).

A adoção atribui a condição de filho ao adotado, desligando-o de todos os vínculos com a família biológica. Não se desliga, contudo, para fins de impedimentos matrimoniais, bem como se tratar de adoção unilateral, que é a adoção do filho do cônjuge ou convivente, em que se mantém os vínculos de filiação entre o adotado e o companheiro (ex.: casamento com mãe solteira - não desliga o filho e a mãe, mas 'ganha' um pai).

A adoção desliga o adotado dos vínculos civis em relação aos biológicos, mas não dos vínculos afetivos (TJ-MG, adoção unilateral - direito de visita dos avós). A adoção, assim como a guarda e a tutela, se sujeita a critérios subjetivos, os quais harmonizados propiciarão a melhor colocação possível para a criança e o adolescente (ex vi do art. 28, 29 e 43).


5.1) Critérios Gerais

  • Respeito à vontade da criança e do adolescente - que devem ser ouvidos no processo e sua opinião ser considerada;
  • O consentimento do adolescente (art. 28) não tem a força semântica que a palavra normalmente produz no direito, segundo a doutrina, já que consentimento é ato de quem é capaz. É mera opinião do adolescente.

  • A colocação junto a pessoas com quem a criança ou o adolescente tenha vínculos de afinidade e afetividade, como forma de atenuar os traumas da ruptura com a família natural;
  • A colocação junto a família ampliada ou extensa (assim entendida aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade - art. 25, Parágrafo único);
  • A aptidão da família acolhedora para criar e educar a criança e o adolescente;
  • Grupo de irmãos, se possível, serão colocados conjuntamente;
  • Crianças e adolescentes oriundos de grupos indígenas ou de quilombos deverão ser colocados, se possível, em suas comunidades, e no processo deve-se assegurar a participação de representante de proteção do direito do índio ou de antropólogo, para propiciar respeito aos costumes e à sua etnia. 

5.2) Critérios Específicos
  • Cadastro de adoção: a pessoa ou o casal que queira adotar deve se cadastrar junto à Vara da Infância e da Juventude - art.  50. Adoção fora do cadastro é possível  excepcionalmente, na forma do art. 50, Parágrafo único, I a III (adoção unilateral, adoção pela família extensa, e adoção por detentor da guarda ou tutela de criança maior de 3 anos ou adolescente com quem tenha vínculos de afetividade e afinidade e afastadas as situações de fraude);
  • O cadastramento deve seguir um procedimento junto à Vara da Infância, onde participa o MP e se procede a um estudo psicosocial. Ao final, o Juiz decide fundamentadamente - art. 197-A a 197-E;
  • Idade mínima de 18 anos anos para a pessoa sozinha ou o casal, e deve-se manter no mínimo 16 anos de diferença entre adotante e adotado. Não há limite máximo de idade dos adotantes, nem tampouco limite máximo de diferença entre adotante e adotado;
  • Casais adotantes: duas pessoas podem adotar sendo casados ou unidos em união estável, desde que apresentem estabilidade familiar;
  • Casais divorciados, separados judicialmente, ou separados de união estável, podem adotar conjuntamente. É possível desde que o adotado já estava sob guarda ou tutela dos adotantes ao tempo da sociedade conjugal ou da união, e se apresente acordo sobre guarda e visitação, podendo ser fixada, inclusive, guarda compartilhada; 
  • Casais de união homoafetiva, segundo orientação da doutrina ou da jurisprudência (não está previsto no ECA).

  • Tutores e curadores que queiram adotar deverão, antes, prestar contas e saldar eventuais prejuízos;
  • Ascendentes (avos) e irmãos não podem adotar (podem ter tutela e guarda);
  • Adoção póstuma: a adoção pode ser deferida a pessoa que tenha falecido no curso do procedimento, desde que tenha manifestado de forma inequívoca, por escrito ou verbalmente, sua vontade de adotar. Se o pedido foi feito por casal, e um deles morre, a continuidade da adoção deve atender o interesse do adotado, na forma do art. 43. Do ponto de vista formal, é contraditória a questão: se um dos cônjuges não quer seguir (atos que dependem de autorização do cônjuge e requisitos do pedido de adoção  art. 165);
  • A adoção póstuma retroage em seus efeitos à data do óbito, para que o adotado concorra à sucessão.
  • Em relação ao adotado, acrescente-se que ele deve ser cadastrado junto à Vara da Infância;
  • Estágio de convivência: a adoção pode ser precedida de um estágio de convivência entre adotante e adotado, para que se fixe relação de afinidade e afetividade, e se afira a viabilidade da adoção;
  • Esse estágio pode ser dispensado quando já há uma convivência prévia através de guarda ou de tutela legal entre adotante e adotado;
  • Cuidando-se de adoção internacional, o estágio é obrigatório, e durará no mínimo 30 dias, cumpridos em território nacional.

  • A adoção depende do consentimento dos pais e do responsável (jurisdição voluntária). O procedimento deve ser prestado em Juízo, na presença do MP e do Juiz, e pode ser retratado até publicação da sentença, devendo os pais ser assistidos e orientados das consequências da medida. A pessoa deve ser maior e capaz, ou estar devidamente assistida ou representada;
  • É desnecessário o consentimento se os pais foram destituídos do poder familiar ou são desconhecidos, caso em que a adoção deve ser intentada pela via do contraditório, na forma do art. 155 (jurisdição contenciosa), cumulada com adoção, vedando-se o procedimento simples do 165 e seguintes. Não basta a mera suspensão do poder familiar, muito embora a jurisprudência já tenha desfeito a destituição.

6) Sentença de Adoção

A sentença de adoção produz seus efeitos, em regra, com o trânsito em julgado, salvo na adoção póstuma. Expede-se o mandado ao cartório do registro civil para cancelar o registro e confeccionar um novo, com os dados da sentença de adoção.

O nome dos adotantes integrará o nome do adotado, e o prenome poderá ser alterado a pedido dos adotantes ou do adotado. Este, de qualquer forma, deverá ser ouvido a respeito da alteração de seu prenome.

O adotado poderá investigar a sua verdade biológica, e solicitar certidão sobre o processo de adoção. Sendo menor de idade, deverá ser assistido, inclusive sob o aspecto psicológico.

A adoção gera relação sucessória recíproca entre adotante e seus parentes, e o adotado e seus descendentes.

A sentença de adoção é recorrível pela via recursal do processo civil, e tratando-se de adoção internacional, a apelação deve ser recebida obrigatoriamente no efeito devolutivo e suspensivo.

A adoção é irretratável e irrevogável, e nem mesmo a morte dos adotantes restaura o poder familiar dos pais biológicos.


7) Conselhos de Direitos e Tutelar

Esses conselhos têm um ponto comum, eis que buscam a validade no princípio da participação popular, previsto na Constituição, bem como na ideia de democracia participativa.


7.1) Conselho de Direitos

Tem função predominantemente política, com formação paritária: sua composição conta com metade de membros do Poder Público e metade com integrantes da sociedade civil. Se organiza nos âmbitos nacional, estadual e municipal, na forma do ECA, art. 88, II. É sua função gerir o fundo dos direitos da criança e do adolescente no seu âmbito.

Cabe ao conselho municipal presidir o processo de escolha do conselho tutelar, que é fiscalizado pelo MP. Cabe ainda a este conselho registrar as entidades de atendimento não governamentais, e inscrever seus respectivos programas.

O registro da entidade não governamental é obrigatório para seu funcionamento, devendo ser renovado a cada quatro anos, verificando-se na forma do art. 90 e ss. as características da entidade, instalações físicas, quadro de pessoal, serviços, etc.

Os programas de atendimento serão reavaliados a cada 2 anos, verificando-se sua adequação ao ECA.

As entidades de acolhimento institucional mereceram especial atenção do legislador serão visitadas periodicamente pelos órgãos fiscalizadores: conselho tutelar, Juiz da Infância e MP, devendo obedecer os princípios estabelecidos no art. 92, I a IX.  Essa entidade pode acolher sem prévia autorização judicial, em casos emergenciais, comunicando à autoridade para regularização, no máximo, em 24 horas. A autoridade judiciária e o MP devem atentar para a possibilidade de retorno da criança à família natural, ou de sua colocação em família substituta. No prazo máximo de 6 meses, o acolhimento deve ser reavaliado. O tempo máximo de acolhimento será de 2 anos; porém, pode ser prorrogado diante de justificativa rigorosa. O acolhimento é regido, portanto, pelos princípios da brevidade, e excepcionalidade.

O dirigente da entidade de acolhimento é equiparado a guardião - art. 93.


7.2) Conselho Tutelar

Na forma do art. 131, é órgão não jurisdicional, permanente e autônomo, encarregado pela sociedade de zelar pelos direitos da criança e do adolescente. É composto por 5 membros e seus suplentes, eleitos no âmbito do município, entre os residentes maiores de 21 anos de idade, moralmente idôneos.

O município tem sido autorizado pela doutrina e pela jurisprudência a estabelecer novos requisitos, de modo a atender suas peculiaridades locais, desde que não atentem contra a ideia de democracia participativa.

O mandato do conselheiro tutelar será de 4 anos, admitida uma recondução.

As atribuições do conselho tutelar, na sua maioria, estão descritas no art. 136. Há também atribuições na nova Lei da Palmada, e esparsas no ECA, como por exemplo art. 95 e 97, que cuida da fiscalização das entidades de atendimento. As decisões do conselho tutelar poderão ser revistas judicialmente a pedido de quem tenha legitimo interesse. Portanto, é vedada a revisão judicial ex oficio.

A formação do conselho tutelar é orientada pelos impedimentos elencados no art. 140.


8) Infrações Administrativas

O ECA, ao seu final, ao lado dos crimes e de modo semelhante à sua construção, a partir do art. 245 até o art. 258, estabelece infrações administrativas, formadas por preceitos primário e secundário (conduta e consequência), que normalmente se constitui em pena pecuniária, em salários referência e/ou penas restritivas de direitos.

A reincidência surge algumas vezes como causa de aumento de pena. Essas infrações são apuradas através de um procedimento especial do art. 194 a 197, cuja competência é exclusiva da Vara da Infância. Esse procedimento pode ser iniciado de três formas:

  • Representação do MP;
  • Representação do conselho tutelar;
  • Auto de infração lavrado por funcionário voluntário ou efetivo do Juízo.
Estabelece-se o contraditório, assegurando-se ao requerido amplas garantias processuais (não confundir com o procedimento do art. 191 a 193, que cuida da apuração de irregularidade das entidades de atendimento).



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