domingo, 13 de julho de 2014

07 - Bem de Família

Bem de Família

1) Conceito

É o imóvel destinado a servir de residência da família. É um bem impenhorável em razão dessa afetação temporária.


2) Espécies

a) Voluntário: é o regido pelo CC;

  • Instituído por escritura pública de bem de família. Ainda que o imóvel seja inferior a 30 salários mínimos, não basta a escritura particular. Se um terceiro instituir bem de família em favor de outra família, a instituição pode ser feita por escritura pública ou testamento;
  • Além de impenhorável, é inalienável; logo, o instituidor, ao instituir o bem de família, é proibido também de vendê-lo. Sobre essa alienação, há três posições:
  • A primeira defende que a venda só é possível mediante autorização judicial - art. 1.719 (majoritária na doutrina);
  • Se o casal está de comum acordo, e não há filhos menores ou incapazes, a alienação é possível sem ordem do Juiz. Basta ouvir o MP - art. 1.717 (MHD). A crítica que se faz é sobre essa oitiva extrajudicial do MP; 
  • Se o casal está de acordo, e não há filhos menores ou incapazes, a alienação é possível sem ouvir o Juiz ou o MP. É a linha adotada pela Corregedoria-Geral de Justiça de SP, com base no Princípio da Liberdade;

  • Só se constitui (a qualidade e bem de família) via registro da escritura pública ou do testamento, e além desse registro específico, é preciso ainda averba-lo na matrícula do imóvel. Tanto esse registro quanto a averbação independem de decisão judicial, bastando o requerimento do interessado junto ao cartório de registro de imóveis;
  • Só protege o proprietário, não protegendo o possuidor, mesmo o que tenha compromisso de compra e venda;
  • Esta constituição de bem de família torna também impenhorável as pertenças, isto é, os acessórios destinados a servir ou embelezar o imóvel; logo, pode abranger adorno suntuoso, como obras de arte;
  • Valores mobiliários podem ser inseridos juntamente com o imóvel como bem de família. Correntes sobre a questão:
  • Valores mobiliários são títulos emitidos por S/A e C/A - ações, debêntures, partes beneficiárias, commercial papers, etc.; 
  • Valores mobiliários abrange qualquer bem móvel, inclusive veículos, jóias, aplicações financeiras, etc. (MHD).

  • O bem não pode ultrapassar 1/3 do patrimônio líquido ao tempo da instituição (ex.: PL de R$100 mil; logo, bem de família tem que ser imóvel de no máximo R$ 33 mil). Assim, se o único patrimônio da pessoa é o imóvel, ela não poderá registrá-lo como bem de família, pois ultrapassa o teto de 1/3 do PL. É criticado por ser "elitista";
  • Só se pode registrar como bem de família imóveis e valores mobiliários. Outro tipo de patrimônio não pode ser bem de família;
  • Os valores mobiliários não podem ultrapassar o bem do imóvel;
  • A soma do imóvel com os valores mobiliários não pode ultrapassar 1/3 do PL;
  • PL é o resultado da soma dos bens, direitos e obrigações, abatendo-se as dívidas (ativo - passivo = PL);
  • Se o bem de família for instituído por uma terceira pessoa (que resolve doar ou fazer testamento) não deve observar aquele limite de valor;
  • O bem de família voluntário tem a finalidade específica de servir de residência para o casal, e os valores imobiliários assim instituídos tem a finalidade específica de ser aplicado na conservação do imóvel e sustento da família;
  • O bem de família voluntário só pode beneficiar pessoas casadas ou entidade familiar (união estável, união homoafetiva, família monoparental, etc. Não pode ser instituído por pessoa que mora sozinha);
  • É impenhorável, salvo em três hipóteses:
  • Dívidas anteriores à instituição do bem de família; 
  • Tributos ou contribuições que recaiam sobre o imóvel (IPTU, taxa de lixo, etc.); 
  • Despesa de condomínio.

  • Não pode ser dado em hipoteca; 
  • A proteção pode ser extinta por decisão judicial, ouvido o MP, nas seguintes hipóteses:
  • Se o imóvel deixa de servir de residência da família. Portanto, enquanto o imóvel servir de residência, não é possível a extinção; 
  • Se o valor mobiliário não for aplicado para conservar o imóvel ou sustentar a família, caso em que apenas o valor mobiliário deixará de ser bem de família; 
  • Havendo morte de ambos os cônjuges/companheiros (enquanto houver filho menor ou incapaz, ou enquanto viver um dos cônjuges/companheiro, se ele mora no imóvel, não se extingue a proteção); 
  • Finalmente, também o divórcio extingue o bem de família, salvo se houver filho menor ou incapaz. Também o extingue na hipótese de a família não conseguir manter o bem. Se esse for o motivo, o Juiz autoriza a extinção mediante sub-rogação, isto é, ordena que a cláusula de bem de família seja transferida para outro imóvel que servirá de moradia, a qual pode ser um imóvel que já pertença ao casal ou que o casal ainda vá adquirir.

  • A Corregedoria-Geral de Justiça de SP admite a extinção por escritura pública, sem necessidade de ordem judicial ou de oitiva do MP, desde que o casal esteja em comum acordo, e não haja interesse de menor ou incapaz.





b) Legal: é o regido pela Lei nº 8.009/90;

  • Instituído por força de lei, automaticamente. Basta que o imóvel próprio sirva de residência da família;
  • É impenhorável, mas é alienável (o proprietário pode vendê-lo normalmente, sem ordem judicial);
  • Esta instituição como bem de família não é registrada, pois é instituído por força de lei. Na prática, admite-se uma averbação no registro de imóveis com ordem judicial, mas independentemente desta averbação, já é bem de família (situação de fato);
  • O destinatário deste bem de família pode ser qualquer pessoa, inclusive o imóvel onde mora sozinho a pessoa solteira é bem de família impenhorável. Portanto, este bem de família não visa proteger apenas a família, e sim o constitucional direito social de moradia - CF/88, art. 6º:

Súmula nº 364-STJ: O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.

  • Protege o proprietário e também o possuidor que tem compromisso de compra e venda (mas que ainda não tem a propriedade). O imóvel, assim, deve estar registrado em nome da pessoa para que seja transformado em bem de família;
  • Esta proteção de bem de família só pode recair sobre imóvel urbano ou rural alodial;
  • Não tem limite de valor (se o sujeito mora em imóvel de R$10 milhões, este imóvel é impenhorável);
  • Se a família tem dois imóveis, o bem de família será o imóvel em que a família reside, e não o bem de menor valor, salvo se houver outro bem de família registrado como bem de família do CC, caso em que este registrado será o bem de família;
  • Pela lei também tem a finalidade específica de servir de residência da família (tem que morar no imóvel). Todavia, a jurisprudência diz que se o sujeito mora de aluguel e aluga o imóvel próprio, e paga o aluguel com essa renda, o imóvel continua sendo bem de família;
  • É impenhorável, salvo nas seguintes hipóteses:
  • Dívidas anteriores à instituição do bem de família; 
  • Tributos ou contribuições que recaiam sobre o imóvel (IPTU, taxa de lixo, etc.); 
  • Despesa de condomínio; 
  • Dívidas com trabalhadores da residência (doméstica, motorista, etc.) e suas respectivas contribuições. Não se admite penhora por dívidas trabalhistas de outros empregados; 
  • Dívida do financiamento do imóvel; 
  • Dívida de alimentos; 
  • Execução de hipoteca voluntária do próprio imóvel (ou seja, este bem de família legal pode ser dado em hipoteca). Há julgados do STJ dizendo que só se penhora o bem de família se a hipoteca referir-se a dívidas em benefício da família; por outras dívidas (ex.: injetar dinheiro na empresa) a penhora seria proibida; 
  • Imóvel adquirido com o produto de crime; 
  • Execução de dívida de crime; 
  • Fiança da locação, ainda que se trate de residência do fiador da locação. Há quem entenda que esta permissão da penhora é inconstitucional, pois viola o direito de moradia do morador;
  • A proteção se extingue automaticamente, a partir do momento em que o imóvel deixa de ser residência da família, independentemente de decisão judicial (quem tem um único imóvel e o aluga, pela jurisprudência, continua tendo bem de família). 

c) Disposições comuns às duas espécies:
  • A proteção de bem de família só pode recair sobre imóvel alodial (livre e desembaraçado - sem hipoteca, sem penhora, que já não seja bem de família, etc.);
  • Pode o imóvel ser urbano ou rural;
  • Os bens móveis que guarnecem a residência também são impenhoráveis, desde que quitados; logo, o locatária tem esta proteção. Há posições divergentes sobre o tema:
  • Uma corrente diz que qualquer bem móvel que guarnece a residência é impenhorável, salvo obras de arte e adornos suntuosos; 
  • Outra corrente defende que só são impenhoráveis aos bens móveis essenciais à vida familiar. O supérfluo pode ser penhorado (ex.: ar condicionado, DVD, etc.).

3) Questões

Quem tem dívidas pode instituir bem de família legal ou voluntário, desde que seja solvente, isto é, o patrimônio ativo seja maior que o passivo. O insolvente não o pode. Se ao tempo da instituição era solvente, e depois se torna insolvente, persiste o bem de família obviamente (esta é a finalidade da proteção).

Penhoras feitas antes da Lei nº 8.009/90, quando ainda não existia o bem de família legal, não são eficazes. A nova lei retroage para cancelar as penhoras anteriores.
Súmula nº 205-STJ: A LEI 8.009/90 APLICA-SE À PENHORA REALIZADA ANTES DE SUA VIGÊNCIA.
Tratando-se de imóvel rural, no qual a família mora, a impenhorabilidade só recai sobre a pequena propriedade rural, que mede de um a quatro módulos fiscais. Portanto, se o imóvel for maior, somente esses quatro módulos serão impenhoráveis, inclusive a sede e os acessórios dessa área impenhorável (STF).

Tempo necessário de moradia para o imóvel ser considerado bem de família: 

  • Se for bem de família legal, com o início da moradia, independente de qualquer tempo, já é bem de família;
  • Se se tratar de bem de família voluntário, é preciso morar no imóvel há pelo menos dois anos, e a escritura pública do bem de família deve fazer menção a esse tempo de moradia, por força do DL nº 3.241, ainda em vigor, pois é lei especial que não pode ser revogada pelo CC, lei geral.
Quem tem dois imóveis pode separar um deles para ser bem de família voluntário, desde que o imóvel não ultrapasse 1/3 do PL. 

Se a família tem um bem de família legal, e pretende instituir outro bem de família voluntário, ambos não prevalecerão; somente aquele em que a família reside será o bem de família, o que pode ser apurado nos autos de um processo, na ocasião da penhora.

O devedor pode oferecer à penhora o bem de família legal, pois é uma renúncia tácita ao bem de família, segundo uma corrente. Entretanto, outra corrente diz que não é possível, pois a proteção é de ordem pública, e visa proteger a família, e não apenas o devedor.

Já o bem de família voluntário, é pacífico de que não pode ser dado em garantia, pois além de impenhorável, ele é inalienável.

O bem de família voluntário é administrado:
  • No casamento, por ambos os cônjuges;
  • Se os cônjuges já morreram, a administração compete ao filho primogênito;
  • Se os cônjuges já morreram, e os filhos são menores, o tutor administra;
  • Na união estável, o CC não diz quem administra; logo, entende-se que é o companheiro proprietário que administra;
  • Quanto aos valores mobiliários, há a faculdade de se permitir que sejam administrados por uma instituição financeira. Se ela falir, esses valores não são atingidos pela falência, sendo possível restituição destes valores no processo de falência.

Penhora da vaga de garagem: o apartamento que o sujeito mora não pode ser penhorado, pois é bem de família legal. Todavia, o STJ admite a penhora da vaga de garagem, dizendo que ela não é bem de família:

Súmula nº 449-STJ: A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeito de penhora.
 Porém, a Lei nº 12.607/12 alterou o CC, art. 1.331, §1º, dizendo que vaga de garagem não pode ser alienada a terceiros, salvo mediante dois requisitos cumulativos:

  • Que tenha matrícula autônoma, isto é, uma matrícula separada do apartamento. Assim, a vaga não pode ser vendida separadamente quando consta da matrícula;
  • Que a convenção do condomínio autorize a alienação. Portanto, a Súmula acima só é aplicada se presentes estes dois requisitos.

4) Procedimento Administrativo para Instituição do Bem de Família Voluntário - LRP, art. 260 a 273
  • Lavrar no cartório de notas uma escritura pública de bem de família;
  • Fazer requerimento junto ao cartório do registro de imóveis, anexando esta escritura pública. O Oficial fará prenotação no Livro 1, e tem 30 dias para examinar aquela escritura. Não examina a solvência ou a insolvência, pois presume-se a solvência;
  • Dentro destes 30 dias, o Oficial pode:
  • Se recusar, de forma fundamentada, ao registro. Neste caso, o interessado pode requerer a instauração do procedimento de dúvida, que será decidido pelo Juiz-Corregedor do cartório; 
  •  Aprovar o requerimento, caso em que manda publicar editais na imprensa, e os eventuais interessados tem o prazo de 30 dias para eventuais reclamações. Se não houver impugnação, a escritura pública será registrada - Livro 3 do Registro Auxiliar, e Livro 2, com averbação na matrícula do imóvel.
  • Se houver reclamação, o Oficial não faz o registro e cancela a prenotação, sem examinar o mérito da reclamação. O interessado deve buscar o Poder Judiciário pra obter o registro

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