quinta-feira, 5 de junho de 2014

11 - Direito Civil 1 - Dos Fatos Jurídicos - Defeitos do Negócio Jurídico


Defeitos ou Vícios do Negócio Jurídico

1) Conceito

Defeito é a imperfeição do negócio jurídico, oriunda de um vício do consentimento ou de um vício social. Duas, portanto, são as categorias de defeitos:

1.1) Defeitos ou vícios do consentimento ou da vontade: ocorre quando a vontade declarada não coincide exatamente com a vontade interna do agente. É o caso do erro, dolo ou coação, estado de perigo e lesão.

1.2) Defeitos ou vícios sociais: ocorre quando a vontade declarada e a vontade interna do agente coincidem perfeitamente, no entanto, a vontade é manifestada com o intuito de prejudicar terceiro ou fraudar a lei. É o caso da simulação e da fraude contra credores.

Pelo atual código, a simulação dá causa à nulidade absoluta do negócio praticado, tratando-se de vício imprescritível e que pode ser arguido, inclusive, pelo próprio simulador. Todos os demais vícios dão causa à nulidade relativa do negócio, devendo a ação ser proposta no prazo decadencial de 4 anos, conforme art. 178.


2) Do Erro - arts. 138 a 144

Erro é a falsa percepção da realidade: já a ignorância é a ausência completa de conhecimento a respeito de um fato ou de determinada pessoa. Embora os institutos sejam distintos, a lei dá a eles o mesmo tratamento jurídico, ou seja, eles acarretam na nulidade relativa do negócio. 
Distinção entre erro e dolo civil: o erro é espontâneo, pois quem erra, erra sozinho. Já o dolo é o erro provocado pela má-fé alheia, ainda que seja pelo silêncio. 
  • O erro substancial enseja a anulação do negócio praticado, mas não cabe indenização por perdas e danos. Aliás, é o único dos vícios em que não há indenização por perdas e danos, porque o sujeito errou sozinho.
  • O dolo principal anula o negócio e dá causa à indenização por perdas e danos; 
  • O erro acidental não anula e não enseja indenização por perdas e danos; 
  • O dolo acidental não anula, mas pode ensejar indenização por perdas e danos. 
O erro provocado pela boa-fé alheia é erro, e não dolo, porque para ser dolo é necessário a má-fé. No entanto, é um erro que, quanto aos efeitos, é tratado como se dolo fosse, pois enseja indenização por perdas e danos.
  • O erro, para anular o negócio jurídico, deve ser substancial, escusável e real:
  • Do erro escusável: é aquele que, em face das circunstâncias do negócio, não poderia ser percebido por pessoa de diligência normal. É o erro desculpável. Para se aferir se o erro é escusável, ou não, a doutrina entende que o Juiz deve fazer uso do critério do homem médio (há entendimentos, no entanto, de que ele deve considerar as condições pessoais de quem errou);
  • Do erro real: é aquele que causa prejuízo efetivo para o agente; 
  • Do erro acidental: é o que influencia em alguns aspectos do negócio, tornando-o mais oneroso, mas não foi a razão determinante para a prática do mesmo; 
  • Do erro substancial: é aquele que foi a razão determinante para a prática do negócio jurídico. Sem o erro, o negócio não teria sido realizado. As hipóteses de erro substancial encontram-se previstas, taxativamente, no art. 139 do CC e são as seguintes: 
  • Art. 139, I, primeira parte: erro sobre a natureza do negócio: aqui a parte quer praticar determinado negócio, mas acaba praticando outro (ex.: o sujeito lavra uma escritura pública de doação, pensando tratar-se de dação em pagamento); 
  • Art. 139, I, segunda parte: erro sobre o objeto principal da declaração: aqui o negócio faz menção a uma coisa ao invés de outra (ex.: o sujeito pensa que está comprando um apartamento em Santos, quando, na realidade, ele se localiza em São Vicente) 
Nas duas hipóteses acima mencionadas, nós estamos diante do que a doutrina denomina erro obstáculo ou erro impróprio, que é aquele que impede a formação do negócio jurídico e que acaba por gerar na sua inexistência, em razão da falta de consentimento recíproco para a prática do negócio. 
A lei, no entanto, disciplina essa duas hipóteses como sendo simples causa de anulação do negócio.
  • Art. 139, I, última parte: erro sobre as qualidades essenciais do objeto. Essenciais são as qualidades fundamentais do objeto (ex.: comprar candelabros prateados pensando serem de prata);
  • Art. 139, II: erro sobre a pessoa, que pode recair sobre a sua identidade que, por sua vez, pode ser física ou, então, civil. Ainda, referido erro pode recair sobre as qualidades essenciais da pessoa; 
  • Art. 139, III: erro de direito, é o desconhecimento da lei ou a sua interpretação equivocada. Para fins de anulação do negócio jurídico, ele é equiparável ao erro de fato, desde que tenha influenciado na manifestação de vontade e preencha os seguintes requisitos:
  • Que não implique em recusa à aplicação da lei; 
  • Que tenha sido o motivo único ou principal do negócio jurídico.
O art. 139, inciso III, do CC, harmoniza-se perfeitamente com o princípio previsto no art. 3º da LINDB. Portanto, admite-se a arguição do erro de direito, se a intenção da parte era a de cumprir a lei, ou seja, obedecê-la (e não escusar-se do cumprimento da lei). 
Observação ao art. 140: o motivo não é requisito de validade do negócio jurídico. No entanto, se ele constar expressamente como sendo a razão determinante para o negócio e, posteriormente, verificar-se que é falso, ele anula sim o negócio praticado, pois, nesta hipótese, ele se eleva à categoria de requisito de validade.

3) Do Dolo Civil

É o erro provocado pela má-fé alheia, ou seja, é todo artifício empregado para enganar alguém, induzindo-o à prática do negócio jurídico. 

No dolo uma das partes é enganada pela outra ou por terceiro (na simulação nenhuma das partes é enganada, ambas têm ciência do engodo. Por esse motivo não é possível a coexistência do dolo com a simulação). 

O dolo, para anular o negócio jurídico, deve ser principal e malus. Espécies de Dolo:

a) Dolo principal: é aquele que foi a razão determinante para prática do negócio jurídico - art. 145. Além de anular o negócio, dá causa à indenização por perdas e danos;

b) Dolo acidental: é aquele que onera o negócio, mas não foi a razão determinante para a prática do negócio. Ele não anula, mas enseja indenização por perdas e danos - art. 146;

c) Dolo positivo: é aquele que resulta de uma ação. Quando principal, anula e enseja indenização por perdas e danos; se acidental não anula, mas enseja a indenização por perdas e danos;

d) Dolo negativo ou por omissão ou reticência: é o silêncio intencional sobre determinado fato ou pessoa (art. 147). Pode ser principal ou, então, acidental, com as consequências pertinentes. Ex.: compro um pomar de laranjas porque tenho uma fábrica que produz suco. Porém, o vendedor silencia sobre uma praga que contamina todo o laranjal e torna a fruta imprópria para o suco;

e) Dolus malus: é o artifício enganoso capaz de ludibriar o homem médio (há entendimentos, no entanto, no sentido de que o juiz deva analisar as condições pessoais de quem foi ludibriado). Quando principal, anula e cabe indenização por perdas e danos.

f) Dolus bonus: é a conversa enganosa, aceita no mundo dos negócios porque a pessoa, desde logo, percebe o “engodo”. Ele não anula o negócio e não dá causa à indenização por perdas e danos (ex.: falar que o carro é o mais novo à venda na feira);

g) Dolo bilateral ou recíproco (art. 150): ocorre quando ambas as partes encontram-se de má-fé, uma querendo enganar a outra. O negócio praticado é válido e não enseja indenização por perdas e danos, pois ninguém pode alegar a própria torpeza para se beneficiar;

h) Dolo direto e dolo de terceiro: dolo direto é aquele que emana de uma das partes do negócio; dolo de terceiro é aquele causado por quem não é parte no negócio (art. 148). O dolo de terceiro só anula o negócio quando a parte beneficiada sabia ou tinha a possibilidade de saber do engodo (ainda que não tenha cooperado com o artifício fraudulento). Neste caso, além da anulação, a parte beneficiada e o terceiro respondem pelas perdas e danos. Se a parte beneficiada não sabia, nem tinha a possibilidade de saber do engodo, o negócio praticado é válido, e apenas o terceiro responderá pelas perdas e danos frente ao ludibriado;

i) Dolo do representante (art. 149): em se tratando de representação legal, o representado somente responde até o limite do proveito que teve em razão de ato doloso prejudicial a terceiro causado pelo seu representante. No entanto, em se tratando de representação convencional, o representado responde solidariamente com o representante pelos prejuízos causados a terceiro em razão de ato desse representante, isso em razão da presunção absoluta de culpa in eligendo. Nada impede, no entanto, que o representado proponha ação regressiva contra o representante, salvo se com ele estava conluiado;

j) Dolo quanto à idade (art. 180): o negócio praticado por menor púbere desassistido de seu representante legal será válido se ele dolosamente omitiu a sua idade ou declarou-se maior. É necessário, no entanto, que a parte contrária esteja de boa-fé e que tenha laborado/incidido em erro escusável.


4) Da Coação

Nesta seção, o Código trata apenas da coação moral e não da coação física irresistível, pois nesta a vontade está completamente eliminada e, portanto, o negócio praticado é tido por inexistente. 

Coação é a ameaça de dano grave, iminente e injusto contra o coagido, seus bens ou pessoa de sua família que funciona como sendo a razão determinante para a prática do negócio jurídico. 


4.1) Requisitos

a) Ela deve consistir numa ameaça, que é a promessa de um malefício;

b) A ameaça deve ser grave, ou seja, capaz de intimidar a vítima (e não o homem médio, conforme disposto no art. 152 – o Juiz analisa o caso concreto); 

c) A ameaça deve referir-se ao coagido, aos seus bens (e não sobre os bens de sua família) ou, então, sobre pessoa de sua família (se recair sobre pessoa não pertencente à família do coagido, cabe ao Juiz decidir, conforme disposto no parágrafo único do art. 151);

d) A ameaça deve ser injusta, ou seja, contrária ao direito, pois, em se tratando de ameaça justa, não há coação, mas exercício normal de um direito (primeira parte do art. 152). Todavia, em havendo abuso, a pessoa responderá por este.

Obs.: há um caso de coação com ameaça justa e que se dá quando a vantagem visada for injusta. Ex.: o policial ameaça prender em flagrante o traficante de drogas (ameaça justa) caso este não lhe faça a doação de um automóvel (vantagem injusta).

e) O mal prometido deve ser iminente e inevitável, pois, em se tratando de mal futuro que de alguma forma pode ser evitado, não há coação.

f) A ameaça deve funcionar como sendo a razão determinante para a prática do negócio jurídico (em se provando que o negócio teria sido realizado, apesar da coação, não se anula, mas cabem perdas e danos, com base no art. 186).
  • Presentes todos os requisitos, anula-se o negócio praticado, ensejando ainda indenização por perdas e danos, sem prejuízo das conseqüências na esfera penal;
  • O simples temor reverencial não anula o negócio jurídico. Porém, se acompanhado de uma ameaça, ainda que implícita, é hábil a anular o negócio. Temor reverencial é o receio de desagradar pessoa a quem se deve obediência ou respeito.

4.2) Coação de Terceiro

É aquela emanada de pessoa que não figura como parte no negócio (ex.: A coage B a vender a casa para C). A coação de terceiro anula o negócio praticado, quando a parte beneficiada sabia ou tinha a possibilidade de saber da coação. Neste caso, ela e o terceiro coator responderão solidariamente pelas perdas e danos, frente ao coacto - art. 154.

Verifica-se, portanto, que o atual CC, em razão de ter adotado a teoria da confiança, exige no caso de coação de terceiro, dolo ou culpa da parte beneficiada.

Já o CC/16 sempre considerava, nos casos de coação de terceiro, anulável o negócio praticado, ainda que a parte beneficiada estivesse de boa-fé.

Conforme disposto no art. 155, se a parte beneficiada não sabia, nem tinha a possibilidade de saber da coação exercida por terceiro, o negócio será válido. Porém, o coator responderá sozinho pelas perdas e danos causadas ao coacto.


5) Do Estado de Perigo - art. 156

Ocorre quando o agente realiza negócio jurídico, assumindo obrigação excessivamente onerosa, para evitar ou tentar evitar um dano de caráter pessoal, que é do conhecimento da outra parte.

5.1) Requisitos

a) Situação de perigo atual que ameaça causar um grave dano pessoal. O perigo pode ter sido causado pela natureza (ex.: onda gigante), por ação do homem (ex.: sequestro) e ainda pela própria vítima (ex.: sujeito que tenta o suicídio e posteriormente, necessita de cuidados médicos).
  • O perigo deve ser atual, ou seja, presente. Se futuro, o negócio será válido;
  • O juiz, ao analisar a gravidade da ameaça, deve considerar as condições pessoais da vítima, por analogia ao disposto no art. 152 (há entendimentos, no entanto, no sentido de que o juiz deva considerar o homem médio);
  • A ameaça advinda da situação de perigo deve ser grave, a ponto de figurar como sendo a razão determinante para a prática do negócio jurídico; 
  • A ameaça deve referir-se a um dano de caráter pessoal, seja de ordem física, seja de ordem moral (ex.: vida, integridade física, honra). Ademais, deve recair sobre o próprio declarante ou pessoa de sua família. Se disser respeito à pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz julga por equidade, considerando o caso concreto - art. 156, parágrafo único.
b) Conhecimento do perigo pela outra parte: exige-se, portanto, dolo de aproveitamento, que consiste na má-fé da parte contrária, que realiza o negócio sabedora da situação de perigo;

c) Assunção de obrigação excessivamente onerosa: significa que a desproporção entre as prestações deve ser considerável, ou seja, acentuada, devendo analisar-se o caso concreto.

Presentes todos os requisitos, anula-se o negócio praticado (a legislação não permite a revisão do valor da prestação devida), voltando as partes ao status quo ante.
  • Em algumas situações, no entanto, é impossível o retorno ao status quo ante, com a consequente devolução das prestações dadas. Nesse caso, a doutrina tem entendido cabível à parte prejudicada para a anulação do negócio a propositura da ação de in rem verso, que é aquela que veda o enriquecimento ilícito, obtido pela vítima em razão da anulação;
  • Outra parte da doutrina entende que se deve aplicar ao estado de perigo a regra prevista no § 2° do art. 157, que trata da lesão. Este entendimento, inclusive, encontra-se consubstanciado no Enunciado 148 do CJF - tem por fundamento o princípio da conservação dos contratos.

6) Da Lesão - art. 157

No nosso direito anterior a 1916 já havia lesão, porém, apenas caracterizada pela desproporção entre o valor do bem e o seu preço.

O CC/16 a ela não se referia; porém, era tratada em legislação extravagante, como é o caso da lei dos crimes contra economia popular (Lei n° 1.521/51) e também no CDC.


6.1) Conceito

A lesão representa um vício consistente na deformação da declaração de vontade, por fatores pessoais do contratante, diante de sua inexperiência ou necessidade, explorados indevidamente pelo locupletante (Carlos Alberto Bittar).


6.2) Espécies

a) Lesão enorme ou enormíssima: para se caracterizar, basta a desproporção entre as prestações (art. 39, V do CDC);

b) Lesão especial. Requisitos:
  • Desproporção entre as prestações: desproporção manifesta entre as prestações. 
  • Deve se acentuada, ou seja, considerável. De acordo com o art. 157, § 1°, tal desproporção deverá existir no momento da celebração do negócio. Se superveniente, não haverá lesão, mas onerosidade excessiva, se presentes os seus requisitos (contrato de trato sucessivo ou de execução diferida); 
  • A lesão pode ser alegada somente nos contratos comutativos, em que as prestações se equivalem. Não pode ser alegada nos aleatórios, pois nesses, o desequilíbrio entre as prestações é inerente ao negócio.
  • Situação  de Inexperiência ou necessidade da parte lesada
  • Necessidade significa a impossibilidade de se evitar o contrato; 
  • A inexperiência não significa incultura da parte lesada; mas sim, inexperiência contratual, aquela em que inclusive o culto pode incorrer.
Presentes esses requisitos, anula-se o negócio praticado. No entanto, o § 2° do art. 157 faculta à parte favorecida oferecer suplemento suficiente para o reequilíbrio das prestações, salvando dessa forma, o negócio praticado.

Conforme Enunciado 149 do CJF, a verificação da lesão deve conduzir sempre a revisão do negócio e não a sua anulação, cabendo ao juiz incitar as partes neste sentido. Tem por fundamento o princípio da conservação contratual.

c) Lesão usuária ou usura real. Requisitos:
  • Desproporção entre as prestações: se a desproporção for superior a 1/5 do valor das prestações, configura crime contra a economia popular;
  • Situação de necessidade ou inexperiência da parte lesada;
  • Dolo de aproveitamento (art. 4° da Lei n° 1.521/51).




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