sexta-feira, 27 de junho de 2014

04 - Direito de Família - União Estável

União Estável


1) Legislação Aplicável


A legislação disciplina o conceito de união estável, alimentos e direito sucessórios. Nesses três aspectos, as duas leis estão revogadas, vigendo o CC (lei posterior).

Da lei de 1994, há o instituto do usufruto vidual: no caso de morte do companheiro, o sobrevivente tem usufruto de 1/4 da herança se concorrer com descendentes, e da metade se concorrer com ascendentes. Para uma primeira corrente, este usufruto foi revogado pela lei de 1996, que disciplinou os direitos sucessórios e silenciou sobre o usufruto. É a revogação global: a lei posterior que disciplina toda a matéria revoga a anterior; artigos não repetidos são revogados. Nem o cônjuge tem direito de usufruto; logo a companheira também não pode ter. Assim, para essa corrente, a lei de 1994 está totalmente revogada. Para uma segunda corrente, o usufruto continua em vigor, pois não houve revogação expressa nem tácita (Maria Helena Diniz).

A lei de 1996 prevê o direito real de habitação, isto é, em caso de morte do companheiro, o sobrevivente tem o direito de continuar morando no imóvel que servia de residência do casal. Uma corrente afirma que este direito foi revogado pelo CC, que disciplinou toda a matéria e é omisso sobre o assunto. Uma segunda corrente defende que continua em vigor, pois o CC é lei geral, que não vigora lei especial. Uma terceira corrente diz que houve revogação da lei de 1996, mas na união estável existe o direito de habitação por analogia, pois o cônjuge tem esse direito; outros fundamentos seriam dignidade da pessoa humana e direito de moradia.


2) Diferença entre União Estável e Concubinato

União estável é a convivência entre pessoas desimpedidas, que teoricamente poderiam se casar (ex.: solteiros, divorciados, viúvos). Pelo CC também é união estável o relacionamento da pessoa casada separada de fato.

Concubinato é o relacionamento entre pessoas impedidas de se casarem. Espécies:
  • Concubinato adulterino: quando um ou ambos são casados, e instauram outro relacionamento na constância do casamento;
  • Concubinato incestuoso: relacionamento com parentes ou afins cujo casamento é proibido (ex.: sogra, irmã, enteada);
  • União com pessoa condenada definitivamente por homicídio ou tentativa contra o consorte (ex.: mulher foi viver com o sujeito que matou o marido, condenado).
União estável é entidade familiar, regida pelo Direito de Família. Gera os seguintes direitos:

a) Regime de bens;
b) Alimentos;
c) Herança;
d) Nome;
e) Adoção em conjunto;
f) Conversão em casamento;
g) Competência de Vara de Família.

Concubinato não é entidade familiar. É regido pelo direito societário, sendo uma sociedade de fato, só tem direito aos aquestos, bens adquiridos com esforço econômico comum, e a divisão não é por igual; logo, não é meação. A divisão é proporcional ao que contribuiu economicamente para a aquisição do bem. Não tem nenhum dos direitos da união estável mencionados acima. A competência, a rigor, é da Vara Cível.

Companheira ou convivente é nome da mulher que vive em união estável. Concubina é o nome da mulher que vive em concubinato.

Há uma corrente que atribui à concubina o direito de ser indenizada pelos serviços domésticos que prestou, pois não tem direitos a alimentos, evitando o enriquecimento sem causa da outra parte (Maria Berenice Dias).

Concubinato putativo: é quando havia boa-fé, isto é, não sabia do impedimento (ex.: não sabia que era irmão, que era casado). Por analogia, aplica-se a proteção do casamento putativo; logo, em relação ao de boa-fé, seria união estável, e não concubinato.

Concubinato desleal: é o que se instaura na constância de uma união estável (pessoa que vive em união estável arruma uma concubina). A posição dominante na doutrina é a de que o segundo relacionamento é concubinato, atribuindo-se os direitos apenas ao primeiro relacionamento. Interpretação diversa estimularia este concubinato, e a CF/88 prevê a proteção da família, gênero da qual é espécie a união estável. Álvaro Vilaça afirma que a lei é omissa nesse assunto, e ambos os relacionamentos devem ser protegidos pelo Juiz, que decidirá por equidade. Assim, em caso de eventual morte, os bens devem ser distribuídos para os dois relacionamentos.


3) Conceito

É a convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, com o objetivo de constituir família. É também chamado de usucapião de direito de família. 

Exige certa notoriedade, isto é, exige que o relacionamento seja conhecido de terceiros. Uniões secretas não são uniões estáveis. 

Não exige registro, nem contrato escrito. O contrato, porém, não cria união estável: ela nasce da convivência (situação de fato). Assim, toda sentença que reconhece a união estável é declaratória, declarando que ela existe desde a convivência (e não desde o contrato). Igualmente, sentença que dissolve união estável é declaratória, pois a união estável deixa de existir quando cessa a convivência.

Deve ser contínua, isto é, ininterrupta. Não se somam as "idas e vindas" do casal. 

Deve ser duradoura, mas a lei não fixa prazo. É o Juiz quem irá decidir no caso concreto. 

O objetivo deve ser o de constituir família, ou seja, deve haver o propósito de levar uma vida única, com o cumprimento dos deveres familiares. Não se exige que vivam sob o mesmo teto:
Súmula nº 382-STF: A VIDA EM COMUM SOB O MESMO TETO, "MORE UXORIO", NÃO É INDISPENSÁVEL À CARACTERIZAÇÃO DO CONCUBINATO.
No namoro longo não há o propósito de constituir família. Se a situação fática é de união estável, o eventual contrato de namoro é nulo. Se a situação fática é de namoro, o eventual contrato de união estável também é nulo, pois a criação de uma entidade família só pode ser feita pelo ordenamento jurídico, e não apenas da vontade da pessoa.

Quanto à hierarquia entre casamento e união estável, há duas correntes: 
  • A primeira afirma que sim, e o casamento gera mais direito do que a união estável, isso em razão do disposto na CF/88, art. 226, §3º, segundo o qual a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento. Implicitamente, colocou-se o casamento em um patamar acima, que deve ser estimulado pela lei (MHD); 
  • Uma segunda corrente, entretanto, afirma que não, havendo isonomia entre os institutos. A Constituição manda o Estado proteger ambos, sem fazer qualquer discriminação. Assim, lei que prevê direito pro cônjuge, leia-se, cônjuge ou companheiro (CP, art. 181 - proíbe IP em crimes patrimoniais sem violência ou ameaça praticado contra o cônjuge - escusa absolutória. Este benefício aplica-se também ao companheiro). Para esta segunda corrente, os direitos do cônjuge estende-se ao companheiro quando a lei for omissa; mas as restrições ao cônjuge não se estendem ao companheiro, pois normas restritivas de direito não admitem analogia (ex.: menor de 16, maior de 70, viúvo ou divorciado que se casa sem partilha: nessas hipóteses, o casamento é no regime da separação de bens, mas a união estável será no regime da comunhão parcial de bens. Para o cônjuge alienar imóveis, precisa da autorização do outro, mas na união estável não é preciso autorização).

4) Efeitos

4.1 Regime de Bens - art. 1.725

Mediante contrato escrito, ainda que por instrumento particular, é possível escolher qualquer regime de bens na união estável. Se não há contrato, o regime é o da comunhão parcial de bens, no que couber, leia-se, só quanto aos bens (não se aplicam as restrições).

Se o companheiro vende imóvel sem autorização do outro, o negócio é válido, mas o companheiro lesado tem direito de indenização contra o outro companheiro. 


4.2) Alimentos

Se houver prova documental da união estável, o Juiz concede inclusive alimentos provisórios, isto é, liminarmente. Se não há prova documental, o correto é o Juiz marcar uma audiência de justificação e ouvir testemunhas para decidir sobre a liminar, e não simplesmente negá-la de plano.

Extingue-se a obrigação de pagar alimentos se o ex-companheiro que o recebe se casar, constituir união estável, concubinato ou tiver comportamento indigno contra o outro companheiro (alguns autores sustentam que o comportamento indigno deve gerar redução, e não exoneração).

O companheiro culpado pela união estável, para uma corrente, teria direito a alimentos, pois a lei não prevê a perda dos alimentos por culpa. Para outra corrente, perde os alimentos, salvo se não houver outros parentes em condições de prestá-los, caso em que teria direito aos alimentos essenciais à sobrevivência, aplicando-se, por analogia, o art. 1.704, Parágrafo único. Apesar disso, o art. 1.694, Parágrafo único, prevê que se o alimentado está em situação de necessidade por culpa, só terá direito a alimentos necessários à sobrevivência.

O dever de fidelidade na união estável, segundo uma corrente, não é exigível, pois não é previsto no ordenamento jurídico (MBD). Uma outra corrente afirma que sim, pois está abrangido pelos deveres de lealdade e respeito, previstos expressamente.


4.3) Herança

Herança é o patrimônio deixado pelo morto. Meação é o que se tem direito de pleitear, em vida, em razão do regime de bens. 

Na comunhão parcial, há a meação dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável, independentemente de esforço comum. Quanto à herança, o companheiro só herda bens adquiridos onerosamente durante a união estável - art. 1.790. Não herda bens anteriores, nem bem adquiridos durante a título gratuito. 

O companheiro que concorre com descendentes comuns herda o equivalente a um descendente. Se os filhos forem incomuns, o companheiro herda metade do que é de um filho. Se não houver descendentes, mas outros parentes sucessíveis (ascendentes, colaterais de segundo, terceiro e quarto graus) o companheiro herda 1/3 da herança. Se não houver nenhum parente sucessível, o companheiro herda toda a herança.


4.4) Nome

Para adotar o nome do companheiro, é preciso sentença judicial prolatada por Juiz da vara de registros públicos (se houver), ouvido o MP (Lei nº 6.015/73, art. 57, §2º). Esta lei impõe uma série de requisitos para uso do nome, como prazo mínimo de 5 anos de união estável. A jurisprudência, entretanto, tem entendimento diverso.


4.5) Conversão em Casamento

Depende de requerimento de ambos os companheiros. Pelo art. 1.726, esse requerimento é dirigido ao Juiz de Direito (via advogado), mas esse dispositivo é inconstitucional, pois dificulta a conversão em casamento, sendo que a Constituição manda facilitar. Na prática, o requerimento é dirigido ao Oficial do Registro Civil das pessoas naturais, e não ao Juiz. É feita uma habilitação de casamento, mas não há a cerimônia de celebração.

O efeito desta conversão, pela posição dominante, retroage (ex tunc) ao início da união estável. Caso contrário, não haveria diferença entre casamento e conversão em casamento. O registro, porém, não fará menção à data retroativa, pois é uma questão jurisdicional.


4.6) Competência das Varas de Família

Qualquer ação que envolve reconhecimento ou dissolução de união estável deve tramitar em vara de família, pois a Constituição trata o assunto no capítulo da família. 

Competência de vara (Juízo) não pode ser feita por Lei Federal; depende de Lei Estadual - CF/88, art. 125, mas a Lei Estadual não pode definir vara cível para a união estável nas comarcas em que existe varas de família.

A Lei nº 9.278/96, art. 9º define a competência da vara de família para questões envolvendo união estável, sendo inconstitucional, por ser Lei Federal. De qualquer forma, a competência realmente é da vara da família.

O foro (comarca) competente segundo uma primeira corrente seria o domicílio do réu - CPC, art 94. Uma segunda corrente afirma ser o domicílio da mulher, por analogia ao art. 100, I do mesmo Código, dispositivo que cuida das ações de divórcio, separação e anulação de casamento.


4.7) Estado Civil

A união estável, segundo uma corrente, não é um novo estado civil, pois a lei não lhe atribui este efeito. Há porém uma corrente que afirma que sim, pois a união estável gera consequências jurídicas similares ao casamento. 

A ação de estado civil segue rito ordinário se não houver rito especial, e exige a intervenção do MP - CPC, art. 82. Logo, nestas ações envolvendo união estável, deve participar o MP, mesmo não havendo menores ou incapazes.


5) Questões Finais

5.1) Indenização por Serviços Domésticos

Não há esse direito na união estável, pois a lei já prevê o direito a alimentos. Há uma posição minoritária afirmando que existe este direito quando não houverem bens comuns a serem partilhados, com base na proibição do enriquecimento sem causa (MBD). 


5.2) Partilha dos Bens

Pode ser pleiteada em vida na ação de dissolução de união estável. Tem direito à metade dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável, independentemente de esforço comum. Não tem direitos anteriores à união estável. 

Pessoa casada, mas separada de fato, que constitui nova união estável, uma corrente minoritária afirma que a meação é do cônjuge, pois a separação de fato não dissolve a sociedade conjugal. Prevalece, porém, uma corrente que afirma que a nomeação dos bens anteriores à separação de fato é do cônjuge, mas a meação adquirida durante a união estável é do companheiro. Aplica-se, por analogia, o art. 1.683, que cuida do regime de participação final dos aquestos. A partir da separação de fato, os bens não mais se comunicam. 

A partilha no concubinato adulterino ou incestuoso também tem entendimentos diversos. A corrente minoritária afirma que nada se partilha, pois relacionamentos ilícitos não geram efeitos jurídicos. A dominante, porém, afirma que deve-se partilhar apenas os aquestos, que são os bens adquiridos pelo esforço econômico comum, também fundamentado na proibição do enriquecimento sem causa. Porém, não há meação, e a partilha não é pro-rata (por igual), mas sim na medida da contribuição para aquisição do bem. 


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