quinta-feira, 19 de junho de 2014

08 - Crimes contra a Administração Pública - Crimes Funcionais - Peculato

Peculato - art. 312 e 313
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.
§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.
Peculato culposo
§ 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
§ 3º - No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

O CP prevê quatro espécies de peculato.


1) Peculato-apropriação - art. 312 caput (1ª parte)

O peculato apropriação e o peculato-desvio também são chamados de peculato próprio.


1.2) Sujeito Ativo

Funcionário, com possibilidade de concurso do particular.

O prefeito autor de peculato não responde por este crime, mas pelo crime do Decreto-Lei nº 201/67, art. 1º, I.


1.2) Sujeito Passivo

É o Estado e eventual particular, proprietário de bem apropriado ou desviado.

Embora não sejam entidades públicas, os sindicatos podem ser vítimas de peculato, pois a CLT, art. 552, equipara a peculato os crimes contra o patrimônio dos sindicatos. Assim, por exemplo, se um dirigente sindical se apropria de bem do sindicato, responde por peculato, e não por apropriação indébita.

1.3) Tipo Objetivo

No peculato-apropriação, a conduta é apropriar-se. Trata-se de uma apropriação indébita, praticada pelo funcionário, valendo-se do cargo, de bem da Administração ou sob a guarda desta.

É preciso que o funcionário, inicialmente, tenha a posse lícita da coisa em razão do cargo, e dela venha a se apropriar, ou seja, praticar atos de exposição da coisa, próprios de quem é dono: vender, dar, consumir, etc. 

Portanto, se não houve posse inicial lícita, o crime será outro, como peculato-furto, estelionato, extorsão, etc.

1.4) Objeto Material

Tanto no peculato-apropriação quanto no peculato-desvio, o objeto material pode ser dinheiro (moeda corrente nacional ou estrangeira), valor (documento representativo de dinheiro ou de mercadoria, como títulos de crédito, ações, apólices, etc.) ou qualquer outro bem móvel. 

O bem móvel pode ser público ou particular sob guarda da Administração (ex.: o agente penitenciário se apropria de bens do preso; o Delegado se apropria do automóvel apreendido na delegacia, etc.). O peculato de bem particular é chamado de malversação.


1.5) Elemento Subjetivo

É o dolo. No peculato-apropriação, o dolo inclui o animus rem sibi habendi (vontade de ter a coisa definitivamente para si, ou seja, não há intenção de restituir).

Quando o autor do peculato de uso é prefeito, sua conduta é típica, pois está prevista no Decreto-lei nº 201/67, art. 1º, II (ainda que se trate de uso momentâneo de bem infungível).


1.6) Consumação

No peculato-apropriação, o crime se consuma quando o agente passa a se comportar como dono da coisa, praticando algum ato de disposição: alienar, vender, dar, etc.


2) Peculato-desvio - art. 312 caput (parte final)

O peculato-apropriação e o peculato-desvio também são chamados de peculato próprio.

Ao peculato-desvio aplicam-se os entendimentos estudados para o peculato-apropriação.

No peculato-desvio, a conduta é desviar, que significa empregar a coisa com uma finalidade diversa de sua destinação própria, em proveito próprio ou de outrem (ex.: empréstimo particular de dinheiro público, para ficar com os juros; aplicação em banco de dinheiro público, etc.). Se o desvio se der em favor da própria Administração, ele não configurará este crime, podendo tipificar aquele do art. 315 (emprego irregular de rendas ou verbas públicas).

No peculato-desvio há animus restituendi, (o agente dá finalidade diversa da própria à coisa, mas pretende restituí-la depois disso). O dolo é específico de obter proveito próprio ou de outrem. Esse proveito pode ser material, ou mesmo moral (ex.: funcionário empresta dinheiro público a uma pessoa influente para conquistar a sua amizade).

Questão do peculato-desvio de uso: trata-se da hipótese em que o funcionário utiliza indevidamente o bem de forma momentânea e prontamente o restitui. A jurisprudência tem entendido que se este bem for infungível e o uso for apenas momentâneo, a conduta é atípica (ex.: funcionário usa uma impressora da Administração para realizar um trabalho escolar; Juiz usa carro oficial para levar filho à escola em uma oportunidade). Se o bem for fungível, haverá crime. Nos exemplos dado, o agente poderia responder pela tinta da impressora ou pelo combustível do veículo; entretanto, se os restituir, não haverá crime. Portanto, se o bem for fungível, haverá sempre crime. Se o bem for infungível, só haverá crime se o uso for duradouro e não meramente passageiro.

No peculato-desvio, o crime se consuma quando o funcionário dá à coisa destinação diversa da adequada. Neste caso, o crime é formal, pois sua consumação independe da obtenção da vantagem pretendida. Assim, por exemplo, se o funcionário empresta dinheiro público objetivando ficar com os juros, o crime estará consumado, ainda que haja um "calote".

Ambas as formas admitem a tentativa (ex.: funcionário anuncia a coisa para vender, mas não consegue; oferece o dinheiro público a empréstimo, mas ninguém aceita, etc.).


3) Peculato-furto - art. 312, §1º

O peculato-furto também é chamado de peculato impróprio.

O tipo penal pune duas condutas: subtrair ou concorrer para a subtração por terceiro. Diferentemente do peculato-apropriação ou desvio, no peculato-furto o funcionário não tem a posse da coisa. 

Na forma "subtrair", ele, valendo-se de facilidade que lhe dá o cargo, a subtrai (ex.: porteiro da repartição entra a noite e subtrai um computador; o policial subtrai os pneus de carro apreendido, etc.). Se o funcionário não se valer de uma facilidade proporcionada pelo cargo, responderá por furto (ex.: arromba a porta da repartição e subtrai computador).

Na modalidade "concorrer para que seja subtraído", o funcionário se aproveita da função para permitir, dolosamente, que um terceiro faça a subtração (ex.: o funcionário que é caixa do Banco do Brasil distrai um colega para que um amigo dele subtraia dinheiro do caixa; ele dolosamente deixa a porta do cofre aberta para que o amigo subtraia dinheiro, etc.). Nessa hipótese, o funcionário e o amigo responderão por peculato-furto (intraneus e extraneus). O funcionário será autor, e não partícipe, pois a conduta "concorrer" integra o tipo penal.

O objeto material, nas duas hipóteses, é o mesmo do peculato próprio. 

A consumação, tal como no furto, ocorre quando o agente tem a posse da coisa. Admite-se tentativa, e a jurisprudência dominante afirma que não se exige a posse mansa, tranquila e desvigiada.


4) Peculato culposo - art. 312, §2º

Neste crime, o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem (ex.: por negligência, o funcionário deixa de trancar a repartição, e alguém se aproveita disso para subtrair algo; um superior, por negligência, não exige contas de um subalterno, fato que dá ensejo a que este se aproprie de bens de que tenha a posse em razão do cargo).

Para que se caracterize este crime, devem estar presentes dois requisitos: 

a) Conduta culposa do funcionário

b) Crime doloso de terceiro, aproveitando-se da facilidade proporcionada pela conduta do funcionário. 

Não há concurso de agentes, pois não há acordo de vontades. Não existe participação culposa em crime doloso. O terceiro responderá pelo crime doloso que vier a cometer.

Discute-se se o crime do terceiro pode ser qualquer crime ou se deve ser peculato doloso. Uma primeira corrente sustenta que, não havendo restrição no tipo penal, haverá peculato culposo qualquer que seja o crime do terceiro (ex.: furto, roubo, etc.). No entanto, prevalece que este §2º deve ser interpretado em consonância com o caput e o §1º. Quando ele se refere ao "crime de outrem", ele está se referindo apenas aos crimes do caput e do §1º. Assim, o funcionário só responderá por peculato culposo se ele concorrer para o peculato doloso de outrem (ex.: esquece de fechar o cofre, dando ensejo a que outro funcionário subtraia o dinheiro). Para essa corrente, se o crime do terceiro for outro, a conduta do funcionário será atípica.


5) Reparação do Dano no Crime de Peculato

No peculato culposo, a reparação do dano (devolução da coisa ou ressarcimento integral do prejuízo), se ocorrer anteriormente à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade - art. 312, §3º.

No peculato doloso, aplica-se o CP, art. 16: a reparação do dano por ato voluntário do agente, se for anterior ao recebimento da denúncia, reduz a pena de 1/3 a 2/3.


6) Peculato Mediante Erro de Outrem - art. 313

Também conhecido como "peculato-estelionato", embora a ação seja mais semelhante ao crime do art. 169, 1ª parte (apropriação de coisa havida por erro).

O crime consiste em o funcionário apropriar-se de coisa que recebeu em decorrência de um erro de outrem, antes que ela ingresse no patrimônio público.


6.1) Tipo Objetivo

O núcleo é apropriar-se, tal como no peculato-apropriação. No entanto, nesta figura, o funcionário obtém a posse da coisa por erro de outrem: após recebê-la, ele se apercebe do erro e resolve apropriar-se.

O erro do terceiro que entrega a coisa pode ser sobre:

a) A coisa que é entregue: ele entrega uma coisa no lugar de outra (ex.: Oficial de Justiça vai apreender um fusca e a pessoa lhe entrega um Mercedes);

b) A pessoa a quem a coisa deve ser entregue (ex.: deveria entregar ao funcionário Pedro, mas entrega ao funcionário Paulo);

c) A obrigação a que deu causa à entrega (ex.: o particular supõe que um serviço é pago quando era gratuito e dá o dinheiro ao funcionário);

d) A quantidade da coisa (ex.: o particular supunha que a taxa devida era de R$100, e paga, quando a taxa era de R$50, apropriando-se o funcionário da diferença).

Trata-se de erro espontâneo, ou seja, não induzido pelo funcionário. Se o funcionário induz, o crime será estelionato. O funcionário recebe a coisa no exercício do cargo e em razão dele. Se a entrega não tiver relação com a função, o agente responderá pelo crime do art. 169, 1ª parte.

O objeto material pode ser dinheiro ou qualquer utilidade. Dinheiro é moeda corrente, nacional ou estrangeira. Utilidade é qualquer bem móvel.


6.2) Elemento Subjetivo

É o dolo de apropriar-se definitivamente da coisa. Esse dolo é posterior à posse: após ter recebido a coisa, o funcionário percebe o erro e resolve se apropriar. Se o seu dolo for anterior à posse, ele responderá por estelionato.


6.3) Consumação

Tal como no peculato apropriação, o crime se consuma quando o funcionário, apercebendo-se do erro, pratica atos próprios de dono da coisa.

Admite-se a tentativa, tal como no peculato apropriação.


6.4) Distinção

Se a coisa antes de chegar à posse do funcionário estava integrada ao patrimônio público, vindo depois à sua posse, e ele dela se apropriando, ele responderá por peculato-apropriação. No peculato-estelionato, ele recebe a coisa por erro e não a integra ao patrimônio público, apropriando-se antes disso. 

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