quarta-feira, 11 de junho de 2014

07 - Crimes contra a Administração Pública - Crimes Funcionais


Crimes contra a Administração Pública - Código Penal, art. 312 a 359-H

A Parte Especial do Código Penal é dividida em 11 Títulos, e cada Título é dividido em Capítulos.

O último Título (XI) cuida dos Crimes contra a Administração Pública, assim distribuídos: 
Cap. I: Crimes praticados por Funcionário Público - art. 312 a 327
Cap. II: Crimes praticados por particular contra a Administração Geral - art. 328 a 337-A
Cap. II-A: Crimes praticados por particular contra a Administração Pública Estrangeira: art. 337-B a 337-D
Cap. III: Crimes praticados contra a Administração da Justiça: art. 338 a 359
Cap. IV: Crimes contra as Finanças Pública: art. 359-A a 359-H

A Administração Pública no Direito Penal tem um conceito mais amplo do que no Direito Administrativo, alcançando todas as esferas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em suas funções típicas de administrar, legislar e julgar (ex.: Juiz que recebe propina pratica crime contra a Administração Pública - corrupção ativa).

As decisões administrativas não fazem coisa julgada. Logo, a aprovação de contas pelo Tribunal de Contas não impede a condenação penal.

As decisões judiciais penais não fazem coisa julgada a respeito de fato, o qual eventualmente pode não ter se enquadrado no tipo penal, mas pode se enquadrar em ilícito administrativo, sem prejuízo. O ilícito administrativo é mais amplo, já que a matéria penal tem caráter residual. 

Porém, e por sucedâneo lógico, a decisão judicial (cível ou penal) que negue o fato ou sua autoria, obsta a condenação administrativa (já que esta pode sempre ser submetida ao judiciário, o qual já concluiu sobre tais aspectos).

O CP, art. 33, §4º, prevê que a progressão de regime nos crimes contra a Administração Pública exige, além do cumprimento de 1/6 da pena, a restituição do bem ou reparação do dano.


Crimes Funcionais (delicta in officio) - Cap. I

São aqueles em que o tipo penal exige que o autor seja funcionário público, previstos também em outros tipos penais, como os art. 299, parágrafo único, e 150, §2º (e outros).

Haverá aumento de pena de 1/3 quando os autores ocupantes de cargo em comissão ou função de direção ou assessoramento em órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. 


1) Classificação

Os crimes funcionais podem ser próprios ou impróprios:
a) Próprios (ou puros, ou absolutos): o fato só é incriminado no âmbito da administração pública, de modo que se o autor não for funcionário público, o fato é atípico (ex.: receber gorjeta - só é crime se o recebedor for Funcionário Público (corrupção passiva). O particular pode receber gorjeta, sendo fato atípico).

b) Impróprios (ou impuros, ou relativos): o fato também é incriminado fora da administração pública, de modo que se o autor não for Funcionário Público, estar-se-á diante de outro crime.
Ex.: apropriar-se ou subtrair bem móvel. Se for Funcionário Público é peculato; se for particular é apropriação indébita ou furto.


2) Procedimento Especial

Todos os crimes funcionais são afiançáveis, e obedecerão a um procedimento especial: antes de receber a denúncia, o Funcionário Público é citado para apresentar defesa preliminar no prazo de 15 dias (CPP, art. 513 e ss.).

Caso, porém, o Juiz se esqueça do procedimento, se houve inquérito, o processo não será arquivado; porém, se houve apenas processo administrativo, anula-se o processo judicial:
Sum. 330-STJ: É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito policial.

3) Efeitos da Sentença Penal Condenatória

A sentença penal que condena o Funcionário Público não gera a perda automática do cargo ou função pública. Para gerar tal efeito, é preciso menção específica na sentença/Acórdão. 
Essa perda do cargo só é possível nos crimes funcionais cuja condenação seja igual ou superior a 1 ano. 
Nos crimes não funcionais (ex.: estupro) este efeito é possível nas condenações superiores a 4 anos.
Em ambas hipóteses, a perda do cargo não é automática, devendo o Juiz fundamentá-la.
CP, art. 92 - São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
...
Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Qualquer condenação, ainda que de multa ou contravenção, suspende automaticamente os direitos políticos e não depende de menção expressa na sentença:
CF/88, art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
...
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
A Súmula 9-TSE prevê que a suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou de prova de reparação dos danos.

Por esta Súmula, ficava claro que com o cumprimento ou extinção da pena, o detentor de cargo político poderia retomá-lo. Naturalmente que tal condenação poderia ser apreciada pelo Congresso para condução de um processo de perda de mandato, tal como expresso no art. 55:
CF/88, art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
...
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
...
§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Porém, no julgamento da AP 470 (Mensalão), o STF impôs a perda dos mandatos dos condenados independente do julgamento de seus pares. Isto ofereceu algum nível de abalo entre os Poderes, mas a justificativa do STF foi no sentido de que esta previsão de submeter a perda do carto à casa do Congresso somente se aplica nos casos de crimes que não sejam funcionais.

Assim, nos crimes funcionais, como foi o caso do Mensalão, a perda do mandato tão somente depende do que prevê o art. 92 do CP.

A Súmula 9-TSE fica tacitamente revogada (esperar pra conferir o julgado, talvez cancelaram expressamente).


4) Concurso de Pessoas nos Crimes Funcionais

O direito penal brasileiro, no concurso de pessoas, adota a teoria monista (ou unitária): os coautores e partícipes dos crimes funcionais respondem pelo mesmo crime (CP, art. 29 e ss).
Em regra, não se pode enquadrar corréus do mesmo fato em crimes diferentes (tem que enquadrá-los no mesmo artigo).
Ex.: Funcionário Público com particular subtrai bens da repartição pública. Ambos respondem por peculato.
Sabe-se que os crimes comuns são praticados por qualquer pessoa, diferentemente dos crimes próprios/especiais, em que a lei prevê sua prática por pessoas específicas, como no caso do infanticídio (o autor só pode ser a mãe).

Os crimes próprios são compatíveis com o concurso de pessoas, em que os terceiros respondem também pelos crimes próprios, na condição de coautor ou partícipe, em razão dessa teoria monista (no caso do infanticídio, é coautor ou partícipe quem colabora).

Pois bem. Todo crime funcional é próprio, pois prevê conduta praticada por funcionário público. Quem não sendo funcionário público, participa ou pratica um dos crimes no âmbito da administração pública, estando em coautoria ou participação com funcionário público, pratica crime funcional (mesmo que haja previsão do crime fora da administração - isto é, os impróprios).
Ex.: peculato (o coautor ou partícipe, não sendo funcionário público, tendo praticado a apropriação indébita no âmbito da administração, não terá seu crime reenquadrado para um crime não funcional)

- Autor: executa o crime
- Coautor: duas ou mais pessoas que executam o crime
- Partícipe: concorre de forma acessória, sem executar o crime (ex.: instiga)
- Intraneus (latim, singular): autor ou partícipe de crime próprio (ex.: funcionário público)
- Intranei (latim, plural)
- Extraeus (latim, singular): terceiro que atua em crime próprio (ex.: particular que colabora com funcionário público em crime)
- Extranei (latim, plural)


5) Funcionário Público

Conforme previsão do art. 327 do CP, para fins penais, considera-se Funcionário Público quem exerce cargo, emprego ou função pública na Administração Direta ou Indireta, de forma permanente ou transitória, com ou sem remuneração (jurado).

No Direito Administrativo, funcionário público é apenas quem exerce cargo público na Administração Direta (na Indireta é empregado público).

O conceito penal é, portanto, mais amplo, abrangendo o cargo público (da Adm. Direta, criado por Lei com número e nome certos) e o emprego público (da Adm. Indireta), além de todos que realizam função pública (toda e qualquer atividade que realiza fins próprios do Estado, como cargos políticos, comissionados, estagiários, tanto dos Poderes quanto da Adm. Indireta e órgãos como MP e Defensoria).

- Munus público: (para fins penais) é o encargo para administrar interesses preponderantemente particulares, não sendo considerado Funcionário Público para fins penais o tutor, o curador, o inventariante, o administrador judicial, o depositário judicial, etc., os quais não praticam crimes funcionais.

Na função pública, o interesse preponderante é o do Poder Público.
Ex.: o advogado dativo e o médico do SUS que recebem gorjeta praticam corrupção passiva, pois trata-se de exercício de função pública (STJ).

Discute-se se este conselho amplo do art. 327 também se aplica quando o funcionário é vítima de crimes. Segundo entendimento majoritário, inclusive do STF e STJ, o conceito é válido também para o funcionário vítima. Assim, por exemplo, a ofensa contra quem tem mera função pública em razão da função configura desacato. A injúria proferida contra um gari, por exemplo, é desacato.


6) Funcionário Público por equiparação legal - CP, art. 327, §1º:

a) Funcionário de Paraestatal (Pessoa Jurídica de Direito Privado da qual o Poder participa. Ex.: Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista, Fundações Públicas e para Hely Lopes Meireles os empregados dos serviços sociais autônomos como SESC, SESI, SENAI, SENAC;

b) Funcionário de Empresa Privada contratada ou conveniada com a Administração Pública para prestar serviços públicos típicos (concessionárias, permissionárias, autorizatárias).

Obs.: os Funcionários de Autarquias e Agências Reguladoras exercem função pública, enquadrando-se no caput do art. 377 do CP. Porém, ficaram de fora do caso de aumento de 1/3 da pena previsto no §2º, cujo rol taxativo (tipicidade fechada) menciona ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público

CP, art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.
§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.


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