domingo, 29 de junho de 2014

11 - Crimes contra a Administração Pública - Praticados por Particular - Resistência, Desobediência e Desacato


A Parte Especial do Código Penal é dividida em 11 Títulos, e cada Título é dividido em Capítulos.

O último Título (XI) cuida dos Crimes contra a Administração Pública, assim distribuídos: 
Cap. II: Crimes praticados por particular contra a Administração Geral - art. 328 a 337-A
Cap. II-A: Crimes praticados por particular contra a Administração Pública Estrangeira: art. 337-B a 337-D
Cap. III: Crimes praticados contra a Administração da Justiça: art. 338 a 359
Cap. IV: Crimes contra as Finanças Pública: art. 359-A a 359-H


Crimes Praticados por Particular contra a Administração Geral - Cap. II


1) Resistência - CP, art. 329

Trata-se de crime praticado por particular contra a Administração. São crimes comuns, pois qualquer do povo pode cometê-los. Discute-se se o funcionário público, no exercício da função, pode ser autor de crime praticado por particular contra a Administração. A corrente minoritária sustenta que não, pois o Título deste Capítulo indica que só o particular pode cometer esses crimes. A corrente majoritária, porém, sustenta que o funcionário, mesmo que no exercício da função, quando pratica estes crimes, se equipara ao particular, respondendo por eles.

Na resistência, o agente, mediante violência ou grave ameaça ao funcionário ou ao particular que o auxilia, se opõe à execução de um ato legal.


1.2) Sujeito Ativo

Qualquer pessoa. 

Prevalece que o funcionário público no exercício da função pode ser autor do crime quando resiste a outro funcionário.


1.3) Sujeito Passivo

A Administração e a pessoa que sofre a violência ou grave ameaça, ou seja, o funcionário ou o particular que o auxilia. É preciso que o funcionário seja competente para a realização do ato e esteja no exercício da função. Do contrário, poderá haver crime de ameaça, lesão corporal, etc. (ex.: funcionário de folga, de férias, etc.).

O particular que prende legalmente em flagrante não se torna, por isso, funcionário. A resistência contra ele não configura, portanto, este crime, podendo configurar lesão corporal, ameaça, etc. 

Se o policial prender em flagrante, a resistência contra ele configura este crime, pois ele é competente e está no exercício da função.

O particular só poderá ser vítima deste crime quando estiver auxiliando o funcionário público competente e no exercício da função (ex.: durante a execução de um despejo pelo Oficial de Justiça, o ajudante de mudança sofre violência).


1.4) Tipo Objetivo

A conduta é opor-se, ou seja, tentar impedir, criar obstáculos mediante violência ou grave ameaça contra o funcionário ou quem o auxilia. A resistência, para configurar o crime, deve ser ativa, e não meramente passiva. Assim, fugir ou agarrar-se a uma árvore para não ser preso, ou recusar-se a abrir a porta para impedir uma busca e apreensão, pode configurar desobediência, mas não resistência.

O ato do funcionário deve ser legal. A resistência proporcionada em face da realização de um ato ilegal é lícita. A legalidade do ato deve ser substancial e formal. 

a) Legalidade substancial é aquela que diz respeito ao conteúdo do ato e à competência de quem o determinou e o executa;

b) Legalidade formal é aquela da execução do ato (ex.: em prisão preventiva, esta será legal se i) houver ordem de Juiz competente, ii) execução por agente com atribuição para tal, iii) execução seja realizada sem violação da lei - sem agressão desnecessária, imposição desnecessária de algemas, etc.)

Portanto, não é crime resistir moderadamente à execução de ato de funcionário incompetente, de conteúdo ilegal, ou praticado mediante violência desnecessária.


1.5) Tipo Subjetivo

É o dolo de se opor à execução do ato com consciência da antijuridicidade da conduta, ou seja, com conhecimento de que o ato é legal.

Se o agente, de boa-fé, acredita que o ato é ilegal, não há dolo, pois incide a descriminante putativa de exercício regular de direito.

Discute-se se a embriaguez afasta o dolo da resistência. Uma corrente sustenta que, como nos crimes em geral, a embriaguez voluntária não afasta o dolo (art. 28, II). Outra corrente sustenta que se a embriaguez for completa, o dolo está afastado. A jurisprudência também é dividida.


1.6) Consumação

Trata-se de crime formal, pois se consuma com o emprego da violência ou ameaça, ainda que o ato da autoridade se realize. A tentativa é admissível (ex.: o sujeito tenta agredir o funcionário, mas é impedido; o agente manda uma carta ameaçando o funcionário, mas esta é interceptada).


1.7) Forma Qualificada

Ocorre quando o funcionário é vencido pela resistência, e deixa de praticar o ato em razão dela.


1.8) Distinção

A desobediência sem a violência ou a ameaça configura o crime de desobediência - art. 330.

Meras ofensas ao funcionário por palavras ou gestos sem violência ou grave ameaça configuram desacato - art. 331.


1.9) Concurso de Crimes

Ao prever as penas para a resistência, o art. 329, §2º, determina que elas são aplicáveis sem prejuízo das penas correspondentes à violência. Portanto, haverá concurso material (somam-se as penas) entre resistência e vias de fato, lesão corporal ou homicídio.

Por outro lado, o crime de resistência absorve o crime de ameaça.

A resistência a mais de um funcionário, num mesmo contexto, configura crime único, pois a Administração, que é a vítima principal, é atingida apenas uma vez. 

Concurso entre crime praticado mediante violência e resistência posterior para evitar a prisão (ex.: roubo e resistência). Se o crime anterior ainda não estava consumado, no momento em que o agente é surpreendido, a resistência mediante violência para evitar a prisão constitui mero desdobramento da violência do crime anterior, não configurando crime autônomo de resistência (ex.: os ladrões ingressam em residência para roubar e são ali surpreendidos pela polícia, antes de qualquer subtração, disparando contra os policiais). Eles respondem apenas pelo roubo.

Se o crime anterior já estava consumado, a violência empregada contra policiais para evitar a prisão em flagrante configura resistência (ex.: os ladrões deixam a casa já na posse dos objetos roubados e são surpreendidos na rua pela polícia, disparando contra os policiais). Eles responderão, em concurso material, por resistência e roubo circunstanciado. Obs.:
CP, art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
...
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
...
§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.


2) Desobediência - art. 330

O crime consiste em desobedecer a ordem legal de funcionário público.


2.1) Sujeito Ativo

Qualquer pessoa. Há discussão se funcionário no exercício da função pode ser autor deste crime. Prevalece o entendimento, neste caso, de que não. O funcionário só pode cometer desobediência se não estiver no exercício da função. Se estiver, o não cumprimento da ordem poderá configurar prevaricação, quando decorrer de pretensão de satisfazer sentimento ou interesse pessoal (trata-se de crime próprio).


2.2) Sujeito Passivo

A Administração e também o funcionário desobedecido. 


2.3) Tipo Objetivo

A conduta é desobedecer, que significa não cumprir, não acatar, etc.

A conduta pode ser comissiva ou omissiva. Ela será comissiva quando a ordem do funcionário impuser uma omissão (ex.: o funcionário embarga uma obra mas o proprietário prossegue na construção).

A conduta será omissiva quando a ordem impuser uma ação (ex.: recebida a ordem de entregar um objeto, o sujeito deixa de fazê-lo).

A ordem deve ser legal no seu conteúdo e na sua forma. Deve ser proferida por funcionário competente e no exercício da função. 

O destinatário da ordem deve ter o dever jurídico de, em face dela, agir ou omitir-se. Do contrário, não está obrigado a cumpri-la. 

Legalidade não se confunde com justiça ou conveniência. O particular pode deixar de cumprir ordem ilegal, mas não pode deixar de cumprir ordem por reputa-la injusta, inconveniente, etc. O destinatário da ordem deve ter o dever jurídico de agir ou de omitir-se, pois ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. A ordem deve ser transmitida diretamente para seu destinatário. Uma intimação ou ordem feita a terceiros, indiretamente, não obriga o destinatário.

É pacífico na jurisprudência que se já existe alguma penalidade, de qualquer natureza (civil, administrativa, etc.) para o descumprimento da ordem, este não configurará o crime de desobediência, salvo se a mesma norma que criou aquela penalidade ressalvar que esta se aplica sem prejuízo do crime de desobediência (ex.: CPP, art. 119, que impõe à testemunha faltosa a multa do art. 453, sem prejuízo do processo por desobediência).

A fuga a prisão não configura crime de desobediência.


2.4) Tipo Subjetivo

É o dolo genérico, o qual inclui a ciência da ordem e a vontade de desobedecer. Prevalece o entendimento de que a embriaguez completa afasta o dolo.


2.5) Consumação

Na forma comissiva, o crime se consuma com a prática do ato proibido, havendo tentativa se, iniciada a execução, o ato não se consumar por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Na forma omissiva, o crime se consuma, se houver prazo, com seu término. Se não houver, o crime se consuma com o decurso de tempo relevante, que deixe claro o propósito de não obedecer. A forma omissiva não admite tentativa.


3) Desacato - art. 331

Consiste em desacatar funcionário público no exercício da função ou fora da função, mas em razão dela.

3.1) Sujeito Ativo

Qualquer pessoa.

Discute-se se o funcionário no exercício da função pode ser autor de desacato contra outro funcionário. Há três posições:

a) Não há desacato, pois este é um crime praticado por particular, e não por funcionário contra a Administração;

b) Somente haverá desacato se o funcionário ofendido for superior hierárquico do funcionário ofensor. Para essa corrente, não há desacato de superior contra inferior, nem entre funcionários de mesma hierarquia;

c) Pode haver desacato de um funcionário contra outro, qualquer que seja a hierarquia, pois ao desacatar outro funcionário, o agente se despe dessa qualidade, agindo como qualquer pessoa. Esta é a posição que prevalece, mas não de forma pacífica.

O advogado, mesmo no exercício de sua atividade, será autor de desacato quando praticar a conduta. Originalmente, o Estatuto da OAB, art. 7º, §2º, ao prever a imunidade do advogado, dispunha que qualquer manifestação sua no exercício de sua atividade não configuraria injúria, difamação ou desacato. No entanto, o STF, julgando a ADI nº 1127, excluiu a expressão "ou desacato".


3.2) Sujeito Passivo

É o Estado e, secundariamente, o funcionário ofendido.


3.3) Tipo Objetivo

A conduta é desacatar, que significa ofender, humilhar, menosprezar, etc. O modo de execução é livre, pois o crime pode ser praticado por palavras, gestos (ex.: amassar mandado do Oficial de Justiça), escritos (ex.: apresentar uma faixa ao funcionário ofendendo-o), ou violência (ex.: dar um tapa ou cuspir no funcionário, etc.).

Não importa se o funcionário se sente ou não ofendido, pois o crime é primordialmente contra a Administração Pública.

Em qualquer hipótese, a configuração do crime exige a presença física do funcionário. Caso este não esteja presente, haverá crime contra a honra.

O desacato pode ocorrer em duas hipóteses:

a) Ofensa contra o funcionário durante o exercício da função, caso em que haverá crime, tenha ou não o conteúdo da ofensa, relação com a função (ex.: o agente xinga a mãe do policial que o está multando);

b) Ofensa contra funcionário que não está exercendo a função, caso em que só haverá desacato se a ofensa disser respeito à função (ex.: o agente encontra fora de serviço o policial que o multou, e diz: policial canalha!). Nesse caso, se a ofensa não for relacionada à função, o crime será de injúria.


3.4) Elemento Subjetivo

É o dolo de ofender o funcionário no exercício da função ou em razão dela. Discute-se se a embriaguez afasta este dolo. Há três correntes:

a) Como ocorre nos crimes em geral, a embriaguez voluntária ou culposa não afasta o dolo. É a posição majoritária;

b) O crime exige ânimo refletido, o que é incompatível com a embriaguez. Esta, portanto, afasta o dolo;

c) Se a embriaguez for completa, o dolo estará afastado; do contrário, haverá crime.

Na ofensa proferida como retorção a uma ofensa anterior do funcionário, prevalece o entendimento de que o funcionário ofensor se despe desta qualidade, praticando crime de injúria. A retorção, portanto, não configura desacato, mas sim injúria, a qual, neste caso, admite perdão judicial.


3.5) Consumação

O crime se consuma com a prática da ofensa na presença do funcionário, não se admitindo a tentativa. Uma corrente, porém, sustenta o cabimento da tentativa em determinadas hipóteses, quando a conduta é plurisubsistente (desdobra-se em mais de um ato) (ex.: o agente prepara uma faixa com a ofensa, pretendendo exibi-la ao funcionário, mas é impedido de entrar na repartição). A retratação ou o pedido de desculpas ao funcionário não afastam o crime.


3.6) Concurso de Crimes

O desacato absorve os crimes de ameaça, injúria e lesões leves, bem como a contravenção de vias de fato. Se o desacato consistir em lesão grave, calúnia ou difamação, haverá concurso formal entre estes crimes e desacato.

Se o agente, além de desacatar o funcionário, praticar resistência ou desobediência, haverá concurso material estre estes crimes e desacato.

O desacato contra vários funcionários presentes em um mesmo contexto configura crime único, pois a administração é atingida apenas uma vez.

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