terça-feira, 24 de junho de 2014

10 - Crimes contra a Administração Pública - Crimes Funcionais - Corrupção Ativa e Prevaricação


1) Corrupção Passiva - CP, art. 317

Neste crime, o funcionário ou quem está prestes a sê-lo, se vende, solicitando, recebendo ou aceitando promessa de vantagem indevida. 


1.1) Sujeito Ativo

Funcionário ou quem está prestes a se tornar, como na concussão.


1.3) Tipo Objetivo

As condutas são três:

a) Solicitar: é pedir, manifestar o desejo de receber, sem incutir temor;

b) Receber: é entrar na posse, aceitar a entrega por outrem, de algo que não foi solicitado. Na forma "receber", a iniciativa é do terceiro, e o funcionário aceitou;

c) Aceitar promessa: o terceiro toma a iniciativa de prometer uma vantagem futura, e o funcionário consente, concorda com a proposta.

O tipo é misto alternativo. Portanto, por exemplo, se o funcionário aceitar promessa e receber responderá por um só crime.

A vantagem deve ser indevida, ou seja, ilícita ou ilegal. Tal como na concussão, discute-se se ela deve ou não ter natureza econômica, prevalecendo o entendimento de que pode ter qualquer natureza.

A vantagem é uma troca: funcionário a recebe, aceita promessa ou solicita, em troca de uma conduta sua (ação ou omissão) em favor de terceiro. Trata-se de um pagamento em troca de uma contraprestação do funcionário, havendo uma relação de causa e efeito entre a vantagem indevida e a conduta do funcionário (ex.: em razão de ter recebido uma vantagem, o agente de trânsito deixa de multar o motorista).

Por isso, meros presentes dados ao funcionário, como brindes de fim-de-ano, desde que não correspondam a uma contraprestação por parte dele, não configuram corrupção passiva. 

O ato ou a omissão do funcionário, segundo o STF, deve estar inserido em sua competência ou atribuição. Deve tratar-se de um ato de ofício. Portanto, não haverá corrupção passiva, por exemplo, se o Escrivão receber propina para indiciar alguém ou deixar de fazê-lo, pois indiciamento não lhe compete.

Quantias recebidas a título de reembolso de despesas não configuram corrupção passiva, salvo se excederem o valor da despesa com o objetivo de obter um favorecimento do funcionário (ex.: se o Oficial de Justiça solicitar do autor da ação uma verba exclusivamente pra transporte, sua conduta é atípica. No entanto, se solicitar uma quantia que excede este valor prometendo agilizar a citação, o crime estará configurado).


1.4) Bilateralidade entre Corrupção Passiva (art. 317) e Corrupção Ativa (art. 333)

a) Na Passiva:
  • Condutas: solicitar, receber e aceitar promessa;

b) Ativa:
  • Condutas: oferecer e prometer (o "dar" não é tipificado);

Portanto, haverá bilateralidade (o particular reponderá por corrupção ativa e o funcionário por corrupção passiva) nas seguintes hipóteses:

a) Quando o particular oferecer e o funcionário receber a vantagem;

b) Quando o particular prometer e o funcionário aceitar a promessa da vantagem.

Se o funcionário solicitar e o particular der a vantagem, não haverá bilateralidade. O funcionário responderá por corrupção passiva, na forma "solicitar", mas a conduta do particular que entrega a vantagem será atípica, pois o tipo da corrupção ativa não prevê a conduta de dar a vantagem atendendo a solicitação do funcionário.

Só haverá conduta tipificada do particular se ele tomar a iniciativa de corromper o funcionário.
  • Corrupção passiva sem ativa: é possível quando o funcionário solicita a vantagem, havendo ou não a entrega da vantagem;
  • Corrupção ativa sem passiva: é possível quando o particular oferece ou promete a vantagem, e o funcionário recusa;

1.5) Espécies de Corrupção Passiva

a) Própria: o funcionário se vende para violar o seu dever, praticando uma conduta ilícita (ex.: policial recebe vantagem para não prender em flagrante);

b) Imprópria: o funcionário recebe a vantagem para cumprir o seu dever, praticando um ato lícito (ex.: lixeiro recebe vantagem para retirar o lixo);

c) Antecedente: a vantagem é entregue ou prometida em vista de uma conduta futura (ex.: Oficial de Justiça recebe para não vir a citar o réu);

d) Subsequente: a vantagem é uma recompensa por uma conduta já praticada (ex.: após desvendar uma extorsão mediante sequestro, policial aceita recompensa);


1.6) Tipo Subjetivo

É o dolo específico de obter vantagem para si ou para outrem. Não haverá o crime se a vantagem for solicitada para a Administração (ex.: Secretário municipal solicita doações de empresas para que o município realize uma obra).

É indiferente para configuração do crime se o funcionário, ao praticar a conduta, tem ou não a intenção de praticar ou deixar de praticar o ato de ofício. 


1.7) Consumação

Nas modalidades "solicitar" e "aceitar promessa", o crime é formal, consumando-se ainda que o funcionário não venha a receber a vantagem pretendida. Na modalidade "receber", o crime é material, pois se consuma no momento em que a coisa entra na posse do funcionário. 

Em qualquer das modalidades, a tentativa é admissível (ex.: funcionário envia carta solicitando ou aceitando promessa de vantagem, mas esta não chega; ele é surpreendido no momento em que se prepara para receber a vantagem oferecida pelo particular).


1.8) Corrupção Passiva Majorada - §1º

Trata-se de causa de aumento de pena de 1/3 se, em consequência da vantagem ou da promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar o ato de ofício, infringindo o dever funcional. Como vimos, a configuração do crime não depende da prática ou não do ato. No entanto, se em razão da vantagem ou promessa ele efetivamente retarda ou omite o ato, infringindo seu dever, ele sofrerá o aumento de pena.

Trata-se necessariamente de hipótese de corrupção passiva própria (pois o funcionário viola o dever) e antecedente (pois ele recebe antes a vantagem e é em razão dela que ele retarda ou omite o ato).


1.9) Corrupção Passiva Privilegiada - §2º

Cuida-se da hipótese em que o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda o ato de ofício infringindo o dever funcional, não em troca de uma vantagem indevida, mas sim cedendo a um pedido ou influência de outrem. 

Nesta forma do crime, o funcionário não age em seu próprio interesse, mas no interesse alheio, de alguém que lhe pede ou influencia. 


1.10) Distinção entre Corrupção Passiva Privilegiada e Prevaricação

Na corrupção passiva privilegiada existe a intervenção de um terceiro, que pede ou influencia um funcionário (ex.: fiscal de obras deixa de embargar uma construção do Juiz da comarca para não desagradá-lo).

Na prevaricação não há intervenção deste terceiro, agindo o funcionário por sentimento ou interesse pessoal (ex.: fiscal de obras deixa de embargar construção do Magistrado para agradá-lo, a fim de que ele o favoreça em determinada ação).


1.11) Distinção entre Corrupção Passiva e Concussão

Na corrupção passiva, o agente apenas solicita, sem incutir temor na vítima. Na concussão há uma exigência que contém uma ameaça explícita ou implícita, incutindo temor na vítima. 


1.12) Concurso de Crimes

Se o ato de ofício praticado irregularmente pelo funcionário configurar crime (ex.: falsidade ideológica, supressão de documento, etc.), haverá concurso material entre a corrupção passiva e este outro crime.



2) Prevaricação - CP, art. 319

Também chamado de autocorrupção, é o crime em que o funcionário, movido não pelo desejo de vantagem indevida oferecida por terceiro, nem cedendo a pedido ou influência de terceiro, mas sim buscando atender a um sentimento ou interesse pessoal dele, retarda, deixa de praticar ou pratica, contra expressa disposição de lei, o ato de ofício.


2.1) Sujeito Ativo

É o funcionário público no exercício da função, já que neste crime a lei não inclui quem está fora dela. Uma corrente sustenta que se trata de crime de mão própria, pois só o funcionário em pessoa pode ser autor da conduta típica "satisfazer sentimento ou interesse pessoal".

No entanto, a corrente majoritária afirma que o crime é apenas próprio, mas não de mão própria, pois ele admite coautoria e participação (ex.: dois Oficiais de Justiça, tomados de dó pelo inquilino, deixam de realizar o despejo).


2.2) Sujeito Passivo

É a Administração e o particular eventualmente prejudicado. 


2.3) Tipo Objetivo

As condutas são três: 

a) Retardar: significa atrasar, tendo a intenção de praticar o ato (ex.: policial, amigo da pessoa que deve ser presa, retarda o cumprimento do mandado de prisão, pretendendo cumpri-lo mais tarde);

b) Deixar de praticar: é omitir definitivamente o ato, sem ter a intenção de praticá-lo (ex.: policial de trânsito surpreende a namorada cruzando sinal vermelho e não a multa);

c) Praticar contra expressa disposição de lei: trata-se de norma penal em branco, pois exige uma complementação pela lei que é violada. É lei em sentido estrito, não configurando o crime a violação de decreto, regulamento, portaria, etc.

O retardamento e a omissão devem ser indevidos, ou seja, reprováveis, injustificados, imorais, etc. Já na prática do ato, esta deve ser ilegal, ou seja, contra norma expressa de lei. Nas duas primeiras forma, o crime é omissivo próprio; na última ele é comissivo.

O objeto material é o ato de ofício do funcionário, ou seja, aquele que está dentro de suas funções. Pode ser um ato de natureza administrativa, legislativa ou judicial. 


2.4) Tipo Subjetivo

É o dolo específico de satisfazer sentimento ou interesse pessoal. Sem esse dolo, haverá mero ilícito administrativo. 

Interesse pessoal é o intuito de obter proveito (ex.: prefeito realiza uma obra cortando árvores ilegalmente para favorecer o acesso à sua propriedade particular). Entretanto, se o funcionário praticar a conduta objetivo auferir vantagem de um terceiro, praticará corrupção passiva. Se a praticar cedendo a um pedido ou influência de outrem, sua conduta configurará corrupção passiva privilegiada. Na prevaricação por interesse pessoal não há intervenção desse terceiro; não há ajuste entre o funcionário e o particular. 

Sentimento pessoal pode ser amor, ódio, piedade, orgulho, etc. (ex.: Delegado prende ilegalmente em flagrante um inimigo).

A denúncia por crime de prevaricação deve obrigatoriamente explicitar qual é o interesse ou sentimento pessoal do funcionário. 


2.5) Consumação

O crime se consuma, nas formas omissivas, se houver prazo, com o decurso do prazo. Se não houver prazo, o crime se consuma com o decurso de tempo juridicamente relevante que prejudique a eficácia do ato.

Na forma comissiva o crime se consuma com a prática ilegal do ato. 

As formas omissivas não admitem tentativa. Na forma comissiva, a tentativa é possível (ex.: o prefeito dá início a obra ilegal, mas antes de cortar as árvores é impedido de prosseguir).

Em qualquer de suas formas, o crime é formal, pois a consumação independe de que o funcionário consiga satisfazer o seu sentimento ou interesse pessoal.



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