terça-feira, 22 de julho de 2014

08 - Processo de Conhecimento - Procedimento Comum - Rito Ordinário - Fase Postulatória - Coisa Julgada


I - Procedimento Comum Ordinário

1) Fase Postulatória







5) Coisa Julgada

5.1) Introdução

Informações extraídas de estudos doutrinários revelam que sempre houve, em termos de processo, uma questão a ser resolvida, ou seja, a relativa ao momento em que o sistema não conceda mais aos litigantes a possibilidade de prosseguir discutindo as suas posições. Em suma, sempre foi objeto de preocupação a palavra final sobre o litígio e sua eventual impossibilidade de alteração. Essa preocupação é válida e tem haver com a necessidade de se promover, por intermédio da atividade jurisdicional, a pacificação social com segurança. Naturalmente, se as decisões adotadas em face de conflitos não se estabilizassem, a insegurança jurídica tornar-se-ia uma constante indesejável ao bom funcionamento do sistema.

Por isto, processualistas tradicionais sempre apontam que o modelo tomado em consideração pelo atual processo civil nessa matéria foi o do processo civil romano, diante do qual se permitia às partes em litígio o recurso que poderia chegar até o imperador (apelatio), mas que, uma vez decidido, punha ponto final à questão, impedindo sua rediscussão posteriormente. Pode-se dizer, portanto, que a coisa julgada traz em si a ideia da imutabilidade da decisão proferida em Juízo, como consequência jurídica impeditiva de prosseguimento do conflito entre as partes.

Como pondera Didier, coisa julgada é o instrumento pelo qual o sistema visa a assegurar o princípio da segurança jurídica.


5.2) Caráter Constitucional da Coisa Julgada

A coisa julgada tem previsão constitucional no art. 5º, XXXVI, no qual o constituinte proíbe a retroação de qualquer dispositivo legal que possa infirmar o direito adquirido, a coisa julgada ou o ato jurídico perfeito. É nesse dispositivo que se consagra o princípio da segurança jurídica, que visa à estabilização de situações juridicamente já resolvidas. 


5.3) Conceito

Coisa julgada pode ser conceituada como o fenômeno que torna definitivo entre as partes o preceito normativo especial, definido pela sentença judicial sobre a qual não caiba mais recurso. Falando de outro modo, a coisa julgada é representada então pela definitividade do dispositivo da decisão para as partes após o esgotamento das possibilidades de recurso.


5.4) Natureza Jurídica

Discute-se na doutrina se a coisa julgada é um dos efeitos da sentença, se é uma qualidade desses efeitos, ou ainda se haveria uma alternativa às duas posições anteriores. Uma visão tradicional sobre o assunto, com origem na opinião de Pontes de Miranda e Ovídio Baptista, defende que a coisa julgada seja um efeito da decisão que atinge a declaração do direito feita pelo julgador naquela matéria, impedindo sua rediscussão posterior. Note que para estes autores, a coisa julgada é um efeito que se circunscreve à declaração de direito existente no decisum

Uma segunda corrente, fundada na opinião de Enrico Túlio Liebman, segundo por Ada e Dinamarco, pretende que a coisa julgada não seja um efeito da decisão, mas, ao contrário, uma qualidade de seus efeitos que os torna imutáveis. No direito processual contemporâneo, esta é uma posição consagrada e admitida pela grande maioria dos autores. Por óbvio, ela também suscita divergências. Seus críticos, dentre os quais Barbosa Moreira, não admitem que a coisa julgada seja reduzida a uma simples qualidade que torna imutáveis os efeitos, uma vez que seria duvidoso aceitar essa imodificabilidade dos efeitos. Alegam que o efeito de uma decisão condenatória pode ser alterado se o beneficiário não executa-la, fazendo um acordo, por exemplo. A crítica tem por base o fato de que muitos efeitos da sentença são objeto de direitos disponíveis, que podem, de alguma maneira, serem alterados pelas próprias partes. A discussão é acadêmica e interminável.


5.5) Pressupostos da Coisa Julgada

Os pressupostos da coisa julgada são objetivos e de simples compreensão. O primeiro deles é a existência de coisa julgada formal; o segundo é o de que a sentença seja uma sentença de mérito. Esses dois pressupostos são importantes. 
  • Coisa julgada formal: é a hipótese de "preclusão máxima", ou seja, a situação em que não caiba mais qualquer recurso relativo à sentença final proferida nos autos. A coisa julgada formal opera para dentro do processo, obstruindo o caminho das partes quanto à possibilidade de sua rediscussão no mesmo processo;
  • Sentença de mérito: é uma sentença que tenha resolvido a causa de pedir, isto é, o mérito da demanda. Importa considerar que há de ser uma sentença de mérito, assinalando-se esse ponto pelo fato de ser possível uma decisão de mérito sem que tenha a natureza de sentença, como é o caso da decisão que confere tutela antecipada, tipicamente interlocutória e que jamais fará coisa julgada material. 

5.6) Regime Jurídico da Coisa Julgada

Entende-se por regime jurídico da coisa julgada a disciplina jurídica da manifestação desse efeito, realizada pelo legislador tendo em conta aspectos relevantes. Inicialmente, é importante ressaltar o objeto da coisa julgada. A julgar pela disposição do art. 468, a conclusão obrigatória é a de que só faz coisa julgada o dispositivo das decisões onde se concentra a regra particular fixada pelo Juiz como resolução do conflito levado ao seu conhecimento. Assim, quando o legislador diz que fará coisa julgada a sentença que julgar a lide, a consequência disso é a conclusão antes afirmada: a lide é julgada no dispositivo.

Por outro lado, se pode afirmar que este é o limite objetivo da coisa julgada, já que o legislador não estende seus efeitos aos fundamentos da decisão, em consonância com as disposições do art. 469. Nesta, o legislador esclarece que os motivos da decisão, assim como a verdade dos fatos tomada em consideração como fundamento, não estão recobertos pelo efeito da coisa julgada. 

Também não será objeto da coisa julgada a decisão sobre questão prejudicial alegada pelas partes, a menos que ela tenha sido posta como causa de pedir desde a inicial ou tenha sido objeto de ação declaratória incidental, em conformidade com o art. 325.

Em compensação, deve-se fazer atenção ao disposto pelo art. 474, segundo o qual a coisa julgada também recobrirá todas as questões e alegações, ou defesas que as partes poderiam ter oposto à decisão e não o fizeram. O que o legislador diz, neste ponto, é que a coisa julgada atinge todas as questões que implicitamente poderiam estar presentes no debate, embora não tenham sido alegadas. 

Um outro aspecto do regime jurídico diz respeito aos limites subjetivos da coisa julgada, referidos pelo legislador no art. 472. O que se vê é a opção do legislador pelo efeito intra-partes. Nessa medida, a coisa julgada apenas se refere às partes que estiveram em litígio, não se podendo estender a terceiros. Essa é, de fato, a regra geral. 

Há, no entanto, a possibilidade de o efeito intra-partes da sentença, em alguma situações específicas, quando por exemplo uma das partes estava na condição de substituto processual, é óbvio que o substituído, embora ausente formalmente da lide, será atingido plenamente pelos efeitos da decisão. O mesmo ocorre em algumas hipóteses de litisconsórcio. Ademais, é preciso lembrar que nas ações coletivas, por sua característica particular, os efeitos são naturalmente ou ultra-partes ou erga omnes, a depender da hipótese, em conformidade com as disposições da Lei nº 7.347/85.


5.7) Coisa Julgada e suas Condições Legais

Normalmente, a produção da coisa julgada material é submetida ao regime pro et contra, caso em que a sua produção não está condicionada a uma particular situação da decisão. 

Todavia, o legislador pode, em razão do interesse que vislumbre, condicionar a produção da coisa julgada material a uma situação específica do processo ou da sentença. Por isto é que se avista, em alguns casos, a chamada coisa julgada secundum eventum litis, hipótese na qual a formação da coisa julgada material dependerá do tipo de resultado da demanda. 

Em outra hipótese, se verifica a coisa julgada secundum eventum probatione, circunstância na qual haverá formação da coisa julgada material apenas diante da situação probatória verificada no caso. A lei da Ação Civil Pública, por exemplo, repele a coisa julgada material nas sentenças de improcedência por falta de provas, determinação que visa a resguardar o interesse coletivo em questão, já que o autor pode ter autuado de modo desidioso em seu detrimento.


5.8) Efeitos da Coisa Julgada

O CPC salienta, no art. 471, que nenhum Juiz decidirá novamente as questões já decididas e relativas à mesma lide, o que é, em si, um efeito da coisa julgada. Quando ela ocorre, seus efeitos impedem que as próprias partes possam rediscutir a matéria, tanto quanto impõe ao Judiciário e a qualquer Juiz o obstáculo ao conhecimento daquilo que já estava decidido. 

Há uma situação, todavia, que desafia os efeitos da coisa julgada, e que está retratada pelas relações de caráter continuativo. Nessas hipóteses, os fatos iniciais da demanda podem sofrer alterações depois da sentença, de tal modo a autorizarem as partes a um pedido de revisão. Um exemplo clássico é aquele que se extrai do CC, art. 1.699, que permite à alimentante e alimentando à revisão de decisão anterior que estabeleceu alimentos. Costuma-se dizer nesses casos, então, que inexiste coisa julgada, dada a "porta aberta" à permanente rediscussão da matéria. O que se leva em conta aí é o caráter continuativo da relação e a exposição contínua às mudanças de circunstâncias.


5.9) Afastamento da Coisa Julgada

A coisa julgada não está livre de ser atingida ou relativizada. O legislador, assim como o constituinte, garantem pelo menos duas possibilidades em que se pode afrontá-la, abrindo caminho à rediscussão da matéria decidida. 

A primeira dessas hipóteses está retratada pelo art. 485, dizendo respeito à ação rescisória. Essa demanda, de caráter particular, estará à mão das partes quando venha a ocorrer vício gravíssimo, como as hipóteses taxativamente consideradas pelo dispositivo em questão. Assim, quando a sentença for proferida por Juiz absolutamente incompetente, ou quando houver a chamada "peita" do Juiz (corrupção ou concussão), ou quando ela própria ofender a coisa julgada anterior, será possível a sua afronta por meio de ação própria. 

Outro meio capaz de afrontá-la, é a demanda denominada querela nullitatis insanabilis, que é ainda mais especial do que a ação rescisória, pois diz respeito a situações em que a sentença recoberta pela coisa julgada foi proferida em processo no qual não houve citação do réu ou houve citação defeituosa. Nesse caso, a possibilidade fica aberta porque a relação processual é propriamente inexistente, não podendo o réu, em qualquer momento, ser atingido pelos efeitos da coisa julgada. 

Finalizando, tem evoluído a possibilidade de relativização da coisa julgada. Trata-se de situação em que se admite especialmente a desconsideração desse efeito para permitir às partes a repropositura da mesma demanda. Isso é comum, por exemplo, em demandas que digam respeito ao estado de filiação quando a sentença julgue improcedente o pedido por falta de provas, quando à parte não se permitiu a utilização de todos os meios possíveis, entre eles, o exame de DNA, Essa relativização tem haver com a afronta ao devido processo, com a denegação do direito fundamental à prova. É hipótese que permite alguma expansão do sistema.


07 - Processo de Conhecimento - Procedimento Comum - Rito Ordinário - Fase Postulatória - Julgamento


I - Procedimento Comum Ordinário

1) Fase Postulatória

1.1) Ato Processual do Autor - Petição Inicial - Estrutura

1.2) Ato Processual do Juiz - Decisão Preliminar - Negativa

1.3) Ato Processual do Réu - Respostas ou Revelia

2) Providências Preliminares

3) Instrução

4) Julgamento

4.1) Introdução

Os art. 444 e ss. do CPC disciplinam o ato processual que deve coroar o procedimento ordinário, ou seja, a audiência de instrução e julgamento. 

Trata-se de ato processual destinado a três atividades fundamentais à resolução do conflito:

a) Conciliação - 447 a 449

Como se sabe, e o art. 125 atesta, o Juiz deve a todo tempo buscar meios de promoção da autocomposição das partes, entre os quais a conciliação é aquele a que se refere a legislação processual como um objetivo a ser sempre perseguido pelo Magistrado. Desse modo, instalada a audiência, antes de qualquer outra medida, o Juiz deverá conclamar as partes à conciliação. Naturalmente, essa tentativa somente terá sucesso se o direito em discussão for disponível e se as partes demonstrarem um desejo de resolver a pendência por meios próprios. De qualquer maneira, quando haja uma mínima possibilidade, será dever do Juiz tentar a conciliação.

b) Instrução da Causa

É a segunda atividade a que é destinado o ato da audiência. Como se sabe, o princípio da oralidade, admitido amplamente pelo legislador, exige que sempre que possível as provas sejam produzidas em audiência e no Juízo da causa. É certo que nem sempre o disposto no art. 336 pode ser cumprido, tornando-se indispensável a colheita de provas por precatório, em conformidade com a permissão do art. 338. À parte estes casos, a prova deverá ser produzida em audiência, como manda a lei - art. 336. 

Nessa audiência, terão lugar as oitivas das partes (quando requeridas), bem como das testemunhas. Ao final, se nada mais houver a ser produzido a título de prova, o Juiz deverá considerar encerrada a fase instrutória. 

Com o encerramento da instrução, nasce a possibilidade da terceira atividade a ser desenvolvida na audiência.


c) Decisão

Passa-se, com isto, da fase instrutória da fase decisória. Óbvio que esta nova fase é consagrada à resolução da lide, pelo Magistrado, o que será precedida do debate entre as partes, que por seu intermédio realizarão as denominadas "alegações finais". Caberá às partes nesses debates a apreciação da causa e das provas produzidas, com a reafirmação respectivas pretensões. Os debates serão seguidos da decisão pelo Juiz, proferida ou não em audiência, por intermédio da sentença.


4.2) Conceito de Sentença

Segundo o legislador, como revela o art. 162, a sentença é o ato do Juiz que implica alguma das situações previstas nos art 267 e 269 do CPC.

Esse conceito de sentença, imposto pelo legislador a partir das últimas ondas de reforma do CPC (2005), leva em conta o caráter sincrético do processo civil na atualidade. Assim, se antes das reformas seria possível conceituar a sentença como ato do Juiz pelo qual se coloca termo final, extinguindo-se o processo, na atualidade esta ideia genérica de sentença não teria pleno cabimento, porque nem sempre a sentença encerra a relação processual. Por isso, o conceito do legislador é mais cuidadoso, na busca de ser mais consentâneo com a realidade. 

O aperfeiçoamento do conceito legal de sentença está por vir no Novo CPC. Na futura legislação codificada, define-se sentença como o ato do Juiz que implica em uma das situações previstas por dispositivos correlatos aos art. 267 e 169 do Código atual, de modo a por fim ao processo ou a uma fase processual. Ficará melhor este conceito, por ser um tanto mais completo que aquele hoje existente no art. 162. 


4.3) Espécies de Sentença à Vista de sua Causa Determinante

De tudo quanto já se disse, pode-se concluir pela existência de sentenças consideradas terminativas, ao lado de outras consideradas definitivas.

a) Sentenças Terminativas

São aquelas geradoras da extinção do processo sem julgamento do mérito da causa. A causa determinante dessa modalidade de sentença, portanto, foi o surgimento de um obstáculo à apreciação do mérito, que por sua relevância levou também à extinção da própria relação processual. É o que pode ocorrer quando o Juiz tiver de reconhecer a inépcia da inicial, a falta de uma das condições da ação ou de um dos pressupostos processuais, etc. A presença de uma das circunstâncias indicadas pelo atual art. 267 é suficiente para impor ao Juiz a sentença terminativa, com a qual ele põe termo à relação processual sem conhecer do mérito da demanda. 


b) Sentenças Definitivas

Ao contrário das terminativas, são aquelas que têm por causa determinante a apreciação do mérito da causa, ou pelo menos de uma questão reconhecida pelo legislador como tal. No quadro do atual CPC, essas sentenças são aquelas que implicam então em uma das situações previstas no art. 269. Exemplificando, a sentença de mérito é aquela que aprecia o pedido do autor, para rejeitá-lo ou admiti-lo, em sua totalidade ou em parte. 

Mas também é hipótese de sentença definitiva aquela que põe termo ao processo quando o réu reconhece o pedido ou quando o Juiz localiza, na hipótese, o fato da prescrição ou decadência. 

Pelo que se vê, a distinção entre as modalidades de sentença, à vista de sua causa determinante, é muito importante. Essa relevância decorre do fato de que as matérias-objeto de processo que se extingam por meio de uma sentença terminativa poderão ser objeto de nova demanda entre as mesmas partes, uma vez superada a causa determinante da anterior extinção da relação processual. Em outras palavras, são sentenças que não têm a aptidão para a formação da coisa julgada material.

Já os casos em que a extinção do processo ou da fase processual se der por sentença definitiva, seu trânsito em julgado impedirá a rediscussão da matéria nela tratada. São sentenças com aptidão à formação da coisa julgada formal e material. 


4.4) Elementos Essenciais da Sentença - art. 458 e ss

O legislador processual disciplina a sentença ressaltando, na disposição do art. 458, a imprescindibilidade de três elementos sem os quais ela estará irremediavelmente viciada. Esses três elementos são o relatório, a fundamentação e o dispositivo.

a) Relatório

A doutrina de Marinoni, Dinamarco, Didier e outros aponta para o fato de que o relatório tem uma função especial para o ato judicial sob exame. Desse modo, o relatório serve á demonstração de que o Juiz conhece inteira e detalhadamente o processo. Partindo deste pressuposto, é natural a conclusão de que o relatório serve ao propósito de que o Juiz nele consigne todos os elementos e fatos processuais relevantes, ocorridos até o momento da prolação da sentença. Nada poderá lhe escapar. Desde uma síntese da inicial, às objeções da contestação, passando pela existência de reconvenção ou ação declaratória incidental, e todo e qualquer outro evento processualmente importante. Com isto, qualquer pessoa que tenha contato com a Decisão terá a oportunidade de vislumbrar a causa nos seus aspectos principais.

O prof. Didier anota a respeito do relatório, uma observação incomum nos demais autores, ao afirmar a existência de uma tendência a se dar menor relevo ao relatório do que aos demais elementos da sentença. Traz a informação relativa à existência de precedentes em que não se reconheceu a nulidade da sentença, mesmo diante de deficiências do relatório, assim como lembra que na legislação relativa aos Juizados Especiais, o próprio legislador dispensa o Magistrado da necessidade de realizar o relatório. É uma posição polêmica, pois mesmo os precedentes citados, em que se evita a declaração de nulidade, não parecem estar em consideração a menor importância do relatório, ma sim as diretrizes concernentes à invalidade dos atos processuais, dentre as quais a de que a ausência de prejuízo permite a convalidação do ato viciado.


b) Fundamentação

Trata-se de uma exigência indispensável da sentença, em qualquer hipótese. Pode-se dizer que a fundamentação corresponde à exposição clara, por parte do julgador, de todos os motivos influentes em seu convencimento. Nessa linha de raciocínio, a fundamentação é um desdobramento do princípio da publicidade dos atos jurisdicionais, já que os atos praticados por qualquer órgão de Estado devem ser necessariamente fundamentados. Por isso mesmo, a fundamentação evita julgamentos arbitrários, o que seria fato infringente da ordem jurídica.

Deve-se levar em consideração, aliás, que por essas razões o constituinte, no dispositivo do art. 93, IX, elevou a fundamentação das decisões judiciais à condição de uma garantia ou direito fundamental da parte. Bem por isto, o prof. Barbosa Moreira afirma, ao tratar do assunto, que diante da órdem constitucional, o Estado não está autorizado a invadir a esfera privada de quem quer que seja sem a respectiva justificativa.

Em correspondência com o dispositivo constitucional mencionado, o CPC estatui, nos dispositivos do art. 458 e 165, que as decisões judiciais devem ser fundamentadas, permitido a legislação, no máximo, para alguns casos, a fundamentação sucinta.

Em estudo sobre a matéria, o Prof. Didier faz referência ao fato de que a fundamentação da sentença cumpre uma função endoprocessual e uma função exoprocessual:

  • Endoprocessual: a fundamentação serve ao propósito de permitir às partes e ao MP, quando intervém, o controle da decisão judicial, já que sem a respectiva motivação, torna-se impossível a interposição de recurso à Corte superior. Aliás, ainda dentro desta mesma perspectiva, a fundamentação servirá para que o Tribunal, na hipótese de recurso oficial ou voluntário, possa efetivamente tomar conhecimento das razões pelas quais a decisão impugnada foi proferida naqueles termos;
  • Exoprocessual: inegavelmente, a fundamentação das decisões judiciais cumprem um papel que lhe confere o elemento democrático da atividade jurisdicional. Por isto mesmo, o professor italiano Michele Taruffo faz alusão à função exoprocessual da fundamentação, que ele entende ser justamente o controle que a própria sociedade civil realiza em relação às decisões judiciais.
Somente o Tribunal do Júri está dispensado de fundamentar sua decisões, por ser formado por cidadãos comuns, dos quais não se exige qualquer conhecimento jurídico.

Sobre a fundamentação, ainda, é preciso refletir sobre o que deve integrá-la, e como ela deve ser desenvolvida pelo Magistrado. A avaliação racional dessa questão obriga à conclusão de que na fundamentação, haverá lugar para a discussão e apreciação de todas as questões processuais trazidas ao caso, assim como a valoração da prova e, finalmente, a exposição das conclusões tiradas pelo julgador após a avaliação dos fatos do processo.

É de se observar que inicialmente, o Magistrado deverá atacar as questões processuais, especialmente as preliminares e prejudiciais, avaliando-as cabalmente, mesmo porque se entender procedente uma eventual preliminar, isto poderá constituir obstáculo ao exame do mérito. Vencida esta etapa é que ele passa a apreciar o mérito, valorando, inicialmente, a prova produzida, como o que deverá expor claramente os motivos pelos quais admite ou rejeita elementos de prova trazidos aos autos. 

Finalmente, deverá encarar as questões de direito, pondo-as em discussão e esclarecendo seu ponto de vista sobre as específicas posições das partes em relação à matéria, e o motivo pelo qual acata a pretensão de uma delas. 

Objeto de um debate permanente da doutrina e na jurisprudência, a necessidade de o Juiz refutar ou não todos os argumentos utilizados pelas partes na tentativa de convencê-lo, continua a desafiar estudiosos de um modo geral. É que, algumas vezes, os Magistrados têm o hábito de definir sua decisão fundamentando-a em argumentos de uma das partes, sem se dar ao trabalho de refutar os argumentos da parte vencida, esclarecendo os motivos pelos quais foram rejeitados. 

É certo que o princípio do contraditório, que assegura a participação das partes, franqueando a elas a possibilidade de impugnação e de formular alegações tem o seu reflexo direto no dever do magistrado de apreciar no todo as razões que cada uma das partes leva a seu conhecimento. Por esse motivo é que boa parte da doutrina, com apoio em precedentes, firma posição no sentido de que uma decisão em que não se vê a consideração a todos os argumentos defendidos pelas partes não estaria devidamente fundamentada.

A jurisprudência dominante é, de certo modo, tolerante com essa prática judiciária, o que dificulta o reconhecimento da invalidade de uma decisão quando os argumentos de uma das partes não são levados em consideração pelo Magistrado. O certo, porém, é que, ao dar as razões de seu convencimento, deve o Juiz demonstrar ter apreciado todos os argumentos e fundamentos levados a seu conhecimento, esclarecendo as razões pelas quais acolheu alguns e rejeitou outros. 

Por isto mesmo, no texto do Novo CPC, as disposições relativas à sentença são mais detalhadas no quesito da fundamentação, de tal modo que será exigida do Magistrado a exposição detalhada dos motivos de seu convencimento e, portanto, com demonstração de ter avaliado todos os argumentos defendidos pelas partes em suas alegações.

No âmbito da doutrina, discute-se muito frequentemente as consequências jurídicas da decisão sem fundamentação. Duas posições são tradicionalmente lembradas a respeito dessa matéria. 
  • A primeira delas defende que a ausência de fundamentação torna a sentença um ato judicial inexistente. A razão deste entendimento provém da convicção de seus defensores quanto ao fato de ser a fundamentação um elemento essencial da sentença. Assim pensa, por exemplo, o citado professor italiano Taruffo;
  • A opinião contraposta vai no sentido de que é grave o vício da sentença em que não se vê fundamentação. Reconhece-se que a exigência da fundamentação é matéria de ordem pública, sendo produto da necessária proteção ao interesse. Mas, sem que isto seja capaz de torna-la inexistente. Esse ponto de vista, portanto, defende a nulidade da sentença sem fundamentação, e não sua inexistência, pois houve, afinal, a atividade jurisdicional, que não pode ser ignorada. Essa segunda opinião é aquela consagrada majoritariamente pela doutrina e jurisprudência brasileiras.

c) Dispositivo

O terceiro elemento importante é o item da sentença em que o julgador fixa o preceito particular a ser observado pelas partes. Dessa maneira, é no dispositivo que o Juiz estabelece a norma concreta a ser observada pelas partes de modo objetivo. É nele que o Juiz, decidindo o objeto litigioso do processo, resolve efetivamente a questão de fundo em discussão.


4.5) Requisitos da Sentença - art. 459 e 460

Não se confundem com os elementos (elementos são partes da sentença).

A doutrina faz referência à necessidade que a sentença atenda aos requisitos. Nessa medida, há requisitos de congruência interna e de congruência externa da sentença.

a) Congruência Interna

A sentença deve ser dotada de alguns atributos relevantes, tais como a clareza, a certeza e a liquidez.

Fala-se em clareza porque o Juiz, ao resolver a matéria, deverá se valer de meios que permitam a qualquer pessoa a identificação exata do conteúdo da decisão. Logo, o Juiz deve se valer de vocábulos inteligíveis, com uma redação clara e cristalina.

Quanto à certeza e liquidez, a necessidade se põe especialmente nos casos em que há um pedido de condenação porque a sentença, nessa hipótese, será o título a aparelhar o cumprimento ou execução. Se o pedido é certo e líquido, a sentença também deve sê-lo.


b) Congruência Externa

Deve haver congruência objetiva entre a decisão e a pretensão exposta pelo autor. Isto nada mais é do que a incidência do princípio da demanda, ou princípio dispositivo, que obriga o Magistrado a decidir nos limites exatos do pedido.

É de se lembrar que o art. 460, em consonância com o dispositivo do art. 128, afirma rigorosamente a necessidade de que o magistrado se atenha à trilha fixada pelo pedido. Quando a sentença não atende a esse requisito, o risco é a possibilidade de uma decisão extra petita, ultra petita ou citra petita.
  • Extra petita: trata-se da prolação da sentença completamente estranha ao pedido formulado pelo autor. Em outras palavras, o Juiz julga lide diversa daquela que de fato é colocada à sua apreciação. Nesse caso, a gravidade do vício conduz a sentença à insuperável nulidade;
  • Ultra petita: nesse caso, o Juiz julga a pretensão formulada pelo autor, mas se excede. Vale dizer, trata-se de situação em que o magistrado vai além do pedido para conceder mais do que pretendia a parte autora. Portanto, é caso em que não haverá uma invalidade total da decisão, mas apenas a necessidade de reduzir os seus termos aos limites impostos pela pretensão inicial;
  • Citra petita: aqui o que se pode dizer é que o Juiz julga aquém do pedido. Nessa conformidade, o que se deve entender é que o magistrado deixa de apreciar a pretensão formulada, ignorando-a por completo. O que se dá no caso, portanto, é que o Juiz ignora a pretensão sem se pronunciar a respeito. No caso da decisão citra petita, caberá o remédio imediato, ou seja, os embargos declaratórios, previstos no art. 535, os quais tem pleno cabimento na situação porque houve uma omissão do magistrado ao apreciar a pretensão.
Publicada a sentença, surge para o Juiz, nos termos do que dita o art. 463, o obstáculo da sua revisão ou alteração por parte do prolator. Dois casos apenas irão admitir que o próprio prolator revise a decisão, impondo-lhe modificação:
  • Correção de erros eminentemente materiais;
  • Embargos declaratórios, que quando interpostos oferecerão ao magistrado a oportunidade de correção de omissões, contradições ou obscuridade.
Fora desses casos, o prolator não poderá rever a decisão, salvo excepcionalmente quando houver recurso com efeito regressivo.


4.6) Situação Superveniente - art. 462

O legislador dispõe que o Juiz, de ofício ou a requerimento da parte, deverá tomar em consideração no momento da decisão todo fato que puder consistir em motivo que interfira na modificação, extinção ou constituição de situação jurídica nova, em relação ao mérito da demanda. Em outras palavras, determina o legislador que o Juiz considere, independentemente de requerimento, todo acontecimento que possa alterar a solução a ser dada para a questão de mérito da demanda. Como se percebe, essa norma abre uma exceção, mesmo porque o Juiz está obrigado a reconhecer fato não alegado pela parte, dada a sua interferência no resultado da demanda.

Claro, ainda, que isto estabelece, de certa maneira, uma exceção ao princípio da estabilização da demanda. Todavia, o que acontece é que o legislador preferiu validar o preceito segundo o qual a lide há de ser julgada conforme seu estado real no momento do julgamento, e não conforme sua situação no momento da propositura da inicial. Assim, exemplificando, se no momento de julgar uma ação de cobrança o Juiz constata um fato relativo à novação da dívida, ou a um fato que constitua motivo para a compensação da obrigação, estará ele obrigado a reconhecê-lo mesmo que a parte interessada não tenha requerido.




sexta-feira, 18 de julho de 2014

06 - Processo de Conhecimento - Procedimento Comum - Rito Ordinário - Instrução


I - Procedimento Comum Ordinário

1) Fase Postulatória





3) Instrução - CPC, art. 132 ao 443

3.1) Considerações Iniciais

A etapa instrutória é aquela em que as partes e o Magistrado operam no sentido de investigar a veracidade das alegações produzidas, necessidade vital para a prolação de uma decisão mais adequada ao caso. Essa fase decorre da circunstância natural proveniente de todo e qualquer direito, já por não se poder negar que qualquer direito se apoia em fatos. A controvérsia principal do processo sempre gira em torno de fatos, já que estes é que podem constituir, alterar ou extinguir direitos. Claro que pode haver também controvérsia eminentemente voltada ao reconhecimento ou não do direito, mas na maior parte dos casos ela está vinculada aos fatos dos quais seu reconhecimento depende.


3.2) Objetivo da Fase Instrutória

Geralmente se diz que a fase instrutória é voltada a uma pesquisa vital para o processo, ou seja, a pesquisa da verdade. A ideia de verdade, todavia, é de difícil apreensão, por ter um caráter dependente de uma avaliação subjetiva. Fala-se em verdade no processo por ser inegável que uma das principais tarefas das partes e do Juiz é a de reconstrução dos fatos sobre os quais gira a controvérsia, como diria Carnelutti.

É evidente, por sua vez, a possibilidade de se alcançar uma verdade por intermédio da instrução, principalmente no sentido emprestado ao termo por Mitter Mayer, que costumava dizer que "a verdade é a concordância entre a realidade de um fato e a ideia que fazemos dele". Apesar disto, há uma dúvida quase intransponível  sobre a natureza da verdade a ser alcançada pela prova.

Essa dúvida sobre a verdade decorre de uma reflexão muito simples, que indica como conclusão invariável a possibilidade, no máximo, de obtenção pelas provas de uma "verdade processual", e portanto de caráter sempre relativo. A evidência disso decorre das próprias dificuldades na reconstrução dos fatos, limitada sempre aos meios de prova empregados. Assim, o ideal de uma verdade absoluta, 100% compatível com a realidade material dos fatos, é notoriamente impossível.


3.3) Da Prova

3.3.1) Conceito

"É o conjunto de atividades de verificação e demonstração, mediante as quais se procura chegar à verdade quanto aos fatos relevantes para um julgamento" (Dinamarco). "É o meio retórico, regulado pela lei, que dentro do parâmetro fixado pelo direito e critérios racionais, é dirigido a convencer o Estado-Juiz da validade de determinadas proposições" (Marinoni).
  • O conceito do Prof. Dinamarco, tal como se vê, tem o tom tradicional e vislumbra a ideia de prova numa perspectiva objetiva, ou seja, como um procedimento vinculado à demonstração da verdade dos fatos, tal como a parte os vê;
  • Para o Prof. Marinoni, porém, a ideia de prova no processo faz parte apenas da demonstração de validade de uma argumentação desenvolvida pelas partes, como se fosse um meio para dar sustentabilidade às proposições que cada uma das partes formula em suas respectivas pretensões;
  • Comparando os dois conceitos, é possível perceber que aquele de autoria do Prof. Dinamarco parte do pressuposto da possibilidade do alcance de uma verdade material, concreta, absoluta, ao passo que o conceito do Prof. Marinoni tem como ponto de partida a impossibilidade disso, e o processo é um veículo em que se opõe o discurso do réu e o discurso do autor, onde os meios de prova são apenas instrumentos retóricos para o convencimento do Magistrado sobre a boa tese de um ou de outro.

3.3.2) Objeto

Por objeto da prova se deve entender aquilo que se pretende demonstrar por meio de sua produção. Ora, a prova se refere inevitavelmente a fatos, sendo estes, afinal, o seu objeto primordial. Mas a utilização de um dado meio de prova não pode ter lugar em qualquer hipótese, pois quando o legislador, no dispositivo do art. 332, oferece ampla possibilidade de sua utilização, se deve compreender que a finalidade de seu emprego está ligada à demonstração não de qualquer verdade, mas de uma verdade que seja útil à definição do litígio. 

Então, não é qualquer fato que permitirá a produção da prova. A doutrina de Marinoni, Didier e Dinamarco é uniforme na seguinte referência: o objeto da prova são apenas os fatos relevantes, controvertidos e determinados. 
  • Fato relevante: é aquele de cuja certeza sobre sua ocorrência depende a solução da lide;
  • Fato controvertido: é aquele que apresenta uma dúvida ou uma questão a ser dirimida durante a instrução. Em outras palavras, controvertido é aquele sobre o qual não há certeza de sua ocorrência, nos moldes do quanto foi alegado;
  • Fato determinado: é aquele perfeitamente descrito e identificado nos autos.
Estabelecido aquilo que deve ser compreendido como objeto da prova, o que se deduz é que fatos não controvertidos, embora relevantes e determinados, não dependem de prova. Em regra geral, é isto o que se deve ter presente, mas com a observação de que, em algumas hipóteses, caberá uma exceção. 

Assim, é o caso de se lembrar que se o fato não controvertido disse respeito a direito indisponível, ainda assim haverá a necessidade de sua prova, dada a natureza do direito em causa. Exemplificando, se em uma ação investigatória de paternidade o réu, suposto pai, embora citado deixe de contestar, as disposições dos art. 302 c/c 320 irão impor ao Magistrado a prova dos fatos alegados pelo autor, independentemente da revelia do réu. 

Outra possibilidade de exceção decorre da hipótese em que a lei exija forma especial para a prova do fato, conforme art. 320, III, quando, embora não aparente controvertido, o fato dependerá de prova especial. Exemplificando, imagine-se hipótese em que o autor, proclamando-se proprietário de um imóvel avaliado em R$150 mil, venha a promover ação reivindicatória perante o réu que se mantenha em silêncio durante o prazo de contestação. Suponha-se mais, ou seja, que o autor não juntou à inicial a escritura pública de compra e venda do referido imóvel, único meio probatório possível de sua propriedade sobre ele, em razão do disposto no CC, art. 108. Nesse caso, inapelavelmente, o fato que poderia ser dado por incontroverso ante a revelia do réu, assim não poderá ser visto pela inexistência de prova fundamental daquilo que alegou. 

Finalmente, mesmo fatos não controvertidos aparentemente, poderão ter a produção de prova determinada pelo Juiz, caso não tenha se convencido dos elementos constantes dos autos.


3.3.3) Princípios do Direito Probatório

Como se está examinando, a fase instrutória é de capital importância para o desfecho da relação processual e a obtenção da respectiva decisão. Nesta fase, a atividade das partes e do Magistrado está sob uma regulamentação específica, formulada tanto pela legislação processual quanto por princípios delineados desde o texto constitucional. Por essa razão, afinal, a doutrina fala constantemente da existência de um direito probatório. E assim sendo, antes de qualquer outra abordagem, é muito importante ressaltar que os princípios vitais desta matéria estão concentrados no texto constitucional. Nessa medida, o professor Nery Jr., ao lado de Marinoni e Didier, localiza no texto constitucional o princípio da ampla defesa (art. 5º, LV), assim como o princípio da proibição da prova ilícita (art. 5º, LVI), como os principais preceitos naquela órbita.
  • Princípio da Ampla Defesa: é de capital importância, já que por força dele se outorga às partes no processo o direito à prova e contraprova das alegações nele produzidas. Segundo este princípio, pois, as partes têm o direito de se valerem de todos os meios de prova possíveis para a demonstração da realidade dos fatos que alegam. Disto decorre a proibição de qualquer cerceamento ao exercício dessa faculdade processual, que é vital para o exercício do direito fundamental de acesso à Justiça. Por outro lado, como lembram Dinamarco e Grinover, esse princípio é reforçado pelo princípio de paridade de armas, no sentido de que as partes no conflito devam gozar de pleno acesso a todos os meios de prova em condição de igualdade;
  • Princípio da Proibição de Prova Ilícita: é outro que merece menção. A inscrição deste princípio no texto constitucional é produto de uma batalha intelectual da prof. Grinover, fato reconhecido pela unanimidade da doutrina. A prova ilícita deve ser compreendida como aquela produzida por meios ilícitos, ou aquela cujo conteúdo é, em si, ilícito. Encontram-se exemplificativamente entre as hipóteses de prova ilícita aquela produzida por interceptações ilegais de correspondência, telefonemas, assim como as confissões obtidas de maneira extorsionária, etc. De modo geral, a julgar pelo texto da Constituição, em sua interpretação mais literal, uma vez presentes nos autos uma prova tida por ilícita, a consequência disso será obrigatoriamente sua completa desconsideração pelo Juízo, e não apenas dela, mas também de todas as outras que dela dependeram em sua produção. Esta última afirmação é feita em decorrência de posicionamento adotado pelo STF desde os anos 90, tribunal em que foi consagrado o princípio na inadmissibilidade dos "frutos da árvore envenenada" (Min. Celso de Mello). Apesar disto, não é seguro que os meios doutrinários atribuam ao princípio da proibição da prova ilícita, um caráter e valor absolutos, como sempre pretenderam os seus idealizadores. Dinamarco, Marinoni e outros registram com habitualidade a necessidade de, em alguns casos, relativizar a força deste princípio para a preservação da possibilidade de uma decisão justa. Naturalmente, referem-se esses autores a situações de confronto entre a prova ilicitamente produzida e a gravidade do fato por elas demonstrado, notadamente quando, por meios legítimos, não for possível a sua efetiva demonstração. São casos em que, como salienta o prof. Nelson Nery Jr., tornar-se-á inevitável a ponderação de interesses e a consideração, em última análise, do princípio da proporcionalidade. Assim, se a prova adveio de um meio ilícito, mas para demonstrar um fato gravíssimo, o Juiz ponderará admiti-la ainda que sancione aquele que a produziu irregularmente;
  • Direito Fundamental à Prova: a concepção constitucional de um direito probatório reforça, no campo doutrinário, é a ideia de que milita em favor das partes no processo um direito fundamental à prova. Essa conclusão não é extraída apenas a partir das disposições constitucionais, mas também por intermédio de disposições constantes de diretivas internacionais, tais como as lançadas no Pacto de San José da Costa Rica. Nestes passos, autores como Eduardo Cambi, Nelson Nery Jr., Marinoni, Didier e outros reconhecem a existência deste direito fundamental implícito. Mais especificamente, aliás, esse direito fundamental tem um conteúdo próprio, que não pode ser ignorado. Esse conteúdo, então, diz repeito ao seguinte: 
  • Direito à produção de prova por todos os meios possíveis; 
  • Direito à participação na produção da prova; 
  • Direito à manifestação sobre a prova produzida; 
  • Direito à apreciação pelo Juiz do conjunto total da prova produzida.

3.3.4) Diretrizes Ordinárias sobre a Prova

A doutrina de Nelson Nery Jr., por exemplo, traz a lume a existência de algumas diretrizes sobre a prova fixadas na legislação processual de um modo geral. São exemplos significativos disso o disposto pelo art. 131, que impõe o livre convencimento motivado, ou o art. 336, que se refere à oralidade como elemento central na produção da prova. Entre essas diretrizes gerais, todavia, a que mais se sobressai é aquela entendida doutrinariamente como Princípio da Comunhão da Prova. Segundo este princípio, todo elemento de prova produzido se integra ao processo, pertencendo ao seu universo definitivamente, independentemente de quem o tenha produzido. Como reflexo disto, nenhum elemento de prova carreado aos autos poderá dele ser extirpado. Além disso, sua eficácia atingirá as partes de um modo geral, naquilo que possa afeta-las.

Além desta diretriz, a doutrina lembra da existência de outras tão relevantes quanto. Uma delas, por exemplo, diz respeito à diretriz da oralidade, segundo a qual a celeridade do processo exige a realização dos atos processuais por meio da verbalização de pretensões e alegações, além de decisões, através de audiências destinadas à sua produção de modo concentrado. Mais ainda, anota-se a existência do princípio da convicção condicionada, regulamenta da pelo art. 131, cuja disposição obriga o Magistrado a fundamentar as conclusões tiradas na apreciação do caso. 

Pode-se mencionar, também, a diretriz do art. 132, relativa ao preceito da identidade física do Juiz, segundo o qual o Juiz que iniciou a instrução deverá julgar a lide.


3.3.5) Meios e Fontes de Prova

Conforme a lição de Dinamarco, não se pode confundir os conceitos de meios e fontes de prova.

a) Meios de prova

São aqueles pelos quais se logra extrair de uma dada fonte a informação relativa a fato relevante do litígio. Portanto, meios de prova são instrumentos de apuração da verdade a ser apurada para o deslinde do caso. 

Os meios de prova são subdivididos pela doutrina em típicos e atípicos:
  • Típicos: são aqueles objeto de previsão específica na legislação processual. Pode-se constatar sua existência no CPC a partir dos dispositivos dos art. 342 e ss., nos quais o legislador se reporta a depoimento pessoal, confissão, documental, testemunhal, pericial e inspeção judicial. Estes são os meios de provas típicos, já que regulamentados pela legislação processual;
  • Atípicos: são aqueles não previstos pela legislação processual, embora amplamente utilizados no cotidiano forense:
  • Entre esses meios, o mais polêmico e de uso frequente é da prova emprestada, que é a prova produzida em processo distinto daquele no qual será utilizada por qualquer das partes. Assim, trata-se de elemento tomado de empréstimo junto a outro processo, a fim de que sirva de fase à convicção do Juiz na resolução de certa pendência judicial. Como se disse antes, esse meio de prova desperta frequentemente questionamentos, já que a falta de cuidado na transposição de um elemento de prova colhido em processo distinto pode redundar na violação de um princípio essencial ao devido processo. O que se quer dizer com isso é que toda cautela é pouca em relação à prova emprestada, com a finalidade de se evitar ofensa ao contraditório. Como se viu antes, o direito fundamental à prova confere às partes o direito de participarem de sua colheita, além da possibilidade de fazerem juízo crítico sobre toda a prova produzida. A prova emprestada pode ofender o contraditório quando de sua produção uma das partes não tenha participado, o que prejudica a sua admissão como fonte de informação para o Juiz. Na atualidade, por conseguinte, doutrina e jurisprudência acatam a possibilidade do uso da prova emprestada, desde que as partes em litígio tenham sido as mesmas em relação ao processo de onde ela foi extraída. Importa considerar, finalmente, que a relevância da prova emprestada faz com que ela venha a se tornar no Novo CPP um item dos meios de prova típicos, contando com uma regulamentação rigorosa, como era de se esperar.

b) Fontes de Prova

A fonte de prova é constituída pelo elemento sobre o qual atua o meio de prova e de onde, por seu intermédio, se extrai a informação. Assim, não pode haver confusão entre fonte de prova e meio de prova.

Exemplificando, quando se leva em consideração a confissão, um importante meio típico de prova, sua fonte é exatamente a parte processual inquirida pelo Juízo. Em outras palavras, a pessoa do réu é, no mais das vezes, a fonte de onde se extrai a confissão, este si um meio de prova. Complementando, quando se cogita de prova documental, a imagem fotografada de uma parede trincada pode valer como meio de prova, caso em que a fonte de prova é a própria parede, enquanto o meio de prova documental é a fotografia que capta essa imagem e a leva como informação para o processo.


3.3.6) Procedimento Probatório

A produção de qualquer prova exige um procedimento adequado. Esse procedimento passa por etapas, que não podem ser desconsideradas. A primeira delas confere exatamente com o requerimento genérico de produção formulado pelo autor na inicial e pelo réu na resposta.

Depois, será necessário que as partes especifiquem os meios de que desejam se valer para a comprovação de suas respectivas alegações. De modo ordinário, o momento dessa especificação é aquele imediatamente posterior à audiência preliminar ou ao próprio despacho saneador.

Especificados os meios de prova desejados pelas partes, haverá ainda a necessidade de seu deferimento pelo Juiz, apenas após o que terá inicio o procedimento voltado à sua produção. Como se deduz do exposto, existe rigorosamente um procedimento probatório.


3.3.7) Ônus da Prova - art. 333

Feitas estas considerações, é preciso ir além definindo-se a questão relativa ao ônus da prova. Discutir o ônus da prova significa pôr em questão o tema relativo a quem cabe suportar o encargo de demonstrar as alegações das partes em litígio. O foco da discussão está em saber a qual das partes se atribui o dever de demonstração das alegações existentes nos autos. Existem alternativas em relação a esse ponto. Essas alternativas sempre levam em consideração a questão de sabem quem deve suportar os riscos da não comprovação de determinadas alegações.

O sistema usual e referido pelo atual CPC, em seu art. 233, é de base legal, tendo por preceito o fato de que incumbe a quem formulou a alegação o dever de demonstrá-la. É nessa medida que o art. 233 atribui ao autor o dever de demonstrar os fatos alegados como constitutivos do direito que ele disputa.

Na mesma perspectiva, atribui-se ao réu o ônus de demonstrar a inexistência dos fatos alegados pelo autor ou a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos de seu direito. Em verdade, o ônus do réu se refere mais a estes últimos fatos referidos, já que, no caso dos fatos alegados pelo autor, ainda que o réu nada prove, será daquele o dever de demonstrar sua existência.

A previsão legal do CPC sobre essa matéria, embora pareça adequada a todas as hipóteses, traz em si o pecado da generalização. Isto porque em algumas hipóteses será possível se constatar que a parte incumbida pela lei do ônus de demonstrar suas alegações possa enfrentar dificuldades para tanto em razão da disparidade de forças em relação ao adversário, e isto representa um problema à medida que o processo civil exige igualdade material das partes, traduzida, inclusive, na ideia de paridade de armas.

Muitos fatores podem contribuir para a desincumbência do ônus de demonstração, entre os quais se sobressai mais costumeiramente a disparidade econômica. Por isto mesmo, e visando a situações de desiquilíbrio entre as partes, o legislador se valeu de um mecanismo voltado a amenizar os reflexos de virtual desigualdade entre as partes. Esse meio referido, hoje previsto na Lei nº 8.078/90 (CDC), art. 6º, VIII, que diz respeito à "inversão do ônus da prova".

A fórmula da inversão do ônus da prova é aquela que admite ser possível para o Juiz, em hipótese na qual uma das partes se encontre em situação de hipossuficiência, a possibilidade de impor à parte adversária o ônus de demonstrar a inexistência daquilo que a parte hipossuficiente alegou no plano dos fatos, cuja existência nesse caso passa a ser objeto de uma presunção relativa. Dessa forma, particularmente nas lides que envolvem a defesa do consumidor, quando este busca reparação de danos ou qualquer outra pretensão do tipo, o legislador permite ao Juiz, caso sejam verossímeis as alegações do autor, a inversão do ônus da prova, para que o fornecedor-réu fique encarregado de demonstrar o contrário.

É certo que esta possibilidade somente existe se houver verossimilhança das alegações do consumidor-autor, o que equivale à probabilidade de serem verdadeiras, mas, de qualquer modo, protegem a parte hipossuficiente no curso da lide.

A inversão do ônus da prova, pelo que se vê, visa a evitar a denominada "prova diabólica", expressão conceitual que quer dizer apenas prova de dificílima produção diante das circunstâncias.

Finalizando, cabe ainda argumentar que a inversão do ônus da prova é também um fator admitido em litígios distintos daqueles que cuidam de relação de consumo, desde que presente de algum modo a hipossuficiência de uma das partes.


3.3.8) Ônus da Prova e sua Distribuição em Razão da Carga Dinâmica

O sistema tradicional de distribuição do ônus da prova exposto pelo art. 333 tem em comum com o sistema da inversão do ônus da prova, previsto pelo CDC, art. 6º, o fato de estar vinculado a uma prévia fixação legal. Esses dois sistemas, portanto, só existem pela previsão específica da lei, sendo aplicados à medida em que surjam as condições nela previstas. O sistema da inversão, aliás, serve muito mais a hipóteses específicas, concernentes à lides decorrentes de relação de consumo. Por causa disso, surgiu entre os processualistas a discussão sobre a possibilidade de que o ônus da prova seja distribuído mais em conformidade com as circunstâncias próprias do caso concreto, a partir de uma decisão judicial que racionalmente o imponha, e não da lei. 

Essa alternativa foi desenvolvida pela doutrina de Jorge Peirano, denominando-a teoria da distribuição judicial da prova em razão de sua carga dinâmica. A teoria tem por ponto fundamental o fato de que o legislador não se preocupa em definir especificamente a qual das partes incumbe o ônus de demonstrar suas alegações, atribuindo ao Juiz o poder de fazê-lo com racionalidade e de modo fundamentado, a partir da situação concreta vislumbrada no litígio. Nesse caso, portanto, o Magistrado é quem deverá avaliar qual das partes terá maior ou menor dificuldade para demonstração de fatos relevantes ao desfecho do litígio, atribuindo ele próprio o ônus a partir desse critério.

Dentro dessa teoria, ao Juiz é quem cabe ajustar o ônus de provar o que se alega, evitando que ele recaia sobre os ombros da parte que tenha de enfrentar terríveis dificuldades para dele se desincumbir. A análise da jurisprudência contemporânea, assim como da doutrina, impõe a conclusão de que essa teoria já foi admitida no direito brasileiro, independentemente de previsão legal a respeito, por se tratar de fórmula perfeitamente adequada ao princípio do devido processo legal. Vale acrescentar que o Novo CPC se ocupa de fazer previsão expressa dessa fórmula de distribuição do ônus por meio de decisão judicial nos casos nele previstos. 


3.3.9) Papel do Juiz na Produção da Prova

Durante longo período a doutrina processual cultivou uma ideia de que a isenção do Magistrado, ou sua imparcialidade, dependeria de uma postura que o colocasse completamente à margem do debate estabelecido pelas partes e de suas atividades probatórias no processo. Imaginava-se, então, um Juiz que fosse um mero "convidado de pedra", a quem incumbiria apenas a apreciação do resultado do debate entre as partes e das provas colhidas, sem agir no sentido de preencher qualquer lacuna que ainda remanescesse ao final da instrução.

Esta visão, concernente à ideia de um Juiz do sistema adversarial, se encontra superada plenamente. Firmou-se no processo civil brasileiro o sistema inquisitorial que determina, sem prejuízo da imparcialidade, uma maior participação do Juiz, inclusive na busca da verdade real. Por isto, na dinâmica atual do processo, ao Juiz não cabe uma postura omissa quando houver a necessidade da produção de prova após a conclusão da instrução e da atividade probatória das partes. Assim, ainda que cautelosamente agindo, o Magistrado tem a autorização do art. 130 para determinar de ofício a produção de provas que entenda ser imprescindível à formação de sua convicção. Nessa conformidade, e desde que permita às partes a participação na produção, terá ele a permissão para requisitar meios de prova entendidos imprescindíveis ao desfecho da causa.


3.3.10) Breve Exame dos Meios de Prova

Examinando o CPC a partir das disposições de seu art. 342, o que se constata é que se pode separar os meios de prova incorporando a um grupo os meios orais, a outro os meios relativos à prova documental, e por fim o grupo dos meios relativos à prova pericial e inspeção judicial. Assim considerados, os meios concernentes à chamada prova oral dizem respeito a elementos de prova decorrentes do pronunciamento das partes ou de pessoas alheias à causa, mas cientes de fatos importantes para o seu deslinde. 

A prova oral é aquela que, nos mais das vezes, se colhem em audiência do procedimento, decorrente do testemunho verbal que possa dar uma das partes ou eventuais testemunhas.

No segundo grupo dos meios de prova, relativo à prova documental, cuja produção é disciplinada pelos arts. 364 a 399, o que se coloca em evidência é a demonstração da verdade de fatos por meio de coisas ou objetos capazes de exprimir uma informação, seja em forma de imagem, som ou escrita. Diante do exposto, a prova documental deve ser sempre avaliada levando-se em conta a sua autenticidade. Essa autenticidade, por sua vez, reclama a verificação da autoria do documento. Assim, quando se olha para um documento, é indissociável dele a pessoa que o produziu. Neste ponto, aliás, é preciso dizer que há dois tipos de autoria a serem vislumbrados. Por isso a doutrina se refere à autoria imediata como aquela que corresponde àquele que confeccionou o documento, que pode ser sujeito distinto daquele a quem se pode atribuir a autoria mediata, que cabe àquele que determinou a realização da prova documental. Exemplificando, quando se trate de prova documental baseada em instrumento público, a autoria imediata é a do tabelião que confecciona a escritura, enquanto a autoria mediata é concernente àquele que ditou os termos da escritura.

Outro aspecto a ser considerado sobre a prova documental é o seu suporte. Considerando-se que há uma farta possibilidade de objetos consideráveis como documento, desde escritos, fotografias, áudios de depoimentos, etc., torna-se muito importante avaliar o respectivo suporte. No caso de uma escritura pública, por exemplo, o suporte é o documento escrito, enquanto que no caso de uma gravação o suporte pode ser uma fita magnética, ou um pen drive que aloje a gravação em MP3, etc. A importância do suporte é decisiva para a consideração do documento, já que ele pode ser corrompido de alguma maneira, na tentativa de aparentar autenticidade. Por isto, ele ganha peso na avaliação da prova.

O último grupo de meios de prova diz respeito à prova pericial e inspeção judicial. No caso da prova pericial, regulamentada no art. 420 e ss, o que há para ser dito é que será ela realizada por meio de uma vistoria, uma avaliação ou um exame de certos fatos por quem detenha conhecimentos técnicos suficientes para a emissão de uma opinião considerável como fonte de informação. Quem a realiza é o perito, considerado pelo legislador como um auxiliar do Juízo, que deve sempre atender às exigências do dispostos nos art. 145 a 147. Dois atributos básicos são reclamados dos peritos em geral, ou seja, a competência técnica e a isenção.

Finalmente, no tocante à inspeção judicial, com previsão dos art. 440 e ss., trata-se de fórmula pela qual o Juiz, em pessoa, vistoria alguém ou um certo objeto, ou um certo local (ex.: ambiente de trabalho, hospital, rodovia, assentamento, etc.), com a finalidade de dirimir dúvidas decorrentes da prova, visando à formação de uma convicção mais segura sobre os fatos. Esse meio de prova pode ser requerido pelas partes ou objeto de um ato de ofício do Juiz, claro, com a notificação precedente das partes, a fim de que estejam presentes, se o quiserem.




quarta-feira, 16 de julho de 2014

05 - Processo de Conhecimento - Procedimento Comum - Rito Ordinário - Providências Preliminares


I - Procedimento Comum Ordinário

1) Fase Postulatória


1.2) Ato Processual do Juiz - Decisão Preliminar - Negativa (CPC, art. 284 e ss.)

1.3) Ato Processual do Réu - Respostas ou Revelia (CPC, art. 297 e ss.)

2) Providências Preliminares

Trata-se de fase saneadora, na qual o Magistrado, recebendo a conclusão dos autos após a manifestação das partes, terá 10 dias para a tomada de algumas medidas que possam se fazer necessárias.

Uma alternativa inicial diz respeito à virtual necessidade da "réplica", assim entendida a manifestação do autor sobre certos tópicos da contestação apresentada pelo réu. Duas situações geram a necessidade da réplica, para a preservação integral do contraditório:

a) Quando o réu alegue fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do pedido. Esse é o caso em que o réu promove uma defesa indireta, admitindo como verdadeiro o fato alegado pelo autor como constitutivo de seu direito, mas alegando fato novo, capaz de modificar, extinguir ou impedir a eficácia do direito reclamado. nesse caso, conforme se vê do art. 326, o Juiz se obriga a ordenar a réplica, permitindo o autor, inclusive, a produção de prova documental;

b) Quando o réu levanta preliminares, tais como as descritas pelo art. 301. Aí também, por força do art. 327, o Juiz mandará os autos à réplica, e quando constatar, de fato, uma imperfeição processual, concederá ao autor prazo de até 30 dias para providências de regularização.

Quando não for situação de réplica, o Juiz deverá observar também se não houve a propositura de declaratória incidental ou reconvenção, quando deverá notificar o autor para a respectiva contestação e demais pleitos correlatos.


2.1) Revelia - art. 319 e ss.

Pode ter ocorrido situação em que o réu abdicou de sua defesa, gerando com isto a hipótese de revelia. Conforme se conclui do exame dos art. 319 a 322, a revelia se caracteriza nas situações em que o réu deixa de contestar os termos da inicial, assumindo com isto os riscos das consequências previstas nos art. 320, 323 e demais dispositivos concernentes.

Como se sabe, o principal efeito da revelia é a pena de confissão dos fatos alegados pelo autor, que a partir dela passam a ser considerados verdadeiros. É o que diz a letra do dispositivo do art. 319. Ao apreciar a hipótese, todavia, o Juiz deverá se acautelar porque nem sempre o efeito da pena de confissão ocupará lugar em decorrência da omissão do réu. Nesse sentido, o dispositivo do art. 320 é muito claro ao aludir a três situações nas quais esse efeito não se opera.
  • Inicialmente, é de se sublinhar que se a causa dizer respeito a direito indisponível, a omissão do réu na resposta não será suficiente para desobrigar o autor da necessidade de comprovação dos fatos alegados. Assim, em causas relativas a direito de família, por exemplo, a revelia do réu nada significa, estando o autor ainda comprometido com a demonstração dos fatos alegados;
  • Os efeitos da revelia também não operam quando o fato alegado pelo autor for essencialmente demonstrado ou demonstrável por prova documental não anexada por ele à inicial. Óbvio também nesse caso que a revelia não poderia operar os respectivos direitos;
  • Além disso, o legislador faz referência à inexistência desses efeitos quando forem diversos os réus e idêntica a causa de pedir e o pedido para todos eles, quando um deles conteste a inicial. É a hipótese de litisconsórcio quando, em havendo contestação de um dos corréus, todos se beneficiam (teoria da atividade determinante).
Para além do que diz o art. 320, vale a pena acrescentar que doutrina e jurisprudência compreendem majoritariamente como inaceitável a pena de confissão tal como posta pela lei, já que ela desarma uma das partes, desiguala a relação processual, provocando uma situação que depõe contra o Princípio do Devido Processo Legal. Autores como Dinamarco, Marinoni e Didier reconhecem o mesmo problema nas disposições do art. 319, e pela mesma fundamentação. A verdade é que a ampla defesa é um princípio que se choca com essa determinação pragmática do legislador. 

Por isto, não só nos casos do dispositivo do art. 320, mas em muitas outras situações, não se admite a pena de confissão. Assim, por exemplo, se o réu não contestar a ação, limitando-se à propositura da reconvenção, como lhe é possível, suas alegações ali evitam a revelia, já que realizadas em pura manifestação do direito de defesa.

Então, o Juiz deverá ser criterioso no apreciar se houve revelia e se esse efeito se operou efetivamente ou não. 


2.2) Julgamento Conforme o Estado do Processo

Ultrapassado o instante em que o Magistrado aprecia a virtual necessidade de réplica, etc., e prosseguindo nessa etapa de saneamento, deverá ele também apreciar se o estado do processo não recomenda duas formas de desfecho imediato.

Essas duas possibilidades são tratadas pelo legislador nos dispositivos do CPC, art. 329 e 330, dizendo respeito a dois aspectos de necessária observação.

a) Declaração de Extinção do Processo - art. 329

O primeiro deles diz respeito à possibilidade de extinção do processo em razão de duas possíveis causas, ou seja:

  • Extinção sem resolução do mérito - art. 267: o Juiz deverá apreciar se há falta de condições da ação, pressupostos processuais, ou alguma das outras situações do dispositivo do art. 267, que quando presentes obrigarão a prolação imediata de uma sentença terminativa;
  • Extinção com resolução do mérito - art. 269: pode ocorrer também que o Juiz constate a existência de prescrição ou decadência, ou que haja a confissão do pedido por parte do réu, ou outra situação qualquer do art. 269, obrigando o Magistrado a prolatar imediatamente uma sentença definitiva.
Em conclusão, e a uma primeira análise, o Magistrado avaliará a possibilidade de imediatamente decidir a questão, caso existam quaisquer dos fundamento anteriormente mencionados. 


b) Julgamento Antecipado da Lide - art. 330

Não sendo o caso previsto no art. 329, ainda assim pode ser que o estado do processo exija do Juiz uma sentença imediata. Trata-se da hipótese prevista no art. 330. Em verdade, cuida-se de situação em que a etapa instrutória é considerada desnecessária para o desfecho do litígio, obrigando o Magistrado a resolvê-lo imediatamente pelo mérito.

A denominação "julgamento antecipado da lide" não reflete com exatidão o significado desse instante processual, por dar a impressão de que estaria havendo uma mera antecipação do Juiz, ou uma precipitação da sentença, apesar da utilidade de outros momentos processuais posteriores. Não é isso, todavia, o que se passa. Por isso mesmo, o Prof. Barbosa Moreira prefere denominar esse instante de "julgamento imediato da lide". Em verdade, essa denominação cai melhor porque a obrigação de um Juiz julgar a lide já nesse momento só nasce das próprias circunstâncias do processo, que lhe apresentam uma causa madura para a devida apreciação de mérito.

Mas, em que hipóteses cabe o julgamento imediato? Segundo o legislador, dois casos exigem a decisão imediata, a saber:

  • Quando a matéria debatida for exclusivamente de direito, ou sendo de direito e de fato, não houver necessidade qualquer de produção de prova; 
  • Quando ocorrer os efeitos da revelia, conforme o art. 319, ou seja, a pena de confissão dos fatos por omissão do réu no que diz respeito à sua contestação. 
Analisando as disposições do art. 330, torna-se necessário concluir, inicialmente, que o Juiz estará obrigado a decidir o mérito da causa quando os autos se encontrem em uma das duas circunstâncias. Portanto, não é uma faculdade que lhe cabe, mas um dever. 

Além disso, é importante avaliar também as hipóteses referidas pelo dispositivo, destacando no primeiro caso aludido pelo legislador que o Juiz deverá decidir o mérito quando a matéria for só de direito, mas também quando sendo de direito e de fato a prova seja considerada suficiente. Neste ponto, se faz importante questionar o que se deve entender por "prova suficiente". 

De modo geral, prova suficiente é aquela que globalmente é considerada pelo Juiz como apta a lhe permitir uma convicção sobre a verdade de determinada alegação.

Em grande medida, este conceito sugere que o Magistrado se torne o grande parâmetro para o entendimento do que seja prova suficiente, conceito que se encontra repleto de um significado subjetivo. Em outras palavras, será suficiente a prova que convença o Magistrado de uma dada alegação. Por isto mesmo os Tribunais acabam invalidando decisões proferidas em razão do art. 330 quando, ao justificá-la, o Juiz assinale que sua convicção deriva do fato de a parte não ter conseguido provar o que alegou. Por óbvio, se havia necessidade de prova, não era o caso de julgamento imediato da lide, encerrando a decisão um fundamento contraditório.

Sobre a hipótese de revelia, apenas se anota que o julgamento imediato só terá lugar se não houver dúvida quanto à pena de confissão ficta, lembrando-se que seu estabelecimento não pode ser considerado automático ou baseado apenas na omissão do réu em contestar a lide. 


2.3) Despacho Saneador ou Audiência Preliminar - art. 331

Não havendo motivos para a decisão que encerre imediatamente o litígio e, portanto, sendo certa a necessidade da fase instrutória, o Juiz deverá então designar data para a audiência preliminar, ato judicial preparatório da subsequente etapa em que as provas serão colhidas. 

Dois fatores se mostram importantes no plano da chamada "audiência preliminar", ou seja:


a) Tentativa de Conciliação

Um dos deveres primordiais do Magistrado, segundo o dispositivo do art. 125, é o de buscar a todo tempo a conciliação das partes. Nesses momentos iniciais do litígio, a audiência preliminar se apresenta como uma oportunidade para que ele conduza os litigantes a uma composição, solucionando-se imediatamente a controvérsia. 

Claro que, por outro lado, a possibilidade de conciliação se encontra atrelada a duas circunstâncias necessárias, isto é, a disponibilidade do direito em causa, tanto quanto a disposição dos contendores em se conciliar. Essas exigências, por si mesmas, já indicam que nem sempre haverá utilidade para a audiência preliminar. Disto decorre, ao que se vê do art. 331, §3º, que o Juiz poderá abortá-la quando a lide versar sobre direito indisponível ou quando pressentir nas partes uma indisposição para qualquer conciliação.


b) Definição dos Pontos Controvertidos e Deferimento de Produção das Provas 

É justamente neste caso que o Magistrado passa desde logo para a prolação do chamado "despacho saneador",  no qual certifica a regularização de eventuais imperfeições processuais, fixa os pontos controvertidos e conclama as partes a requererem as provas que entendem necessárias. 



segunda-feira, 14 de julho de 2014

08 - Teoria Geral das Nulidades

Nulidades

1) Conceito e Natureza Jurídica

Não há consenso na doutrina a respeito do que é nulidade, e qual a sua natureza jurídica. Para uma parte da doutrina, nulidade é o vício, o defeito, a falha ou imperfeição que pode levar à ineficácia do processo, no todo ou em parte. Portanto, nulidade é a causa.

Para outros autores, nulidade é a sanção pela qual se considera como não realizado um determinado ato processual. Portanto, é a consequência que advém da inobservância de um regramento legal. 

Uma terceira corrente afirma que nulidade tem duplo aspecto, ou seja, é causa e consequência ao mesmo tempo, pois consiste no vício que gera a sanção da ineficácia. 


2) Espécies de Nulidades

Quando se considera a intensidade da desconformidade do ato praticado em relação ao modelo legal ou em razão da repercussão no processo, é possível classificar as nulidades em quatro espécies.


2.1) Ato Inexistente

É aquele em que a desconformidade do ato praticado em relação ao modelo legal é grande, pois está ausente elemento que o direito considera essencial para a validade do ato. É o "não ato", que deve ser desconsiderado, pois não produz qualquer efeito, sendo desnecessária até a declaração de inexistência; basta que se ignore o ato (ex.: sentença proferida por quem não é Juiz).


2.2) Nulidade Absoluta

Ocorre quando há desconformidade do ato praticado em relação ao modelo legal, previsto em norma processual ou princípio constante da CF/88 ou norma infraconstitucional de interesse público. A nulidade absoluta depende de ato judicial que a reconheça. O prejuízo é presumido, e não é possível a convalidação do ato viciado pela preclusão. A nulidade absoluta pode ser reconhecida a qualquer tempo durante o processo, inclusive em grau de recurso. Pode ser reconhecida de ofício ou em razão de arguição das partes (ex.: processo de competência da Justiça Federal que tramitou na Justiça Estadual).

  • A regra de que a nulidade absoluta pode ser reconhecida de ofício encontra limitação, uma exceção, na Súmula nº 160-STF. Referida Súmula proíbe que o Tribunal reconheça nulidade em prejuízo do réu, quando essa nulidade não tiver sido arguida no recurso da acusação (ex.: MP não alegou a nulidade da citação):
SÚMULA Nº 160-STF: É NULA A DECISÃO DO TRIBUNAL QUE ACOLHE, CONTRA O RÉU, NULIDADE NÃO ARGÜIDA NO RECURSO DA ACUSAÇÃO, RESSALVADOS OS CASOS DE RECURSO DE OFÍCIO.

  • Entretanto, há uma exceção da exceção, isto é, o Tribunal pode reconhecer de ofício uma nulidade não arguida em desfavor do réu, segundo a jurisprudência majoritária: quando se tratar de nulidade absoluta de inobservância de regra de competência absoluta prevista na CF/88, o Tribunal poderá reconhecer a nulidade em prejuízo do réu;
  • Se os atos do processo são praticados por MP sem atribuição ou Juiz sem competência, tais atos poderão ser ratificados perante o MP e Juiz corretos, situação em que o Juiz competente proferirá sentença.


2.3) Nulidade Relativa

Nesta há desconformidade do ato em relação ao modelo legalmente previsto em norma infraconstitucional de interesse das partes. Para ser reconhecida, é necessário decisão judicial. O prejuízo precisa ser demonstrado. A nulidade relativa pode ser convalidada pela preclusão. Há momento para ser arguida, e não pode ser reconhecida de ofício (ex.: expedição de carta precatória para ouvir testemunha residente em outra comarca ou "fora da terra", sem que tenham sido intimadas as partes acerca da expedição - CPP, art. 222).


2.4) Mera Irregularidade

É o vício resultante da inobservância de um regramento legal infraconstitucional que não acarreta qualquer prejuízo às partes ou ao processo. Por esse motivo, não gera a invalidade do ato (ex.: oferecimento de denúncia fora do prazo; apresentação das razões de apelação fora do prazo - são 5 dias para interpor o termo de apelação, que uma vez recebida, a parte será intimada para oferecer as razões em 8 dias - se tais razões forem oferecidas fora do prazo, será mera irregularidade; falta de compromisso à testemunha antes de ser inquirida).


3) Diferenças entre Nulidades Absoluta e Relativa

3.1) Quanto ao Fundamento:

a) Absoluta: a desconformidade se dá em relação a uma norma ou princípio da Constituição ou norma infralegal de interesse público;

b) Relativa: a desconformidade se dá em relação a uma norma infraconstitucional de interesse das partes;


3.2) Quanto à Provocação

a) Absoluta: independe de provocação das partes, podendo ser reconhecida de ofício;

b) Relativa: depende de provocação das partes, não podendo ser reconhecida de ofício.


3.3) Quanto ao Prejuízo

a) Absoluta: o prejuízo é presumido;

b) Relativa: o prejuízo precisa ser demonstrado.


3.4) Quanto ao Momento de Arguição

a) Absoluta: a qualquer tempo, pois não convalida com decurso de tempo;

b) Relativa: tem momento próprio para ser arguida, sob pena de convalidação.


4) Princípios

4.1) Princípio da Instrumentalidade das Formas - CPP, art. 572, II

Se, embora praticado de forma diversa daquela prevista na lei, o ato tiver atingido sua finalidade, não será declarado nulo. Isto porque a forma legal constitui instrumento para alcançar-se o fim, e se a finalidade for atingida, não há que se falar em nulidade (ex.: nulidade da citação, suprida pelo comparecimento pessoal do acusado).


4.2) Princípio do Prejuízo - art. 563

Não há nulidade sem prejuízo. Decorre da regra do direito francês pás de nullité sans grief (nenhuma nulidade sem reclamação).


4.3) Princípio da Causalidade ou Consequencialidade - art. 573, §1º

Uma vez reconhecida a nulidade de um ato, haverá a contaminação de todos os demais atos que dele dependam ou sejam consequência. Ao reconhecer a nulidade de um ato, o Juiz deve declarar seu alcance e extensão (ex.: a falta da citação é nulidade ab initio ou ab ovo, e reconhecida a nulidade da citação - circunduta - todos os demais atos serão atingidos);

  • Surge daí a expressão "nulidade derivada": é aquela reconhecida em virtude da extensão dos efeitos da declaração de nulidade de um ato.

4.4) Princípio da Conservação dos Atos Processuais

É oposto ao princípio anterior; se o ato processual posterior não guardar relação de dependência, nem for consequência do ato anulado, não será considerado inválido, devendo ser mantido no processo (ex.: art. 222 - se o defensor não for intimado da intimação de testemunha em outra comarca, arguida, o Juiz anulará o depoimento; os atos subsequentes, entretanto, serão mantidos, se não guardarem relação de dependência nem forem consequência do ato anulado);
  • Surge daí a expressão "nulidade parcial": é aquela que atinge apenas determinados atos do processo.

4.5) Princípio do Interesse - art. 565

Aplicável apenas para nulidades relativas.

A parte não pode invocar em seu favor nulidade a que tenha dado causa, ou para cuja ocorrência tenha concorrido. Decorre do princípio de que ninguém pode se aproveitar de sua própria torpeza. 

Também significa que a parte não pode invocar em seu favor nulidade que só beneficie a parte contrária.

No tocante ao MP, que atua também como fiscal da lei, é possível arguir nulidade relativa que interessa à defesa.
SÚMULA Nº 523-STF: NO PROCESSO PENAL, A FALTA DA DEFESA CONSTITUI NULIDADE ABSOLUTA, MAS A SUA DEFICIÊNCIA SÓ O ANULARÁ SE HOUVER PROVA DE PREJUÍZO PARA O RÉU.

4.6) Princípio da Convalidação

Aplicável apenas para nulidades relativas.

O ato imperfeito não será declarado nulo se sobrevier evento ao qual a lei atribui caráter sanatório, ou seja, preclusão.

A preclusão pode ser de duas espécies:

a) Temporal: se o vício não for arguido no momento oportuno, ou seja, dentro do tempo previsto na lei, a nulidade relativa se convalida - art. 571;

b) Lógica: decorra da prática de um ato incompatível com o desejo de ver a nulidade reconhecida (ex.: intimação de testemunhas por carta precatória sem intimação da defesa, mas com comparecimento espontâneo do defensor).



domingo, 13 de julho de 2014

07 - Bem de Família

Bem de Família

1) Conceito

É o imóvel destinado a servir de residência da família. É um bem impenhorável em razão dessa afetação temporária.


2) Espécies

a) Voluntário: é o regido pelo CC;

  • Instituído por escritura pública de bem de família. Ainda que o imóvel seja inferior a 30 salários mínimos, não basta a escritura particular. Se um terceiro instituir bem de família em favor de outra família, a instituição pode ser feita por escritura pública ou testamento;
  • Além de impenhorável, é inalienável; logo, o instituidor, ao instituir o bem de família, é proibido também de vendê-lo. Sobre essa alienação, há três posições:
  • A primeira defende que a venda só é possível mediante autorização judicial - art. 1.719 (majoritária na doutrina);
  • Se o casal está de comum acordo, e não há filhos menores ou incapazes, a alienação é possível sem ordem do Juiz. Basta ouvir o MP - art. 1.717 (MHD). A crítica que se faz é sobre essa oitiva extrajudicial do MP; 
  • Se o casal está de acordo, e não há filhos menores ou incapazes, a alienação é possível sem ouvir o Juiz ou o MP. É a linha adotada pela Corregedoria-Geral de Justiça de SP, com base no Princípio da Liberdade;

  • Só se constitui (a qualidade e bem de família) via registro da escritura pública ou do testamento, e além desse registro específico, é preciso ainda averba-lo na matrícula do imóvel. Tanto esse registro quanto a averbação independem de decisão judicial, bastando o requerimento do interessado junto ao cartório de registro de imóveis;
  • Só protege o proprietário, não protegendo o possuidor, mesmo o que tenha compromisso de compra e venda;
  • Esta constituição de bem de família torna também impenhorável as pertenças, isto é, os acessórios destinados a servir ou embelezar o imóvel; logo, pode abranger adorno suntuoso, como obras de arte;
  • Valores mobiliários podem ser inseridos juntamente com o imóvel como bem de família. Correntes sobre a questão:
  • Valores mobiliários são títulos emitidos por S/A e C/A - ações, debêntures, partes beneficiárias, commercial papers, etc.; 
  • Valores mobiliários abrange qualquer bem móvel, inclusive veículos, jóias, aplicações financeiras, etc. (MHD).

  • O bem não pode ultrapassar 1/3 do patrimônio líquido ao tempo da instituição (ex.: PL de R$100 mil; logo, bem de família tem que ser imóvel de no máximo R$ 33 mil). Assim, se o único patrimônio da pessoa é o imóvel, ela não poderá registrá-lo como bem de família, pois ultrapassa o teto de 1/3 do PL. É criticado por ser "elitista";
  • Só se pode registrar como bem de família imóveis e valores mobiliários. Outro tipo de patrimônio não pode ser bem de família;
  • Os valores mobiliários não podem ultrapassar o bem do imóvel;
  • A soma do imóvel com os valores mobiliários não pode ultrapassar 1/3 do PL;
  • PL é o resultado da soma dos bens, direitos e obrigações, abatendo-se as dívidas (ativo - passivo = PL);
  • Se o bem de família for instituído por uma terceira pessoa (que resolve doar ou fazer testamento) não deve observar aquele limite de valor;
  • O bem de família voluntário tem a finalidade específica de servir de residência para o casal, e os valores imobiliários assim instituídos tem a finalidade específica de ser aplicado na conservação do imóvel e sustento da família;
  • O bem de família voluntário só pode beneficiar pessoas casadas ou entidade familiar (união estável, união homoafetiva, família monoparental, etc. Não pode ser instituído por pessoa que mora sozinha);
  • É impenhorável, salvo em três hipóteses:
  • Dívidas anteriores à instituição do bem de família; 
  • Tributos ou contribuições que recaiam sobre o imóvel (IPTU, taxa de lixo, etc.); 
  • Despesa de condomínio.

  • Não pode ser dado em hipoteca; 
  • A proteção pode ser extinta por decisão judicial, ouvido o MP, nas seguintes hipóteses:
  • Se o imóvel deixa de servir de residência da família. Portanto, enquanto o imóvel servir de residência, não é possível a extinção; 
  • Se o valor mobiliário não for aplicado para conservar o imóvel ou sustentar a família, caso em que apenas o valor mobiliário deixará de ser bem de família; 
  • Havendo morte de ambos os cônjuges/companheiros (enquanto houver filho menor ou incapaz, ou enquanto viver um dos cônjuges/companheiro, se ele mora no imóvel, não se extingue a proteção); 
  • Finalmente, também o divórcio extingue o bem de família, salvo se houver filho menor ou incapaz. Também o extingue na hipótese de a família não conseguir manter o bem. Se esse for o motivo, o Juiz autoriza a extinção mediante sub-rogação, isto é, ordena que a cláusula de bem de família seja transferida para outro imóvel que servirá de moradia, a qual pode ser um imóvel que já pertença ao casal ou que o casal ainda vá adquirir.

  • A Corregedoria-Geral de Justiça de SP admite a extinção por escritura pública, sem necessidade de ordem judicial ou de oitiva do MP, desde que o casal esteja em comum acordo, e não haja interesse de menor ou incapaz.





b) Legal: é o regido pela Lei nº 8.009/90;

  • Instituído por força de lei, automaticamente. Basta que o imóvel próprio sirva de residência da família;
  • É impenhorável, mas é alienável (o proprietário pode vendê-lo normalmente, sem ordem judicial);
  • Esta instituição como bem de família não é registrada, pois é instituído por força de lei. Na prática, admite-se uma averbação no registro de imóveis com ordem judicial, mas independentemente desta averbação, já é bem de família (situação de fato);
  • O destinatário deste bem de família pode ser qualquer pessoa, inclusive o imóvel onde mora sozinho a pessoa solteira é bem de família impenhorável. Portanto, este bem de família não visa proteger apenas a família, e sim o constitucional direito social de moradia - CF/88, art. 6º:

Súmula nº 364-STJ: O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.

  • Protege o proprietário e também o possuidor que tem compromisso de compra e venda (mas que ainda não tem a propriedade). O imóvel, assim, deve estar registrado em nome da pessoa para que seja transformado em bem de família;
  • Esta proteção de bem de família só pode recair sobre imóvel urbano ou rural alodial;
  • Não tem limite de valor (se o sujeito mora em imóvel de R$10 milhões, este imóvel é impenhorável);
  • Se a família tem dois imóveis, o bem de família será o imóvel em que a família reside, e não o bem de menor valor, salvo se houver outro bem de família registrado como bem de família do CC, caso em que este registrado será o bem de família;
  • Pela lei também tem a finalidade específica de servir de residência da família (tem que morar no imóvel). Todavia, a jurisprudência diz que se o sujeito mora de aluguel e aluga o imóvel próprio, e paga o aluguel com essa renda, o imóvel continua sendo bem de família;
  • É impenhorável, salvo nas seguintes hipóteses:
  • Dívidas anteriores à instituição do bem de família; 
  • Tributos ou contribuições que recaiam sobre o imóvel (IPTU, taxa de lixo, etc.); 
  • Despesa de condomínio; 
  • Dívidas com trabalhadores da residência (doméstica, motorista, etc.) e suas respectivas contribuições. Não se admite penhora por dívidas trabalhistas de outros empregados; 
  • Dívida do financiamento do imóvel; 
  • Dívida de alimentos; 
  • Execução de hipoteca voluntária do próprio imóvel (ou seja, este bem de família legal pode ser dado em hipoteca). Há julgados do STJ dizendo que só se penhora o bem de família se a hipoteca referir-se a dívidas em benefício da família; por outras dívidas (ex.: injetar dinheiro na empresa) a penhora seria proibida; 
  • Imóvel adquirido com o produto de crime; 
  • Execução de dívida de crime; 
  • Fiança da locação, ainda que se trate de residência do fiador da locação. Há quem entenda que esta permissão da penhora é inconstitucional, pois viola o direito de moradia do morador;
  • A proteção se extingue automaticamente, a partir do momento em que o imóvel deixa de ser residência da família, independentemente de decisão judicial (quem tem um único imóvel e o aluga, pela jurisprudência, continua tendo bem de família). 

c) Disposições comuns às duas espécies:
  • A proteção de bem de família só pode recair sobre imóvel alodial (livre e desembaraçado - sem hipoteca, sem penhora, que já não seja bem de família, etc.);
  • Pode o imóvel ser urbano ou rural;
  • Os bens móveis que guarnecem a residência também são impenhoráveis, desde que quitados; logo, o locatária tem esta proteção. Há posições divergentes sobre o tema:
  • Uma corrente diz que qualquer bem móvel que guarnece a residência é impenhorável, salvo obras de arte e adornos suntuosos; 
  • Outra corrente defende que só são impenhoráveis aos bens móveis essenciais à vida familiar. O supérfluo pode ser penhorado (ex.: ar condicionado, DVD, etc.).

3) Questões

Quem tem dívidas pode instituir bem de família legal ou voluntário, desde que seja solvente, isto é, o patrimônio ativo seja maior que o passivo. O insolvente não o pode. Se ao tempo da instituição era solvente, e depois se torna insolvente, persiste o bem de família obviamente (esta é a finalidade da proteção).

Penhoras feitas antes da Lei nº 8.009/90, quando ainda não existia o bem de família legal, não são eficazes. A nova lei retroage para cancelar as penhoras anteriores.
Súmula nº 205-STJ: A LEI 8.009/90 APLICA-SE À PENHORA REALIZADA ANTES DE SUA VIGÊNCIA.
Tratando-se de imóvel rural, no qual a família mora, a impenhorabilidade só recai sobre a pequena propriedade rural, que mede de um a quatro módulos fiscais. Portanto, se o imóvel for maior, somente esses quatro módulos serão impenhoráveis, inclusive a sede e os acessórios dessa área impenhorável (STF).

Tempo necessário de moradia para o imóvel ser considerado bem de família: 

  • Se for bem de família legal, com o início da moradia, independente de qualquer tempo, já é bem de família;
  • Se se tratar de bem de família voluntário, é preciso morar no imóvel há pelo menos dois anos, e a escritura pública do bem de família deve fazer menção a esse tempo de moradia, por força do DL nº 3.241, ainda em vigor, pois é lei especial que não pode ser revogada pelo CC, lei geral.
Quem tem dois imóveis pode separar um deles para ser bem de família voluntário, desde que o imóvel não ultrapasse 1/3 do PL. 

Se a família tem um bem de família legal, e pretende instituir outro bem de família voluntário, ambos não prevalecerão; somente aquele em que a família reside será o bem de família, o que pode ser apurado nos autos de um processo, na ocasião da penhora.

O devedor pode oferecer à penhora o bem de família legal, pois é uma renúncia tácita ao bem de família, segundo uma corrente. Entretanto, outra corrente diz que não é possível, pois a proteção é de ordem pública, e visa proteger a família, e não apenas o devedor.

Já o bem de família voluntário, é pacífico de que não pode ser dado em garantia, pois além de impenhorável, ele é inalienável.

O bem de família voluntário é administrado:
  • No casamento, por ambos os cônjuges;
  • Se os cônjuges já morreram, a administração compete ao filho primogênito;
  • Se os cônjuges já morreram, e os filhos são menores, o tutor administra;
  • Na união estável, o CC não diz quem administra; logo, entende-se que é o companheiro proprietário que administra;
  • Quanto aos valores mobiliários, há a faculdade de se permitir que sejam administrados por uma instituição financeira. Se ela falir, esses valores não são atingidos pela falência, sendo possível restituição destes valores no processo de falência.

Penhora da vaga de garagem: o apartamento que o sujeito mora não pode ser penhorado, pois é bem de família legal. Todavia, o STJ admite a penhora da vaga de garagem, dizendo que ela não é bem de família:

Súmula nº 449-STJ: A vaga de garagem que possui matrícula própria no registro de imóveis não constitui bem de família para efeito de penhora.
 Porém, a Lei nº 12.607/12 alterou o CC, art. 1.331, §1º, dizendo que vaga de garagem não pode ser alienada a terceiros, salvo mediante dois requisitos cumulativos:

  • Que tenha matrícula autônoma, isto é, uma matrícula separada do apartamento. Assim, a vaga não pode ser vendida separadamente quando consta da matrícula;
  • Que a convenção do condomínio autorize a alienação. Portanto, a Súmula acima só é aplicada se presentes estes dois requisitos.

4) Procedimento Administrativo para Instituição do Bem de Família Voluntário - LRP, art. 260 a 273
  • Lavrar no cartório de notas uma escritura pública de bem de família;
  • Fazer requerimento junto ao cartório do registro de imóveis, anexando esta escritura pública. O Oficial fará prenotação no Livro 1, e tem 30 dias para examinar aquela escritura. Não examina a solvência ou a insolvência, pois presume-se a solvência;
  • Dentro destes 30 dias, o Oficial pode:
  • Se recusar, de forma fundamentada, ao registro. Neste caso, o interessado pode requerer a instauração do procedimento de dúvida, que será decidido pelo Juiz-Corregedor do cartório; 
  •  Aprovar o requerimento, caso em que manda publicar editais na imprensa, e os eventuais interessados tem o prazo de 30 dias para eventuais reclamações. Se não houver impugnação, a escritura pública será registrada - Livro 3 do Registro Auxiliar, e Livro 2, com averbação na matrícula do imóvel.
  • Se houver reclamação, o Oficial não faz o registro e cancela a prenotação, sem examinar o mérito da reclamação. O interessado deve buscar o Poder Judiciário pra obter o registro