sábado, 31 de janeiro de 2015

09 - Habeas Corpus

Habeas Corpus

1) Conceito e Natureza Jurídica

É remédio jurídico-constitucional, que tem por objetivo proteger a liberdade de locomoção do indivíduo, fazendo cessar a violência ou a coação, decorrente de ilegalidade ou abuso de poder. Está previsto na CF/88, art. 5º, LXXI. 
  • A redução de direitos de sujeito que já se acha preso (ex.: transferência para presídio mais longe da família), não é reclamável por HC, mas por mandado de segurança.
Embora esteja previsto no CPP no título destinado aos recursos, a doutrina é unânime em afirmar que se trata de ação penal de natureza constitucional. O HC pode ser impetrado independentemente da existência de uma ação penal, e inclusive após o trânsito em julgado da sentença condenatória, desde que presente ilegalidade ou abuso de poder.


2) Espécies de HC

São duas as espécies de habeas corpus.

2.1) Liberatório

Também chamado corretivo, ou repressivo, é aquele que objetiva a restituição da liberdade de locomoção a alguém que já se encontra com seu direito de ir e vir violado. Visa, portanto, afastar um constrangimento ilegal que já existe.


2.2) Preventivo

É aquele que objetiva impedir que uma coação se efetive, nos casos em que há ameaça à liberdade de locomoção. A existência de um temor vago, incerto, presumido, sem prova ou mesmo uma ameaça remota não autorizam a concessão da ordem nessa espécie de HC. Uma vez concedida a ordem, o Juiz ordenará a expedição de um salvo conduto, que impedirá a prisão do sujeito em razão do motivo que originou a impetração


3) Legitimidade Ativa - Impetrante

De acordo com o CPP, art. 654, o HC pode ser impetrado:

a) Por qualquer pessoa, em seu próprio favor ou de outrem, independentemente de habilitação legal ou representação por advogado. Desta forma, pode ser impetrado pelo estrangeiro, pelo menor de idade, pelo insano mental e pelo analfabeto (neste último caso, basta que alguém assine a petição a rogo - art. 654, §1º, c);

b) Pessoa jurídica, desde que em favor de uma pessoa física, embora a jurisprudência já tenha admitido impetração em favor de pessoa jurídica;

c) Representante do MP, salvo perante o juízo em que atual, como por exemplo para trancar ação penal que ele próprio propôs, caso em que estaria criando impedimento para oficiar nos autos. Quando impetrado pelo MP perante o Tribunal, caberá ao órgão do parquet oficiante em segunda instância acompanhá-lo, oferecer sustentação oral, recorrer, etc.;

d) Delegado de polícia e funcionário público, já incluídos na expressão "qualquer pessoa";

e) Também pode ser impetrado de forma anônima, embora existam julgados afirmando não ser possível impetração quando não há a identificação do impetrante (prevalece o entendimento de que pode sim).

  • O Juiz não pode impetrar, uma vez que cabe a ele a função de julgar o HC. Todavia, poderá conceder HC de ofício nos processos em que oficia (art. 654, §2º);
  • Quando o HC for impetrado por terceiro, presume-se a concordância do paciente, uma vez que a medida visa beneficiá-lo. Entretanto, havendo manifestação contrária do paciente, vez que a impetração pode contrariar interesse seu, o pedido de HC não deverá ser conhecido.
  • O paciente do HC deve ser necessariamente uma pessoa física, e perfeitamente identificada, não sendo possível a concessão em favor de pessoa desconhecida ou indeterminada.

4) Legitimidade Passiva - Coator

É a pessoa que, por ilegalidade ou abuso de poder, está causando constrangimento ou ameaçando a liberdade de locomoção de alguém. Normalmente, é uma autoridade pública, pois o CPP, em diversos dispositivos, menciona "autoridade coatora".

HC contra ato de particular: há duas posições da doutrina:
  • Uma corrente, minoritária, diz que não, pois a lei apenas menciona autoridade coatora, o que exclui a possibilidade de impetração contra ato de particular;
  • Outra posição, majoritária, diz ser possível, pois o CPP menciona a ilegalidade, que pode ser praticada também pelo particular. Ademais, considerando-se a finalidade do HC, não deve ser dada uma interpretação restritiva;
  • Há também entendimento segundo o qual é possível a impetração contra ato de particular, desde que exerça função pública (ex.: diretor de escola, diretor de hospital).
Quando se tratar de ilegalidade ou abuso decorrente da instauração de inquérito policial, a autoridade coatora é o Delegado de polícia que ordenou a instauração. Se foi instaurada pelo Delegado por requisição do Juiz ou MP, autoridade coatora é quem requisitou. Coator é quem determina o constrangimento, e não quem cumpre. 

Quando instaurado pelo Delegado, encerrada a investigação e enviado ao juízo competente, este passa a ser autoridade coatora para fins de impetração do HC, ainda que não haja denúncia oferecida, pois a partir deste momento poderia conceder HC de ofício, e não o fazendo, passa a ser autoridade coatora.

Segundo a jurisprudência, o mero despacho judicial concedendo dilação de prazo para prosseguimento das investigações não torna o Juiz autoridade coatora, que continua sendo o Delegado de polícia (situação verificada em âmbito Federal).


5) Inadmissibilidade

Não se admite impetração de HC nos seguintes casos:

a) Durante o estado de sítio - CF/88, art. 139, I e II: não é possível, por meio do HC, questionar o mérito da decisão que ordena a coação, sendo entretanto cabível o remédio jurídico quando tiver por fim questionar a ausência das formalidades legais, ou a incompetência da autoridade que ordenou a coação;

b) Em relação ao mérito das punições disciplinares militares - CF/88, art. 142, §2º; enquanto ato administrativo, a punição disciplinar militar está sujeita à presença dos requisitos do ato administrativo, quais sejam, competência, motivo, forma, objeto e finalidade. Desta forma, ausente qualquer destes requisitos, é possível impetrar HC, em razão do princípio constitucional da indeclinabilidade ou inafastabilidade da função jurisdicional, previsto na art. 5º, XXXV;

c) Em relação à imposição de pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública - Súmula nº 694-STF;

d) Contra sentença condenatória que tenha imposto pena de multa: atualmente, o CP, art. 51, não permite a conversão da pena de multa em prisão, o que era possível até o advento da Lei nº 9.268/96;

e) Em relação ao processo em curso por infração penal a que seja cominada exclusivamente pena pecuniária - Súmula nº 693-STF;

f) Com o objetivo de eximir o paciente do pagamento das custas processuais;

g) Quando já extinta a pena privativa de liberdade. Falta, neste caso, interesse de agir - Súmula nº 695-STF.


6) Hipóteses de Cabimento

O HC é cabível quando estiver presente a ilegalidade ou o abuso de poder, acarretando violação ou ameaça de violação ao direito de liberdade de locomoção.

  • A ilegalidade ocorre quando um ato é praticado sem amparo legal;
  • O abuso de poder se dá quando a autoridade, embora competente para a prática do ato, age com excesso no uso das faculdades legais ou ultrapassa os limites previstos na lei.
As hipóteses de cabimento do HC estão previstas no CPP, art. 648, incisos I a VII.

a) Quando não houver justa causa: trata-se de hipótese em que está ausente o fumus boni juris para a prisão, para o inquérito ou para a ação penal. Somente existe justa causa para a prisão quando esta decorrer de flagrante delito ou de ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, ressalvados os casos de transgressão militar ou crime militar (em que a prisão pode ser ordenada por autoridade militar). Além disso, devem ser observadas as formalidades legais exigidas à espécie;
  • No tocante ao inquérito, como regra, não é o HC o meio adequado para trancá-lo, uma vez que para que este seja instaurado, basta a presença de elementos indicativos da existência de um fato típico e indícios de autoria em relação à pessoa que está sendo investigada. Somente quando a ausência de justa causa se mostrar evidente, nítida, incontroversa, é que se permite trancar o inquérito com este fundamento (ex.: apuração de fato claramente atípico, ou prescrito, etc.);
  • Em relação à ação penal, a ausência da justa causa também deve ser evidente, não exigindo exame aprofundado da prova.
b) Quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei (ex.: a lei processual penal prevê  prazos para o encerramento da investigação e para a realização dos atos processuais. Havendo excesso injustificado, e estando preso o indiciado ou réu, haverá constrangimento ilegal na sua permanência no cárcere). Eventualmente, o excesso pode se justificar;

c) Quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo (ex.: Delegado que ordena prisão). Trata-se de hipótese de prisão decretada por quem não tem poder jurisdicional. Afora o caso de flagrante delito, somente é possível a prisão quando houver ordem judicial, ressalvadas as hipóteses de prisão por transgressão ou crime militar. Também em relação à prisão civil (alimentos), admite-se a impetração de HC;

d) Quando houver cessado o motivo que autorizou a coação. Desaparecido o motivo, a causa que ensejou o constrangimento, este deve também cessar (ex.: cumprimento integral da pena privativa de liberdade; absolvido; beneficiado com sursis; apenado com pena restritiva de direitos);

e) Quando alguém não for admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei autoriza. A fiança é direito fundamental do indivíduo - CF/88, art. 5º, LXVI, e eventual negativa enseja a impetração do HC;

f) Quando o processo for manifestamente nulo. Trata-se de hipótese de nulidade manifesta, ou seja, em relação à qual não há dúvida, que é evidente, e que pode atingir o processo no todo ou em parte. Neste caso, o HC pode ser impetrado durante o curso da ação, ou após o trânsito em julgado da sentença final. Todavia, é imprescindível que haja nexo de causalidade entre a nulidade e a prisão;

g) Quando estiver extinta a punibilidade,


7) Competência

A competência para o julgamento do HC é fixada tendo em vista a autoridade coatora. O HC deve ser impetrado perante a autoridade judiciária superior àquela de quem parte a coação. Observa-se o critério da hierarquia. Assim, por exemplo:

a) Se o coator for o Delegado de polícia, competente será o Juiz criminal estadual ou federa, conforme o caso. Se a autoridade for administrativa, o Juiz é o cível;

b) Se a autoridade coatora for o Juiz de primeiro grau, o HC deve ser impetrado no Tribunal competente, conforme seja Juiz de Direito (TJ) ou Juiz Federal (TRF). Se o Juiz coator for cível, a Câmara ou Turma será cível;

c) Se a autoridade coatora for o Juiz de Juizado Especial, competente é a Turma Recursal ou Colégio Recursal do próprio Juizado;

d) Se o coator for membro do MP, o HC será julgado pelo TJ ou TRF;

e) Será julgado pelo STF nos casos previstos na CF/88, art. 102, I, d, & i;

f) Será competente o STJ nos casos previstos na CF/88, art. 105, I, c;

g) O HC impetrado contra ato de Turma ou Colégio Recursal de JECRIM, é de competência do TJ ou TRF - superado o conteúdo da Súmula nº 690-STF, que prevê que a competência neste caso é do STF, no julgamento do HC nº 86.834, em 2007. Vários outros julgados posteriores decidiram da mesma forma;

h) Compete à Justiça do Trabalho julgar HC quando a ameaça à liberdade de locomoção envolver matéria sujeita à jurisdição trabalhista (ex.: trabalho escravo, em que o HC libera os escravizados; devedor que aliena de bem penhorado, etc.).


8) Processamento

A petição inicial deve preencher os requisitos previstos no CPP, art. 654, §1º. Distribuída a petição a um Juiz ou membro do Tribunal, este poderá rejeitá-la liminarmente ou recebê-la. 

É possível formular pedido de liminar, que será concedida se os documentos que instruem a inicial atestarem a existência evidente do constrangimento ilegal. A rejeição liminar terá lugar quando estiverem ausentes os requisitos do art. 654, §1º. Segundo a doutrina, a rejeição deve ser usada com cautela, diante da finalidade do HC, devendo o Juiz ou membro do Tribunal, antes de rejeitar, permitir que o impetrante complemente ou regularize a petição inicial. Desta forma, se no prazo fixado não houver a regularização, caberá a rejeição.

Recebida a impetração, o Juiz ou membro do Tribunal requisitará informações da autoridade coatora, embora tal providência somente seja necessária quando se tratar de impetração no Tribunal - art. 662. É possível que as informações sejam dispensadas, se assim entender o Juiz ou membro do Tribunal.

Em seguida, será recolhido parecer do MP, no prazo de dois dias - Decreto-Lei nº 552/69, art. 1º, §2º. Quando impetrado perante Juiz de primeiro grau, o MP não intervém enquanto não proferida a decisão. Somente depois de julgado é que o MP terá ciência da decisão. Na prática, porém, é comum o Juiz remeter os autos ao MP para manifestação.

Caso seja denegada a ordem, novo HC somente será admitido se fundado em novos motivos.



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