Contrato de Fiança
1) Conceito
Contrato de garantia ou caução: é o celebrado para se evitar eventuais prejuízos. Espécies:
- Caução real: um bem se vincula ao cumprimento da obrigação (ex.: penhor, hipoteca). Sem o registro, penhor e hipoteca são meros contratos, e não direitos reais - art. 1.227;
- Caução fidejussória, ou pessoal: o patrimônio de uma terceira pessoa responde por dívida alheia (ex.: fiança, abono, caução del credere).
Fiança é o contrato pelo qual uma pessoa se obriga perante o credor a satisfazer o débito do devedor nas hipóteses de este não efetuar o pagamento. As partes, no contrato de fiança, são o credor e o fiador. O devedor não é parte, e a fiança pode ser celebrada sem o consentimento do devedor e até mesmo contra sua vontade - art. 820.
Se o fiador se tornar insolvente, o devedor é obrigado a substitui-lo? Depende:
- Sim, sob pena de vencimento antecipado da dívida, se foi o próprio devedor que indicou o fiador;
- Não, se o devedor não havia indicado o fiador.
2) Natureza Jurídica
A fiança é um contrato unilateral, personalíssimo, solene, gratuito, acessório e subsidiário.
- Unilateral: só cria obrigações para o fiador. Exceção: fiador remunerado pelo credor (ex.: fiança bancária - é um contrato bilateral, pois cria também obrigações para o credor). Se o fiador é remunerado pelo devedor, a fiança continua sendo contrato unilateral, pois o credor não tem nenhuma obrigação;
- Personalíssimo: é um contrato de confiança do credor com o fiador. Todavia, o credor não pode, por mero capricho, rejeitar o fiador indicado pelo devedor. Ele só pode rejeitar o fiador em três hipóteses: fiador sem idoneidade moral, sem idoneidade financeira ou residente fora do município de prestação da fiança;
- Solene: ou formal, a fiança exige forma escrita. Não existe fiança verbal. No contrato não precisa aparecer a palavra ''fiança", bastando uma cláusula em que o terceiro se responsabiliza pelo pagamento;
- Gratuito: ou benéfico, o credor só tem vantagens com a fiança. Não tem ônus. Exceção: fiador remunerado pelo credor, que é contrato oneroso, pois o credor tem vantagens e ônus;
- Subsidiário: o credor só pode penhorar os bens do fiador após exaurir o patrimônio do devedor (solidariedade não se presume). Exceção: se houver no contrato cláusula de solidariedade do fiador, caso em que o credor pode cobrar direto o fiador sem ter que primeiro cobrar o devedor;
- Acessório: a fiança pressupõe a existência de um contrato principal. Se o contrato principal for nulo ou extinto, a fiança será nula ou extinta, por força do princípio da gravitação jurídica (o acessório segue o principal). A fiança de um contrato já extinto é ineficaz, pois ela não surte efeito se não houver um contrato principal. Excepcionalmente, se o contrato principal for inválido em razão da incapacidade do devedor, a fiança é válida - art. 824 (ex.: locação assinada por menor púbere sem assistência é inválida, mas a fiança é válida). Tratando-se, porém, de contrato inválido de mútuo feito a menor, a fiança também será inválida. A fiança não pode ser mais onerosa que o contrato principal. Assim, os juros do fiador não podem ser maior que os juros do devedor. O fiador nunca poderá dever mais que o próprio devedor. O local de pagamento para o devedor não pode ser mais cômodo que o local de pagamento para o fiador. Prescrito para o devedor, prescreve para o fiador, mas prescrito para o fiador, não prescreve para o devedor. O imóvel em que reside o fiador da locação pode ser penhorado por dívida de aluguel - Lei nº 8.009/90, art. 3º, VII. Coloca-se o fiador em uma posição mais onerosa que o próprio devedor (ex.: fiador de locação comercial - a casa do fiador pode ser penhorada, mas a casa do devedor não). Alguns julgados sustentam que essa possibilidade de penhora é inconstitucional, por violar o direito constitucional à moradia.
3) Objeto da Fiança
A fiança pode recair sobre qualquer obrigação, seja de pagar, de dar, de fazer ou de não fazer. Dívida futura também pode ser objeto de fiança, mas o fiador só poderá ser acionado quando essa dívida se tornar líquida e certa para o devedor. A fiança é sempre uma obrigação de pagar dinheiro, ainda que a dívida principal seja de dar, de fazer ou de não fazer.
- Obrigação natural: não pode ser exigida judicialmente (ex.: dívida de jogo, prescrita, etc.). O art. 814, §1º proíbe fiança de dívida de jogo. É possível fiança de dívida prescrita ou de outras obrigações naturais? Uma corrente afirma que não, pois aplica-se por analogia o art. 814, §1º. Outra corrente diz que é possível, pois o CC não proíbe; se o devedor de uma dívida prescrita indica o fiador, esse ato é renúncia ao direito de alegar prescrição; logo, o devedor poderá ser cobrado judicialmente, sendo válida a fiança.
4) Interpretação da Fiança
É um contrário benéfico; logo, interpreta-se restritivamente. Não admite interpretação ampliativa ou extensiva (ex.: fiador que não anui aos aditamentos contratuais; logo, ele não responde por esses aditamentos - Súmula nº 214-STJ. Consta que o fiador responde pelos aluguéis; logo, ele não responde por incêndio, danos, IPTU). In dubio pro fiador.
Se, porém, o sujeito assina o contrato como fiador, sem se especificar a que ele responde, significa que a fiança é ilimitada, isto é, ele responde pelas mesmas dívidas que o devedor principal (ex.: aluguel, incêndio, danos, etc.).
5) Fiador
Pode ser qualquer pessoa física ou jurídica, desde que solvente.
Não pode ser fiador:
- Sociedade cujo contrato social proíbe que ela seja fiadora;
- Leiloeiro e tesoureiro - Dec. nº 21.981/32;
- Entidades públicas;
- Tutor e curador, em nome do incapaz.
O analfabeto pode ser fiador. Uma corrente exige que este contrato seja feito por instrumento público. Outra diz que basta a impressão digital - CC, art. 219.
O cego só pode ser fiador em contratos celebrados por instrumento público.
A pessoa casada só pode ser fiadora com autorização do cônjuge, salvo regime de separação de bens. Sem essa autorização, anula-se totalmente a fiança, isto é, o fiador não se vincula - Súmula nº 332-STJ. O prazo para a ação anulatória é de 2 anos a contar da dissolução da sociedade conjugal. É uma nulidade relativa. É possível autorização judicial para o cônjuge ser fiador sem a autorização do outro.
Se marido e mulher assinam ambos como fiadores, tem-se a fiança conjunta, isto é, ambos respondem. Se só o marido assina como fiador com autorização da mulher, só ele é fiador; logo, a meação dela estará preservada. Portanto, não se confunde fiança conjunta com autorização de fiança.
6) Subfiança ou Abono
É o fiador do fiador, com o objetivo de proteger o credor. O abonador tem responsabilidade subsidiária, isto é, o credor só poderá cobrá-lo quando os bens do devedor e do fiador se tornarem insuficientes. Protege o credor, sendo uma garantia a mais.
7) Retrofiança
É o fiador que existe para proteger o fiador, isto é, o fiador, ao pagar a dívida, passa a ter direito de regresso contra o devedor, e se o devedor não tiver bens, ele exerce esse direito de regresso contra o retrofiador. Protege o fiador.
8) Fiança Conjunta
É quando há mais de um fiador da mesma obrigação. Todos os fiadores têm responsabilidade subsidiária, isto é, somente após exaurido o patrimônio do devedor. Após exaurido o patrimônio do devedor, os fiadores são devedores solidários (entre si) perante o credor. O fiador que pagar tem direito de regresso contra os outros fiadores para cobrar uma parte de cada um, ou seja, no direito de regresso, a obrigação é divisível.
Perante o credor, após exaurido o patrimônio do devedor, os fiadores são devedores solidários entre si, salvo:
- Se o contrato limitou a responsabilidade de cada um;
- Se o contrato prevê expressamente o benefício de divisão. Nesse caso, cada fiador responde só por uma parte da dívida.
9) Fiança Mercantil
É a que visa garantir uma obrigação empresarial. É igual à fiança civil, sendo regida pelo CC.
10) Fiança e Aval
A fiança é acessória; logo, se o contrato principal for inválido, a fiança será inválida. Já o aval é uma obrigação autônoma; se o avalizado for absolutamente incapaz, ainda assim o avalista responde.
O fiador, em regra, tem benefício de ordem, e só pode ser cobrado quando o devedor não tiver mais bens suficientes para pagar a dívida. O avalista é devedor solidário, e pode ser cobrado ainda que o devedor tenha bens, a critério do credor.
Na fiança conjunta, o fiador tem direito de regresso contra os outros fiadores apenas para cobrar uma parte de cada um. Já o avalista tem direito de regresso para cobrar todo o débito dos avalistas anteriores.
11) Desoneração do Fiador
a) Fiança com prazo certo: o fiador não pode se exonerar antes do prazo, salvo se houver concordância do credor. Expirado o prazo, o fiador está automaticamente liberado;
b) Fiança sem data limite: neste caso, há duas situações:
- Contrato principal por tempo indeterminado, ou sem prazo: o fiador também se vincula por tempo indeterminado, mas ele pode se exonerar a qualquer tempo, bastando notificar o credor, dando por extinta a fiança. Esta notificação pode ser extrajudicial. Após a notificação, o fiador ainda fica vinculado por 60 dias, e se for contrato de locação, por 120 dias;
- Contrato principal por prazo certo de duração: nesse caso, o fiador se vincula até o prazo do contrato. Vencido esse prazo, o fiador está automaticamente exonerado, ainda que o contrato se prorrogue por tempo indeterminado. Exceção: contrato de locação, que se prorroga por tempo indeterminado, o fiador continua vinculado até a devolução do imóvel, caso em que pode exonerar-se notificando o locador, quando então permanecerá vinculado por 120 dias.
12) Efeitos da Fiança
a) Benefício de ordem, ou de excussão: o fiador tem o direito de exigir que primeiro sejam excutidos bens do devedor, pois sua responsabilidade é subsidiária. Sob pena de preclusão, o fiador deve alegar o benefício de ordem na contestação do processo de conhecimento, indicando os bens que o devedor possui no mesmo município. Na fase de execução o fiador só poderá alegar o benefício de ordem se este foi alegado na fase de conhecimento e reconhecido pela sentença. O fiador não terá o benefício de ordem se o devedor for insolvente, ou se no contrato o fiador renunciou expressamente a este benefício, ou ainda se o contrato constou que o fiador é devedor solidário (renúncia tácita ao benefício de ordem);
b) Prosseguimento no processo: se o credor inicia o processo contra o devedor e o paralisa injustificadamente, o fiador pode requerer ao Juiz o andamento do processo. O fiador não pode mover a ação em nome do credor, mas pode prosseguir com a ação;
c) Chamamento ao processo: o fiador que figura como réu na ação de cobrança pode, no prazo da contestação, chamar ao processo o devedor e os outros fiadores, para que figurem como réus junto com eles. Nesse caso, o fiador usa a mesma sentença que o condenou para executar os outros réus em direito de regresso. Se não fizer o chamamento, cabe direito de regresso, mas o fiador terá que mover ação de conhecimento. Não é possível o chamamento ao processo no rito sumário nem no processo de execução;
d) Sub-rogação: o fiador que paga a dívida sub-roga-se nos direito do credor, isto é, adquire o crédito com todas as garantias e acessórios que o credor tinha (juros, hipoteca, etc.). O fiador ainda tem direito a perdas e danos contra o devedor pelos prejuízos que teve. O fiador não terá direito de regresso:
- Se pagou o que não era devido (ex.: dívida nula, extinta, etc.);
- Se o devedor não foi avisado do pagamento e por isso também pagou o credor. Nesse caso, o fiador terá direito de regresso contra o credor. Se o fiador faz doação ao credor no valor do crédito, o credor continua com o direito de cobrar o fiador e o devedor.
13) Extinção da Fiança
Causas:
a) Expiração do prazo de vigência: se a fiança tem data certa, ela se extingue automaticamente;
b) Se o credor conceder moratória ao devedor sem consentimento do fiador. Moratória é a concessão de prazo após o vencimento;
c) Se por culpa do credor ficarem prejudicadas as vantagens que o fiador tinha na sub-rogação (ex.: credor abre mão da hipoteca; logo, extingue-se a fiança);
d) Dação em pagamento: é a extinção da obrigação com entrega de uma prestação diversa da devida (ex.: deve dinheiro, entrega um carro). Na verdade, qualquer forma de extinção da obrigação extingue também a fiança. Se houver evicção, isto é, perda por sentença da coisa dada em pagamento, a fiança continua extinta. A evicção faz ressurgir a obrigação principal, mas não a fiança, que continua extinta;
e) Novação e transação feita entre credor e devedor sem consentimento do fiador;
f) Se o fiador alegou o benefício de ordem, indicou os bens do devedor, mas o credor demorou para mover a execução, e quando moveu o devedor havia se tornado insolvente;
g) Morte do fiador: os herdeiros respondem pelas dívidas constituídas até a data do óbito. A morte do devedor ou do credor não figuram como causas de extinção da fiança, mas a partir da morte do devedor, o fiador tem 30 dias para pedir a exoneração, a partir do momento em que toma ciência da morte.
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