quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

02 - Da Posse - Efeitos


Dos Efeitos da Posse

1) Defesa Direta da Posse pelo Possuidor ou Detentor (Proteção da Posse) - art. 1.210, §1º

Defesa direta da posse é o "fazer justiça com as próprias mãos", sendo uma reminiscência da vingança privada, sem que configure, no entanto, o crime tipificado no CP, art. 345 (exercício arbitrário das próprias razões).

Duas são as formas de defesa direta:

a) Legítima defesa da posse: é a reação imediata e moderada à turbação da posse;
  • Turbação da posse: é a molestação, a perturbação da posse, sem que tenha havido perda.
b) Desforço imediato: é a reação imediata e moderada ao esbulho possessório;
  • Esbulho possessório: é a perda da posse, em razão de violência, clandestinidade ou precariedade.
Em ambas, a reação deve ser imediata, pois, se tardia, caracteriza vingança. Porém, o que se entende por reação imediata? Reação imediata não é apenas aquela que se dá incontinenti, imediatamente, mas também, segundo o Prof. Carvalho Santos, aquela em que tão logo seja possível ao agente agir (ex.: um mês após o furto de seu automóvel, você vê o ladrão passando com ele pela rua. Você pode, por sua própria força, recuperar a posse do bem).

A rigor, é possível até mesmo o uso da violência, e com arma até, desde que haja proporção com o bem jurídico lesado. Há entendimento do sentido de que o Juiz, ao analisar se a reação foi moderada ou não, deva fazer uso do critério do homem médio. Há, no entanto, posição no sentido de que deva ser analisado o caso concreto.


2) Direito ao Uso dos Interditos Possessórios (Proteção da Posse)

Interditos são as ações possessórias, e apenas três são as ações tipicamente possessórias. Referidas ações só pode ser proposta por aquele que tem ou teve posse justa, independentemente de boa-fé. É bom lembrar que o possuidor injusto também tem direito aos interditos, desde que sua posse seja justa em relação ao adversário (ex.: ladrão tem ação contra quem lhe furta o mesmo bem anteriormente furtado):

a) Reintegração na posse: é a que visa recuperar a posse perdida. É cabível, portanto, quando houver esbulho, que é a perda da posse, seja em razão de violência, clandestinidade ou precariedade.

b) Manutenção na posse: é cabível quando haja turbação, isto é, perturbação da posse. Portanto, não houve perda. 
  • Nessas duas ações, a inicial deve mencionar a data do esbulho ou da turbação, para que se possa saber se a ação é de força nova ou se é de força velha (para fins de liminar, apesar da tutela antecipada que pode ser concedida - CPC, art. 273).
c) Interdito proibitório: é cabível quando houver justo receio de turbação ou esbulho. Ainda não há turbação nem esbulho, mas há uma ameaça concreta da ocorrência deles (ex.: o MST diz na tv que a próxima fazenda a ser invadida será a sua). Trata-se, portanto, de uma ação preventiva, pois visa evitar a consumação do esbulho ou da turbação. Na inicial, deve-se pedir ao Juiz que espessa mandado de proibição de turbação e esbulho, sob pena de multa diária.


2.1) Dos Princípios Atinentes às Ações Tipicamente Possessórias

a) Princípio da fungibilidade ou da conversibilidade dos interditos: significa que a propositura de uma ação possessória em vez de outra não impedirá que o Juiz conheça do pedido, conferindo a proteção possessória necessária ao caso concreto. Isto porque o que se pede nas ações possessórias é a apenas a proteção possessória, variando apenas a situação fática;

b) Princípio da natureza dúplice das possessórias: é aquela em que o réu pode formular pedido na contestação como se fosse também autor, ampliando desta forma os limites do julgamento. Nas ações dúplices, a contestação pode servir como meio de defesa e como petição inicial. Também, os litigantes podem assumir simultaneamente a posição de autor ou réu, razão pela qual não se admite reconvenção.
  • Processualistas mais modernos, no entanto, sustentam que as ações possessórias não são ações de natureza dúplice. Quando muito, elas podem ser dúplices pelo procedimento, pois o que se tem é uma situação de pedido contraposto. Isto porque as possessórias dependem de pedido expresso do réu na contestação de proteção possessória.
c) Princípio da proibição da exceptio proprietatis: instaurado o juízo possessório, será discutida a posse, sendo proibida a defesa que alegue propriedade. Vence a ação possessória quem provar ter a melhor posse, independentemente de quem seja o proprietário. No entanto, no CC/1916 admitia-se duas exceções a este princípio, isto é, o Juiz julgava a possessória em favor do proprietário em dois casos:
  • Quando ambos os contendores disputavam a posse com base no título de propriedade. Aplicava-se a Súmula nº 487-STF: SERÁ DEFERIDA A POSSE A QUEM, EVIDENTEMENTE, TIVER O DOMÍNIO, SE COM BASE NESTE FOR ELA DISPUTADA;
  • Quando fosse duvidosa a posse dos litigantes, ou seja, quando nenhuma das partes conseguiu comprovar suficientemente sua posse. O Juiz então decidia em favor do proprietário. Há entendimentos no sentido de que neste caso o Juiz deveria julgar a ação improcedente.
Essas exceções surgiram em razão da letra do art. 505 do CC/1916, cuja segunda parte contradizia o que estava escrito na primeira parte. O NCC, no entanto, no art. 1.210, §2º, não reproduziu aquela segunda parte do CC/1916. Apesar disso, prevalece o entendimento de que nestas duas situações o Juiz deva entregar a posse ao proprietário.

  • Observação ao CPC, art. 926: à primeira vista, referido dispositivo dá a entender que no curso de uma ação possessória não é possível ingressar com uma ação dominial em paralelo para pleitear o reconhecimento da propriedade. Referido entendimento, no entanto, é inconstitucional por violar o direito de ação (inafastabilidade). O melhor entendimento é no sentido de que a vedação do art. 923 só é aplicável quando a posse estiver sendo discutida numa ação possessória com base no domínio, ou seja, naqueles casos em que se admite a exceptio proprietatis.

2.2) Das Ações Petitórias ou Dominiais

São aquelas em que se discute propriedade. Vence essa ação quem provar que tem a propriedade. Embora sejam ações petitórias, elas também se prestam à defesa da posse. São elas:

a) Ação de imissão de posse: é aquela proposta pelo proprietário que nunca teve posse. O pedido do proprietário é o de aquisição da posse que ele nunca teve. Com a inicial é preciso juntar a matrícula do imóvel, provando dessa forma que é proprietário do bem (não basta juntar mero compromisso de compra e venda, pois é insuficiente). O rito é o ordinário ou o sumário, dependendo do valor da causa. Não há rito especial;

b) Ação reivindicatória: é aquela proposta pelo proprietário que já teve posse, mas a perdeu. O pedido do proprietário é o de reaquisição, de recuperação da posse perdida. É o mesmo pedido da ação de reintegração de posse. O que muda é a causa de pedir, pois na reivindicatória discute-se propriedade. O rito é o ordinário ou o sumário, dependendo do valor da causa.
  • Se o proprietário que nunca teve posse, ao invés de ingressar com ação de imissão propõe a reivindicatória, duas são as posições: 
  • A primeira diz que é caso de extinção do processo sem resolução do mérito, por ter entrado com a ação errada. Essa posição é combatida em razão do formalismo exacerbado;
  • Uma segunda posição afirma que o Juiz deve receber como se imissão fosse, pois a reinvindicatória seria gênero, sendo a de imissão uma de suas espécies (fundamentar também no princípio da economia processual, instrumentalidade, fungibilidade).
c) Ação publiciana: é aquela proposta pelo proprietário que, após completar o prazo para a usucapião, acaba por perder a sua posse. É movida, portanto, pelo proprietário que não dispõe de título de domínio. Referida ação visa obter a posse perdida, provando-se na ação que já é proprietário por força da usucapião. Trata-se de uma ação rara na prática, pois prefere-se a propositura da ação de reintegração de posse. Ela pode ser útil na hipótese do proprietário ter perdido sua posse há mais de ano e dia, pois com a propositura da publiciana visa-se recuperar a posse discutindo a propriedade;

d) Negatória: é aquela movida pelo proprietário que sofrer atos de turbação da posse. Visa, portanto, a cessação dos atos de turbação. O pedido é o mesmo da ação de manutenção de posse, mudando a causa de pedir (aqui, a causa é a propriedade);

e) Ação declaratória positiva ou negativa: é aquela que tem por finalidade a obtenção de uma sentença que torne incontroverso o direito de propriedade. É cabível quando houver dúvida sobre a autenticidade do título de propriedade.


2.3) Outras Ações

Existem ações que não são nem possessórias nem petitórias, sendo conferidas tanto ao proprietário quanto ao possuidor, se prestando também à defesa da posse:

a) Embargos de terceiro;

b) Ação de nunciação de obra nova;

c) Ação de dano infecto.


3) Da Percepção dos Frutos

Frutos são as produções normais e periódicas de uma coisa, e uma vez destacado do principal não acarretam na sua destruição. Os frutos se reproduzem automaticamente.

Produtos, quando extraídos do principal, acarretam na sua destruição, ainda que paulatina (ex.: ouro do garimpo). Ademais, não se reproduzem automaticamente.

  • O possuidor de boa-fé tem direito aos frutos colhidos tempestivamente, se os colheu durante a boa-fé. Quanto aos frutos civis (juros, aluguéis) reputam-se colhidos dia a dia, não precisam ser sacados. Até o dia em que esteve de boa-fé, o possuidor a eles terá direito. Quanto aos demais frutos, o possuidor de boa-fé a eles terá direito se os colheu efetivamente durante a boa-fé. O possuidor de boa-fé deverá devolver ou indenizar os frutos colhidos antecipadamente, ainda que de boa-fé;
  • O possuidor de má-fé tem que devolver ou indenizar todos os frutos colhidos, ou que se perderam por sua culpa. Ele não tem direito a fruto algum, mas tem direito de ser indenizado pelas despesas de produção e custeio desses frutos, em razão do princípio que veda o enriquecimento sem causa;
  • O possuidor de boa-fé e o de má-fé tem que devolver ou indenizar os produtos colhidos.

4) Da Indenização pelas Benfeitorias

O possuidor de boa-fé tem o direito de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias e úteis, e pelo valor atual delas, e não pelo valor de custo.

Quanto às benfeitorias voluptuárias, o possuidor de boa-fé não tem direito à indenização, mas tem o direito de levantá-las (ius tollendi) e levá-las embora consigo, se isso for possível, isto é, desde que não haja dano à coisa. Se o levantamento não for possível, o possuidor de boa-fé as perde sem que haja qualquer indenização. Se o levantamento for possível, mas se o proprietário quiser ficar com elas, ele fica, mas deverá indenizar o possuidor de boa-fé.

O possuidor de má-fé só tem direito de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias, mas cabe ao proprietário optar se indeniza pelo valor atual ou se pelo valor de custo - art. 1.222. Quanto às úteis e às voluptuárias, ele as perde sem qualquer indenização. De acordo com o art. 1.221, o proprietário pode compensar o valor da benfeitoria com os danos causados no imóvel pelo possuidor.


5) Do Direito de Retenção pelas Benfeitorias

É uma faculdade concedida ao possuidor de boa-fé de manter-se na posse do bem até ser indenizado pelas benfeitorias necessárias e úteis. Não há direito de retenção pelas voluptuárias.

Ao possuidor de má-fé, embora tenha direito de ser indenizado pelas benfeitorias necessárias, não lhe assiste o direito de retenção pelas mesmas - art. 1.220.

Para a posição dominante, o direito de retenção tem natureza real, pois pode ser exercido contra qualquer pessoa que pretenda recuperar o bem. Se fosse de natureza pessoal, seria relativo, e só poderia ser invocado perante a pessoa que transmitiu a posse.

O direito de retenção deve ser arguido na contestação da ação que visa a retomada do bem, seja ela uma possessória, ou uma petitória, ou uma ação de despejo.

Apesar da omissão do CC, pela lógica também é cabível o direito de retenção quanto às acessões industriais.


6) Da Responsabilidade pela Perda ou Deterioração da Coisa

O possuidor de boa-fé é obrigado a indenizar se teve culpa pela perda ou deterioração. Ele não precisa indenizar as perdas e os danos decorrentes de caso fortuito ou de força maior.

O possuidor de má-fé tem responsabilidade objetiva, pois ele tem que indenizar as perdas e os danos decorrentes de caso fortuito ou força maior. Ele não indeniza quando provar que a perda ou o dano aconteceria do mesmo jeito se a coisa estivesse em poder do proprietário.











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