sábado, 31 de janeiro de 2015

23 - Responsabilidade Civil do Estado


Responsabilidade Civil do Estado - CF/88, art. 37, §6º

Responsabilidade civil é a obrigação de indenizar.


1) Atos Comissivos

Existem diferenças na disciplina jurídica dos casos de danos por atos comissivos e dos danos causados por omissão do Poder Público.

Ato comissivo é a ação, é o ato positivo do agente público, ato que dá causa a alguma coisa (o contrário da omissão).

A regra geral é a de que a responsabilidade civil do Estado por atos comissivos de seus agentes é objetiva.


1.1) Responsabilidade Objetiva

O lesado tem direito à reparação, sem necessidade de provar dolo ou culpa, isto é, independe do elemento subjetivo, da intenção. Basta demonstrar que sofreu um dano e o nexo de causalidade entre este e a ação do agente. Assim, não se perquire a subjetividade do causador do dano.
  • Nessa matéria, o direito brasileiro adota a teoria do risco administrativo.

1.2) Teoria do Risco

Quem exerce uma atividade que contenha riscos, assume os prejuízos que ela eventualmente venha a causar a terceiros.
  • Há quem entenda que qualquer pessoa que execute uma atividade de risco, responde objetivamente (ex.: todo motorista responderia objetivamente pelos danos causados na condução do veículo automotor);
  • Entretanto, da Constituição não pode se tirar tal conclusão, senão por uma construção normativa que até o presente momento não foi expressivamente validade pelo Poder Judiciário.

1.3) Fundamento Constitucional - art. 37, §6º

"As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

a) Responsáveis da norma: a norma atinge toda pessoa de direito público, e também as pessoas de direito privado prestadoras de serviço público;
  • As exploradoras de atividade econômica, ainda que integrantes da Administração Pública, ficam de fora dessa regra. Assim, não se enquadram no conceito de fazenda pública as empresas públicas e as sociedades de economia mista, porquanto disputam mercado com particulares, sendo desigual seu tratamento com as prerrogativas da fazenda pública - CF/88, art. 173. Com efeito, são pessoas jurídicas de direito privado - CC, art. 44, II. Portanto, seguem o que dispuser o direito privado;
  • Sendo a empresa pública ou a sociedade de economia mista prestadoras de serviço público, respondem objetivamente, tal como ocorre com as concessionárias e permissionárias do serviço público;
  • Há quem defenda a responsabilidade subsidiária do Estado no caso de empresa pública e sociedade de economia mista exploradoras de atividade econômica não terem patrimônio suficiente. A alegação contrária é a de que a própria lei de falência excluiu expressamente essa possibilidade - art. 2º, II.
b) Objeto da norma: são os atos comissivos, as ações, os atos positivos praticados por agentes. Assim, não envolve omissões, que serão adiante tratadas;

c) Agente: não abrange apenas os servidores públicos, mas também os empregados das entidades de direito privado prestadoras de serviço público, o que inclui as concessionárias e permissionárias de serviço público;
  • Terceiro: é tanto o usuário do serviço público que sofreu um dano quanto o não usuário que também sofreu. Para o caso das delegatárias (PJD Privado prestadoras de serviços públicos), sua responsabilidade é objetiva, tanto em relação aos danos causados aos usuários, quanto aos não usuários - Pleno do STF, RE nº 591.874/2009 (ex.: acidente com ônibus coletivo - tanto os passageiros quanto os transeuntes que sofreram o dano são indenizados).
d) Qualidade de agente público: para haver responsabilidade civil do Estado, não basta que o causador do dano seja agente público; ele deve cometer a ação no exercício da função pública ou a pretexto de exercê-la;
  • Se o indivíduo é agente público e causa o dano em atividade totalmente estranha à sua função pública, não haverá responsabilidade do Estado (ex.: policial que faz 'bico' na folga, SEM se valer da arma da corporação, uniforme, distintivo, documento ou outro meio pelo qual pretenda impor a autoridade de agente público).
e) Princípio da impessoalidade: se o servidor, no exercício de sua função, causar prejuízo a terceiros, a responsabilidade será do Estado, e não do próprio agente. Por isso, o particular não processa diretamente o servidor, mas sim a Administração, sob pena de ilegitimidade passiva. Após o ressarcimento deste terceiro, o Estado então ajuizará ação de regresso contra o servidor; porém, a responsabilidade do agente público é subjetiva (a Administração tem de demonstrar dolo ou culpa de seu agente);
  • O dever de indenizar se estende aos sucessores do servidor, até o limite da herança;
  • Há forte corrente no sentido de que o Estado não pode fazer denunciação à lide contra o servidor nos mesmos autos da ação indenizatória movida pelo particular (isso alteraria os fundamentos da lide e retiraria a economia processual que informa esse instituto);
  • Lembar: ressarcimento ao Erário conta com ressalva que impede que a lei estabeleça prazo de prescrição; logo, não prescreve - art. 37, §5º.
PGFN 2012
56- Assinale a opção que corresponde ao entendimento atualmente esposado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a responsabilidade civil das empresas concessionárias de serviços públicos.
a) Há responsabilidade somente perante os usuários do serviço público, na modalidade do risco administrativo.
b) Há responsabilidade somente perante os usuários do serviço público, desde que caracterizada ao menos culpa da prestadora do serviço.
c) É reconhecida a possibilidade de responsabilização em face de dano causado a não-usuário do serviço, uma vez caracterizada ao menos culpa da concessionária e nexo de causalidade entre a conduta e o resultado prejudicial.
d) É reconhecida a possibilidade de responsabilização objetiva das concessionárias, mesmo em face de terceiros não-usuários do serviço.
e) A teoria da responsabilidade subjetiva é aplicável tanto perante usuários como não-usuários do serviço público, considerando-se que as concessionárias são empresas privadas que não integram o Poder Público.
GABARITO: D


1.4) Excludentes da Responsabilidade Civil do Estado

a) Teoria do risco administrativo: admite as excludentes de responsabilidade civil:
  • Fato de terceiro;
  • Culpa exclusiva da vítima;
  • Caso fortuito;
  • Força maior. 
O dever de indenizar, segundo essa teoria, não é absoluto. É a teoria adotada pela CF/88, apesar de correntes doutrinárias afirmarem diferentemente. O ônus da prova da excludente é da Administração. Se o Poder Público não conseguir provar a excludente, arcará com a responsabilidade pelo dano.


b) Teoria do risco integral: a teoria que não admite excludente de responsabilidade é a chamada "teoria do risco integral". É uma responsabilidade objetiva agravada, onde se entende que basta haver o dano para haver o dever de indenizar. Ela é absolutamente excepcional em nosso ordenamento jurídico, sendo admitida nos casos de:
  • Acidentes do trabalho;
  • Sinistros de trânsito cobertos pelo seguro obrigatório DPVAT; 
  • Atentados terroristas em aeronaves brasileiras - Leis especiais nº 10.309/01 e 10.744/03. A União assumiu as despesas em caso de atentado contra avião de matrícula brasileira.
Existe controvérsia sobre a admissão da teoria do risco integral em outras duas hipóteses: 
  • Danos nucleares (controvérsia na doutrina); e 
  • Danos ambientais (controvérsia na doutrina e jurisprudência). 
Para quem admite a teoria do risco integral em matéria de dano ambiental, ela só seria aplicável para danos causados por particulares. Quando causados por ação do Estado, adotar-se-ia a teoria do risco administrativo normalmente, admitindo-se as excludentes.


2) Atos Omissivos

Em matéria de omissão, a responsabilidade civil do Estado é subjetiva, isto é, não é objetiva, cabendo ao interessado demonstrar a culpa da Administração, além do dano e do nexo de causalidade entre tal omissão e o dano. Essa culpa é também chamada de "culpa anônima", pois não precisa ser necessariamente personalizada (dispensa identificar um preciso agente público responsável e perquirir sobre sua conduta individual). Haverá uma culpa: uma negligência, uma imperícia, uma imprudência - mas ela será do serviço público (isto é, na falta do serviço público).
  • Falta do serviço: a ideia aqui é a de que o Estado não agiu quando deveria agir, e que se tivesse agido, teria impedido a consumação do dano. Relaciona-se a situações de fatos de terceiros ou da natureza que ocasionaram um dano, e que se o serviço público da área tivesse agido de forma correta e ordinária, o fato danoso não teria ocorrido (ex.: danos de enchente - se comprovar que houve enchente porque bueiros e galerias pluviais estavam mal conservados, cabe responsabilidade do Estado - omissão na limpeza e conservação. Se na mesma situação demonstrar-se que o escoamento estava normal, e que o que aconteceu foram chuvas em excesso e de imprevisível intensidade, como chuva recorde, não há responsabilidade do Estado, pois houve força maior, se bem que alguns chamam de caso fortuito, e outros dizem ser expressões sinônimas). 
  • O autor da ação deve demonstrar que o Estado não agiu onde e quando tinha dever de agir, e que houve nexo entre a falta ou deficiência na prestação e o dano por ela sofrido (ex.: estrada esburacada que danifica roda de veículo, vindo este a colidir em razão disso).
  • Existe controvérsia sobre  a quem incumbiria o ônus da prova: se é o particular quem deve provar a falha do serviço ou se é o Estado quem deve demonstrar que o serviço não falhou.
Interessante que a Constituição não fala da responsabilidade do Estado por omissões, muito embora, como visto, essa responsabilidade naturalmente exista, de forma subjetiva - CABM. 

Doutrina minoritária defende que essa responsabilidade por omissão também seria objetiva, tal como ocorre nos atos comissivos.
  • Quanto ao dano ambiental causado pelo Estado por omissão no exercício do poder de polícia, o STJ, no julgamento do REsp nº 1.074.711 entendeu que a responsabilidade é objetiva, pois decorre de expressa previsão legal em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente - Lei nº 6.938/81, art. 14, §1º. Ademais, quando as circunstâncias indicarem a presença de ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra do texto constitucional, a responsabilidade deve ser objetiva, levando em conta o marco constitucional de garantia dos processos ecológicos essenciais e da legislação. Entretanto, a execução de eventual condenação do Estado em indenizar pelo dano ambiental é subsidiária (objetiva, solidária, mas de execução subsidiária - um rolo!) pois deve-se primeiro excutir os bens do devedor principal que esteja envolvido, isto é, aquele a quem o Estado deveria ter fiscalizado melhor.

3) Responsabilidade Civil do Estado por Atos Lícitos

O Poder Público também pode ter que indenizar por danos oriundos de atos lícitos (ex.: obra pública que beneficiou toda coletividade, mas depreciou e prejudicou um determinado imóvel). O fundamento da responsabilidade, neste caso, é a isonomia: a repartição equânime dos ônus e impactos provenientes de atos estatais entre todos os cidadãos. Se todos são beneficiados pelos fins da administração, todos devem igualmente suportar os danos decorrentes dessa atividade, ainda que executada de forma regular.


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