terça-feira, 13 de janeiro de 2015

08 - Crimes de Trânsito


Crimes do Código de Trânsito Brasileiro - Lei n. 9.503/97


Na parte penal, a matéria está dividida em duas partes. A primeira são as disposições gerais - art. 291 ao 301; a segunda cuida dos crimes em espécies - art. 302 ao 312. Entretanto, os artigos anteriores auxiliam na interpretação dos crimes contidos nesta lei (ex.: os arts. 1 e 2 estabelecem que o CTB cuida do tráfego terrestre de veículos e pedestres, não se aplicando portanto a eventos ocorridos no ar ou em água); o art. 96 e anexo determina quais veículos são tutelados pelo CTB, e não incluem aviões, barcos e trens que trafegam em trilhos, exceto bondes; assim, barcos e aviões em terra não são regidos pelo CTB).


1) Disposições Gerais

O art. 291 determina a aplicação subsidiária do CP, CPP e da Lei n 9.099/95.

Com a lei seca - Lei n. 11.705/08, a redação deste artigo foi alterada especificamente para cuidar do crime de lesão corporal culposa do CP, art. 303. Este crime é uma infração penal de menor potencial ofensivo, e portanto incidem todas as medidas despenalizantes da Lei n. 9.099/95. Todavia, quando este crime for praticado nas seguintes condições:
  • sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência
  • em competição, disputa, corrida ou demonstração de manobra perigosa não autorizados pela autoridade; 
  • em velocidade excessiva, de 50km/h acima do permitido;

Consequências:
  • são proibidas a composição de danos e transação penal;
  • a ação penal será pública incondicionada e;
  • a autoridade policial deverá instaurar inquérito para apurar o crimes.


2) Penas

O CTB estabelece um sistema próprio com 4 PRDs, que poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente com outras penas.

a) Suspensão da Habilitação: 

b) Suspensão da Permissão;

c) Proibição de obter Habilitação;

d) Proibição de obter Permissão.

Essas penas poderão ser impostas em duas situações:
  • Na sentença condenatória: neste caso, terão a duração de dois meses a cinco anos, fixadas conforme o sistema trifásico do CP, art. 68. Essa restrição não será executada enquanto o condenado eventualmente estiver recolhido em estabelecimento penal. Alguns crimes do CTB têm a previsão dessas penas em abstrato no preceito secundário (ex.: arts. 302, 303, 306, 308). Outros crimes, porém, não têm a previsão destas penas no preceito secundário (ex.: arts. 309 e ss.), casos em que essas penas serão aplicadas sem prejuízo das demais quando o agente for reincidente específico em crimes do CTB - art. 296;
  • Como medida cautelar: durante o inquérito ou o processo, para a garantia da ordem pública, de ofício ou mediante requerimento do MP ou representação da autoridade policial - art. 294. Da decisão que defere ou indefere esta medida caberá RESE, sem efeito suspensivo.
O agente terá 48 para entregar o documento à autoridade, na hipótese de suspensão. Caso contrário, praticará o crime omissivo próprio do CTB, art. 307, Parágrafo único.



3) Multa Reparatória - art. 287

Trata-se de uma quantia paga à vítima ou sucessores com base no prejuízo material verificado pelo crime e presente nos autos, que poderá ser descontada de eventual e futura ação indenizatória.

Esta multa será calculada da mesma maneira que a multa do CP, art. 49 e ss. (sistema de dias-multa, de 10 a 360, no valor de 1/30 a 5 salários mínimos). 

Orientação majoritária sustenta que esta multa reparatória é constitucional e tem natureza penal.


4) Circunstâncias Agravantes Específicas - art. 298

Este artigo enumera sete agravantes, que somente incidem nos crimes previstos neste CTB. Ex.:

a) Agente sem habilitação ou permissão;

b) Veículo com sistemas de segurança alterados sem autorização.
  • Essas agravantes não afastam a incidência das genéricas do CP (ex.: reincidência). Elas incidem nos crimes dolosos e culposos do CTB.

4) Prisão e Fiança

Para estimular o socorro, o art. 301 proíbe a lavratura do APDF, bem como a imposição de fiança ao agente que prestar pronto e integral socorro à vítima de acidente automobilístico - art. 301.


5) Crimes em Espécie - arts. 302 a 312

Em provas de concurso, exige-se a lembrança das penas cominadas e principalmente, no caso de crimes culposos de homicídio e lesão corporal, quando incidirá o CTB ou o CP.


5.1) Crimes Culposos do CTB

a) Homicídio culposo na direção de veículo automotor - art. 302. Pena de detenção de 2 a 4 anos e a suspensão da habilitação ou permissão, ou a proibição de obtê-las: a objetividade jurídica é a vida. A ação penal é pública incondicionada. É o crime mais grave do CTB, na forma simples, e não admite nenhum instituto da Lei n. 9.099/95, nem mesmo a suspensão condicional do processo.

  • Com a Lei n. 12.971/14, em vigor a partir de 01 de novembro de 2014, foi criada a figura do homicídio culposo qualificado, isto é, aquele que tem uma pena autônoma. A pena é de reclusão de 2 a 4 anos, e a suspensão da habilitação ou permissão, ou a proibição de obtê-las. Na prática, essa mudança de detenção para reclusão não gera muita diferença. Neste caso, o homicídio culposo é praticado sob a influência do álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência;
  • A parte final deste art. 302, $2, deve ser desconsiderada, porque a mesma situação tem tratamento jurídico mais abrangente no art. 308, $2 do CTB, qual seja, o crime de competição não autorizada seguido de morte, apenado com reclusão de 5 a 10 anos. 
  • A previsão deste crime culposo qualificado não afeta a caracterização de crimes de homicídio com dolo eventual decorrentes de embriaguez. 

b) Lesão corporal culposa na direção de veículo automotor - art. 303. Pena de detenção de 3 meses a 2 anos e a suspensão da habilitação ou permissão, ou a proibição de obtê-las: a objetividade jurídica é a integridade física e a saúde da pessoa. Como regra, a ação penal é pública, mas condicionada à representação - Lei n. 9.099/95, art. 88. Todavia, nas hipóteses do art. 291, é afastada a incidência do art. 88, tornando a ação condicionada.
  • Como regra, este crime admite todas as medidas despenalizantes da Lei n. 9.099/95. Todavia, nas hipóteses do art. 291, são proibidas a composição de danos e a transação penal, bem como a lavratura de termo circunstanciado, pois a a autoridade policial deverá instaurar inquérito para apurar o crime nessas situações;
  • Pontos comuns entre os crimes dos arts. 302 e 303:
  • São os únicos crimes culposos do CTB; 
  • Pacificamente, admitem o perdão judicial, pelas seguintes razões: 
  • O perdão judicial previsto no CP art. 107, IX, enquanto causa de extinção da punibilidade, somente poderá ser aplicado nos casos previstos em lei, sendo proibida a analogia por se tratar de norma excepcional (a analogia em bonam partem em norma excepcional é vedada); 
  • Ocorre porém que o art. 300 do CTB que previa perdão judicial nesses crimes culposos foi vetado, inexistindo assim o perdão judicial; 
  • Mas esse veto presidencial foi motivado, ao fundamento de que o perdão judicial previsto no CP para os crimes homônimos já é suficiente, e cuida de forma abrangente desta questão no CP, art. 121, $5. e 129, $4., estabelecendo que se as consequências do crime atingirem o agente de forma grave, a pena se torna desnecessária, isto é, o Juiz pode deixar de aplicá-la; 
  • Ademais, historicamente, o perdão judicial nos crimes culposos de homicídio e lesão corporal do CP teve origem em razão do incremento dos acidentes automobilísticos no Brasil
  • São crimes de dano; 
  • Exigem na sua caracterização as seguintes elementares: 
  • Que o agente esteja na direção de veículo automotor, isto é, no controle dos meios de orientação e sentido deste veículo, ainda que de forma remota; 
  • Veículo automotor incluído como tal na tutela do CTB, art. 96 e anexo  I (ex.: pessoa na "banguela" que provoca acidente com vítima; pessoa que estaciona mal o seu veículo e acarreta acidente com vítima; pessoa que empurra o carro e acarreta acidente com vítima).
Pessoa que acarreta acidente automobilístico por sua culpa exclusiva sem estar na direção de veículo automotor responderá por crime do CP (ex.: pedestre que derruba motoqueiro).
Via pública, conforme orientação majoritária, não é requisito (ou elementar) nestes crimes. Basta que o local admita tráfego de veículo automotor (ex.: posto de gasolina e estacionamentos, sítios e fazendas, etc.). Isto porque quando o CTB quis que via pública fosse elementar, ele expressamente determinou, como acontece nos crimes dos arts. 308 e 309.
  •  Somente nesses dois crimes incidem as quatro seguintes causas de aumento de pena, na proporção de 1/3 até 1/2: 
  • Crime praticado por agente sem habilitação ou permissão; 
  • Crime praticado sobre a calçada ou faixa de pedestres; 
  • Omissão de socorro, sem risco pessoal, à vítima do acidente; 
  • Agente que na sua atividade exerce transporte de passageiros.
Como já visto, na lesão corporal do art. 303 a ação é condicionada à representação. De outro lado, nos crimes de omissão de socorro e direção sem habilitação, previstos respectivamente nos arts. 304 e 309 do CTB, a ação penal é incondicionada. No crime de lesão corporal do art. 303, seguido de omissão de socorro ou falta de habilitação, quando a vítima não representa o autor, o MP poderá denunciá-lo pelo resquício, isto é, pela omissão de socorro o pela falta de habilitação? De acordo com o STF e STJ, operada a consunção do crime de perigo pelo crime de dano, se a vítima deste último não teve interesse em processar o agente, muito menos terá o Estado em relação àquele menos grave. Portanto, não poderá ser proposta  a denúncia em relação ao resquício. Trata-se de uma exceção jurisprudencial à regra contida no CP, art. 101. Estabelecida a figura do crime complexo, em regra, todo crime se torna de ação pública incondicionada; mas neste caso o crime de dano (mais grave) comanda a natureza jurídica do crime complexo. Se a vítima não representa no mais, não pode o MP atuar no menos.


5.2) Omissão de Socorro - art. 304

Este crime é caracterizado não só pela omissão do socorro mas também pela omissão da comunicação à autoridade quando o socorro, por justa causa, não puder ser diretamente prestado.

O sujeito ativo, neste crime, somente poderá ser condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito com vítima sem culpa nos ferimentos ou na morte.
  • O condutor com culpa nos ferimentos ou morte responderá por lesão corporal ou homicídio aumentados pela omissão de socorro;
  • Outras pessoas que omitem socorro e que não sejam condutoras do veículos, responderão pelo crime comum do CP, art. 135 - omissão de socorro. Por esta razão, alguns autores entendem que este crime do art. 304 é inconstitucional, pela violação ao princípio da isonomia. O STF diz que não;
  • Não descaracterizam este crime de omissão de socorro três situações previstas no art. 304, Parágrafo único:
  • Vítima com morte instantânea; 
  • Socorro prestado por terceiros; 
  • Vítima com ferimentos leves.
Todavia, no caso concreto, poderá haver a atipicidade da conduta por ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado.

5.3) Crimes de Perigo

a) Embriaguez ao volante - art. 306. Pena de detenção de 6 meses a 3 anos, multa e suspensão da habilitação ou permissão, ou a proibição de obtê-las.
  • É uma rara hipótese de crime apenado em abstrato com as 3 espécies de penas previstas em Direito Penal (privativa, restritiva e multa);
  • Este crime teve a redação alterada por duas vezes, com a lei seca em vigor a partir de 20/11/08, e com a nova lei seca em vigor a partir de 21/12/12. Na atual redação trazida pela nova lei seca, a caracterização deste crime exige dois requisitos:
  • Direção de veículo automotor; 
  • Influência do álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência, que altere a capacidade psicomotora do agente. Esta influência poderá ser demonstrada das seguintes maneiras: exame objetivo que comprove quantidade igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, ou 0,3 miligramas de álcool por litro de ar alveolar (pulmonar) no organismo do agente. Esses exames poderão ser toxicológicos, por meio da colheita de sangue, urina, etc., ou por meio do etilômetro (bafômetro); através de sinais que indiquem esta alteração da capacidade psicomotora, servindo inclusive como prova o exame clínico, testemunhas, imagens, etc., regulamentados pela Resolução n. 432/13 do CONTRAN.
Os crimes praticados na vigência da lei seca exigem na sua caracterização a quantidade de álcool no organismo do agente acima mencionada, e de acordo com o STJ, no RE n. 1.111.566-DF, julgado em 28/03/12, somente exames objetivos são aptos na prova desta quantidade.
  • Este crime praticado na vigência da lei seca, exigia também a via pública como elementar;
  • A partir da lei seca, STF e STJ entendem que este crime é de perigo abstrato ou presumido.

b) Competição não autorizada - art. 308: com a Lei n. 12.971/14, importantes alterações foram estabelecidas neste crime:
  • A PPL foi aumentada, e agora é de detenção de 6 meses a 3 anos, continuando a multa e a suspensão da habilitação ou permissão, ou a proibição de obtê-las. Portanto, deixou de ser infração de menor potencial ofensivo;
  • Ademais, foram incluídas duas formas qualificadas:
  • Crime seguido de lesão corporal grave, cuja pena será de reclusão de 3 a 6 anos;
  • Crime seguido de morte, cuja pena será de reclusão de 5 a 10 anos, sendo que serão aplicadas as demais penas. Essas lesões ou morte sempre são a título de culpa.
  •  O crime continua a exigir 3 requisitos:
  • Participação em disputa, corrida ou competição não autorizadas pela autoridade competente, na direção de veículo comum; 
  • Via pública; 
  • Perigo concreto.

c) Direção sem habilitação - art. 309. Pena de detenção de 6 meses a 1 ano, ou multa: este crime exige 3 requisitos na sua caracterização:

  • Via pública;
  • Direção de veículo automotor sem habilitação ou permissão, ou com o direito de dirigir cassado;
  • Exame médico vencido caracteriza apenas infração administrativa do CTB, art. 262;
  • Perigo concreto.
  • De acordo com a Súmula n. 720-STF, sem perigo o fato é atípico, e caracteriza apenas a infração administrativa do art. 262. Antes de 1997, a mera conduta de dirigir sem habilitação era contravenção penal, tacitamente revogado. Agora, sem perigo, o fato é atípico.
Trata-se de um crime de mão própria, isto é, somente admite concurso de pessoas na modalidade de participação. Todavia, nas condutas de entregar, permitir ou confiar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, o agente não responderá como partícipe neste crime, pois nestes três verbos o agente responderá pelo crime do art. 310 - entrega temerária da direção de veículo automotor.

O crime do art. 310 também estabelece outros destinatários desta entrega temerária, a saber, pessoa com o direito de dirigir cassado ou suspenso, ou ainda sem condições mentais ou físicas, ou embriagada, que não possa dirigir com segurança.


d) Tráfego em velocidade excessiva - art. 311. Pena igual ao último crime acima: este crime exige 3 requisitos:

  • Perigo concreto;
  • Tráfego de veículo em via terrestre;
  • Elemento espacial: a velocidade excessiva deve ocorrer nas proximidades de escolas, hospitais, logradouros estreitos, estações de embarque e desembarque de passageiros, e local onde haja grande concentração ou movimentação de pessoas.

5.4) Crimes contra a Administração no CTB - arts. 305, 307 e 312

a) Fraude processual - art. 312: é a inovação fraudulenta do estado de coisa, pessoa ou lugar, para induzir em erro o Juiz, o perito e autoridade policial. O elemento especializante deste crime em relação ao CP, art. 347 é acidente automobilístico com vítima, diante de procedimento de caráter criminal;

b) Violação de proibição ou suspensão imposta com base no CTB - art. 307 caput. No Parágrafo único está previsto o crime omissivo próprio constante de deixar de devolver à autoridade habilitação ou suspensão no prazo de 48 horas;

c) Fuga do local do acidente para evitar responsabilidade civil ou penal - art. 305: este crime foi considerado inconstitucional em diversos Estados da Federação, entre os quais São Paulo, Minas Gerais, etc. (ninguém é obrigado a ficar no local esperando para ser responsabilizado).



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