quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

01 - Da Posse - Conceito e Espécies


Da Posse - Intodução


1) Conceito

Quanto ao conceito de posse, duas teorias procuram explicá-lo.

1.1) Teoria Subjetiva - Savigny

Definia a posse como sendo o poder físico sobre a coisa com a intenção de tê-la para si. Para a caracterização da posse, portanto, dois requisitos eram necessários: o corpus e o animus.

Savigny não admitia posse em nome alheio, e portanto o comodatário, o locatário, o depositário, etc. não tinham posse.


1.2) Teoria Objetiva - Ihering

Sustentava que para a caracterização da posse bastava um único elemento: o corpus. Na realidade, Ihering não dispensava o animus; o que ocorreu foi que ele deu ao corpus um novo conceito onde o animus já estava inserido.

Corpus, segundo Ihering, é comportamento de dono, sendo possuidor todo aquele que se comporta como verdadeiro proprietário (isto é, com animus de proprietário). Assim, posse é a exteriorização, a visibilidade da propriedade.

Ihering admitia posse em nome alheio, e portanto o comodatário, o locatário, o depositário, etc. têm posse.


1.3) Código Civil de 2002

De acordo com a doutrina, o atual Código Civil adotou integralmente a teoria objetiva de Ihering, conforme se verifica pelos arts. 1.196 (possuidor), 1.204 (aquisição da posse) e 1.223 (perda da posse).

Modernamente, alguns civilistas defendem a existência da teoria social da posse, que exige, para a caracterização da posse, um requisito a mais, a saber, o cumprimento da função social da posse. De acordo com esta teoria, quem descumpre a função social da propriedade também não tem posse.

É certo que a função social da propriedade está prevista na Constituição de 1988; porém, ela não é fato inibitório da posse.


2) Da Detenção ou Mera Custódia

Visto que posse é a exteriorização da propriedade, deve-se considerar, porém, que nem sempre a aparência de dono revela a existência da posse, pois pode-se estar diante das situações de mera custódia ou detenção, dividida em duas:

a) Mera detenção - art. 1.198 (ex.: situação do caseiro, fâmulo, servidor da posse). Detentor é aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste, e em cumprimento de ordens ou instruções suas;

b) Mera tolerância e mera permissão - art. 1.208, primeira parte. Tolerância é concessão tácita, enquanto que a permissão é concessão expressa. Ambos são atos de favor, de gentileza, revogáveis a qualquer tempo, e não se confundem com o comodato, que é contrato, induz posse e é irrevogável unilateralmente antes do prazo (ex.: permitir que vizinho estacione seus carros em minha garagem; tenho que deixar claro que se trata de ato de favor, de gentileza, pois do contrário ele pode entender que é comodato, caso em que terá posse).

Em conclusão, temos que a posse é sim a exteriorização da propriedade, excepcionando-se, no entanto, as hipóteses de detenção. Essa distinção é importante porque somente a posse produz efeitos jurídicos, sendo que, dentre outros, os principais são:
  • A proteção possessória; e 
  • A possibilidade de gerar a usucapião. 
A detenção não gera efeitos jurídicos. O único efeito atribuído ao detentor é a possibilidade de fazer uso da defesa direta para proteger a posse.


3) Espécies de Posse

3.1) Direta e Indireta

Ocorre quando duas pessoas têm posse sobre a mesma coisa, mas em graus diferentes, ficando uma delas privada do uso imediato da coisa (se no mesmo grau, denomina-se composse). Divide-se:

a) Direta: possuidor direto é aquele que detém materialmente a coisa (ex.: comodatário, locatário, etc.);
  • Principal característica da posse direta - art. 1.197: temporariedade. A posse direta é sempre temporária. Num caso de comodato de prazo indeterminado, ainda assim a posse é temporária, pois o bem foi emprestado até a notificação, e não doado.
b) Indireta, ou Bifurcação, ou Bipartição, ou Concorrência, ou Sobreposição de Posses: possuidor indireto é aquele que concedeu o direito de possuir (ex.: comodante, locador, etc.)

  • Ambos os possuidores, o direto e o indireto, têm posse; logo, ambos têm legitimidade para propor ação possessória em face de terceiro intruso;
  • O possuidor indireto pode mover ação possessória em face do direto quando a posse deste tornar-se precária (quando ele se recusa a devolver o bem). Antes de mover a ação possessória, o possuidor indireto deve notificar o direto se o contrato não tem data certa de vencimento, ou tem mas é compromisso de compra e venda, quando a mora será ex persona, sob pena de carência da ação. Se o contrato tem prazo de validade, a mora é ex re; logo, a ação pode ser movida sem prévia notificação;
  • Não basta mover ação de rescisão contratual para recuperar a posse. É necessário cumulá-la com a reintegração de posse;
  • O possuidor direto pode mover ação possessória em face do indireto, quando o possuidor indireto, antes do término do contrato, pratica atos de turbação ou de esbulho; 
  • Na relação de locação, o locador não pode mover ação possessória contra o inquilino, pois a lei prevê ação específica de despejo.

3.2) Posse Justa e Posse Injusta - art. 1.200

a) Justa: mansa e pacífica (não violenta), pública (não clandestina) e estável (não precária);
  • Posse violenta: é aquela adquirida mediante esforço físico ou grave ameaça. É o inverso de posse mansa e pacífica. Nem toda posse violenta é adquirida de má-fé. Ademais, a violência é vício de aquisição, isto é, no início da posse;
  • Posse clandestina: é aquela adquirida às escondidas do proprietário ou possuidor. É o inverso de posse pública. Também é vício de aquisição;
  • Posse precária: é aquela em que o possuidor direto, vencido o prazo de duração, se recusa a restituir a coisa ao possuidor indireto. A aquisição, portanto, se inicia com posse justa, e o vício surge no final da posse.
b) Injusta: contém um daqueles vícios. 

Os vícios da violência e da clandestinidade da posse se convalidam. Porém há duas posições sobre quando eles se convalidam:
  • Uma primeira corrente, majoritária, defende que é desde o dia em que cessa a violência ou a clandestinidade, tornando-se a posse justa;
  • Outra corrente, minoritária, defende que é somente ano e dia após cessada a violência ou a clandestinidade. Aqui, a usucapião de 10 anos - art. 1.238, §1º -  seria na verdade de 11 anos e 1 dia. O prazo de ano e dia previsto não consta da lei, sendo derivado dos costumes do Direito Romano antigo. O prazo de ano e dia previsto no CPC, art. 924, não se refere a convalidação dos vícios, mas sim ao fato de saber-se se a ação é de força nova ou se de força velha, com vistas à concessão de liminar
Quanto ao vício da precariedade, tradicionalmente afirma-se que nunca se convalida. É que de acordo com o CC, a posse precária é eternamente injusta; logo ela nunca se convalida, nunca gerando usucapião. Há, porém, uma posição do STJ no sentido de que a posse precária pode se convalidar desde que o possuidor direto, através de atos exteriores, altere o animus da posse, ou seja, altere o jeito de possuir (ex.: dou minha casa em comodato e, findo o prazo, o sujeito não a devolve. Enquanto ele estiver naquele imóvel como comodatário, a sua posse não se convalida. Mas se ele derruba a casa e no lugar constrói um mercado, alterando o jeito de possuir, a sua posse pode se convalidar).

A justiça e a injustiça da posse é sempre relativa, pois ela deve ser analisada em função do adversário. Assim, o ladrão pode ter posse justa, se observada em relação a terceiro que lhe tenta esbulhar.

Para gerar a usucapião e para fazer-se uso das ações possessórias, é necessário ter ou ter tido posse justa. A posse de boa-fé repercute nos efeitos secundários, como por exemplo com relação aos frutos, benfeitorias, direito de retenção pelas benfeitorias, etc.


3.3) Posse de Boa-Fé e Posse de Má-Fé - art. 1.201

a) Posse de boa-fé: é aquela em que o possuidor, mediante erro escusável, ignora o vício ou o obstáculo que impedia a sua aquisição;

b) Posse de má-fé: ocorre quando o possuidor tem ciência ou possibilidade de conhecer o vício se empregasse a diligência ordinária.
  • De acordo com o Parágrafo único do dispositivo, presume-se de boa-fé aquele que tem justo título, ou que prove em contrário;
  • Justo título é aquele formalmente apto a transferir o domínio, porém não o transmite porque contém um defeito intrínseco (ex.: escritura de compra e venda outorgada por quem não é o verdadeiro proprietário; compromisso de compra e venda sem autorização do cônjuge; escritura de compra e venda feita por menor púbere sem assistência). Se o possuidor tem justo título, presume-se a sua boa-fé, cabendo à parte contrária o ônus da prova da má-fé. A boa-fé não perdura o tempo todo: a posse de boa-fé transmuda-se para posse de má-fé a partir do momento em que o possuidor de boa-fé toma ciência do defeito da sua aquisição (ex.: com a citação, contestação, notificação extrajudicial, enfim, quando surgirem circunstâncias indicativas de que o possuidor sabia que possuía indevidamente).
Destaque-se que tanto é possível posse justa de má-fé, quanto posse injusta de boa-fé - art 1.203. 


3.4) Posse Nova e Posse Velha

a) Posse nova: é a de menos de ano e dia;

b) Posse velha: é a de mais de ano e dia.

Essa classificação é baseada no tempo de posse, e não se confunde com ação de força nova e ação de força velha, cuja classificação é determinada pelo tempo de turbação ou de esbulho.
  • Ação de força nova: é aquela movida por quem foi turbado ou esbulhado a menos de ano e dia, e confere direito a concessão de liminar;
  • Ação de força velha: é aquela movida por quem foi turbado ou esbulhado a mais de ano e dia, e não confere direito a concessão de liminar. Há entendimento, no entanto, no sentido de que é possível a antecipação da tutela, conforme CPC, art. 273.

3.5) Posse Ad Interdicta e Posse Ad Usucapionem

a) Posse ad interdicta: é aquela que dá direito aos interditos possessórios, isto é, possível de ser defendida por ações possessórias. Ela deve ser justa e poder ser exercida em nome próprio ou alheio;

b) Posse ad usucapionem: é aquela capaz de gerar a usucapião, devendo ser justa e devendo ser exercida em nome próprio, além de preencher os demais requisitos para a usucapião.


3.6) Posse Pro Indiviso e Posse Pro Diviso

Este tema está ligado à composse, que é a posse em comum e no mesmo grau entre duas ou mais pessoas (ex.: os cônjuges, no regime da comunhão universal; os herdeiros, antes da partilha do acervo). Se em graus diferentes, teremos bifurcação, isto é, direta e indireta (vide 3.1 acima).

a) Posse pro indiviso: é a composse de direito e de fato - art. 1.199, pois a coisa ainda não foi partilhada, por acordo ou acomodação natural, entre os compossuidores. Todos têm posse sobre o todo, sendo certo que um não pode impedir a posse do outro. Qualquer deles, no entanto, tem ação possessória em face de terceiro para a defesa do todo;

b) Posse pro diviso: é a composse de direito, mas não de fato, pois cada copossuidor, por acordo ou acomodação natural, já se apossou com exclusividade de parte determinada do imóvel. Um não pode possuir a parte do outro, mas qualquer deles tem ação possessória em face de terceiro para a defesa do todo.


3.7) Jus Possidendi e Jus Possessiones

a) Jus possidendi: é o direito à posse derivado do direito de propriedade. É o caso do proprietário que também tem posse. O titular do jus possidendi tem duas opções para recuperar a posse, ou seja, mover ação possessória e, caso perca essa ação, propor ação petitória, no caso, a reivindicatória (é possível que ele ingresse diretamente com a reivindicatória, mas na prática prefere-se a propositura da possessória por conta da concessão de liminar);

b) Jus possessiones: é a posse adquirida sem título de propriedade. Para esse possuidor, a única chance de recuperar a posse é através de uma ação possessória, cuja tutela jurisdicional é provisória, pois quem vence uma ação possessória pode vir a perder a posse em uma ação petitória, onde se discute propriedade.


4) Da Aquisição da Posse

De acordo com o art. 1.204, adquire-se a posse a partir do momento em que é possível exercer, em nome próprio, qualquer dos poderes inerentes à propriedade (ou seja, a partir de quando o sujeito passa a se comportar como se dono fosse). Portanto, a posse é perdida a partir do momento em que o sujeito não pode se comportar como dono.

A aquisição da posse é ato de forma livre, pois não há qualquer solenidade, podendo ser adquirida inclusive por meio de procurador, conforme o art. 1.205.

O incapaz sem representação pode adquirir posse? O CC de 1916 proibia, pois exigia para a aquisição da posse capacidade. O NCC é omisso, e duas posições se formaram:
  • Uma primeira afirma que não pode, aplicando-se as regras dos arts. 166, I (negócio nulo), e 171, I (negócio anulável);
  • Uma segunda afirma que pode sim, pois a posse não é negócio jurídico, mas um ato-fato jurídico, e o requisito da capacidade não é exigido para a prática do ato jurídico, salvo nos casos expressos em lei, conforme art. 185. Ademais, o NCC adotou a teoria objetiva pela qual dispensa-se para a aquisição da posse qualquer indagação sobre a intenção do agente. Essa posição é mais defendida.
Também é forma de aquisição da posse o constituto possessório, que é o ato pelo qual aquele que possuía em nome próprio passa a possuir em nome alheio. Não se presume, devendo constar expressamente do ato de aquisição (ex.: proprietário vende apartamento, mas continua na posse do mesmo na condição de locatário).

É possível a posse de um bem público. Os de uso comum do povo e os de uso especial, porém, só podem ser possuídos mediante autorização do Poder Público, que no entanto pode ser revogada a qualquer tempo. Sem essa autorização não há posse, apenas detenção. Já os bens dominiais podem ser possuídos sem autorização, pois após do decurso do prazo de ano e dia convalida-se a posse. Embora seja possível a posse dos bens públicos, eles não se submetem à usucapião.


5) Da Acessão da Posse

É a soma do tempo de posse do atual possuidor com o de seus antecessores. Tem por objetivo obter uma maior rapidez para a usucapião. 

Nem sempre a soma das posses é vantajosa, pois com ela as características da posse anterior serão somadas à atual, ou seja, se aquela era injusta, esta também o será. No entanto, em uma das espécies de acessão (por sucessão), a soma é obrigatória.

Duas são as espécies de acessão:

a) Acessão por sucessão: ocorre na sucessão a título universal. Nos termos da primeira parte do art. 1.207, a soma neste caso é obrigatória;

b) Acessão por união: ocorre na sucessão a título singular, como no caso do comprador e do donatário. De acordo com a segunda parte do art. 1.207, a soma é facultativa.

Quanto à posse adquirida pelo legatário, o tema é polêmico, e três são as posições:
  • É por sucessão, com base na primeira parte do art. 1.207;
  • É por união, com base na segunda parte do art. 1.207;
  • É por sucessão, mas com fundamento no art. 1.206, que apenas para fins de aquisição da posse trata herdeiros e legatários de forma igual. Esta posição predomina.

6) Da Perda da Posse - arts. 1.223 e 1.224

Perde-se a posse a partir do momento em que o sujeito deixa de se comportar como se dono fosse.



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