Estatuto do Desarmamento - Lei n. 10.826/03
1) Introdução
Expressamente revogou a antiga lei do porte de arma de fogo - Lei n. 9.437/97, que no seu art. 10 punia algumas condutas criminosas de forma bem mais branda, e portanto é ultrativa. O Estatuto foi regulamentado pelo Decreto n. 5.123/04.
Continua em vigor o Decreto n. 3.665/00, que estabelece a redação do R-105, isto é, o regulamento para fiscalização de produtos controlados.
De acordo com o art. 23 do estatuto, os crimes nele previstos caracterizam normas penais em branco, porque exigem complementação. A lista completa das armas de fogo, munições e acessórios de uso permitido, bem como de uso restrito, está naquele decreto.
O STF, na ADI n. 3112, julgada em 02/05/07, declarou 3 dispositivos do Estatuto inconstitucionais:
a) Proibição de fiança no crime de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido - art. 14, Parágrafo único;
b) Proibição de fiança no crime de disparo de arma de fogo - art. 15, Parágrafo único;
c) Proibição de liberdade provisória nos crimes do arts. 16, 17 e 18 - art. 21.
Para entender os crimes, dois conceitos são importantes:
- Registro ou certificado de registro: é a autorização que estabelece ao seu titular o direito de possuir arma de fogo nele constante dentro de sua residência ou de seu local de trabalho, isto é, aquele local que o agente é o proprietário ou representante legal em contrato;
- Porte o autorização de porte: é a autorização que estabelece ao seu titular o direito de levar consigo, fora de sua residência ou de seu local de trabalho, uma arma de fogo.
O art. 6. estabelece diversas categorias profissionais que têm porte de arma de fogo. Em alguns casos este porte é por tempo integral; em outros, este porte é somente durante o serviço.
Os arts. 7. e ss. estabelece outras categorias que poderão ter arma de fogo (ex.: seguranças de dignatários em visita ao Brasil, colecionadores e atiradores desportivos, particulares, etc.).
Toda arma de fogo, como regra, deve ser registrada, exceto as obsoletas cujo registro é facultativo. O registro deve ser renovado a cada 3 anos, preenchidos os requisitos.
Como regra, munições e acessórios não comportam registro autônomo, e seguem a sorte da arma de fogo.
Leis especiais também poderão conferir porte funcional de arma de fogo (ex.: LOMAN e LOMP).
O art. 30 estabeleceu a possibilidade de registrar armas de fogo sem registro, por um determinado período. De acordo com o STJ, este período caracteriza abolitio criminis temporária, ou seja, um período de atipicidade temporária, que abrange exclusivamente o verbo possuir. Este período está dividido conforme a classificação da arma de fogo:
- Armas de fogo de uso permitido: puderam ser registrada de 23/12/03 até 31/12/09;
- Armas de fogo de uso restrito: puderam ser registrada de 23/12/03 até 23/10/05 (data do referendo para comercialização, aprovado).
O art. 32 estabeleceu a possibilidade de entregar armas de fogo sem registro à Polícia Federal ou órgão conveniado e, demonstrada a boa-fé, haverá indenização. A nova redação deste artigo, trazida com a Lei n. 11.706/08, não estabelece prazo para esta entrega; portanto, poderá ocorrer a qualquer tempo. Igualmente, não estabelece nenhuma restrição a qualquer tipo de arma de fogo, e desta maneira todas poderão ser entregues. Quando esta entrega for espontânea, acarretará a extinção da punibilidade do agente em relação ao crime de posse ilegal.
2) Crimes em Espécie - arts. 12 ao 18
2.1) Aspectos Gerais
Cada tipo penal estabelece a sua denominação jurídica (nomem juris). Como regra todos são crimes comuns, e podem ser praticados por qualquer pessoa. Ainda em regra, o sujeito passivo em todos é a coletividade; portanto, caracterizam crimes vagos. A objetividade jurídica, também em regra, é a incolumidade pública no aspecto específico 'segurança pública'.
São crimes de perigo abstrato e de mera conduta, também em regra.
- Crime de perigo abstrato, ou fictício, ou presumido: é aquele cuja situação de perigo é presumida por lei;
- Crime de mera conduta, ou de simples atividade: é aquele cujo tipo penal não faz nenhuma referência a um resultado material.
Desta maneira, como regra, a consumação do crime ocorre com a transgressão do vergo núcleo do tipo, e em tese os crimes admitem tentativa quando a conduta for plurisubsistente, isto é, quando a conduta puder ser fracionada.
2.2) Crimes Apenados com Detenção
a) Posse irregular de arma de fogo de uso permitido - art. 12. Pena de detenção de 1 a 3 anos, e multa: o tipo penal incrimina a conduta de possuir arma, munição e acessório sem autorização legal, isto é, sem registro;
- Se a arma de fogo estiver com a numeração raspada, o crime será o do art. 16, Parágrafo único, IV.
b) Omissão de cautela - art. 13. Pena de detenção de 1 a 2 anos, e multa: na verdade, o dispositivo cuida de dois crimes distintos, que entretanto aproveitam as mesmas penas. Ambos caracterizam infrações penais de menor potencial ofensivo (são as únicas hipóteses desta lei):
- Caput: aqui, por excelência, a lei cuida da omissão de cautela. É o único crime culposo desta lei, caracterizado pela negligência do proprietário ou do possuidor de arma de fogo na sua guarda, viabilizando que menor de 18 anos ou alienado mental dela se apodere;
- É um crime omissivo próprio, sendo rara hipótese de sua modalidade culposa (geralmente os crimes omissivos próprios são dolosos, como em todo o CP);
- A consumação verifica-se com o apoderamento da arma de fogo pelo menor ou alienado mental, e não admite tentativa;
- O tipo penal não faz nenhuma referência a munições e acessórios.
- Parágrafo único: neste caso, o tipo penal incrimina a omissão na comunicação à Polícia Federal e no registro da ocorrência na Polícia Civil do extravio, furto, roubo, etc., de arma, munição e acessório;
- É um crime próprio, e só pode ser praticado pelo proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança e transporte de valores;
- É um crime omissivo próprio doloso, cuja consumação verifica-se em 24 horas a partir do conhecimento do ocorrido, e não admite tentativa, como todo crime omissivo próprio.
2.3) Crimes Apenados com Reclusão
a) Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido - art. 14. Pena de reclusão de 2 a 4 anos e multa: o Parágrafo único foi declarado inconstitucional, conforme já dito. Esse tipo penal prevê 13 verbos, o que caracteriza um tipo misto alternativo, entre os quais portar, adquirir, ocultar, ceder, empregar, etc.;
- A prática de mais de um verbo em um mesmo contexto fático caracteriza crime único;
- O porte de mais de uma arma de fogo em um mesmo contexto fático também caracteriza crime único, e a pluralidade de artefatos poderá ser considerada na aplicação da pena base;
- O objeto material é arma, munição ou acessório de uso permitido;
- Quando a arma de fogo estiver com a numeração raspada, o crime é o do art. 16, Parágrafo único, IV;
- Quando arma, munição ou acessório for de uso restrito, o crime será o do art. 16, caput;
- De acordo com o STF, arma de fogo desmuniciada caracteriza objeto material deste crime, pois é de perigo abstrato e de mera conduta - HC n. 81.057-STF.
b) Disparo de arma de fogo - art. 15. Pena de reclusão de 2 a 4 anos e multa: o Parágrafo único foi declarado inconstitucional. O tipo penal incrimina duas condutas, que é disparar arma de fogo e acionar munição;
- O tipo penal exige elemento espacial, isto é, a conduta deve ser praticada:
- Em local habitado ou em suas adjacências; ou
- Em via pública, ou em sua direção.
- O disparo em lugar ermo é fato atípico;
- A parte final do tipo penal estabelece expressamente a sua subsidiariedade, isto é, somente haverá este crime de disparo de arma de fogo quando o agente não tiver como finalidade a prática de outro crime, ainda que menos crime.
c) Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito - art. 16. Pena de reclusão de 3 a 6 anos e multa: na verdade, o art. 16 cuida de 7 crimes distintos, que aproveitam as mesmas penas. No que for cabível, as condutas do Parágrafo único do art. 16 incidem em qualquer tipo de arma, munição e acessório, isto é, de uso permitido ou restrito;
- Caput: aqui, por excelência, o Estatuto cuida da posse ou do uso de arma, munição ou acessório de uso restrito. O tipo penal incrimina 14 verbos, isto é, todos previstos no art. 14 mais um, qual seja, o verbo 'possuir', o que culmina na seguinte dicotomia:
- Posse irregular: diz respeito a arma, munição ou acessório de uso permitido, e caracteriza o crime do art. 12;
- Posse ilegal: diz respeito a arma, munição ou acessório de uso restrito, e caracteriza o crime do art. 16, caput;
- Obs.: no verbo possuir, quando a arma (permitida ou restrita) estiver com numeração raspada, o crime será o do art. 16, Parágrafo único IV. Em relação à arma de fogo desmuniciada, o STF entende que caracteriza objeto material deste crime, e em relação as demais aspectos, tais como consumação, tentativa, etc., são as mesmas observações do art. 14.
- Parágrafo único: contém 6 figuras equipadas ao caput, isto é, aproveitam as mesmas penas. Todavia, naquilo que for cabível, incidem sobre qualquer espécie de arma, munição e acessório, seja de uso permitido ou restrito.
- Inciso I: cuida da conduta de suprimir (raspar) sinais identificadores da arma de fogo ou artefato;
- Inciso II: cuida da modificação das características da arma de fogo, com duas finalidades, isto é, para torná-la equivalente a uma de uso restrito, ou para induzir em erro o perito, o Juiz e a polícia;
- Inciso III: cuida de condutas envolvendo artefatos explosivos ou incendiários;
- Inciso IV: cuida das condutas de possuir, portar, transportar, adquirir ou fornecer arma de fogo com sinais de identificação suprimido ou alterado (raspado). Todos os crimes envolvendo as características e a identificação de arma, munição ou acessório afetam também a Administração Pública, porque o Estado, enquanto sujeito passivo, é afetado no controle dos objetos acima em circulação;
- Inciso V: incrimina a venda ou qualquer forma de fornecimento ou entrega de arma, munição, acessório ou explosivo a criança ou adolescente. As armas brancas, tais como punhais, facões, espadas, etc. são objetos materiais do ECA, art. 242;
- Inciso VI: incrimina a reciclagem ou recarga, sem autorização, de munição ou artefato.
Os seguintes crimes são os mais graves do Estatuto.
d) Comércio ilegal de arma de fogo - art. 17: como regra, quando arma, munição ou acessório for de uso permitido, a pena será de reclusão de 4 a 8 anos e multa. Todavia, quando forem de uso restrito, a pena aumenta da metade, nos termos do art. 19.
- Este tipo penal prevê 14 verbos. Entretanto os principais são vender, alugar, montar, desmontar e remontar. Isto porque o dispositivo incrimina condutas envolvendo a fabricação, o comércio e a prestação de serviços envolvendo arma, munição ou acessório sem a autorização legal;
- O crime é próprio, e só pode ser praticado por quem estiver no exercício deste comércio ilegal como modo de vida (habitualidade). Mesmo que realizado em residência particular, o crime estará caracterizado.
e) Tráfico internacional de arma de fogo - art. 18: a pena é identica à do art. 17.
- O tipo penal prevê 3 condutas: importar, exportar ou favorecer a entrada ou a saída de arma, munição ou acessório do território nacional;
- A competência sempre será da Justiça Federal;
- Nas condutas de exportar ou importar, o crime é de mera conduta; já na conduta de favorecer, o crime é formal ou de consumação antecipada, cuja consumação verifica-se com o mero favorecimento, independentemente da efetiva entrada ou saída de arma, munição ou acessório do território nacional;
- O dolo neste tráfico é genérico, e o crime estará caracterizado "a qualquer título", mesmo que o agente trafique arma, munição ou acessório para presentear, ou para uso próprio.
3) Disposições Finais
O art. 20 estabelece outra causa especial de aumento de pena, da metade, quando reunidos dois requisitos:
- Crime apenado com reclusão - art. 14 ao 18;
- O agente deve estar em uma das categorias previstas nos art. 6., 7. ou 8 (ex.: vigilante de empresa de segurança privada, durante o serviço, efetua disparo de arma de fogo, para comemorar gol do seu time; a pena deste agente é aumentada da metade);
O art. 25 admite o confisco de arma, munição e acessório envolvida em crime com condenação. Com a Lei n. 11.706/08, há duas possibilidades de destinação:
- Destruição (reciclagem) pelo Comando do Exército;
- A partir de 2008, é admitida também a doação às Forças Armadas ou aos órgãos de segurança pública.
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