quarta-feira, 22 de outubro de 2014

17 - Organização dos Poderes - Legislativo


Organização dos Poderes - CF/88, arts. 44 e ss.

1) Introdução

Ao tratar da matéria, a Constituição parte da disciplina do Poder Legislativo Federal, passando pelo Executivo Federal, e por último o Judiciário. 

Esta sequência constitucional na disciplina dos Poderes retrata os três momentos lógicos da vida estatal. Inicialmente, há a deliberação, a produção da lei, que deve ser, na sequência, aplicada concretamente, o que exige a função executiva, e a partir da aplicação da lei é que surgem os conflitos e a necessidade do exercício da função jurisdicional.


2) Poder Legislativo Federal - arts. 44 e ss.

O art. 44 prevê que o Legislativo Federal é representado pelo Congresso Nacional, que internamente é estruturado de forma bicameral pela Câmara dos Deputados e Senado Federais.

O sistema bicameral, consagrado pela Constituição, teve origem na Inglaterra a partir da evolução espontânea de suas instituições, mas seu funcionamento, por motivos diversos, inspirou doutrinadores como Montesquieu, bem como a organização constitucional de inúmeros países.


2.1) Justificativas Contemporâneas do Sistema Bicameral

a) Revisão da lei: a importância do papel da lei no Estado de Direito impõe a cautela no processo de sua elaboração. Daí a importância da existência de uma Casa revisora no processo legislativo para sanar eventuais incorreções na deliberação realizada pela primeira Casa;

b) Pressão da opinião pública: é a ideia de que todo Estado tem interesses ocasionais e também interesses permanentes. Da mesma maneira, existem problemas momentâneos emergenciais e outros que só são resolvidos a longo prazo. Assim, no Legislativo, haveria uma Casa com a atenção voltada principalmente aos interesses e problemas momentâneos (Câmara dos Deputados) e outra com a atenção voltada principalmente para as questões de longo prazo (Senado). É o que explica a diferença entre a extensão dos mandatos de Deputado e de Senador que alguns países preveem. O mandato mais curto vincula o parlamentar à pressão da opinião pública, e o mandato mais extenso o afasta desta pressão. Por isso no Brasil, o mandato de Deputado é de 4 e de Senador é de 8 anos;

c) Combinação etária: é a ideia de se reunir no Poder Legislativo e no processo legislativo as virtudes da juventude e da experiência. Portanto, haveria uma Câmara predominantemente jovem (Deputados), o que explica no Brasil a idade mínima de 21 anos como condição de elegibilidade, e outra casa, o Senado, marcada pela vasta experiência política, justificando a idade mínima no Brasil de 35 anos como condição de elegibilidade;

d) Combinação de interesses: é específica das Federações, nas quais deve haver uma Casa que represente o povo e outra que represente os Estados-membros.
  • O próprio art. 44 prevê que a legislatura tem duração de 4 anos. Legislatura é o nome dado ao período entre as eleições legislativas, e não se confunde com sessão legislativa, que é o ano de trabalho do legislativo. Cada sessão legislativa compreende as sessões ordinárias (que ocorrem de 02 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro), sendo que nos intervalos, chamados recesso, podem ocorrer sessões extraordinárias.
  • A sessão legislativa, por sua vez, não se confunde com período legislativo, que é o semestre de trabalho do legislativo. 

2.2) Câmara dos Deputados

O art. 45 trata da composição da Câmara dos Deputados, que representa o povo. A Câmara é composta pelo chamado sistema proporcional, que tem dois sentidos:

a) Os Deputados Federais são eleitos na proporção da população de cada Estado, respeitados os limites constitucionais máximo de 70 e mínimo de 8, sendo que Lei Complementar prevê que o número total de integrantes da Câmara não ultrapassará 513;

b) O segundo sentido é detalhado pela Lei Eleitoral nº 9.504/97. Significa que os Deputados Federais são eleitos de acordo com as vagas obtidas pelos partidos nas eleições para a Câmara aos partidos ou coligações, de acordo com a seguinte fórmula: ao término das eleições legislativas, deve ser apurado em cada Estado o número de votos válidos, ou seja, os votos atribuídos a todos os candidatos a Deputado Federal de todos os partidos, incluindo votos em legenda (na sigla partidária). Não são considerados os votos nulos e em branco (antigamente, os votos brancos eram considerados nessa contagem); 
  • O número de votos válidos será dividido pelo número de vagas do Estado, e o resultado é o chamado quociente eleitoral;
  • Na sequência, verifica-se separadamente a votação de cada partido ou coligação. O número de votos do partido será dividido pelo quociente eleitoral, e o resultado é o número de vagas do partido, e os mais votados do partido preenchem essas vagas;
Ex.: São Paulo 2014: 20.996.012 votos válidos para Dep. Federal ÷ 70 vagas = 299.943, que é o quociente eleitoral de SP. O PR recebeu 1.701.667 votos ÷ 299.943 = 5 (arredondado para baixo). O PR elegeu 5 Dep. Federais.
A razão de ser do sistema proporcional é a ideia de que nas democracias, embora prevaleça a vontade da maioria, é imprescindível a participação das minorias, e o sistema proporcional evita um legislativo com um só partido, assegurando a representação aos vários segmentos sociais, inclusive aos minoritários. Este sistema atende ao princípio fundamental do pluralismo político, nos termos da CF/88, art. 1º (um dos fundamentos da República).
  • O sistema eleitoral proporcional também é aplicado nas eleições para Deputado Estadual, Distrital e Vereador.

2.3) Senado Federal

De acordo com o art. 46, o Senado é composto pelo sistema eleitoral majoritário, o que significa que os mais votados vencem (não se aplica o sistema de proporcionalidade). É o mesmo sistema das eleições para o Poder Executivo. 

Tendo em vista a extensão do mandato dos Senadores, a Constituição prevê que os três Senadores de cada Estado e do DF não são eleitos simultaneamente. A cada quatro anos, há uma renovação parcial do Senado em 2/3 e 1/3 de seus membros alternadamente. Cada Senador é eleito com dois suplentes. Para o STF, os suplentes nesta condição só possuem os direitos de substituir e suceder o titular, enquanto o suplente não se qualifica como membro do Legislativo, não possuindo, portanto, foro privilegiado.

O art. 47 estabelece duas regras procedimentais para a atuação das Casas legislativas e de suas comissões parlamentares:

a) Quórum de deliberação: previsão de um quórum mínimo de presença para que seja instalada sessão deliberativa. Este quórum é a maioria absoluta, ou seja, a maioria dos membros da casa deve estar presente para que haja deliberação;
  • É interessante destacar que as duas modalidades de votação compreendem:
  • A votação nominal, que exige a chamada individual de cada Parlamentar para a manifestação do voto; 
  • A votação simbólica, em que os que quiserem manifestar-se pela rejeição devem levantar-se. Essas modalidades de votação são disciplinadas pelos regimentos legislativos nas três esferas da Federação.
b) Quórum de aprovação: previsão de uma regra geral de quórum de aprovação das medidas submetidas ao legislativo. Se não houver previsão expressa do quórum de aprovação de determinada medida legislativa, aplica-se a regra geral, que é a maioria simples, isto é, maioria dos presentes. 

Os arts. 48 e seguintes tratam das atribuições do Congresso e de suas casas legislativas. Nesses dispositivos, é possível identificar a divisão tradicional de funções típicas e atípicas. As típicas, constituindo, segundo o modelo clássico, as funções legislativa e a de fiscalização da Administração Pública. 

Quanto à função legislativa, a Constituição afastou-se do modelo adotado em alguns países da Europa que deixou de reconhecê-la como atribuição típica do parlamento, pois neste modelo a função legislativa é dividida entre governo e parlamento. A CF/88 revela opção expressa pelo sistema tradicional, que reconhece como típica do Congresso a função legislativa, pois o caput do art. 48 prevê que cabe ao Congresso legislar sobre todas as matérias de competência da União federal.

Mesmo tendo considerado como típica do Congresso a função legislativa, a Constituição previu diversos mecanismos que legitimam a interferência do Executivo nos trabalhos legislativos, como por exemplo iniciativa legislativa do Presidente da República, procedimento de urgência para projetos de iniciativa do Presidente, veto e edição de medidas provisórias.

Quanto à função de fiscalização da Administração Pública, em diversos momentos a Constituição prevê instrumentos para a sua viabilização, o que é próprio de uma Constituição social, que organiza um Estado social, possuidor de uma Administração agigantada (reforçando a necessidade de controle). São exemplos de instrumentos de fiscalização e de controle da Administração, pelo Legislativo, o art. 49, V, que prevê a competência do Congresso para sustar atos regulamentares do Executivo que extrapolem os limites de seu poder regulamentar. Também no art. 49, XI, ao prever a competência do Congresso para, anualmente, julgar as contas do Presidente da República, norma complementada pelo art. 51, II, que prevê a competência da Câmara dos Deputados para a tomada de contas do Presidente quando não apresentadas ao Congresso. Além disso, o art. 49, X, prevê textualmente a competência do Congresso para fiscalizar e controlar os atos do Executivo, inclusive da Administração Indireta. O art. 49, XI, prevê a competência do Congresso para zelar, mediante Decreto Legislativo, pela preservação de sua competência legislativa diante da atribuição normativa dos outros Poderes. O mesmo art. 49, no inciso XII, prevê a competência do Congresso para apreciar os atos do Executivo de concessão e de renovação de concessão de emissoras de TV e rádio. O art. 49, XIV, prevê a competência do Congresso para aprovar iniciativas do Executivo sobre atividades nucleares.

Já o art. 50 prevê o poder da Câmara e do Senado, bem como de qualquer comissão parlamentar, de requisição de informações a Ministros de Estado e titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República a respeito de suas áreas de atuação. Poderá o Legislativo requisitar estas informações para que sejam prestadas por escrito ou pessoalmente. A não prestação implica crime de responsabilidade. Temos aí um instrumento tipicamente parlamentarista que foi adotado no Brasil pela primeira vez pela Constituição de 1934, como consequência da Revolução de 1932.

Outro importante instrumento de fiscalização está no art. 58, §3º, que prevê a possibilidade de criação de CPI.


2.4) Principais Aspectos das CPIs

a) Criação: de acordo com o art. 58, §3º, a criação de CPI depende da apresentação de requerimento subscrito por pelo menos 1/3 dos membros da respectiva casa legislativa. Na hipótese de CPI mista, o requerimento será subscrito por pelo menos 1/3 dos Deputados e 1/3 dos Senadores (e não 1/3 do Congresso). O requerimento é endereçado ao Presidente da casa. Para o STF, a mera apresentação desse requerimento impõe a criação da CPI. Seria inconstitucional previsão legal ou regimental que exigisse a apreciação deste requerimento pelo plenário da casa. O STF firmou esta posição ao visualizar, no art. 58, §3º, no momento em que prevê o requisito da subscrição por 1/3, um direito, o chamado direito de oposição e de promover investigação que cabe às minorias parlamentares;

b) Composição: segue o princípio da representação proporcional aos partidos previsto no art. 58, §1º, para todas as comissões parlamentares (e não apenas a CPI). Isto significa que os partidos com mais vagas na casa terão mais vagas nas comissões, sendo sempre reservada vaga para as minorias. Definidas as vagas dos partidos, os líderes partidários é que indicarão os nomes dos integrantes. Para o STF, diante de eventual omissão dos líderes, esta função será do Presidente da casa; afinal, a não instalação de CPI por falta de indicação de seus integrantes também implicaria violação ao direito de oposição e de promover investigação que cabe às minorias parlamentares;
  • Composta a CPI, seus membros elegerão o Presidente da comissão, que escolherá, por sua vez, o Relator.
c) Prazo de funcionamento: por ser modalidade de comissão temporária, a Constituição prevê que CPI terá prazo certo de funcionamento, não especificado pela CF. Para o STF, uma CPI poderá demorar, no máximo, incluindo prorrogações, até o final da legislatura em que foi criada a comissão;

d) Publicidade das Sessões de CPI: para o STF, vale para a CPI a regra de publicidade das sessões em geral do Poder Legislativo. Portanto, as sessões de CPI são, via de regra, públicas, e só poderão ser reservadas ou secretas por previsão regimental ou deliberação da própria comissão; jamais por determinação judicial, em razão do princípio da separação de poderes. 
  • Outro fundamento desta posição lançado pelo Supremo é o fato de que a Constituição prevê que CPI terá poderes de investigação próprios de autoridades judiciais. Portanto, como no Judiciário as audiências e sessões dos tribunais são, via de regra, públicas, o mesmo deve ocorrer com as sessões de CPI.
e) Objeto de Investigação: CPI só poderá investigar fato determinado, precisamente definido. Jamais questões genéricas ou simples cogitações. Para o STF, se durante o trabalho da CPI forem detectados outros fatos determinados que devam ser apurados, a mesma CPI poderá investigá-los, desde que haja conexão entre eles e o fato originário;

f) Conclusão dos Trabalhos da CPI: como CPI não julga, ao encerrar o trabalho investigativo, deverá aprovar um relatório final, no qual especificará todas suas conclusões. Se o relatório for rejeitado, designa-se um novo relator, e o primeiro relatório será anexado como se voto vencido fosse. O relatório aprovado pela CPI será enviado aos órgãos competentes para providências posteriores (ex.: ao MP para fins de responsabilização civil e penal, à mesa da Câmara, do Senado, ao Tribunal de Contas, ao Poder Executivo para eventual instauração de processo disciplinar, a outra comissão parlamentar, etc.). O papel da CPI é relatar.

g) Poderes das CPIs: de acordo com o art. 58, §3º, CPI tem poderes de investigação próprios de autoridades judiciais. Para o STF, em relação à prisão, CPI só poderá determinar em flagrante, e poderá convocar cidadãos e autoridades para que prestem depoimentos. Em relação à convocação de Juízes, a CPI só poderá determinar se o objeto da investigação for fato relacionado à função administrativa do Judiciário; afinal, o Legislativo, em nome da separação de poderes, não pode fiscalizar o Judiciário no exercício da função jurisdicional. O STF reconhece os seguintes direitos a todos aqueles que depõem perante CPI, independentemente da condição do depoente:
  • Direito ao silêncio, mas apenas em relação às perguntas que puderem prejudicar o depoente: é o direito à não autoincriminação;
  • Direito de não ser preso pelo exercício dessa prerrogativa, seja por crime de falso testemunho, seja por crime de desobediência;
  • Direito de não ter o silêncio interpretado em seu desfavor.
  • CPI pode, mediante decisão própria, e desde que fundamentada em fatos concretos (nunca em matéria jornalística, apenas), determinar a quebra de sigilos bancário, fiscal, negocial, telefônico no sentido de dados e registros telefônicos, além do telemático ou informações computadorizadas. A decisão deverá especificar o período sobre o qual a CPI pretende as informações.
  • Os dados obtidos pela CPI com a quebra de sigilo, são protegidos, em princípio, pela confidencialidade. Porém, de acordo com o STF, por relevante motivo de interesse público (justa causa), as informações poderão ser divulgadas. 
  • A fim de restringir os poderes de CPI, o STF construiu a figura da cláusula de reserva jurisdicional. Isto significa que tudo aquilo que a Constituição expressamente reservou para decisão judicial, não pode ser determinado diretamente por CPI, como por exemplo busca e apreensão domiciliar e interceptação telefônica, em razão do previsto no art. 5º, XI e XII. 
  • O STF entendeu também que CPI estadual tem os mesmos poderes de CPI federal. Quanto à CPI municipal, o STF não se manifestou de forma direta, e há divisão na doutrina. A posição que sustenta o não reconhecimento dos poderes de CPI federal à CPI municipal toma por base o fato de que não há Poder Judiciário municipal, significando que a Constituição não quis o exercício de poderes próprios de Juízes para autoridades municipais. A posição contrária alega que a razão de ser de uma CPI é a função de fiscalização da Administração que cabe ao Legislativo, e isto é próprio do Legislativo das três esferas da Federação. Portanto, negar os mencionados poderes a CPI municipal seria o mesmo que eliminar a função de fiscalização que é própria dos parlamentos. 
  • As funções atípicas do Legislativo correspondem à administrativa (no que diz respeito à gestão interna do Congresso e de suas casas). A outra função atípica é a de julgar certas autoridades por crimes de responsabilidade. O nome dado ao processo de crime de responsabilidade que tramita perante o Legislativo é impeachment (to impeach = acusar). 
  • Sujeitam-se a impeachment: Presidente da República, seu Vice, Ministros do STF, PGR, AGU, Conselheiros do CNJ e do CNMP. Também os Ministros de Estado e Comandantes das Forças Armadas, os quais só serão julgados por crime de responsabilidade pelo Legislativo se houver conexão entre seus atos e crime de responsabilidade do Presidente; se não houver esta conexão, serão julgados por crime de responsabilidade pelo STF. 
  • Procedimento do impeachment: CF/88, arts. 51 e 52, e Lei nº 1.079/50. No caso de crime de responsabilidade do Presidente, Vice e Ministros de Estado, a Câmara exercerá um juízo de admissibilidade, e só autorizará a instauração do processo pelo voto de 2/3 dos Deputados. Havendo autorização da Câmara, o processo será instaurado no Senado, onde também ocorrerão a tramitação (observada a ampla defesa) e o julgamento. Nos demais casos, não há a participação da Câmara dos Deputados, e ocorrerá no próprio Senado um juízo de admissibilidade mais simples, nos termos da Lei citada, onde também ocorrerão a instauração, tramitação e julgamento. Em todos esses casos, o Senado será excepcionalmente presidido pelo Ministro-Presidente do STF, que coordenará os trabalhos conduzindo o processo como faz o relator no processo judicial, mas não terá direito de voto (o Vice-Presidente do STF presidirá se o indiciado for o Presidente do STF). O Senado só condenará pelo voto de 2/3 dos seus membros, e as penas aplicáveis são a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de função pública por 8 anos. Para o STF, não cabe ao Judiciário rever o mérito desta decisão do Senado; afinal, de acordo com o art. 52, Parágrafo único, esta é uma competência privativa do Senado. Só será exercido o controle judicial por vício formal. O STF entendeu também que a pena de inabilitação para o exercício de função pública não é acessória à pena de perda do cargo. Na prática, isto significa que eventual renúncia apresentada após o início da sessão de julgamento não obstruirá sua continuidade.
PGFN 2015
2- A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) exerce importante papel no ordenamento jurídico brasileiro. A ela a vigente Constituição Federal outorgou poderes que são próprios àqueles historicamente outorgados ao Poder Judiciário. Sobre a CPI, é correto afirmar que:

GABARITO: b) segundo entendimento do STF, é ilegítima a rejeição de criação de CPI pelo plenário da Câmara dos Deputados, ainda que por expressa votação majoritária, porquanto a Constituição protege a prerrogativa institucional de investigar, especialmente a dos grupos minoritários que atuam no âmbito dos corpos legislativos.


2.5) Imunidades Parlamentares - art. 53

São prerrogativas que decorrem do exercício do mandato dos parlamentares. Por isso, prevalece o entendimento de que os parlamentares não estarão por elas amparados nos períodos de afastamento temporário do mandato, como nos casos autorizados pelo art. 56 da Constituição, para exercício de outros cargos.

O abuso de imunidade configura ato contrário ao decoro parlamentar - art. 55, §1º, o que autoriza a respectiva Casa legislativa a determinar a perda do mandato pelo voto aberto de sua maioria absoluta.

Modalidades:

2.5.1) Imunidade Material ou Inviolabilidade: significa que Deputados e Senadores são invioláveis civil e penalmente por quaisquer palavras, opiniões e votos. Esta imunidade visa a fortalecer a liberdade de expressão do parlamentar, inclusive a fim de estimular o exercício da função de fiscalização da Administração, promovendo denúncias de irregularidades.
  • Esta imunidade abrange a palavra verbalmente manifestada, como também a palavra escrita, publicações, entrevistas, declarações aos meios de comunicação e divulgação, pela imprensa, de seus pronunciamentos e trabalhos legislativos;
  • De acordo com o STF, se o pronunciamento ocorrer no recinto do Congresso Nacional, a imunidade material será absoluta. Se o pronunciamento ocorrer fora do Congresso, a imunidade material será assegurada, mas desde que haja nexo entre o pronunciamento e o mandato;
  • Na esfera penal, segundo o STF, essa imunidade descaracteriza a tipicidade penal dos crimes que decorrem do uso da palavra; exclui a própria natureza delituosa do fato;
  • Na área cível, esta imunidade afasta a responsabilidade civil por danos morais e materiais decorrentes do pronunciamento.

2.5.2) Imunidade Formal: é dividida em imunidade prisional e imunidade processual;

a) Imunidade prisional: Deputados e Senadores não podem ser presos durante o exercício do mandato, o que alcança até mesmo prisão civil. Exceção: podem ser presos em casos de flagrante de crime inafiançável, porém nessa situação o fato deverá ser comunicado em 24 horas à Casa legislativa do parlamentar, que decidirá mediante voto aberto sobre a manutenção ou não da prisão;

  • O STF entendeu que a imunidade prisional não se aplica à prisão decorrente de condenação criminal transitada em julgado.
b) Imunidade processual: refere-se apenas a processos por infrações penais comuns (crimes e contravenções), e não alcança a fase de inquérito. Antes da EC nº 35, a Constituição exigia prévia autorização da casa legislativa do parlamentar para a instauração do processo-crime. Esta exigência foi eliminada pela Emenda. No sistema atual, o processo-crime pode ser normalmente instaurado perante o STF;

  • O STF, após receber a denúncia ou queixa, comunicará o fato à Casa legislativa do parlamentar. A partir de então, e a qualquer momento até a decisão judicial final, qualquer partido com representação na casa poderá solicitar à própria Casa a sustação do processo judicial. A Casa terá o prazo improrrogável de 45 dias para apreciar o pedido, e pelo voto da maioria absoluta poderá determinar a suspensão do processo judicial até o término do mandato. A prescrição também ficará suspensa; 
  • Conforme determinou a Emenda nº 35, a imunidade processual só pode ser aplicada a processos por crimes cometidos após a diplomação (certificado de vitória nas urnas expedido pelo TSE); 
  • Se o parlamentar for reeleito: para o STF, reeleição não é continuidade de mandato. Afinal, há uma nova deliberação popular e uma nova investidura. Portanto, a imunidade processual não se projeta de um mandato a outro. O STF destacou que no momento em que a Constituição diz que a imunidade processual aplica-se apenas a processos por crimes cometidos após a diplomação, referiu-se apenas a atual diplomação.

O art. 53, §8º, prevê que essas imunidades também são asseguradas durante estado de sítio. Só serão suspensas por decisão de 2/3 da respectiva Casa em razão de atos que o parlamentar tenha praticado fora do Congresso prejudicando a execução das medidas adotadas durante o estado de sítio.

Os Deputados Estaduais e os Distritais possuem as mesmas imunidades dos Federais.

Já os Vereadores possuem apenas a imunidade material (inviolabilidade), e somente na circunscrição do município.


2.6) Incompatibilidades - art. 54

Constituem impedimentos aos membros do Congresso, sendo que algumas delas são aplicadas a partir da diplomação, e outras a partir da posse.


2.6.1) A Partir da Diplomação

a) Não podem firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista e concessionária de serviço público, exceto em relação a contratos que obedeçam a cláusulas uniformes. Segundo JAS, apesar da divergência relativa a esta expressão, prevalece o entendimento de que é apenas uma referência a contratos de adesão como os de seguro, transporte, gás, luz, etc. Esta é uma incompatibilidade negocial;

b) Aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os demissíveis ad nutum, nos entes e entidades anteriormente mencionados. Esta é uma incompatibilidade funcional.


2.6.2) A Partir da Posse

a) O parlamentar não pode ser proprietário, controlador, diretor nem exercer função remunerada em empresas que gozem de vantagem decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público. Esta é uma incompatibilidade profissional;

b) O parlamentar não pode ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis ad nutum nas pessoas jurídicas de direito público, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, e concessionária de serviço público. Esta é uma incompatibilidade funcional;

c) O parlamentar não pode patrocinar causa em que seja interessado qualquer um dos entes mencionadas acima. Esta é outra incompatibilidade profissional, e refere-se ao exercício da advocacia;

d) O parlamentar não pode ser titular de mais de um cargo ou mandato eletivo (pode até ser diplomado, mas não pode tomar posse). Esta é uma incompatibilidade política.
  • Observação quanto aos Vereadores: CF/88, art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições: III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior (será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração).

2.7) Perda de Mandato Parlamentar

A perda de mandato poderá ocorrer mediante cassação e mediante extinção, sempre assegurada a ampla defesa.

5.7.1) Cassação do Mandato

Ocorrerá a partir de deliberação do Plenário da Casa legislativa do parlamentar, mediante provocação da mesa da Casa ou de qualquer partido com representação no Congresso. Só haverá a cassação do mandato pelo voto aberto da maioria absoluta da respectiva casa. Esta é uma decisão constitutiva negativa, com efeito ex nunc, significando que não basta  a ocorrência do fato gerador da cassação; sem essa votação da Casa legislativa, não há a perda do mandato.

Hipóteses de cassação:

a) Violação à CF/88, art. 54 (incompatibilidades);

b) Conduta contrária ao decoro parlamentar: o próprio art. 55 dá dois exemplos, abuso de prerrogativas e recebimento de vantagem indevida. Em razão da amplitude do termo "decoro", que significa honra, pundonor, brio, é possível enquadrar como conduta contrária ao decoro qualquer ação ou omissão incompatível com a dignidade do Poder Legislativo e do mandato.
  • Autores como Pontes de Miranda chegaram a sustentar que a expressão "decoro parlamentar" abrangeria a figura do crime de responsabilidade de parlamentar. Com isso, a cassação de mandato nessa hipótese seria o impeachment de parlamentar. Porém, em 2009 o STF entendeu que a CF/88 simplesmente não fez alusão a crime de responsabilidade de parlamentar. Portanto, não há impeachment de parlamentar.
  • O STF também entendeu que o parlamentar poderá ter o mandato cassado por violação ao decoro em razão de conduta praticada em período em que ele estivesse afastado do exercício do mandato, como por exemplo ocupando os cargos previstos no art. 56. Afinal, nessas hipóteses, ele não está no exercício do mandato, mas ele permanece parlamentar, podendo inclusive optar pela remuneração do mandato - art. 56, §3º.
c) Condenação criminal transitada em julgado: embora o texto do art. 55 tenha considerado esta hipótese como geradora de cassação, o STF, em um primeiro momento, na AP nº 470 (Mensalão), havia firmado o entendimento de que a própria decisão judicial condenatória, uma vez transitada em julgado, provocaria a perda do mandato automaticamente, isto é, independentemente de posterior deliberação da casa legislativa;
  • Em agosto de 2013, o STF mudou de posição na AP nº 565 (caso Sen. Ivo Cassol), passando a entender que a perda de mandato, nesta hipótese, depende da deliberação da Casa legislativa. Em setembro do mesmo ano, em um mandado de segurança (Dep. Donadon), o Min. Barroso lançou a tese de que, em princípio, a mencionada hipótese depende de deliberação da Casa legislativa. Mas esta é uma regra geral que não teria aplicação no caso de condenação em regime inicial fechado por tempo superior ao prazo remanescente ao mandato, em razão de impossibilidade jurídica e física de exercício do mandato (o sujeito está preso, não tem como ir bater o ponto) - MS nº 32.326.

5.7.2) Extinção do Mandato

Ocorrerá mediante ato declaratório da mesa da respectiva Casa, de iniciativa da própria mesa ou provocação de qualquer de seus membros ou de partido com representação no Congresso. Este ato declaratório é vinculado, e também com efeito ex nunc.

Hipóteses de extinção:

a) Ausência não justificada à terça parte das sessões ordinárias;

b) Casos de perda e suspensão dos direitos políticos, previstos na CF/88, art. 15, ressalvada a hipótese de condenação criminal, que nos termos do art. 55 é causa de cassação;

c) Casos determinados pela Justiça Eleitoral, como julgamento de ação de impugnação de mandato eletivo.
  • O STF entendeu que o mandato político pertence ao partido, e não ao indivíduo; afinal, o art. 14 considera a filiação partidária obrigatória como condição de elegibilidade (não se admite candidatura avulsa, sem filiação partidária, como é possível na Itália por exemplo). Por isso, prevaleceu o entendimento de que o abandono de partido sem justa causa provoca a perda do mandato, por quebra de fidelidade partidária;
  • De acordo com o art. 55, §4º, terá os efeitos suspensos a renúncia de parlamentar apresentada após a instauração de processo que visa a perda de mandato. De acordo com a Lei Complementar nº 64/90 - Lei das Inelegibilidades, a perda de mandato de parlamentar gera inelegibilidade por 8 anos.


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